{"id":3553,"date":"2022-01-05T11:33:22","date_gmt":"2022-01-05T14:33:22","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3553"},"modified":"2022-01-05T11:33:22","modified_gmt":"2022-01-05T14:33:22","slug":"democracia-bem-comum-e-prosperidade-no-brasil","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3553","title":{"rendered":"Democracia, bem comum e prosperidade no Brasil"},"content":{"rendered":"

Democracia, bem comum e prosperidade no Brasil<\/strong><\/h2>\n

\u00a0<\/strong><\/p>\n

O que h\u00e1 de errado com a economia brasileira?<\/strong><\/h3>\n

\u00a0<\/strong><\/p>\n

Por Eiiti Sato*<\/em><\/p>\n

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Democracia e prosperidade<\/strong><\/p>\n

Desde o fim dos governos militares, diante de qualquer problema, os sucessivos governos no Brasil t\u00eam insistido na sua preocupa\u00e7\u00e3o com a \u201cdefesa da democracia\u201d, como se fora uma explica\u00e7\u00e3o e at\u00e9 uma justificativa para qualquer dificuldade ou para qualquer desenvolvimento em curso. A democracia, no entanto, \u00e9 um conceito que, no mundo real, s\u00f3 existe no plural, isto \u00e9, trata-se de um conceito que, quando levado \u00e0 pr\u00e1tica, transforma-se em \u201cdemocracia americana\u201d, \u201cdemocracia francesa\u201d, \u201cdemocracia brit\u00e2nica\u201d etc., que s\u00e3o substancialmente diferentes entre si, tanto em suas trajet\u00f3rias hist\u00f3ricas quanto na organiza\u00e7\u00e3o e no funcionamento de suas institui\u00e7\u00f5es pol\u00edticas. Al\u00e9m disso, entre as democracias, h\u00e1 tamb\u00e9m diferen\u00e7as quanto ao desempenho econ\u00f4mico, que \u00e9 uma dimens\u00e3o essencial para qualquer na\u00e7\u00e3o tanto na esfera dom\u00e9stica quanto nas rela\u00e7\u00f5es com outras na\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

Uma confus\u00e3o muito frequente nas an\u00e1lises correntes entre regimes e formas de governo \u00e9 imaginar que cada forma de governo, inevitavelmente, se associa a um determinado padr\u00e3o de desempenho no funcionamento do Estado e da economia quando, na realidade, monarquias ou rep\u00fablicas podem ser mais autorit\u00e1rias ou mais democr\u00e1ticas, e podem tamb\u00e9m ser bem administradas ou podem ser mal governadas. Em termos de padr\u00e3o, ou de pr\u00e1tica democr\u00e1tica, uma monarquia pode ser muito mais parecida com uma rep\u00fablica do que dois pa\u00edses que adotam formalmente regimes semelhantes com elei\u00e7\u00f5es peri\u00f3dicas de seus governantes e de seus deputados. Durante os muitos s\u00e9culos em que as monarquias governavam a Europa, havia monarquias tir\u00e2nicas e havia tamb\u00e9m monarquias governadas por pr\u00edncipes sensatos, prudentes e s\u00e1bios. Ou seja, havia diferen\u00e7as marcantes nos regimes mon\u00e1rquicos que governaram por s\u00e9culos a Europa. Em geral, regimes tir\u00e2nicos tinham mais dificuldades para promover a prosperidade por muitas raz\u00f5es, entre as quais estava o fato de que regimes autorit\u00e1rios tendiam a se fechar em si mesmos e, em virtude da desconfian\u00e7a em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s mentes independentes, geralmente os tiranos tendiam a desprezar o trabalho e a criatividade de mentes engenhosas e capazes. Na hist\u00f3ria do Brasil, embora o movimento pela Rep\u00fablica justificasse suas demandas sobre \u201cv\u00edcios da monarquia\u201d, as cr\u00f4nicas relatam que Rojas Paul \u2013 presidente da Venezuela \u2013 ao tomar conhecimento da Proclama\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica no Brasil em 1889, teria lamentado \u201cEste \u00e9 o fim da \u00fanica rep\u00fablica que jamais existiu na Am\u00e9rica<\/em>\u201d.[1]<\/a><\/p>\n

Em Siena, h\u00e1 um famoso conjunto de afrescos de meados do s\u00e9culo XIV pintados por Ambrogio Lorenzetti para decorar o Sal\u00e3o da Paz no Pal\u00e1cio P\u00fablico de Siena, que ilustra essa dicotomia entre reinos governados por regentes sensatos e ben\u00e9ficos ao povo e reinos governados por tiranos.[2]<\/a> Esses afrescos retratam bastante o entendimento da \u00e9poca e identificam o Bom Governo<\/em> com monarcas portadores de virtudes como o senso de justi\u00e7a, a honestidade, a temperan\u00e7a e a preocupa\u00e7\u00e3o com a busca do bem comum, e o resultado desse bom governo seria um ambiente de ordem e prosperidade que beneficiava todo o povo, inclusive o pr\u00f3prio governante, que se tornava respeitado e pr\u00f3spero como seu povo. Por outro lado, no afresco pintado na parede em frente, Lorenzetti retratou o que seria um Mau Governo<\/em>, que seria caracteristicamente comandado por um rei tirano, sem qualquer preocupa\u00e7\u00e3o com o bem comum, e marcado por v\u00edcios como o ego\u00edsmo, a inveja e a crueldade, espalhando a desconfian\u00e7a e o divisionismo entre seus governados. O produto desse governo tir\u00e2nico, dominado por v\u00edcios, seria um reino assolado pela pobreza, e por um ambiente de desconfian\u00e7a, e pela infelicidade. Esse ambiente, dominado pelo ego\u00edsmo a pela falta de confian\u00e7a, afasta qualquer possibilidade de a\u00e7\u00f5es coletivas tais como investir em neg\u00f3cios e apostar no futuro.<\/p>\n

Assim, h\u00e1 muito tempo que a percep\u00e7\u00e3o comum em toda parte \u00e9 a de que a prosperidade \u00e9 um produto que n\u00e3o depende tanto de formas de governo, mas muito mais das virtudes de seus governantes e da preocupa\u00e7\u00e3o genu\u00edna com a promo\u00e7\u00e3o do bem comum. Em outras palavras, mais importante do que formas de governo \u00e9 a maneira como os governantes encaram suas responsabilidades e como as institui\u00e7\u00f5es do Estado s\u00e3o manejadas por aqueles que ocupam cargos de lideran\u00e7a e de responsabilidade p\u00fablica em seus pa\u00edses. Em suma, o regime considerado democr\u00e1tico n\u00e3o constitui garantia de um Estado operante e de governos capazes de promover o progresso e a prosperidade da na\u00e7\u00e3o. No caso do Brasil, h\u00e1 v\u00e1rios fatos que, claramente, indicam que, muito embora o regime possa ser caracterizado como \u201cdemocr\u00e1tico\u201d, o Estado claramente est\u00e1 doente, isto \u00e9, suas institui\u00e7\u00f5es p\u00fablicas e seus governantes n\u00e3o cumprem, ou cumprem apenas precariamente o papel que deveriam cumprir.<\/p>\n

Um Estado doente<\/strong><\/p>\n

De acordo com dados do Banco Mundial, entre 2010 e 2020 a economia brasileira teve um desempenho muito ruim \u2013 na realidade, uma recess\u00e3o de mais de 30% em dez anos \u2013 e, pior, os dados mais recentes indicam que esse baixo desempenho n\u00e3o tem perspectivas de melhorar nos pr\u00f3ximos anos. A economia brasileira, que vinha se mantendo como a 9\u00aa economia do mundo, vai saindo da pandemia como a 13\u00aa economia mais rica do mundo em termos nominais. O que parece claro \u00e9 que esse desempenho ruim n\u00e3o pode ser atribu\u00eddo \u00e0 pandemia e a fatores externos, uma vez que o Brasil ficou bem abaixo da m\u00e9dia mundial e abaixo at\u00e9 mesmo da m\u00e9dia dos pa\u00edses da regi\u00e3o. Considerando as dimens\u00f5es e o peso da economia brasileira na regi\u00e3o, as cifras sugerem que o Brasil foi o principal respons\u00e1vel por \u201cpuxar\u201d para baixo a m\u00e9dia ruim da Am\u00e9rica Latina e Caribe.<\/p>\n

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Taxa de Crescimento no per\u00edodo 2010-2020 (%)<\/strong><\/p>\n

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Mundo:\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 \u00a0\u00a027,8<\/strong><\/p>\n

Brasil:\u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 (-34,5)<\/strong><\/p>\n

Argentina:\u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 (-9,5)<\/p>\n

Chile:\u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a015,8<\/p>\n

Peru:\u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 36,9<\/p>\n

Uruguai:\u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 33,0<\/p>\n

M\u00e9xico:\u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a01,7<\/p>\n

Am. Latina & Caribe\u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0(-12,3) <\/strong><\/p>\n

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Fonte: Banco Mundial <\/strong><\/h5>\n

O Brasil parece ser hoje uma nova vers\u00e3o da express\u00e3o \u201cthe sick man of Europe<\/em>\u201d usada pelo czar Nicolau II para designar o Imp\u00e9rio Otomano que, nos fins do s\u00e9culo XIX, vivia o final de um per\u00edodo de continuada decad\u00eancia, marcado por tens\u00f5es pol\u00edticas internas, pela desindustrializa\u00e7\u00e3o e pelo crescente empobrecimento. No Brasil, embora n\u00e3o haja grandes tens\u00f5es internas, a desindustrializa\u00e7\u00e3o \u00e9 bastante vis\u00edvel e a desconex\u00e3o com a economia mundial \u00e9 crescente, em um ambiente em que at\u00e9 mesmo economias comandadas por um Partido Comunista, como a China e o Vietn\u00e3, aumentam seus n\u00edveis de integra\u00e7\u00e3o com a economia mundial.<\/p>\n

Al\u00e9m do sentimento de satisfa\u00e7\u00e3o ou de preocupa\u00e7\u00e3o, o desempenho econ\u00f4mico pode ser visto tamb\u00e9m como sintoma de um ambiente pol\u00edtico e institucional que favorece ou que dificulta a gera\u00e7\u00e3o de atividade econ\u00f4mica que resulta em riqueza ou empobrecimento. \u00c9 certo que o desempenho econ\u00f4mico de um pa\u00eds depende de muitos fatores, mas isto n\u00e3o quer dizer que n\u00e3o seja poss\u00edvel apontar um ou mais fatores que, aparentemente, desempenham papel de relevo no bom ou no mau desempenho de uma economia. Ao se observar o caso brasileiro, a primeira conclus\u00e3o inevit\u00e1vel, como mostram os dados acima, \u00e9 que as poss\u00edveis raz\u00f5es ou fatores que podem explicar o desempenho negativo da economia, devem ser procurados na esfera dom\u00e9stica. Al\u00e9m disso, considerando o fato de que o desempenho ruim \u00e9 um fen\u00f4meno consistente, que se estende por sucessivos governos de diferentes orienta\u00e7\u00f5es pol\u00edticas, tamb\u00e9m n\u00e3o se pode culpar eventuais equ\u00edvocos ou falhas na formula\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas econ\u00f4micas. Assim, s\u00f3 resta entender que os poss\u00edveis fatores ou causas do baixo desempenho econ\u00f4mico devem estar situados no ambiente institucional, que orienta a vida econ\u00f4mica e pol\u00edtica da na\u00e7\u00e3o. Em outras palavras, a \u00fanica conclus\u00e3o poss\u00edvel parece ser o entendimento de que Estado est\u00e1 doente \u2013 the sick man of Latin America<\/em> \u2013 e a principal enfermidade \u00e9 a deteriora\u00e7\u00e3o da ordem, que gera incertezas e afasta os investimentos, sejam de origem dom\u00e9stica ou internacional. A deteriora\u00e7\u00e3o da ordem n\u00e3o aparece (por enquanto) na forma de inquieta\u00e7\u00e3o social, mas na forma de incapacidade de as institui\u00e7\u00f5es transmitirem confian\u00e7a e seguran\u00e7a para a na\u00e7\u00e3o e de uma agenda de preocupa\u00e7\u00f5es da classe governante desacoplada das expectativas das popula\u00e7\u00f5es. S\u00e3o muitos os sintomas bastante vis\u00edveis da deteriora\u00e7\u00e3o da ordem que, de muitas formas, comprometem o crescimento econ\u00f4mico e complicam at\u00e9 mesmo o dia-a-dia dos cidad\u00e3os.<\/p>\n

A pol\u00edtica e o significado da deteriora\u00e7\u00e3o da ordem <\/strong><\/p>\n

De forma resumida, a deteriora\u00e7\u00e3o da ordem pode ser definida como a incapacidade de o Estado fazer cumprir as leis vigentes, isto \u00e9, de exercer com efic\u00e1cia sua soberania. Desde Jean Bodin, nos prim\u00f3rdios do Estado moderno, os te\u00f3ricos definem soberania como sendo um fen\u00f4meno com duas faces. Uma face externa pela qual o Estado soberano revela ser capaz de agir com independ\u00eancia diante de outros Estados e, de outro lado, uma face interna pela qual as institui\u00e7\u00f5es do Estado soberano revelam ser capazes de produzir leis e de exercer o poder para fazer com que essas leis sejam cumpridas com respeito e com efic\u00e1cia no \u00e2mbito de seu pr\u00f3prio territ\u00f3rio. No mundo atual essas duas faces da soberania \u2013 externa e interna \u2013 tornaram-se mais integradas e, pode-se dizer, que se tornaram at\u00e9 mesmo complementares.[3]<\/a> Com efeito, na pol\u00edtica internacional desde os fins do s\u00e9culo XX, as fronteiras perderam muito de sua import\u00e2ncia tradicional como pe\u00e7a essencial de demarca\u00e7\u00e3o f\u00edsica do espa\u00e7o de soberania e de independ\u00eancia em rela\u00e7\u00e3o a outras na\u00e7\u00f5es. Excetuando casos absolutamente excepcionais como o da Coreia do Norte que, por raz\u00f5es ideol\u00f3gicas, continua mantendo pesada vigil\u00e2ncia militar sobre suas fronteiras, no mundo em geral, as fronteiras s\u00e3o vigiadas e observadas apenas em rela\u00e7\u00e3o ao fluxo de mercadorias e de migrantes, ou ainda na movimenta\u00e7\u00e3o de recursos financeiros, para os quais as fronteiras f\u00edsicas n\u00e3o passam de referenciais cont\u00e1beis. Ou seja, de muitas formas, as faces externa e interna da soberania hoje se integram e s\u00e3o, na verdade, muito mais complementares do que elementos de separa\u00e7\u00e3o como o foram em tempos passados. A exist\u00eancia de uma Uni\u00e3o Europeia \u00e9 um exemplo vis\u00edvel dessa complementaridade entre os elementos da independ\u00eancia externa e o bom funcionamento das institui\u00e7\u00f5es dom\u00e9sticas. Os pa\u00edses que formam a Uni\u00e3o Europeia jamais deixaram de valorizar a sua independ\u00eancia e a sua individualidade, mas n\u00e3o viram grandes problemas, na verdade viram muitas vantagens em se integrarem em um arranjo regional. Outro exemplo interessante \u00e9 o caso das fronteiras dos EUA com o Canad\u00e1 e com o M\u00e9xico. Com o Canad\u00e1 raramente se tem not\u00edcia de problemas de fronteira, uma vez que muitos padr\u00f5es econ\u00f4micos e sociais internos dos dois pa\u00edses guardam muitas semelhan\u00e7as entre si enquanto, por outro lado, na fronteira com o M\u00e9xico, as not\u00edcias na imprensa sobre problemas e preocupa\u00e7\u00f5es s\u00e3o frequentes, inclusive porque o M\u00e9xico tem sido destino de muitas correntes migrat\u00f3rias que tentam ingressar nos EUA em vista das dificuldades vividas por muitas popula\u00e7\u00f5es em seus pa\u00edses de origem.<\/p>\n

O Brasil, que costumava apresentar com orgulho sua hist\u00f3ria de grande pa\u00eds receptor de migrantes do mundo todo, nos \u00faltimos anos, para tristeza da na\u00e7\u00e3o, tem sido crescente o n\u00famero de brasileiros presos tentando entrar ilegalmente nos EUA pelas fronteiras do M\u00e9xico. Assim, no caso do Brasil de hoje, a face dom\u00e9stica do exerc\u00edcio da soberania \u00e9 que tem sido desafiada de forma bastante generalizada comprometendo a ordem e o funcionamento regular das atividades civis, trazendo como efeito o comprometimento da sua posi\u00e7\u00e3o da esfera internacional de muitas maneiras.<\/p>\n

Do ponto de vista da constru\u00e7\u00e3o da ordem, o cumprimento e o respeito \u00e0s leis dom\u00e9sticas s\u00e3o essenciais, uma vez que constituem os sinais mais vis\u00edveis daquilo que \u00e9 valorizado e daquilo que \u00e9 rejeitado pela na\u00e7\u00e3o. Com efeito, a aplica\u00e7\u00e3o das leis e o funcionamento da ordem dom\u00e9stica t\u00eam sido continuamente desafiadas no Brasil por variadas for\u00e7as ou grupos de indiv\u00edduos, por vezes estruturados em organiza\u00e7\u00f5es, tais como traficantes que passam a dominar bairros e regi\u00f5es inteiras de grandes cidades, grupos marginalizados que formam guetos e que simplesmente se recusam a cumprir as leis vigentes. H\u00e1 tamb\u00e9m os interesses corporativos geralmente organizados em sindicatos, muitos deles entranhados no pr\u00f3prio Estado, que s\u00e3o capazes de manter a paralisa\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os p\u00fablicos essenciais para a popula\u00e7\u00e3o por semanas e at\u00e9 por meses seguidos. A ordem \u00e9 desafiada at\u00e9 mesmo por grupos difusamente definidos que alegam direitos de etnias sobre \u00e1reas urbanas ou rurais, que fazem prevalecer suas vontades mesmo que precariamente sustentados por documentos ou por meio de outros comprovantes previstos em lei. Uma breve observa\u00e7\u00e3o de alguns fatos e cifras pode ser bastante ilustrativa e esclarecedora do fen\u00f4meno.<\/p>\n

Indicadores da deteriora\u00e7\u00e3o da ordem interna<\/strong><\/p>\n

Um primeiro indicador ou componente institucional dessa deteriora\u00e7\u00e3o da ordem pode ser observado nos \u00edndices de criminalidade de todos os tipos no Brasil que s\u00e3o substancialmente mais elevados do que o da esmagadora maioria dos pa\u00edses. No Brasil, os homic\u00eddios s\u00e3o contados anualmente aos milhares. Se forem inclu\u00eddas as mortes no tr\u00e2nsito, as cifras de mortes violentas praticamente dobram, contrastando fortemente com os padr\u00f5es internacionais. Enquanto em outros pa\u00edses o n\u00famero de assassinatos varia em torno de um ou dois assassinatos por ano para cada grupo de 100 mil habitantes, no Brasil esse \u00edndice tem permanecido acima de 20 assassinatos a cada ano por grupo de 100 mil habitantes. Nas grandes cidades brasileiras h\u00e1 bairros ou setores urbanos em que as for\u00e7as policiais s\u00e3o virtualmente impedidas de exercer seu trabalho de conten\u00e7\u00e3o do tr\u00e1fico de entorpecentes e de outros il\u00edcitos tais como constru\u00e7\u00f5es irregulares de moradias e comercializa\u00e7\u00e3o de produtos contrabandeados e de sinais de TV a cabo por grupos criminosos que se apropriam criminosamente dos sinais e dos programas de empresas legalmente organizadas. Os casos mais not\u00e1veis s\u00e3o as favelas do Rio de Janeiro e a \u201ccracol\u00e2ndia\u201d e a \u201czona do Glic\u00e9rio\u201d em S\u00e3o Paulo, mas em toda grande cidade brasileira h\u00e1 bairros inteiros nos quais comerciantes e cidad\u00e3os ficam \u00e0 margem da autoridade e da prote\u00e7\u00e3o do Estado, vivendo \u00e0 merc\u00ea de grupos de foras-da-lei de todos os tipos. Fen\u00f4menos geralmente tratados de forma distinta como a viol\u00eancia contra a mulher e contra crian\u00e7as fazem parte desse quadro mais geral do fracasso do Estado em proteger e dar seguran\u00e7a ao indiv\u00edduo contra o crime e a viol\u00eancia em todas as suas formas. Al\u00e9m dos efeitos imediatos em termos de sofrimento e de frustra\u00e7\u00e3o, a criminalidade elevada compromete de muitas formas o crescimento econ\u00f4mico, come\u00e7ando pelo est\u00edmulo a atividades ilegais, que apenas consomem recursos p\u00fablicos sem proporcionar retribui\u00e7\u00e3o na forma de impostos. Atividades econ\u00f4micas que n\u00e3o conseguem se desenvolver em um ambiente de inseguran\u00e7a como a ind\u00fastria do turismo (eventos, hotelaria, bares e restaurantes etc.) s\u00e3o tamb\u00e9m formas pelas quais a criminalidade prejudica o aparecimento e o desenvolvimento de atividades econ\u00f4micas. Al\u00e9m disso, de forma generalizada, o com\u00e9rcio e a ind\u00fastria se ressentem diretamente dos elevados custos para compensar a falta de seguran\u00e7a que deveria ser proporcionado pelo Estado, como ocorre em outros pa\u00edses. Vale lembrar tamb\u00e9m que roubo de cargas e comercializa\u00e7\u00e3o em grande escala de mercadorias roubadas \u00e9 uma forma significativa pela qual a criminalidade dificulta o desenvolvimento regular das atividades econ\u00f4micas.<\/p>\n

Outro sintoma da deteriora\u00e7\u00e3o da ordem no Brasil, e que o Estado tem responsabilidade direta, s\u00e3o as diversas formas de toler\u00e2ncia a transgress\u00f5es. Uma pr\u00e1tica que se tornou corrente na administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica brasileira \u00e9 a ado\u00e7\u00e3o do perd\u00e3o fiscal como procedimento regular. Em geral, sob a justificativa de recuperar receitas e de incentivar e de trazer de volta os inadimplentes, isto \u00e9, as pessoas e as empresas que se encontram \u00e0 margem da ordem legal, as autoridades federais, estaduais e municipais transformaram um recurso de pol\u00edtica fiscal, que deveria ser ocasional, aplicada apenas em circunst\u00e2ncias excepcionais, em pr\u00e1tica corrente regular que, ao final, o resultado mais relevante \u00e9 o incentivo \u00e0 inadimpl\u00eancia e \u00e0 desmoraliza\u00e7\u00e3o do sistema fiscal. Diante do fato de que, periodicamente, o poder p\u00fablico promove um \u201cperd\u00e3o fiscal\u201d, o pagamento de impostos de forma correta e dentro dos prazos estabelecidos por lei passa a ser um \u201cmau neg\u00f3cio\u201d, ou seja, enquanto o mau pagador ganha descontos e vantagens, o bom pagador \u2013 grande ou pequeno \u2013 sente que, ao pagar corretamente seus impostos, perdeu uma oportunidade de ganhar com a inadimpl\u00eancia e que, afinal, fez papel de tolo aos olhos da sociedade. Em outras palavras, a pr\u00e1tica regular do recurso do \u201cperd\u00e3o fiscal\u201d, faz com que, mais do que as perdas de arrecada\u00e7\u00e3o, os preju\u00edzos morais sejam mais relevantes. Embora n\u00e3o seja poss\u00edvel precisar em cifras, \u00e9 muito prov\u00e1vel que a maioria das empresas brasileiras hoje tenham um servi\u00e7o jur\u00eddico e uma \u00e1rea financeira organizados com o prop\u00f3sito espec\u00edfico de avaliar as perspectivas de ganhos com a administra\u00e7\u00e3o do n\u00e3o pagamento dos impostos no tempo devido. No longo prazo, n\u00e3o apenas o regime fiscal torna-se vicioso, mas a pr\u00f3pria atividade empresarial desenvolve distor\u00e7\u00f5es incompat\u00edveis com a competi\u00e7\u00e3o justa, especialmente na esfera internacional.<\/p>\n

Outro exemplo not\u00e1vel de sintoma da deteriora\u00e7\u00e3o da ordem no Brasil pode ser observado no processo de desenvolvimento do Distrito Federal e que, at\u00e9 por ser a capital da na\u00e7\u00e3o, o fen\u00f4meno pode ser entendido como sendo comum ao pa\u00eds como um todo. Bras\u00edlia geralmente \u00e9 apresentada como cidade planejada e not\u00e1vel por sua arquitetura. Apesar de tudo, h\u00e1 muito tempo que os fatos deixaram de respaldar essa vis\u00e3o de Bras\u00edlia e do Distrito Federal. Com efeito, passados os primeiros anos, os conceitos e os ensinamentos da boa arquitetura foram completamente esquecidos \u00e0 medida que Bras\u00edlia se expandia transformando completamente seus padr\u00f5es de conviv\u00eancia urbana. Seus governantes e representantes \u2013 presumidamente eleitos de forma democr\u00e1tica \u2013 deixaram completamente de lado os benef\u00edcios e as vantagens de uma cidade planejada e constru\u00edda com elevados padr\u00f5es arquitet\u00f4nicos. Um ap\u00f3s outro, os governos que se sucederam no comando do Distrito Federal desprezaram a rara oportunidade de uma cidade planejada desde sua funda\u00e7\u00e3o, que dispunha inclusive de um plano diretor para orientar legalmente seu desenvolvimento futuro. Com efeito, em pouco mais de duas d\u00e9cadas, Bras\u00edlia e o Distrito Federal foram dilu\u00eddos em um aglomerado urbano disforme, sob o comando de predadores e de oportunistas de todos os matizes, que contaram com o benepl\u00e1cito, e at\u00e9 mesmo com a cumplicidade, de seus governantes que, sistematicamente, v\u00eam mudando ou simplesmente abolindo leis e normas de urbaniza\u00e7\u00e3o em aten\u00e7\u00e3o aos interesses e \u00e0s a\u00e7\u00f5es de grileiros e de fals\u00e1rios que passaram a se apropriar de terras p\u00fablicas e a vender ilegalmente essas terras. Ap\u00f3s o loteamento e a ocupa\u00e7\u00e3o ilegal dessas terras, os governos passaram a promover a \u201cregulariza\u00e7\u00e3o\u201d dos loteamentos sob o argumento do \u201cfato consumado\u201d e de haver um \u201cd\u00e9ficit de moradias\u201d no Distrito Federal.<\/p>\n

Hoje a popula\u00e7\u00e3o do Distrito Federal j\u00e1 ultrapassou os 3 milh\u00f5es de habitantes, dos quais apenas o equivalente a cerca de um quinto dessa popula\u00e7\u00e3o reside em moradias que guardam alguma caracter\u00edstica ou padr\u00e3o urban\u00edstico da cidade originalmente planejada. A constru\u00e7\u00e3o de espa\u00e7os urbanos para acomodar a adi\u00e7\u00e3o dos quase 2,5 milh\u00f5es de habitantes foi feita abandonando completamente o plano original da cidade e desprezando totalmente as no\u00e7\u00f5es e os conceitos da boa arquitetura. N\u00e3o h\u00e1 qualquer exagero em dizer que toda a expans\u00e3o urbana de Bras\u00edlia e do Distrito Federal nas \u00faltimas tr\u00eas d\u00e9cadas foi feita substituindo-se o termo planejamento urbano<\/em> pela express\u00e3o regulariza\u00e7\u00e3o<\/em>, que \u00e9 exatamente o oposto da boa arquitetura e da organiza\u00e7\u00e3o dos espa\u00e7os urbanos de acordo com os conhecimentos da arte e da ci\u00eancia do urbanismo.<\/p>\n

Em outras palavras, o planejamento urbano pressup\u00f5e a exist\u00eancia de uma autoridade legal e institucional que estabelece os prop\u00f3sitos, os padr\u00f5es e as caracter\u00edsticas dos espa\u00e7os urbanos a serem constru\u00eddos seguindo-se as normas t\u00e9cnicas que devem levar em conta as caracter\u00edsticas geol\u00f3gicas e topogr\u00e1ficas da regi\u00e3o sobre as quais s\u00e3o tra\u00e7adas as vias, os logradouros e as constru\u00e7\u00f5es para atender os requisitos da boa conviv\u00eancia urbana e social em todos os sentidos. A regulariza\u00e7\u00e3o<\/em>, por sua vez, \u00e9 o oposto dessa pr\u00e1tica, isto \u00e9, todo o plano da cidade ou do bairro \u00e9 feito pelo grileiro, que ocupa ilegalmente uma \u00e1rea de terra que n\u00e3o lhe pertence, e faz o tra\u00e7ado dos lotes e das vias p\u00fablicas levando em conta apenas as vantagens a serem extra\u00eddas do tra\u00e7ado urbano. As autoridades aparecem apenas para \u201cregularizar\u201d as constru\u00e7\u00f5es feitas ou ainda em curso sob a justificativa de \u201craz\u00f5es sociais\u201d, mas que, na verdade, s\u00e3o raz\u00f5es apenas pol\u00edticas pois t\u00eam em vista somente o processo eleitoral que se aproxima. N\u00e3o se afigura necess\u00e1rio comentar as perdas e preju\u00edzos, al\u00e9m dos custos em termos de recursos p\u00fablicos decorrentes de \u00e1reas urbanas mal constru\u00eddas. O fato \u00e9 que at\u00e9 mesmo o n\u00facleo original da cidade, que a duras penas, de algum modo, tem sido preservado, passa a sofrer os efeitos delet\u00e9rios da expans\u00e3o urbana desordenada do Distrito Federal na forma de inunda\u00e7\u00f5es, de precariedade dos sistemas de transporte p\u00fablico e da prolifera\u00e7\u00e3o das variadas formas de ilegalidade e at\u00e9 de a\u00e7\u00f5es criminais abertas.<\/p>\n

A constitui\u00e7\u00e3o federal e a deteriora\u00e7\u00e3o da ordem<\/strong><\/p>\n

Na lista de sintomas da deteriora\u00e7\u00e3o da ordem no Brasil muitos outros casos poderiam ser inclu\u00eddos, mas seria um exerc\u00edcio entediante. Apesar de tudo, parece \u00fatil comentar mais um fator, que poder\u00edamos chamar de estrutural, que tem contribu\u00eddo significativamente para a deteriora\u00e7\u00e3o da ordem no Brasil: a constitui\u00e7\u00e3o brasileira vigente. Parece paradoxal que o documento b\u00e1sico na constru\u00e7\u00e3o da ordem, que \u00e9 a constitui\u00e7\u00e3o, possa ser visto como fator de deteriora\u00e7\u00e3o da ordem, mas vale refletir sobre a percep\u00e7\u00e3o dessa possibilidade presente na constitui\u00e7\u00e3o. Com efeito, a constitui\u00e7\u00e3o, ao definir a estrutura e o funcionamento das institui\u00e7\u00f5es centrais do Estado, \u00e9 a pe\u00e7a central da ordem pol\u00edtica e econ\u00f4mica dos pa\u00edses e, no caso do Brasil, muito embora a constitui\u00e7\u00e3o vigente esteja centrada na orienta\u00e7\u00e3o democr\u00e1tica, apresenta cl\u00e1usulas potencialmente problem\u00e1ticas para o funcionamento regular das institui\u00e7\u00f5es do Estado e tamb\u00e9m para a ordem econ\u00f4mica e social da na\u00e7\u00e3o de uma forma geral. Nesta an\u00e1lise parece importante destacar duas dessas dificuldades, particularmente problem\u00e1ticas para o bom funcionamento da ordem econ\u00f4mica e social da na\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

A primeira dessas dificuldades trazidas pela constitui\u00e7\u00e3o de 1988 \u2013 e a mais evidente \u2013 \u00e9 o fato de que, ao procurar enunciar explicitamente cada poss\u00edvel direito do cidad\u00e3o em todas as esferas, a constitui\u00e7\u00e3o traz como consequ\u00eancia imediata o fato de que qualquer pend\u00eancia envolvendo direitos na esfera civil, penal ou social torna-se uma pend\u00eancia constitucional. Isto \u00e9, pass\u00edvel de ser levada \u00e0 justi\u00e7a federal at\u00e9 \u00e0 mais alta corte da Justi\u00e7a \u2013 ao Supremo Tribunal Federal (STF).<\/p>\n

De fato, no momento em que a constitui\u00e7\u00e3o declara formalmente que \u201cgarante o direito de propriedade\u201d e, al\u00e9m disso, que \u201ca propriedade atender\u00e1 sua fun\u00e7\u00e3o social\u201d, qualquer disputa envolvendo o direito de propriedade como, por exemplo, a ocupa\u00e7\u00e3o de terras por invasores ou ainda uma iniciativa de desapropria\u00e7\u00e3o ou de venda de terras p\u00fablicas, a quest\u00e3o se torna constitucional. Em termos processuais, significa que os litigantes poder\u00e3o levar suas demandas at\u00e9 o STF. Assim sendo, objetivamente, a quest\u00e3o nem deveria ser julgada em inst\u00e2ncias inferiores, uma vez que as cortes inferiores, ao julgar uma demanda sobre propriedade, estar\u00e3o apenas procrastinando um processo judicial, pois a parte perdedora sempre poder\u00e1 interpor recurso at\u00e9 que, finalmente \u2013 anos mais tarde \u2013 vir a ser julgado pelo STF, al\u00e9m do mais porque a constitui\u00e7\u00e3o estabelece que o resultado de um julgamento se torna pass\u00edvel de aplica\u00e7\u00e3o somente ap\u00f3s o \u201ctr\u00e2nsito em julgado\u201d (outra cl\u00e1usula constitucional). O mesmo pode ser dito sobre \u201ca defesa do consumidor\u201d, \u201ca pr\u00e1tica do racismo\u201d, a concess\u00e3o ou n\u00e3o de \u201chabeas corpus<\/em>\u201d ou de \u201chabeas data<\/em>\u201d, ou ainda sobre os direitos \u201c\u00e0 educa\u00e7\u00e3o\u201d, \u201c\u00e0 sa\u00fade\u201d, \u201c\u00e0 alimenta\u00e7\u00e3o\u201d, \u201cao trabalho\u201d, \u201c\u00e0 moradia\u201d, \u201cao transporte\u201d, \u201c\u00e0 seguran\u00e7a\u201d, \u201cao lazer\u201d, \u201c\u00e0 previd\u00eancia social\u201d, \u201c\u00e0 prote\u00e7\u00e3o da inf\u00e2ncia e da maternidade\u201d, e \u201c\u00e0 assist\u00eancia aos desamparados\u201d, que s\u00e3o mencionados de forma espec\u00edfica no texto da constitui\u00e7\u00e3o brasileira vigente.[4]<\/a><\/p>\n

A men\u00e7\u00e3o expl\u00edcita e detalhada desses direitos na constitui\u00e7\u00e3o deveu-se, basicamente, ao ambiente pol\u00edtico de 1988, que ainda vivia a euforia do fim do regime de exce\u00e7\u00e3o dos governos militares, que havia se estendido por duas d\u00e9cadas. Nesse ambiente, enunciar e detalhar explicitamente esses direitos na constitui\u00e7\u00e3o parecia um gesto de cidadania e de apre\u00e7o pela democracia. O problema \u00e9 que, do ponto de vista processual, a men\u00e7\u00e3o de forma espec\u00edfica e detalhada desses direitos na constitui\u00e7\u00e3o traz consequ\u00eancias inevit\u00e1veis, entre elas a perda praticamente completa da import\u00e2ncia e do papel das inst\u00e2ncias jur\u00eddicas inferiores e o ac\u00famulo de processos no STF e, ao final, o substancial aumento no tempo de tramita\u00e7\u00e3o dos processos.[5]<\/a> O fato \u00e9 que para o cidad\u00e3o individualmente, ou para as organiza\u00e7\u00f5es empresariais, a demora na tramita\u00e7\u00e3o de processos judiciais significa essencialmente a sensa\u00e7\u00e3o inc\u00f4moda de que as institui\u00e7\u00f5es jur\u00eddicas apenas favorecem o malfeitor. Al\u00e9m disso, mesmo que o julgamento final seja favor\u00e1vel \u00e0 parte prejudicada, na maioria esmagadora das vezes a demora favorece o mau pagador de impostos, o estelionat\u00e1rio, o agente corrupto, o fals\u00e1rio e a todos aqueles que agem de forma ilegal em preju\u00edzo de outros cidad\u00e3os ou em detrimento do pr\u00f3prio Estado. Em outras palavras, a demora na tramita\u00e7\u00e3o dos processos acarreta preju\u00edzos apenas para aqueles que buscam a Justi\u00e7a na defesa de seus direitos. \u201cA justi\u00e7a atrasada n\u00e3o \u00e9 justi\u00e7a, sen\u00e3o injusti\u00e7a qualificada e manifesta<\/em>\u201d \u00e9 uma das frases mais frequentemente lembradas de Rui Barbosa, mas incapaz de sensibilizar governantes e legisladores.[6]<\/a><\/p>\n

De um ponto de vista da ordem econ\u00f4mica, a demora exagerada significa incerteza jur\u00eddica, afastando investidores potenciais, nacionais ou estrangeiros. Ningu\u00e9m ir\u00e1 investir na cria\u00e7\u00e3o ou na expans\u00e3o de qualquer atividade econ\u00f4mica sabendo que seu capital investido e poss\u00edveis ganhos podem estar sujeitos a perdas pela a\u00e7\u00e3o de predadores (estelionat\u00e1rios, fraudadores, autoridades corruptas etc.) que t\u00eam a seu favor o labirinto de uma justi\u00e7a lenta, complicada e dispendiosa. N\u00e3o se trata de argumentar em favor de uma \u201cjusti\u00e7a sum\u00e1ria\u201d, mas apenas de uma justi\u00e7a capaz de acompanhar os padr\u00f5es internacionais das sociedades organizadas em termos de tempo de tramita\u00e7\u00e3o que, conforme estudos realizados por pesquisadores e por entidades como o Conselho Nacional de Justi\u00e7a \u00e9, ao menos, duas vezes maior do que em outros pa\u00edses.<\/p>\n

Uma outra cl\u00e1usula presente na constitui\u00e7\u00e3o que revela mais uma face bastante problem\u00e1tica da administra\u00e7\u00e3o do Estado no Brasil refere-se \u00e0 pr\u00e1tica de inserir \u201cemendas ao or\u00e7amento\u201d por parlamentares. De uma forma geral, tal como ocorre em outros pa\u00edses democr\u00e1ticos, o or\u00e7amento previsto para os gastos p\u00fablicos deve ser submetido \u00e0 aprova\u00e7\u00e3o pelo Poder Legislativo, que discute e aprova o or\u00e7amento introduzindo emendas<\/em> a respeito de como o Poder Executivo deve gastar o que foi arrecadado da atividade econ\u00f4mica da popula\u00e7\u00e3o, em geral por meio de impostos, de taxas, e das variadas formas de arrecada\u00e7\u00e3o de recursos pelo Estado. No entanto, no caso do Brasil, a interpreta\u00e7\u00e3o dessa prerrogativa dada pelo Legislativo \u00e9 que difere dos padr\u00f5es internacionais criando v\u00edcios e distor\u00e7\u00f5es no emprego do dinheiro p\u00fablico. O termo emendas ao or\u00e7amento no caso brasileiro significa basicamente o direito que deputados e senadores t\u00eam de se apropriar de parte da arrecada\u00e7\u00e3o do Estado e gastar essa parcela sem qualquer considera\u00e7\u00e3o a respeito do bem comum e da necessidade de aprova\u00e7\u00e3o por qualquer inst\u00e2ncia. Deputados e senadores agem como se fossem verdadeiros lords<\/em> de \u201cfeudos\u201d obtidos ao conquistarem seus mandatos parlamentares. O Artigo 166, \u00a7 9\u00ba. da constitui\u00e7\u00e3o diz que: \u201cAs emendas individuais (de deputados e senadores) ao projeto de lei or\u00e7ament\u00e1ria ser\u00e3o aprovadas no limite de 1,2% (um inteiro e dois d\u00e9cimos por cento) da receita corrente l\u00edquida<\/strong> prevista no projeto encaminhado pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual ser\u00e1 destinada a a\u00e7\u00f5es e servi\u00e7os p\u00fablicos de sa\u00fade.<\/em>\u201d O entendimento praticado dessa cl\u00e1usula \u00e9 que 1,2% de toda a arrecada\u00e7\u00e3o p\u00fablica deve ser distribu\u00edda entre deputados e senadores, que podem gastar esses recursos de forma completamente discricion\u00e1ria, isto \u00e9, sem qualquer considera\u00e7\u00e3o a outras inst\u00e2ncias normativas ou de controle pelo Estado. Trata-se de um privil\u00e9gio que distorce substancialmente as fun\u00e7\u00f5es legislativas uma vez que, por defini\u00e7\u00e3o, executar o or\u00e7amento \u00e9 prerrogativa exclusiva do Poder Executivo. Uma vez que o pa\u00eds \u00e9 uma federa\u00e7\u00e3o, essa mesma interpreta\u00e7\u00e3o \u00e9 estendida tamb\u00e9m ao Poder Legislativo dos Estados.<\/p>\n

No conjunto, o fato de que o Poder Executivo no Brasil disp\u00f5e de um total aproximado de apenas 5% da arrecada\u00e7\u00e3o para ser gasto discricionariamente em pol\u00edticas governamentais d\u00e1 uma ideia das dimens\u00f5es dessa distor\u00e7\u00e3o.[7]<\/a> Em termos de valores, em 2020 significaram cerca de R$ 17 bilh\u00f5es a serem gastos com emendas parlamentares uma vez que a arrecada\u00e7\u00e3o do ano foi de R$ 1,479 trilh\u00e3o.[8]<\/a> Para se ter uma ideia do que essas emendas \u00a0representam no or\u00e7amento p\u00fablico brasileiro, vale lembrar que o total de recursos previstos para investimentos no ano de 2021 foi de R$ 7,5 bilh\u00f5es para o Minist\u00e9rio da Economia, R$ 1,18 bilh\u00e3o para o Minist\u00e9rio da Infraestrutura, R$ 1,65 bilh\u00e3o para o Minist\u00e9rio da Defesa, R$ 235 milh\u00f5es para o Minist\u00e9rio da Sa\u00fade e de apenas R$ 7 milh\u00f5es para o Minist\u00e9rio da Ci\u00eancia e Tecnologia. Assim, verifica-se o fato de que o valor previsto como \u201cemenda parlamentar\u201d para apenas um deputado ou para um senador ultrapassa v\u00e1rias vezes o total previsto para investimento pelo Minist\u00e9rio da Ci\u00eancia e Tecnologia. A diferen\u00e7a \u00e9 que at\u00e9 mesmo os rid\u00edculos R$ 7 milh\u00f5es previstos para o Minist\u00e9rio da Ci\u00eancia e Tecnologia foram um valor examinado e discutido quanto \u00e0 pertin\u00eancia e quanto a seus benef\u00edcios em termos de \u201cbem comum\u201d, enquanto os R$ 17 bilh\u00f5es, foram distribu\u00eddos aos parlamentares sem discuss\u00e3o de prop\u00f3sitos e na simples presun\u00e7\u00e3o de que apenas o fato de que ser\u00e3o gastos por parlamentares \u00e9 raz\u00e3o suficiente para considerar que ser\u00e3o bem gastos em um pa\u00eds notavelmente carente de recursos financeiros para investimentos sociais e para investimentos capazes de estimular a gera\u00e7\u00e3o de riquezas.<\/p>\n

Obviamente que n\u00e3o \u00e9 apenas por conta dos montantes de recursos envolvidos em si que o peculiar entendimento do conceito de \u201cemenda parlamentar\u201d produz reflexos no comportamento e no desempenho econ\u00f4mico da na\u00e7\u00e3o. Na realidade, muito mais importante do que os montantes financeiros distribu\u00eddos entre deputados e senadores, o sentido moral envolvido nas negocia\u00e7\u00f5es desses valores \u00e9 que produz os efeitos mais delet\u00e9rios para a ordem pol\u00edtica. A discuss\u00e3o despudorada sobre a distribui\u00e7\u00e3o e o uso pol\u00edtico dessa interpreta\u00e7\u00e3o dada ao termo \u201cemenda parlamentar\u201d tem sido elemento de corros\u00e3o da confian\u00e7a na rela\u00e7\u00e3o entre governantes e governados, uma vez que a confian\u00e7a constitui um valor essencial para se manter a coes\u00e3o numa sociedade pol\u00edtica organizada sobre valores democr\u00e1ticos.<\/p>\n

A constru\u00e7\u00e3o da ordem na reflex\u00e3o te\u00f3rica<\/strong><\/p>\n

Mancur Olson, em seu livro publicado post morten<\/em> intitulado \u201cPoder e Prosperidade<\/em>\u201d, discute a velha quest\u00e3o: por que alguns pa\u00edses s\u00e3o ricos e pr\u00f3speros, enquanto outros vivem \u00e0s voltas com a pobreza e o atraso? Olson argumenta que tudo come\u00e7a com o fato de que em alguns pa\u00edses as institui\u00e7\u00f5es do Estado s\u00e3o mais efetivos em mostrar que, entre os pap\u00e9is mais importantes a serem desempenhados pelos governos, destaca-se o de deixar claro o que deve ser reconhecido e recompensado distinguindo-o do que deve ser visto com reprova\u00e7\u00e3o e at\u00e9 punido pela sociedade que governa.[9]<\/a> A estrutura\u00e7\u00e3o do argumento de Olson acerca dessa hip\u00f3tese explora o conceito de externalidade econ\u00f4mica<\/em> de forma ampla. Conceitualmente, as externalidades econ\u00f4micas podem ser positivas ou negativas. Um exemplo de externalidade positiva seria a constru\u00e7\u00e3o de uma rodovia, cuja exist\u00eancia passa a estimular e, por vezes, at\u00e9 a viabilizar certas atividades econ\u00f4micas ao facilitar o transporte de pessoas e de mercadorias naquela regi\u00e3o. Por outro lado, exemplos correntes de externalidades negativas s\u00e3o os elementos geralmente referidos de forma conjunta como \u201ccusto Brasil\u201d nas an\u00e1lises da imprensa especializada e nas discuss\u00f5es sobre economia brasileira. Burocracia dispendiosa e demorada, infraestrutura prec\u00e1ria de comunica\u00e7\u00f5es e de transportes e elevados custos de produ\u00e7\u00e3o de energia s\u00e3o frequentemente lembrados como componentes que tornam muitos produtos brasileiros comparativamente mais caros do que similares produzidos por outros pa\u00edses onde essas externalidades negativas n\u00e3o existem ou existem em escala muito menor do que no Brasil.<\/p>\n

Numa sociedade democr\u00e1tica, uma autoridade p\u00fablica que n\u00e3o coloca o bem comum acima de seus interesses pessoais \u00e9 um not\u00e1vel elemento de externalidade negativa. Aos olhos do povo, a autoridade torna-se um hip\u00f3crita, um fals\u00e1rio, uma vez que foi eleito prometendo colocar sempre o bem comum acima de seus interesses pessoais. Uma economia comandada autoritariamente n\u00e3o depende tanto dessa imagem. Geralmente os governos assumem o poder pela aplica\u00e7\u00e3o de regras e do apoio direto de for\u00e7as pol\u00edticas e, assim, as autoridades estabelecem taxas e impostos ou realizam gastos p\u00fablicos sem a necessidade de convencer as popula\u00e7\u00f5es da real necessidade dessas medidas. Para um governo autorit\u00e1rio vale a m\u00e1xima com que Maquiavel chocou os pensadores de seu tempo: \u201co governante precisa ser temido\u201d. Na realidade, nas sociedades democr\u00e1ticas a for\u00e7a das autoridades, em todos os n\u00edveis e em todos os ramos do Estado, reside na credibilidade e na confian\u00e7a que seus governados depositam nas palavras e, principalmente, nas inten\u00e7\u00f5es manifestas de seus governantes. Ou seja, credibilidade e confian\u00e7a s\u00e3o essenciais para que impostos sejam pagos com naturalidade e para que leis e medidas sejam respeitadas, muito embora limitem as a\u00e7\u00f5es de indiv\u00edduos e de empresas, havendo credibilidade na justificativa de que tais leis e medidas realmente comprometem bens p\u00fablicos, como o meio ambiente, ou que simplesmente prejudicam outras pessoas e outras organiza\u00e7\u00f5es que formam a tessitura social e econ\u00f4mica da cidade e da na\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Al\u00e9m disso, Olson acrescenta outro argumento crucial para o bom funcionamento das sociedades democr\u00e1ticas: o de que os interesses organizados em corpora\u00e7\u00f5es constituem verdadeiros obst\u00e1culos ou empecilhos \u00e0 promo\u00e7\u00e3o do bem comum. Enquanto os bens p\u00fablicos, como qualidade do meio ambiente ou benef\u00edcios advindos da preserva\u00e7\u00e3o de valores sociais e culturais s\u00e3o generalizados, difusos e de longo prazo (educa\u00e7\u00e3o de qualidade, seguran\u00e7a p\u00fablica, saneamento, qualidade ambiental etc.), os interesses corporativos tendem a ser espec\u00edficos e organizados em associa\u00e7\u00f5es sindicais, por vezes entranhados no pr\u00f3prio Estado. Nesses casos, o Estado se torna uma esp\u00e9cie de butim a ser disputado e dividido entre interesses corporativos, deixando de ser uma fonte de gera\u00e7\u00e3o e de prote\u00e7\u00e3o de bens p\u00fablicos necess\u00e1rios \u00e0 exist\u00eancia de um ambiente de est\u00edmulo \u00e0 inova\u00e7\u00e3o e \u00e0 competi\u00e7\u00e3o sadia na produ\u00e7\u00e3o de bens e de servi\u00e7os pelos indiv\u00edduos e pelas organiza\u00e7\u00f5es empresariais.[10]<\/a> A defesa despudorada de recursos p\u00fablicos destinados a \u201cemendas parlamentares\u201d e com gastos eleitorais n\u00e3o ajuda a transmitir o sentimento de que deputados, senadores e outras autoridades eleitas estejam, de fato, interessados em defender e promover bens p\u00fablicos, al\u00e9m de seus pr\u00f3prios interesses pessoais.<\/p>\n

Outro pensador que desenvolveu argumento na mesma dire\u00e7\u00e3o foi Alain Peyrefitte, para quem a confian\u00e7a \u00e9 tida como um valor fundamental para que as institui\u00e7\u00f5es de uma sociedade democr\u00e1tica funcionem de modo efetivo. Em sua obra A Sociedade da Confian\u00e7a<\/em>, Alain Peyrefitte discute o papel central da confian\u00e7a como fator fundamental no desenvolvimento ou no atraso econ\u00f4mico dos pa\u00edses.[11]<\/a> Em uma incurs\u00e3o pela antropologia pol\u00edtica, Peyrefitte identifica dois tipos de sociedade na hist\u00f3ria: as sociedades da confian\u00e7a e as sociedades da desconfian\u00e7a. As sociedades do primeiro tipo tendem a desenvolver rela\u00e7\u00f5es harm\u00f4nicas e construtivas, enquanto as sociedades do segundo tipo s\u00e3o definidas pelo conflito e pela disputa constante e, portanto, por um clima de inseguran\u00e7a permanente na qual a ordem s\u00f3 pode ser conseguida por meio do emprego da for\u00e7a pela autoridade. No caso do Brasil, com grandes car\u00eancias sociais bastante evidentes, gastos p\u00fablicos voltados claramente para beneficiar ganhos e interesses da pr\u00f3pria classe pol\u00edtica corroem o respeito e a credibilidade de seus governantes. A falta de credibilidade da classe pol\u00edtica compromete o uso da for\u00e7a necess\u00e1ria \u00e0 manuten\u00e7\u00e3o da ordem. Al\u00e9m disso, no Brasil, o uso da for\u00e7a pelas autoridades para a manuten\u00e7\u00e3o da ordem \u00e9 significativamente limitada por disposi\u00e7\u00f5es legais que, na constitui\u00e7\u00e3o vigente, aceita a exist\u00eancia de poderes concorrentes com a autoridade do Estado como a dos interesses corporativos organizados em sindicatos e em outras organiza\u00e7\u00f5es genericamente referidas como \u201csociedade civil organizada\u201d.<\/p>\n

Sob um ponto de vista ainda mais geral, isto \u00e9, da filosofia pol\u00edtica, vale lembrar a obra de Thomas Hobbes. Para muitos historiadores a figura de Hobbes ficou associada ao absolutismo, no entanto, um olhar mais atento revela que a preocupa\u00e7\u00e3o de Hobbes n\u00e3o era justificar o emprego da for\u00e7a pelos pr\u00edncipes, mas sim o fato de que sem \u201cordem\u201d, n\u00e3o apenas o progresso se torna dif\u00edcil, mas a pr\u00f3pria liberdade pol\u00edtica e civil torna-se imposs\u00edvel. Sem essa forma de ver a quest\u00e3o da ordem e do exerc\u00edcio da autoridade pelo Estado, a obra de Hobbes n\u00e3o poderia ser apreciada com respeito e at\u00e9 com admira\u00e7\u00e3o pelos pensadores da tradi\u00e7\u00e3o liberal, que sempre rejeitaram a tirania e a interven\u00e7\u00e3o do Estado. Com efeito, particularmente no s\u00e9culo XVII, a ordem s\u00f3 poderia ser produto da a\u00e7\u00e3o de pr\u00edncipes bem instru\u00eddos \u2013 alegoricamente ilustrada nos afrescos de Ambrogio Lorenzetti.<\/p>\n

A famosa frase atribu\u00edda a Louis XIV \u201cl\u2019\u00c9tat c\u2019est moi<\/em>\u201d pode ser vista como uma afirma\u00e7\u00e3o de sua autoridade diante de seus ministros e de seus s\u00faditos mas, muito provavelmente, seria mais apropriado entender essa afirma\u00e7\u00e3o como uma simples constata\u00e7\u00e3o de um fato corrente, uma vez que, \u00e0 \u00e9poca, as institui\u00e7\u00f5es do Estado moderno e democr\u00e1tico ainda n\u00e3o existiam. Com efeito, at\u00e9 o s\u00e9culo XVII eram os reis que se sucediam de forma heredit\u00e1ria, ouviam seus s\u00faditos e distribu\u00edam diretamente a justi\u00e7a, al\u00e9m de decidir sobre a guerra e a paz. Os reis podiam manter um pequeno c\u00edrculo de conselheiros e at\u00e9 convocar estados gerais<\/em>, mas era apenas para serem consultados. Tais inst\u00e2ncias colegiadas at\u00e9 podiam ter algum poder, mas esse poder era sempre exercido atrav\u00e9s do soberano. No s\u00e9culo XVI, juristas como Francisco de Vit\u00f3ria n\u00e3o tinham qualquer d\u00favida quando perguntados sobre \u201ca quem cabia declarar a guerra<\/em>\u201d, a resposta era simples e imediata: cabia ao soberano<\/em>.[12]<\/a> \u00c9 o que explica os afrescos aleg\u00f3ricos de Ambrogio Lorenzetti sobre \u201cO Bom Governo<\/em>\u201d e \u201cO Mau Governo<\/em>\u201d, e explica tamb\u00e9m a preocupa\u00e7\u00e3o dos iluministas do s\u00e9culo XVIII sobre a necessidade de pr\u00edncipes e de reis serem bem instru\u00eddos e educados para produzir governos prudentes e s\u00e1bios. Em suma, foi somente a partir do s\u00e9culo XVIII que os Estados passaram a estabelecer institui\u00e7\u00f5es pol\u00edticas e jur\u00eddicas que hoje chamamos de democr\u00e1ticas para construir e manter a ordem em substitui\u00e7\u00e3o a \u201cd\u00e9spotas esclarecidos\u201d.<\/p>\n

A ordem nos Estados modernos<\/strong><\/p>\n

Na realidade, uma das facetas mais admir\u00e1veis do movimento liberal que se disseminou a partir do s\u00e9culo XVIII foi a capacidade de conceber, de construir e de garantir a ordem social e pol\u00edtica por meio de institui\u00e7\u00f5es e n\u00e3o mais por meio de governantes heredit\u00e1rios, que usassem seu poder e sua autoridade com sensatez, prud\u00eancia e sabedoria em benef\u00edcio da na\u00e7\u00e3o. A cria\u00e7\u00e3o de institui\u00e7\u00f5es substitu\u00eda com vantagens os d\u00e9spotas esclarecidos<\/em>, uma vez que, por mais s\u00e1bios e mais benevolentes, os d\u00e9spotas esclarecidos<\/em> seriam um dia substitu\u00eddos por outros governantes sobre os quais n\u00e3o havia qualquer garantia de que usariam seu poder com justi\u00e7a, modera\u00e7\u00e3o e sabedoria. Louis XIV foi um governante que levou a Fran\u00e7a a viver uma era de realiza\u00e7\u00f5es e de not\u00e1vel esplendor a ponto de Voltaire comparar os tempos de Louis XIV com a era de ouro da Gr\u00e9cia de P\u00e9ricles e com a It\u00e1lia renascentista.[13]<\/a> Ap\u00f3s duas gera\u00e7\u00f5es, no entanto, Louis XVI herdou a mesma Fran\u00e7a, o mesmo Estado, com as mesmas institui\u00e7\u00f5es e com as mesmas cren\u00e7as, que haviam servido t\u00e3o bem a Louis XIV, mas viu o colapso da ordem pol\u00edtica e social at\u00e9 viver sua pr\u00f3pria desgra\u00e7a pessoal na guilhotina. Os historiadores dizem que Louis XVI era um bom homem, mas sem qualquer interesse pela pol\u00edtica e desprovido da personalidade e da capacidade de lideran\u00e7a de Louis XIV. Ou seja, o Estado n\u00e3o poderia depender tanto de seu governante que, por melhor que fosse, um dia morreria e seria substitu\u00eddo.<\/p>\n

Assim, sem sombra de d\u00favida, foi uma aposta de enorme ousadia e de not\u00e1vel vis\u00e3o pol\u00edtica dos liberais dos s\u00e9culos XVIII e XIX investir no desenvolvimento de institui\u00e7\u00f5es pol\u00edticas de grande complexidade que substitu\u00edssem a forma\u00e7\u00e3o e a educa\u00e7\u00e3o de pr\u00edncipes que, na imagem aleg\u00f3rica de Ambrogio Lorenzetti, fossem capazes de produzir bons governos. Isto \u00e9, para dar certo, as institui\u00e7\u00f5es pol\u00edticas do Estado moderno deveriam ser capazes de produzir a ordem social e pol\u00edtica por meio de um delicado equil\u00edbrio entre governantes capazes de gozar da confian\u00e7a da sociedade e que passavam a aceitar limites ao seu poder enquanto, de outro lado, o povo, isto \u00e9, os governados, por sua vez, precisariam ser capazes de aceitar o fato de que seus interesses particulares deveriam ser sempre avaliados \u00e0 luz do bem comum.<\/p>\n

No mundo atual, pode-se dizer que a China \u00e9 um caso not\u00e1vel de sociedade organizada por meio de um partido pol\u00edtico \u00fanico, que n\u00e3o constr\u00f3i a ordem a partir de institui\u00e7\u00f5es liberais que manejam e que exercem o poder por meio desse delicado equil\u00edbrio entre diferentes ramos do poder do Estado e por meio da substitui\u00e7\u00e3o de governantes com elei\u00e7\u00f5es peri\u00f3dicas das quais participa toda a popula\u00e7\u00e3o adulta. De certo modo, a ordem na sociedade chinesa \u00e9 assegurada por uma grande e complexa burocracia estruturada n\u00e3o mais em torno de uma ideologia comunista \u2013 apesar de a denomina\u00e7\u00e3o do partido permanecer a mesma \u2013 mas em larga medida a ordem \u00e9 estruturada a partir dos ensinamentos recuperados da sabedoria milenar do confucionismo.[14]<\/a> A efic\u00e1cia dessa solu\u00e7\u00e3o para a constru\u00e7\u00e3o da ordem \u00e9 vis\u00edvel na transforma\u00e7\u00e3o da China \u2013 de na\u00e7\u00e3o pobre e inexpressiva em um pa\u00eds capaz de exercer papel de lideran\u00e7a econ\u00f4mica e tecnol\u00f3gica no mundo. Com efeito, quando as na\u00e7\u00f5es do Ocidente liberal, a partir dos fins da d\u00e9cada de 1970, lideradas pelos Estados Unidos, passaram a investir na China, uma cren\u00e7a bastante central dos formuladores dessa estrat\u00e9gia era a de que um eventual sucesso econ\u00f4mico da China levaria \u00e0 democratiza\u00e7\u00e3o daquela sociedade comandada pelo Partido Comunista. Ou seja, acreditava-se que, \u00e0 medida que a na\u00e7\u00e3o prosperasse e que bols\u00f5es de efici\u00eancia econ\u00f4mica e de mercados din\u00e2micos se formassem, haveria tamb\u00e9m uma crescente forma\u00e7\u00e3o de focos de press\u00e3o sobre as institui\u00e7\u00f5es pol\u00edticas restritivas do Estado, que seriam vistas cada vez mais como burocracias resistentes a mudan\u00e7as e, principalmente, refrat\u00e1rias \u00e0 ado\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas de integra\u00e7\u00e3o aos grandes mercados internacionais. Ap\u00f3s mais de tr\u00eas d\u00e9cadas de sucesso econ\u00f4mico persistente e consistente da China, os te\u00f3ricos do Ocidente, que viam o sucesso econ\u00f4mico como um fen\u00f4meno associado aos Estados organizados por meio de institui\u00e7\u00f5es pol\u00edticas liberais, passaram a rever seu entendimento sobre essa rela\u00e7\u00e3o entre sucesso econ\u00f4mico e ordem pol\u00edtica liberal. Al\u00e9m do mais, os casos de sucesso econ\u00f4mico nas \u00faltimas d\u00e9cadas n\u00e3o se restringem ao caso da China, que continua comandada pelo Partido Comunista, mas tamb\u00e9m tem ocorrido em v\u00e1rias outras na\u00e7\u00f5es da \u00c1sia, que v\u00eam obtendo not\u00e1vel sucesso econ\u00f4mico, embora continuem comandadas por institui\u00e7\u00f5es governamentais com forte vi\u00e9s intervencionista na ordem econ\u00f4mica.<\/p>\n

Considera\u00e7\u00f5es finais<\/strong><\/p>\n

\u00a0<\/strong>Em linhas gerais, pode-se dizer que a ado\u00e7\u00e3o da democracia \u2013 ou, mais especificamente, da democracia liberal \u2013 como forma de governo, n\u00e3o significa, por si s\u00f3, que a na\u00e7\u00e3o ser\u00e1, ou que esteja sendo bem governada. Na realidade, no caso do Brasil, as cifras mostram que os sucessivos governos t\u00eam fracassado em promover a ordem e em produzir um n\u00edvel de desempenho econ\u00f4mico capaz de reduzir a pobreza e, assim, proporcionar mais e melhores oportunidades de trabalho a seus cidad\u00e3os. Em termos objetivos, esse mau desempenho n\u00e3o se reflete e n\u00e3o \u00e9 vis\u00edvel apenas na estagna\u00e7\u00e3o ou na redu\u00e7\u00e3o do PIB, mas se reflete tamb\u00e9m em outros indicadores que derivam diretamente desse mal desempenho. Por exemplo, no com\u00e9rcio exterior, apesar dos super\u00e1vits comerciais, as exporta\u00e7\u00f5es passaram a se concentrar, cada vez mais, em commodities<\/em> e em bens de baixo valor agregado. A produ\u00e7\u00e3o de commodities<\/em>, apesar de ser um desenvolvimento desej\u00e1vel, proporcionalmente, gera muito menos oportunidades de trabalho do que a ind\u00fastria e a produ\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os. Assim, n\u00e3o basta \u201capostar\u201d na produ\u00e7\u00e3o agr\u00edcola e na produ\u00e7\u00e3o de outras commodities<\/em>. No com\u00e9rcio mundial, na d\u00e9cada de 1950 os bens agr\u00edcolas eram ainda respons\u00e1veis pela metade das exporta\u00e7\u00f5es mundiais, enquanto, neste in\u00edcio do s\u00e9culo XXI, os bens agr\u00edcolas respondem por menos de 10% das exporta\u00e7\u00f5es mundiais. Ou seja, os dados revelam que a evolu\u00e7\u00e3o da economia brasileira nas \u00faltimas d\u00e9cadas n\u00e3o tem acompanhado tend\u00eancias mundiais importantes. Assim, o pouco dinamismo da economia brasileira tamb\u00e9m \u00e9 vis\u00edvel na evolu\u00e7\u00e3o da pauta de exporta\u00e7\u00f5es, cada vez menos diversificada em raz\u00e3o da pouca integra\u00e7\u00e3o \u00e0 economia mundial. O resultado \u00e9 que, em termos dos benef\u00edcios que uma na\u00e7\u00e3o pode auferir do com\u00e9rcio internacional, observa-se que, enquanto outras na\u00e7\u00f5es em desenvolvimento t\u00eam expandido significativamente sua participa\u00e7\u00e3o nos fluxos de com\u00e9rcio mundial por meio da diversifica\u00e7\u00e3o, h\u00e1 d\u00e9cadas a participa\u00e7\u00e3o brasileira no com\u00e9rcio mundial tem permanecido em torno de 1%.[15]<\/a> Em larga medida, essa diferen\u00e7a entre o desempenho do setor agr\u00edcola e de produ\u00e7\u00e3o de commodities<\/em> em rela\u00e7\u00e3o aos setores da ind\u00fastria e de servi\u00e7os pode ser explicada pelo fato de que as principais motiva\u00e7\u00f5es na produ\u00e7\u00e3o de commodities<\/em> est\u00e3o nos mercados internacionais onde h\u00e1 ordem e consist\u00eancia, enquanto a produ\u00e7\u00e3o industrial e de servi\u00e7os dependem basicamente dos mercados dom\u00e9sticos nos quais a ordem tem sido prec\u00e1ria.<\/p>\n

Um Estado democr\u00e1tico precisa ouvir a sociedade, principalmente as demandas n\u00e3o expressas \u2013 as demandas mais \u00edntimas, mais caras e mais dif\u00edceis de serem expressas em manifesta\u00e7\u00f5es ruidosas. Mas ouvir n\u00e3o basta, \u00e9 preciso discernimento, integridade e coragem para transformar as demandas da sociedade em provid\u00eancias e em medidas sempre \u00e0 luz do bem comum<\/em>. O termo bem comum<\/em> pode parecer algo difuso, mas n\u00e3o o \u00e9 para o Estado. Para o Estado, bem comum<\/em> deve ser o objetivo prim\u00e1rio a ser promovido e a ser buscado por governantes e por todos aqueles que ocupam cargos p\u00fablicos. Aumentos salariais, subs\u00eddios a certas atividades econ\u00f4micas, perd\u00e3o fiscal, e at\u00e9 mesmo ajudas emergenciais s\u00e3o medidas que a sociedade pode demandar a qualquer tempo e a qualquer hora, mas cabe \u00e0s autoridades p\u00fablicas examinar essas demandas \u00e0 luz do bem comum<\/em>, que \u00e9 um termo que o economista pode utilizar como sin\u00f4nimo de externalidade econ\u00f4mica positiva<\/em>. A economia, como qualquer atividade humana, depende da dedica\u00e7\u00e3o e dos talentos individuais, no entanto a produ\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica \u00e9 tamb\u00e9m uma atividade social, e sua vitalidade e seu bom desempenho dependem do comportamento e dos n\u00edveis de organiza\u00e7\u00e3o social das na\u00e7\u00f5es. Nesse quadro, a ordem social \u00e9 a condi\u00e7\u00e3o necess\u00e1ria \u2013 embora n\u00e3o suficiente \u2013 para o sucesso de qualquer economia. A ordem social \u00e9 a externalidade econ\u00f4mica<\/em> cuja deteriora\u00e7\u00e3o compromete n\u00e3o apenas o bom funcionamento dos mercados, mas o pr\u00f3prio futuro econ\u00f4mico e pol\u00edtico da na\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Do ponto de vista social, o mau desempenho da economia se reflete claramente nos movimentos migrat\u00f3rios. As na\u00e7\u00f5es bem governadas e cujas economias crescem e oferecem estabilidade e boas oportunidades profissionais tendem a atrair fluxos de migrantes enquanto, por outro lado, as sociedades que n\u00e3o prosperam e nas quais as oportunidades de bons empregos e de boas oportunidades profissionais se tornam mais escassos \u201cexportam\u201d migrantes. Em um extremo est\u00e1 um pa\u00eds como os EUA que constroem barreiras normativas e at\u00e9 f\u00edsicas para conter os fluxos de migrantes que querem ingressar no pa\u00eds em busca de oportunidades de trabalho. No outro extremo, est\u00e3o as na\u00e7\u00f5es muito pobres ou v\u00edtimas de crises sociais e pol\u00edticas persistentes que, sistematicamente, \u201cexpulsam\u201d suas popula\u00e7\u00f5es. O Brasil \u00e9 um caso de na\u00e7\u00e3o que n\u00e3o chega a viver crises sociais e pol\u00edticas graves e generalizadas, mas tem sido um pa\u00eds em que o mau funcionamento da economia vem produzindo continuados d\u00e9ficits no balan\u00e7o entre estrangeiros que procuram se estabelecer no pa\u00eds e o fluxo de brasileiros que v\u00e3o para outros pa\u00edses em busca de oportunidades. Apesar de continuar fazendo parte do entendimento popular corrente de que o Brasil \u00e9 um pa\u00eds que recebe imigrantes, esse entendimento n\u00e3o \u00e9 mais confirmado pelos fatos. Al\u00e9m de os balan\u00e7os nos fluxos migrat\u00f3rios serem negativos, significando que o n\u00famero de estrangeiros que ingressam no pa\u00eds tem sido menor do que o de brasileiros que deixam o pa\u00eds, recentemente, dados divulgados pelo Itamaraty e pelo Minist\u00e9rio da Justi\u00e7a mostram que no ano de 2020 havia cerca de 3 milh\u00f5es de brasileiros residindo em outros pa\u00edses (destaque para Portugal, Estados Unidos e Jap\u00e3o), enquanto havia o registro de apenas 750 mil estrangeiros residindo no Brasil, um n\u00famero significativamente menor do que em pa\u00edses vizinhos como Argentina, Uruguai e Paraguai. Tais dados revelam uma faceta preocupante desse processo. Na ess\u00eancia, revela que o Brasil est\u00e1 \u201cexportando\u201d profissionais qualificados, isto \u00e9, pessoas de talento e nas quais a sociedade brasileira investiu por anos a fio, para serem aproveitados por outras sociedades. Assim, ao observar fatos como esses, \u00e9 inevit\u00e1vel a tenta\u00e7\u00e3o de \u2013 tal como ocorreu com o soci\u00f3logo Robert Merton \u2013 refletir com humildade e com esp\u00edrito construtivo sobre a sabedoria dos Evangelhos: \u00e0quele que tem, mais lhes ser\u00e1 dado, e ter\u00e1 em abund\u00e2ncia; mas ao que n\u00e3o tem, at\u00e9 aquilo que tem ser-lhe-\u00e1 tirado<\/em> (Mateus 25, 14-30).[16]<\/a><\/p>\n

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 <\/p>\n

[1]<\/a> Ernest Hambloch, Sua Majestade o Presidente do Brasil<\/em>. Senado Federal, Bras\u00edlia, 2000 (p. 34)<\/p>\n

[2]<\/a> Randolph Starn. Ambrogio Lorenzetti. The Palazzo Pubblico, Siena<\/em>. George Braziller, N.York, 1994.<\/p>\n

[3]<\/a> H\u00e1 uma extensa literatura que, sob o tema \u201cglobaliza\u00e7\u00e3o\u201d, discute essas mudan\u00e7as no conceito de soberania e de seu exerc\u00edcio diante de um mundo cada vez mais integrado social e economicamente.<\/p>\n

[4]<\/a> O Artigo 5\u00ba. enuncia 78 direitos individuais e coletivos, bem como mecanismos de prote\u00e7\u00e3o desses direitos. O Artigo 6\u00ba. afirma que \u201cs\u00e3o direitos sociais a educa\u00e7\u00e3o, a sa\u00fade, a alimenta\u00e7\u00e3o, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a seguran\u00e7a, a previd\u00eancia social, a prote\u00e7\u00e3o \u00e0 maternidade e \u00e0 inf\u00e2ncia, a assist\u00eancia aos desamparados<\/em>\u201d. O Artigo 7\u00ba. lista 34 direitos sociais e as circunst\u00e2ncias e condi\u00e7\u00f5es em que o Estado deve proteger esses direitos. O Artigo 8\u00ba. trata com detalhes o direito de associa\u00e7\u00e3o de trabalhadores em sindicatos, enquanto o Artigo 9\u00ba. trata especificamente do direito de greve.<\/p>\n

[5]<\/a> Enquanto a Suprema Corte dos EUA julga anualmente algumas poucas dezenas de processos, segundo dados do CNJ, o STF no Brasil proferiu 17.400 julgamentos no ano de 2020, ou seja, o STF julgou uma m\u00e9dia de 66,9 processos por dia \u00fatil. Por quanto tempo esses processos tramitaram na Justi\u00e7a? Ser\u00e1 que \u00e9 poss\u00edvel julgar uma tal quantidade de processos com o devido rigor e cuidado?<\/p>\n

[6]<\/a> Extra\u00edda da \u201cOra\u00e7\u00e3o aos Mo\u00e7os<\/em>\u201d dirigida aos formandos da Faculdade de Direito de S\u00e3o Paulo (1921).<\/p>\n

[7]<\/a> Nada menos do que 95% da arrecada\u00e7\u00e3o do Estado por meio de impostos, taxas e outras receitas s\u00e3o usados para pagar despesas sobre as quais o Poder Executivo n\u00e3o tem poder discricion\u00e1rio tais como folha de pagamento do servi\u00e7o p\u00fablico, despesas com previd\u00eancia oficial, pens\u00f5es estabelecidas por lei, transfer\u00eancias para estados e munic\u00edpios etc.<\/p>\n

[8]<\/a> O que representa cerca de R$ 30 milh\u00f5es para cada senador e para cada deputado.<\/p>\n

[9]<\/a> Mancur Olson, Power and Prosperity. Outgrowing Communist and Capitalist Dictatorships<\/em>. Basic Books, 2000.<\/p>\n

[10]<\/a> Na realidade esse argumento foi que deu grande notoriedade a Mancur Olson, quando publicou seu livro intitulado The Logic of Collective Action<\/em> em 1971.<\/p>\n

[11]<\/a> Alain Peyrefitte, A Sociedade da Confian\u00e7a<\/em>. Topbooks, 1999.<\/p>\n

[12]<\/a> N\u00e3o apenas Francisco de Vit\u00f3ria, mas os juristas em geral nos s\u00e9culos XVI e XVII ao discutirem o conceito de \u201cguerra justa\u201d, em suas obras afirmaram essa prerrogativa exclusiva dos soberanos. Algo bem diferente, por exemplo, do que ocorreu com Roosevelt que, em 1941, ap\u00f3s o ataque de Pearl Harbor, concentrou sua preocupa\u00e7\u00e3o em levar uma mensagem ao Congresso oferecendo raz\u00f5es para sustentar os congressistas a declararem a guerra ao Imp\u00e9rio Japon\u00eas.<\/p>\n

[13]<\/a> Voltaire, Le Si\u00e8cle de Louis XIV<\/em>, 1751.<\/p>\n

[14]<\/a> Embora a interven\u00e7\u00e3o do Estado continue muito forte, propriedade privada e mercados din\u00e2micos, inclusive de ativos financeiros, hoje fazem parte da ordem social e econ\u00f4mica da China.<\/p>\n

[15]<\/a> No in\u00edcio da d\u00e9cada de 1980 a China tinha uma participa\u00e7\u00e3o no com\u00e9rcio mundial menor do que a brasileira; atualmente, responde por 14,5%. Outro caso not\u00e1vel de evolu\u00e7\u00e3o da participa\u00e7\u00e3o no com\u00e9rcio mundial \u00e9 o da Coreia do Sul, que hoje responde por cerca de 3% do com\u00e9rcio mundial, isto \u00e9, praticamente tr\u00eas vezes maior do que a brasileira.<\/p>\n

[16]<\/a> O soci\u00f3logo Robert Merton, refletindo sobre a l\u00f3gica dos avan\u00e7os no pensamento cient\u00edfico, que tende a premiar mais facilmente aqueles que j\u00e1 ganharam notoriedade na atividade de pesquisa cient\u00edfica, encontrou nesse Evangelho uma maneira de explicar essa estranha e inc\u00f4moda l\u00f3gica presente nas coisas humanas (R. K. Merton, The Matthew Effect in Science<\/em>. Science, 159(3810) 56-63, January, 1968).<\/p>\n

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*Eiiti Sato<\/strong> \u00e9 professor de Rela\u00e7\u00f5es Internacionais da Universidade de Bras\u00edlia.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

O autor faz uma an\u00e1lise do fraco desempenho da economia brasileira nas \u00faltimas d\u00e9cadas com base nos problemas decorrentes da fr\u00e1gil estrutura institucional e do excesso de detalhamento da nossa constitui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n","protected":false},"author":149,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[253,787],"tags":[904,413,865,61],"class_list":["post-3553","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-direito-economia","category-instituicoes-categorias","tag-bem-comum-prosperidade","tag-democracia","tag-economia-brasileira","tag-instituicoes"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3553","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/149"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3553"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3553\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3553"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3553"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3553"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}