{"id":3589,"date":"2022-03-07T17:33:15","date_gmt":"2022-03-07T20:33:15","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3589"},"modified":"2022-03-12T21:39:26","modified_gmt":"2022-03-13T00:39:26","slug":"o-papel-das-instituicoes-fiscais-independentes-ifis-e-o-caso-da-ifi-do-brasil","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3589","title":{"rendered":"O papel das Institui\u00e7\u00f5es Fiscais Independentes (IFIs) e o caso da IFI do Brasil"},"content":{"rendered":"
<\/p>\n
Por Felipe Scudeler Salto[1]<\/strong><\/a> e Rafael da Rocha Mendon\u00e7a Bacciotti[2]<\/strong><\/a><\/em><\/p>\n \u00a0<\/strong><\/p>\n As Institui\u00e7\u00f5es Fiscais Independentes (IFIs), ou Conselhos Fiscais, s\u00e3o organismos p\u00fablicos com mandato para realizar an\u00e1lises t\u00e9cnicas e apartid\u00e1rias sobre pol\u00edtica fiscal e or\u00e7ament\u00e1ria. O objetivo \u00e9 melhorar a disciplina fiscal, promover maior transpar\u00eancia das contas p\u00fablicas e elevar a qualidade do debate p\u00fablico nas tem\u00e1ticas de finan\u00e7as p\u00fablicas e economia em geral.<\/p>\n A amplia\u00e7\u00e3o do n\u00famero de conselhos fiscais ao redor do mundo representa uma inova\u00e7\u00e3o institucional importante no campo da pol\u00edtica fiscal (Mulas-Granados, 2018). Em resposta aos efeitos negativos da crise econ\u00f4mica e financeira de 2008, diversos pa\u00edses, particularmente, os que comp\u00f5em a Organiza\u00e7\u00e3o para a Coopera\u00e7\u00e3o do Desenvolvimento Econ\u00f4mico (OCDE), criaram institui\u00e7\u00f5es fiscais independentes para fortalecer a credibilidade da pol\u00edtica fiscal (Kopits, 2016).<\/p>\n Essa tend\u00eancia de aumento \u00e9 observada, principalmente, entre os pa\u00edses membros da Uni\u00e3o Europeia, tendo ganhado mais for\u00e7a com a aprova\u00e7\u00e3o, no Parlamento, do Regulamento n\u00ba 4733[3]<\/a>, de 2013. Como parte da resposta da regi\u00e3o \u00e0 crise da d\u00edvida p\u00fablica, o Regulamento atribuiu mandato a um “\u00f3rg\u00e3o independente”, em n\u00edvel nacional, para monitorar o cumprimento das regras da pol\u00edtica fiscal e fornecer ou endossar previs\u00f5es macroecon\u00f4micas e fiscais realistas para a elabora\u00e7\u00e3o do or\u00e7amento (FMI, 2013 e Ribeiro, 2020).<\/p>\n A din\u00e2mica desfavor\u00e1vel do n\u00edvel de endividamento foi amplificada pelas pol\u00edticas de est\u00edmulo e pelas perdas acumuladas de receitas. Somou-se a isso o fato de o conjunto de regras num\u00e9ricas utilizadas para controlar a discricionariedade da pol\u00edtica fiscal, no processo or\u00e7ament\u00e1rio, n\u00e3o garantir, isoladamente, a condu\u00e7\u00e3o prudente das contas p\u00fablicas. Esses fatores favoreceram o surgimento de fiscal watchdogs (vigilantes ou c\u00e3es de guarda), no p\u00f3s-crise, com apoio crescente obtido junto aos organismos multilaterais.<\/p>\n A OCDE, por exemplo, divulgou, em 2014, os princ\u00edpios orientadores para o design<\/em> e operacionaliza\u00e7\u00e3o das IFIs. Trata-se de codifica\u00e7\u00e3o de valores m\u00ednimos de governan\u00e7a que resultou de discuss\u00f5es e sistematiza\u00e7\u00e3o de boas pr\u00e1ticas \u2013, reconhecendo o potencial papel positivo dessas institui\u00e7\u00f5es[4]<\/a>.<\/p>\n O Fundo Monet\u00e1rio Internacional, por sua vez, mapeia a exist\u00eancia de 39 IFIs operando em 2016 (\u00faltimo levantamento dispon\u00edvel)[5]<\/a>, 25 das quais apareceram depois da crise econ\u00f4mica e financeira de 2008, como se observa no Gr\u00e1fico 1. \u00a0As IFIs veteranas, existentes antes da crise, como o \u201cCongressional Budget Office\u201d<\/em> (CBO) dos Estados Unidos e o caso pioneiro na Holanda \u2013 \u201cCentral Planning Bureau<\/em>\u201d (CPB) \u2013, diferem da nova gera\u00e7\u00e3o de IFIs, por terem aparecido em resposta a eventos hist\u00f3ricos locais e\u00a0 singulares (Bjios, 2014).<\/p>\n \u00a0<\/strong><\/p>\n \u00a0<\/strong><\/p>\n Do ponto de vista te\u00f3rico, as IFIs aparecem, na literatura, ao lado das regras fiscais (mecanismos que introduzem, por certo per\u00edodo, restri\u00e7\u00f5es ou limites quantitativos para alguma das vari\u00e1veis fiscais como: d\u00edvida, resultado, resultado estrutural, despesa ou receita). S\u00e3o tidas como solu\u00e7\u00f5es institucionais mais comuns para atenuar o vi\u00e9s deficit\u00e1rio (tend\u00eancia crescente do d\u00e9ficit e do n\u00edvel de endividamento p\u00fablico ao longo do tempo) e a pr\u00f3-ciclicidade do gasto p\u00fablico (tend\u00eancia a gastar receitas extraordin\u00e1rias sobretudo nos momentos de alta do ciclo econ\u00f4mico ao inv\u00e9s de poup\u00e1-las para que possam ser utilizadas para estimular o retorno da atividade econ\u00f4mico para o equil\u00edbrio nos momentos de baixa), que acentua a volatilidade do ciclo econ\u00f4mico.<\/p>\n A literatura documenta diversas fontes que estariam por tr\u00e1s da gera\u00e7\u00e3o de d\u00e9ficits persistentes e da tend\u00eancia \u00e0 pr\u00f3-ciclicidade, que impactam a discricionariedade da pol\u00edtica fiscal em muitas economias emergentes e avan\u00e7adas, afetam a din\u00e2mica da d\u00edvida p\u00fablica (favorecendo a recorr\u00eancia de crises fiscais) e reduzem o bem-estar social.\u00a0 As implica\u00e7\u00f5es negativas sobre a estabilidade macroecon\u00f4mica fundamentam a \u00eanfase colocada na restaura\u00e7\u00e3o e manuten\u00e7\u00e3o de posi\u00e7\u00f5es fiscais s\u00f3lidas. (Hemming e Joyce, 2013)<\/p>\n Calmfors e Wren-Lewis (2011) lista diversas classes te\u00f3ricas de explica\u00e7\u00f5es:<\/p>\n (i) assimetrias de informa\u00e7\u00e3o entre o p\u00fablico e o governo: os eleitores podem n\u00e3o conhecer a posi\u00e7\u00e3o fiscal do seu pa\u00eds ou as proje\u00e7\u00f5es macrofiscais podem ser pouco realistas, por exemplo;<\/p>\n (ii) a impaci\u00eancia, principalmente dos governos, em raz\u00e3o de objetivos eleitorais, pode lev\u00e1-los a desejar aumentar o produto interno acima de seu n\u00edvel natural, por meio de a\u00e7\u00f5es fiscais expansionistas;<\/p>\n (iii) conflito intergeracional: gera\u00e7\u00e3o de eleitores pode n\u00e3o levar em conta que a carga futura aumentar\u00e1, por exemplo, no caso em que a pol\u00edtica fiscal atribua peso pequeno \u00e0 press\u00e3o de gastos associada com o envelhecimento da popula\u00e7\u00e3o (Carlin e Soskice, 2015);<\/p>\n (iv) a competi\u00e7\u00e3o entre os partidos pol\u00edticos pode fazer com que os governos n\u00e3o internalizem totalmente o custo da d\u00edvida;<\/p>\n (v) o problema dos recursos comuns leva atores do processo or\u00e7ament\u00e1rio a pressionar por mais gastos ou incentivos tribut\u00e1rios; e<\/p>\n (vi) a inconsist\u00eancia temporal de compromissos de interesse nacional firmados ex ante<\/em>, que podem deixar de ser desej\u00e1veis por quest\u00f5es eleitorais, por exemplo.<\/p>\n Na sequ\u00eancia, os autores exploram as potencias contribui\u00e7\u00f5es que os conselhos fiscais poderiam dar no sentido de reduzir o vi\u00e9s deficit\u00e1rio e fortalecer a disciplina fiscal:<\/p>\n (i) avalia\u00e7\u00e3o ex-post<\/em> para averiguar o comportamento passado da pol\u00edtica fiscal, se houve cumprimento das metas ou n\u00e3o;<\/p>\n (ii) avalia\u00e7\u00e3o ex-ante<\/em> sobre a probabilidade de cumprimento das metas fiscais;<\/p>\n (iii) an\u00e1lise de sustentabilidade ou equil\u00edbrio de longo prazo das finan\u00e7as p\u00fablicas;<\/p>\n (iv) an\u00e1lise de transpar\u00eancia das contas p\u00fablicas;<\/p>\n (v) mensura\u00e7\u00e3o do custo e do impacto fiscal de proposi\u00e7\u00f5es de pol\u00edticas p\u00fablicas;<\/p>\n (vi) proje\u00e7\u00f5es macroecon\u00f4micas; e<\/p>\n (vii) formula\u00e7\u00e3o de recomenda\u00e7\u00f5es normativas sobre a pol\u00edtica fiscal.<\/p>\n A Tabela 1, extra\u00edda de FMI (2013), sintetiza diversas explica\u00e7\u00f5es potenciais do vi\u00e9s deficit\u00e1rio, posicionando-as ao lado das fun\u00e7\u00f5es que as IFIs poderiam exercer no decorrer de seus mandatos para atenuar as imperfei\u00e7\u00f5es e distor\u00e7\u00f5es existentes na condu\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica fiscal, de modo a reduzir a assimetria de informa\u00e7\u00e3o entre os formuladores de pol\u00edtica e os eleitores.<\/p>\n <\/p>\n Apesar da experi\u00eancia relativamente recente com conselhos fiscais na maior parte dos pa\u00edses, a literatura, a partir de an\u00e1lises econom\u00e9tricas complementadas por nuances narrativas de estudos de casos, tem avan\u00e7ado no sentido de avaliar se eles t\u00eam obtido sucesso (se t\u00eam sido efetivos) na tarefa de influenciar os formuladores de pol\u00edticas na dire\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas fiscais s\u00f3lidas. (Lled\u00f3, 2018)<\/p>\n Al\u00e9m do fato de serem, em sua maioria, institui\u00e7\u00f5es novas e heterog\u00eaneas entre si, existem muitos desafios metodol\u00f3gicos associados \u00e0 avalia\u00e7\u00e3o emp\u00edrica do impacto dos conselhos no desempenho fiscal, que derivam, entre outros fatores: i) da exist\u00eancia de causalidade reversa, uma vez que governos mais comprometidos com a disciplina fiscal tendem a ser mais sens\u00edveis \u00e0 promo\u00e7\u00e3o de reformas institucionais e ii) do fato de n\u00e3o serem os \u00fanicos elementos no arcabou\u00e7o institucional encarregadas de encorajar pol\u00edticas fiscais sustent\u00e1veis (Lled\u00f3, 2018).<\/p>\n Hagemann (2011) indica que a exist\u00eancia de conselhos fiscais bem desenhados \u00e9 uma condi\u00e7\u00e3o necess\u00e1ria para melhorar a performance fiscal, embora a falta de comprometimento pol\u00edtico com um objetivo de m\u00e9dio prazo e, em alguns casos, com o pr\u00f3prio mandato dos conselhos, limitaria melhorias duradouras.<\/p>\n Debrun e Kinda (2014), utilizando dados em painel de uma amostra de 58 economias avan\u00e7adas e emergentes, de 1990 a 2011, e cientes dos desafios de endogeneidade associados \u00e0 estima\u00e7\u00e3o econom\u00e9trica, relacionam a presen\u00e7a de IFIs com o desempenho fiscal (medido pelo n\u00edvel do resultado prim\u00e1rio), controlados por outros efeitos que influenciam o desempenho fiscal, como o hiato do produto e o n\u00edvel de endividamento. A conclus\u00e3o do estudo sugere que a exist\u00eancia de conselhos em si n\u00e3o \u00e9 suficiente para promover disciplina fiscal (a correla\u00e7\u00e3o \u00e9 positiva, mas n\u00e3o significante em termos estat\u00edsticos), o que ocorre apenas quando o conselho apresenta certas caracter\u00edsticas e atribui\u00e7\u00f5es:<\/p>\n Beetsma et al (2018), utilizando a base de dados sobre conselhos do FMI atualizada at\u00e9 2016, tamb\u00e9m traz evidencias emp\u00edricas no sentido de que a presen\u00e7a de conselhos fiscais bem desenhados parece reduzir o vi\u00e9s otimista nas proje\u00e7\u00f5es or\u00e7ament\u00e1rias e favorecer o cumprimento das regras fiscais.<\/p>\n Lled\u00f3 (2018) constata, a partir da revis\u00e3o de diversos estudos emp\u00edricos e casos narrativos, que conselhos bem desenhados, dotados de certas caracter\u00edsticas (independ\u00eancia com rela\u00e7\u00e3o a disputas pol\u00edticas e impacto na m\u00eddia) e fun\u00e7\u00f5es (produzir ou avaliar proje\u00e7\u00f5es macroecon\u00f4micas e monitorar o cumprimento de regras fiscais), parecem ter maior capacidade em promover pol\u00edticas fiscais s\u00f3lidas.<\/p>\n <\/p>\n Como se observou na se\u00e7\u00e3o 3 deste cap\u00edtulo, parece haver um consenso na literatura de que o desenho de um conselho efetivo, capaz de melhorar o desempenho da pol\u00edtica fiscal, passa, principalmente, pela presen\u00e7a constante no debate p\u00fablico, pelo grau de independ\u00eancia e pelo papel na produ\u00e7\u00e3o ou avalia\u00e7\u00e3o de proje\u00e7\u00f5es macroecon\u00f4micas e no monitoramento do cumprimento de regras fiscais.<\/p>\n A base de dados da OCDE sobre as IFIs (OCDE, 2019)[6]<\/a> possibilita mapear algumas dessas caracter\u00edsticas chave e situar o Brasil \u2013 que \u00e9 o \u00fanico pa\u00eds, al\u00e9m dos membros da organiza\u00e7\u00e3o, monitorado nessa base \u2013 em rela\u00e7\u00e3o aos pa\u00edses membros da Organiza\u00e7\u00e3o.<\/p>\n A base \u00e9 bastante ampla e permite acessar informa\u00e7\u00f5es sobre o contexto para estabelecimento, base legal, modelo institucional, relacionamento com o legislativo, independ\u00eancia, lideran\u00e7a, recursos, mandato e fun\u00e7\u00f5es, publica\u00e7\u00f5es, acesso \u00e0 informa\u00e7\u00e3o, transpar\u00eancia, apoio consultivo e acordos de avalia\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Segundo o monitoramento, 28 dos 36 pa\u00edses membros t\u00eam IFIs em opera\u00e7\u00e3o. O Brasil, \u00fanico pa\u00eds n\u00e3o pertencente \u00e0 OCDE, tamb\u00e9m \u00e9 acompanhado pelo \u00f3rg\u00e3o multilateral em sua base de dados que mapeia as principais caracter\u00edsticas dessas institui\u00e7\u00f5es.<\/p>\n Na pr\u00e1tica, como se observa na Tabela 2, 73% desses organismos se envolvem com proje\u00e7\u00f5es macrofiscais (sendo que, algumas delas, como o CBO, dos Estados Unidos, produzem proje\u00e7\u00f5es alternativas que servem de base de compara\u00e7\u00e3o para as proje\u00e7\u00f5es do governo; outras preparam as proje\u00e7\u00f5es utilizadas pelo governo, como o OBR do Reino Unido e o CPB da Holanda; enquanto outras endossam ou opinam sobre as previs\u00f5es oficiais); 70,3% s\u00e3o incumbidas de monitorar o cumprimento das regras fiscais, ao passo que 64,9% t\u00eam um papel na an\u00e1lise de sustentabilidade fiscal de longo prazo. Por outro lado, 40,5%, 29,7% e 10,8% apuravam o custo fiscal de iniciativas do governo, realizavam suporte a parlamentares com an\u00e1lises sobre o or\u00e7amento e avalia\u00e7\u00e3o do custo de plataformas eleitorais, respectivamente.<\/p>\n \u00a0<\/strong><\/p>\n Tabela 2. Fun\u00e7\u00f5es de uma IFI de acordo com a OCDE<\/strong><\/p>\n\n
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\nCrit\u00e9rios para avalia\u00e7\u00e3o de efetividade das IFIs no desempenho fiscal<\/strong><\/li>\n<\/ol>\n\n
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