{"id":3557,"date":"2022-01-24T02:45:56","date_gmt":"2022-01-24T05:45:56","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3557"},"modified":"2022-01-24T02:45:56","modified_gmt":"2022-01-24T05:45:56","slug":"emendas-parlamentares-aqui-e-nos-eua","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3557","title":{"rendered":"Emendas parlamentares, aqui e nos EUA"},"content":{"rendered":"

Emendas parlamentares, aqui e nos EUA<\/strong><\/h1>\n

\u00a0<\/strong><\/p>\n

No Brasil, o dinheiro das emendas \u00e9 pulverizado em pequenos projetos nas bases eleitorais dos congressistas<\/strong><\/span><\/h3>\n

\u00a0<\/strong><\/p>\n

\u00a0<\/em>Por Roberto Macedo<\/em><\/p>\n

 <\/p>\n

Minha indisposi\u00e7\u00e3o quanto a essas emendas \u00e9 antiga. Meu primeiro artigo aqui sobre o assunto foi em 7\/7\/2011(!), intitulado\u00a0Porcas emendas parlamentares<\/em>, inspirado pela forma com que o assunto \u00e9 encarado nos EUA, onde permanece como problema, ainda que n\u00e3o t\u00e3o s\u00e9rio como no Brasil. Hoje vou comparar com mais detalhes as emendas nos dois pa\u00edses.<\/p>\n

L\u00e1, verbas desse tipo t\u00eam via met\u00e1fora uma conota\u00e7\u00e3o pejorativa, e \u00e9 comum cham\u00e1-las de\u00a0pork barrel.<\/em>\u00a0Consultando dicion\u00e1rio de ingl\u00eas, vi que se trata da \u201capropria\u00e7\u00e3o legislativa destinada a prestigiar legisladores diante de seus constituintes\u201d. Mas\u00a0pork<\/em>\u00a0\u00e9 carne de porco, e\u00a0barre<\/em>l \u00e9 barril, lembrando tempos antigos quando a carne cozida era guardada em barricas com banha de porco. Eram mesmo uma porcaria, com seu conte\u00fado gorduroso, pegajoso e sanitariamente vulner\u00e1vel.<\/p>\n

Nos EUA h\u00e1 a organiza\u00e7\u00e3o CAGW (Citizens Against Government Waste<\/em>, ou\u00a0Cidad\u00e3os Contra o Desperd\u00edcio Governamental<\/em>,\u00a0www.cagw.org<\/em><\/a>), que procura identificar emendas desse tipo no or\u00e7amento federal, considerando como\u00a0pork<\/em>\u00a0as que satisfazem ao menos um destes crit\u00e9rios: s\u00e3o solicitadas s\u00f3 por uma das Casas do Congresso; n\u00e3o s\u00e3o especificamente autorizadas; n\u00e3o s\u00e3o competitivamente concedidas; n\u00e3o foram solicitadas pelo Executivo; n\u00e3o passaram por audi\u00eancias no Congresso; servem apenas a interesse local ou especial.<\/p>\n

Listando porks<\/em>, a CAGW faz todo ano um balan\u00e7o do assunto, que em 2021 completou a sua 29.\u00aa(!) edi\u00e7\u00e3o, com o t\u00edtulo (tradu\u00e7\u00e3o parcial):\u00a0Livro de Pork Congressional \u2013 Resumo<\/em>, tendo na capa o desenho de um porco gordo com faixa de autoridade, e o subt\u00edtulo\u00a0O livro que Washington n\u00e3o quer que voc\u00ea leia<\/em>. Mensalmente, um congressista \u00e9 apontado como porcalh\u00e3o do m\u00eas, por ter apresentado a emenda mais descabida. O Congresso dos EUA havia colocado uma morat\u00f3ria nas emendas. Contudo, mais recentemente elas cresceram de 163 em 2017 para 285 em 2021, e o valor em bilh\u00f5es de d\u00f3lares passou de 6,8 para 16,8 no mesmo per\u00edodo.<\/p>\n

Aqui o n\u00famero de emendas \u00e9 bem superior a 285, e creio que com participa\u00e7\u00e3o maior no Or\u00e7amento, em termos relativos. O valor or\u00e7ado em 2021 foi de R$ 35,4 bilh\u00f5es, sendo que chamadas emendas de relator ficaram em R$ 18,5 bilh\u00f5es, conforme informa\u00e7\u00e3o da CNN. Elas n\u00e3o t\u00eam seus objetivos explicitados no Or\u00e7amento, e parece-me que podem ser definidas no pr\u00f3prio ano de execu\u00e7\u00e3o. O Supremo j\u00e1 se manifestou contra essa falta de transpar\u00eancia, mas o assunto ainda n\u00e3o teve solu\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Nos EUA h\u00e1 uma restri\u00e7\u00e3o important\u00edssima: os congressistas que apresentam essas emendas devem certificar que eles, seus c\u00f4njuges e sua fam\u00edlia n\u00e3o t\u00eam interesse nos seus projetos, uma regra n\u00e3o seguida no Brasil, onde em geral os congressistas fazem as emendas com o objetivo de favorecer munic\u00edpios para ter apoio numa campanha de reelei\u00e7\u00e3o. Mas, segundo o referido balan\u00e7o, \u201c…n\u00e3o h\u00e1 restri\u00e7\u00e3o a que seja feita uma contribui\u00e7\u00e3o para a campanha de reelei\u00e7\u00e3o do congressista em troca de uma emenda\u201d. Aqui tamb\u00e9m n\u00e3o h\u00e1 essa restri\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Outra diferen\u00e7a \u00e9 que l\u00e1, quando examinei o assunto em 2011, soube que dezenas de congressistas declararam sua oposi\u00e7\u00e3o \u00e0s emendas. O \u00faltimo relat\u00f3rio da CAGW mencionou o caso do famoso e j\u00e1 falecido senador do Partido Republicano John McCain, ex-candidato \u00e0 presid\u00eancia do pa\u00eds, que assim enfrentou os adeptos delas: \u201cO problema com todos os argumentos deles \u00e9: quanto mais poderoso voc\u00ea seja, maior \u00e9 a probabilidade de emplacar emendas. Assim, \u00e9 um sistema corrupto\u201d. Isto ocorre tamb\u00e9m no Brasil.<\/p>\n

Em retrospecto, as grandes diferen\u00e7as do Brasil relativamente aos EUA s\u00e3o que aqui as emendas v\u00eam em maior n\u00famero e custam relativamente mais; a regra de n\u00e3o beneficiar o pr\u00f3prio congressista e seus parentes n\u00e3o existe; \u00e9 imensa a falta de transpar\u00eancia das emendas de relator, que l\u00e1 inexistem. S\u00e3o usadas no troca-troca com o Congresso, de apoio em geral ao governo e em vota\u00e7\u00f5es espec\u00edficas. Com o dom\u00ednio do Parlamento e do presidente pelo Centr\u00e3o, este passou a controlar a maior parte do or\u00e7amento discricion\u00e1rio em seus objetivos, ao contr\u00e1rio das despesas obrigat\u00f3rias de pessoal e Previd\u00eancia. Como resultado, o ampliado dinheiro das emendas \u00e9 pulverizado em pequenos projetos nas bases eleitorais dos congressistas, prejudicando investimentos tipicamente federais de alcance regional e nacional, como na prote\u00e7\u00e3o \u00e0 Amaz\u00f4nia, e tamb\u00e9m em sa\u00fade, educa\u00e7\u00e3o e inclus\u00e3o social.<\/p>\n

Ou seja, aqui a situa\u00e7\u00e3o \u00e9 muito mais grave. Sem o trabalho da imprensa, muito menos saber\u00edamos sobre as emendas, com o destaque recente deste jornal e suas mat\u00e9rias sobre as emendas de relator, que consagraram o uso da express\u00e3o \u201cor\u00e7amento secreto\u201d para descrev\u00ea-las.<\/p>\n

Falta disseminar o conhecimento sobre todas, realizar pesquisas junto aos congressistas para saber quem \u00e9 contra ou a favor, em particular separando as do relator, e que surgissem entidades como a CAGW para acompanhar de perto o assunto e o chiqueiro pol\u00edtico em torno dele.<\/p>\n

 <\/p>\n

Roberto Macedo<\/strong> \u00e9 economista (UFMG, USP e\u00a0Harvard), professor s\u00eanior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.<\/p>\n

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo<\/em> em 20 de janeiro de 2022.<\/p>\n

 <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

O autor critica a pr\u00e1tica das emendas eleitorais que priorizam interesses eleitorais dos parlamentares em vez dos reais interesses do Pa\u00eds, fazendo uma compara\u00e7\u00e3o com o que ocorre nos Estados Unidos.<\/p>\n","protected":false},"author":125,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[6,776],"tags":[907,475,906],"class_list":["post-3557","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-financas-publicas-e-gestao-publica","category-reproducoes","tag-desperdicio","tag-emendas-parlamentares","tag-orcamento-publico"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3557","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/125"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3557"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3557\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3557"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3557"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3557"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}