{"id":3548,"date":"2021-12-24T08:58:22","date_gmt":"2021-12-24T11:58:22","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3548"},"modified":"2021-12-24T08:58:22","modified_gmt":"2021-12-24T11:58:22","slug":"um-retrocesso-no-transporte-rodoviario-de-passageiros","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3548","title":{"rendered":"Um retrocesso no transporte rodovi\u00e1rio de passageiros"},"content":{"rendered":"

Um retrocesso no transporte rodovi\u00e1rio de passageiros<\/strong><\/h2>\n

Por Felipe Freire da Costa*<\/em><\/p>\n

Raras vezes se presenciou um retrocesso t\u00e3o grande em mat\u00e9ria de Direito Administrativo Econ\u00f4mico e direito dos usu\u00e1rios quanto se viu recentemente com o Projeto de Lei 3819\/2020, aprovado no dia 16\/12\/2021 no Senado Federal, nos exatos termos em que fora aprovado pela C\u00e2mara dos Deputados no dia anterior.<\/p>\n

Refiro-me especificamente ao art. 2\u00ba do PL 3819, que traz consigo um enorme conjunto de equ\u00edvocos, de natureza t\u00e9cnica, econ\u00f4mica e pol\u00edtica.<\/p>\n

Desde a interven\u00e7\u00e3o na autonomia t\u00e9cnica da autoridade reguladora, at\u00e9 o estabelecimento de uma chancela legal para cria\u00e7\u00e3o de uma reserva de mercado em favor dos atuais operadores do servi\u00e7o de transporte rodovi\u00e1rio coletivo interestadual e internacional de passageiros, TRIP, a hip\u00f3tese de que o art. 2\u00ba do PL 3819 seja sancionado se revelaria em um completo contrassenso aos avan\u00e7os recentemente positivados em setores como o transporte ferrovi\u00e1rio e por cabotagem, ou em marcos regulat\u00f3rios comemorados, como o Marco do Saneamento e a Nova Lei do G\u00e1s.<\/p>\n

A incompreens\u00e3o cresce na medida em que o texto do PL 3819 teria contado com a chancela do Minist\u00e9rio da Infraestrutura, mesma pasta respons\u00e1vel pela aprova\u00e7\u00e3o do Marco Legal das Ferrovias e da BR do Mar, iniciativas que contaram com o voto do Congresso Nacional na mesma semana do projeto que favorece as tradicionais oligarquias do setor de transporte rodovi\u00e1rio de passageiros.<\/p>\n

Independentemente do regime \u2013 civil ou militar \u2013 e da orienta\u00e7\u00e3o pol\u00edtica \u2013 de esquerda ou de direita, liberal ou conservadora \u2013, as oligarquias empresariais que controlam o setor de TRIP nunca deixaram de contar com a chancela estatal para manter o status quo<\/em> na explora\u00e7\u00e3o da rede de mobilidade interestadual de transporte rodovi\u00e1rio de passageiros.<\/p>\n

A aprova\u00e7\u00e3o do PL 3819 comprova essa tese. A mesma pasta ministerial que defende que duas ferrovias que ligam o mesmo par O\/D (origem\/destino) podem concorrer entre si, v\u00ea \u00f3bice na concorr\u00eancia entre duas empresas de \u00f4nibus por uma mesma liga\u00e7\u00e3o, ao arrepio de qualquer bom senso intelectivo.<\/p>\n

Muito embora o texto tenha sido desidratado na tramita\u00e7\u00e3o na C\u00e2mara dos Deputados, ele foi aprovado nos exatos termos que interessavam aos grupos econ\u00f4micos que controlam o setor de TRIP h\u00e1 mais de 50 anos, sempre em parceria com o Estado.<\/p>\n

O exame das emendas do relator da Comiss\u00e3o Mista da Medida Provis\u00f3ria 906\/ 2019 n\u00e3o deixa d\u00favida quanto a esse aspecto. \u00c0quela ocasi\u00e3o, o relator da comiss\u00e3o mista \u2013 n\u00e3o coincidentemente o mesmo autor do substitutivo do PL 3819 aprovado no Senado Federal no final de 2020 \u2013 tentou se aproveitar da tramita\u00e7\u00e3o da medida provis\u00f3ria da Pol\u00edtica Nacional de Mobilidade Urbana para positivar na Lei 10.233\/2001 os conceitos de inviabilidade t\u00e9cnica e econ\u00f4mica para as outorgas de TRIP.<\/p>\n

O comando do art. 2\u00ba do PL 3819 vem sendo perseguido desde o fim de 2019, momento em que a ag\u00eancia reguladora reconhecera sua incompet\u00eancia para impor \u00f3bices concorrenciais em desacordo com a legisla\u00e7\u00e3o de reg\u00eancia.<\/p>\n

Muito embora a apresenta\u00e7\u00e3o do parecer do deputado Hugo Motta tenha sido comemorada por eliminar aspectos negativos da proposta oriunda do Senado Federal, o fato \u00e9 que esses aspectos \u2013 veda\u00e7\u00e3o \u00e0 intermedia\u00e7\u00e3o, anistia e redu\u00e7\u00e3o do valor m\u00e1ximo das multas, fixa\u00e7\u00e3o de um valor percentual de frota pr\u00f3pria, exig\u00eancia de estudo de viabilidade econ\u00f4mica e revoga\u00e7\u00e3o de mais de 16 mil novas liga\u00e7\u00f5es outorgadas posteriormente \u00e0 edi\u00e7\u00e3o da Delibera\u00e7\u00e3o 955\/2019 \u2013 dificilmente seriam aprovados na C\u00e2mara dos Deputados.<\/p>\n

Ou seja, n\u00e3o \u00e9 desarrazoado supor que esses elementos acess\u00f3rios do PL 3819 constavam do projeto para serem suprimidos na tramita\u00e7\u00e3o da mat\u00e9ria, criando uma falsa sensa\u00e7\u00e3o de avan\u00e7o legislativo, quando o que de fato interessava aos grupos econ\u00f4micos que controlam o setor seria mantido no texto final \u2013 inviabilidade t\u00e9cnica e econ\u00f4mica \u2013, como de fato ocorreu.<\/p>\n

Idealmente, deve-se vetar o inteiro teor do art. 2\u00ba do PL 3819, posto que ele nada acrescenta de positivo \u00e0 realidade setorial, pelo contr\u00e1rio. De forma resumida, o mencionado art. 2\u00ba equivaleria \u00e0 seguinte altera\u00e7\u00e3o na Lei de Liberdade Econ\u00f4mica, LLE:<\/p>\n

Art. 2\u00ba A Lei n\u00ba 13.874, de 20 de setembro de 2019, passa a vigorar com as seguintes altera\u00e7\u00f5es:<\/p>\n

\u201cArt. 4\u00ba …………………………………………<\/p>\n

I – criar reserva de mercado ao favorecer, na regula\u00e7\u00e3o, grupo econ\u00f4mico, ou profissional, em preju\u00edzo dos demais concorrentes, salvo no transporte rodovi\u00e1rio coletivo regular interestadual e internacional de passageiros<\/strong>;<\/p>\n

II – redigir enunciados que impe\u00e7am a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado, exceto no transporte rodovi\u00e1rio coletivo regular interestadual e internacional de passageiros<\/strong>;<\/p>\n

……………………………………….\u201d(NR)<\/p>\n

Em outros termos, o Congresso Nacional aprovou, com a anu\u00eancia do Minist\u00e9rio da Infraestrutura, registre-se, e, tudo indica, sem oposi\u00e7\u00e3o formal do restante do governo, a possibilidade de se criar \u2013 em verdade, que se continue a criar, o que nunca deixou de ser feito \u2013 reserva de mercado para favorecer grupo econ\u00f4mico em detrimento dos demais concorrentes, bem como que continuem a ser redigidos enunciados que impe\u00e7am a entrada de novos competidores no mercado de transporte rodovi\u00e1rio coletivo regular interestadual e internacional de passageiros.<\/p>\n

Simbolicamente, \u00e9 como se a LLE deixasse de ser aplic\u00e1vel ao setor de TRIP.<\/p>\n

N\u00e3o se trata de demonizar a narrativa pol\u00edtica, que \u00e9 v\u00e1lida e leg\u00edtima, mas apenas de constatar que essa n\u00e3o pode se distanciar da realidade setorial, inclu\u00eddo a\u00ed o substrato t\u00e9cnico que d\u00e1 suporte \u00e0 concretiza\u00e7\u00e3o dessa realidade.<\/p>\n

A qualidade do debate legislativo depende, pois, da diminui\u00e7\u00e3o das assimetrias informacionais entre o que se diz defender e o que est\u00e1 sendo efetivamente defendido.<\/p>\n

Uma das formas de estimular isso \u2013 diminui\u00e7\u00e3o de assimetrias \u2013 \u00e9 dar publicidade \u00e0s an\u00e1lises de resultado legislativo das iniciativas aprovadas pelo Congresso Nacional.<\/p>\n

Por essa raz\u00e3o, caso o texto seja sancionado da forma com que foi aprovado, buscarei jogar luz sobre os efeitos da altera\u00e7\u00e3o promovida no caput<\/em> do art. 47-B da Lei 10.233\/2001, tanto sobre o setor como um todo, como sobre as realidades regionais que ser\u00e3o afetadas pela imposi\u00e7\u00e3o de \u00f3bices concorrenciais chanceladas pelas casas legislativas.<\/p>\n

Isso posto, passa-se ao exame das necessidades de veto de dispositivos do art. 2\u00ba do PL 3819\/2020:<\/p>\n

Art. 2\u00ba A Lei n\u00ba 10.233, de 5 de junho de 2001, passa a vigorar com as seguintes altera\u00e7\u00f5es:\u201c<\/p>\n

Art. 13. ……………………………………………………………………<\/p>\n

V – ………………………………….<\/p>\n

1.a) presta\u00e7\u00e3o n\u00e3o regular de servi\u00e7os de transporte terrestre coletivo de passageiros, vedada a venda de bilhete de passagem<\/strong>;<\/p>\n

……………………………………….\u201d(NR)<\/p>\n

\u201cArt. 47-B. N\u00e3o haver\u00e1 limite para o n\u00famero de autoriza\u00e7\u00f5es para o servi\u00e7o regular de transporte rodovi\u00e1rio interestadual e internacional de passageiros, salvo no caso de inviabilidade t\u00e9cnica<\/strong>, operacional e econ\u00f4mica<\/strong>.<\/p>\n

Par\u00e1grafo \u00fanico. (Revogado)<\/p>\n

1\u00ba O Poder Executivo definir\u00e1 os crit\u00e9rios de inviabilidade de que trata o caput deste artigo<\/strong>, que servir\u00e3o de subs\u00eddio para estabelecer crit\u00e9rios objetivos para a autoriza\u00e7\u00e3o dos servi\u00e7os de transporte rodovi\u00e1rio interestadual e internacional de passageiros.<\/p>\n

2\u00ba A ANTT poder\u00e1 realizar processo seletivo p\u00fablico para outorga da autoriza\u00e7\u00e3o, observados os princ\u00edpios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da efici\u00eancia, na forma do regulamento.<\/p>\n

3\u00ba A outorga de autoriza\u00e7\u00e3o dever\u00e1 considerar, sem preju\u00edzo dos demais requisitos estabelecidos em lei, a exig\u00eancia de comprova\u00e7\u00e3o, por parte do operador de:<\/p>\n

I – requisitos relacionados \u00e0 acessibilidade, \u00e0 seguran\u00e7a e \u00e0 capacidade t\u00e9cnica, operacional e econ\u00f4mica da empresa, de forma proporcional \u00e0 especifica\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o, conforme regulamenta\u00e7\u00e3o do Poder Executivo<\/strong>;<\/p>\n

II – capital social m\u00ednimo de R$ 2.000.000,00 (dois milh\u00f5es de reais)<\/strong>.\u201d(NR)\u00a0[grifos acrescidos]<\/p>\n

O art. 2\u00ba como um todo se notabiliza pela t\u00e9cnica legislativa inadequada, sobretudo quanto \u00e0 topografia dos comandos que busca inserir no texto da Lei 10.233\/2001.<\/p>\n

Cito como exemplo o \u00a7 3\u00ba da nova reda\u00e7\u00e3o do art. 47-B, que n\u00e3o possui rela\u00e7\u00e3o com o caput<\/em> do comando normativo, seja como aspecto complementar ou como exce\u00e7\u00e3o \u00e0 regra por este estabelecida, conforme preconiza a Lei Complementar 95\/1998.<\/p>\n

Na medida em que o \u00a7 3\u00ba da nova reda\u00e7\u00e3o do art. 47-B trata de requisitos da outorga de autoriza\u00e7\u00e3o, o comando deveria constar como par\u00e1grafo \u00fanico do art. 44 da Lei 10.233\/2001, que disciplina o termo de autoriza\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

A disciplina em si \u00e9 desnecess\u00e1ria, vez que as exig\u00eancias trazidas no corpo do PL 3819 j\u00e1 constam do art. 29 da pr\u00f3pria Lei 10.233\/2001, a saber:<\/p>\n

Art. 29. Somente poder\u00e3o obter autoriza\u00e7\u00e3o<\/strong>, concess\u00e3o ou permiss\u00e3o para presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os<\/strong> e para explora\u00e7\u00e3o das infraestruturas de transporte<\/strong> dom\u00e9stico pelos meios aquavi\u00e1rio e terrestre as empresas ou entidades<\/strong> constitu\u00eddas sob as leis brasileiras, com sede e administra\u00e7\u00e3o no Pa\u00eds, e que atendam aos requisitos t\u00e9cnicos, econ\u00f4micos e jur\u00eddicos estabelecidos pela respectiva Ag\u00eancia<\/u><\/strong>. [grifos acrescidos]<\/p>\n

Como se nota, al\u00e9m de reproduzir uma norma j\u00e1 existente, a reda\u00e7\u00e3o proposta ao \u00a7 3\u00ba ainda consta equivocadamente do art. 47-B, em vez do art. 44 da Lei 10.233\/2001.<\/p>\n

O mesmo ocorre com a express\u00e3o \u201cvedada a venda de bilhete de passagem\u201d da nova reda\u00e7\u00e3o do art. 13, V, \u201ca\u201d da Lei 10.233\/2001. O acr\u00e9scimo redacional, desnecess\u00e1rio, s\u00f3 geraria os efeitos esperados se constasse como par\u00e1grafo do art. 26 da Lei 10.233\/2001.<\/p>\n

Na inten\u00e7\u00e3o de inviabilizar os modelos de fretamento colaborativo o autor do substitutivo do PL 3819 aprovado no Senado inseriu a veda\u00e7\u00e3o \u00e0 intermedia\u00e7\u00e3o e \u00e0 venda de bilhete de passagens no art. 13, V, \u201ca\u201d, sem se dar conta que a presta\u00e7\u00e3o n\u00e3o regular de servi\u00e7os de transporte terrestre coletivo de passageiros n\u00e3o se confunde com o transporte por fretamento.<\/p>\n

Por n\u00e3o se tratar de atividade econ\u00f4mica titularizada pelo Estado, a presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7o de transporte por fretamento n\u00e3o \u00e9 outorgada pela ANTT. N\u00e3o estamos a falar de uma autoriza\u00e7\u00e3o regulat\u00f3ria do art. 21, XII, \u201ce\u201d da Lei Maior, mas de mera autoriza\u00e7\u00e3o administrativa de pol\u00edcia, de que trata o par\u00e1grafo \u00fanico do art. 170 da Constitui\u00e7\u00e3o Federal.<\/p>\n

Por se tratar de medida in\u00f3cua, vez que inexistem outorgas de presta\u00e7\u00e3o n\u00e3o regular de servi\u00e7os de transporte terrestre coletivo no \u00e2mbito da ANTT, a altera\u00e7\u00e3o proposta ao art. 13, V, \u201ca\u201d deveria ser vetada.<\/p>\n

Continuando com as necessidades de veto, refiro-me ao \u00a7 1\u00ba e ao inciso I do \u00a7 3\u00ba da nova reda\u00e7\u00e3o proposta ao art. 47-B da Lei 10.233\/2001. Conforme grifado no texto, ambos os comandos fazem refer\u00eancia ao Poder Executivo, em vez de a ag\u00eancia reguladora, ou a ANTT, como j\u00e1 faz a reda\u00e7\u00e3o vigente dos arts. 47-A, 47-B e 47-C da lei.<\/p>\n

Como n\u00e3o existem express\u00f5es in\u00fateis na lei e a pr\u00f3pria nova reda\u00e7\u00e3o do art. 47-B faz men\u00e7\u00e3o \u00e0 ANTT e ao Poder Executivo, inexiste d\u00favida que n\u00e3o se trata de um recurso estil\u00edstico de sinon\u00edmia, recurso que inclusive deve ser evitado, conforme a al\u00ednea \u201cb\u201d do inciso II do art. 11 da Lei Complementar 95\/1998.<\/p>\n

Ou seja, segundo o texto aprovado \u2013 \u00a7 1\u00ba e inciso I do \u00a7 3\u00ba da nova reda\u00e7\u00e3o proposta ao art. 47-B da Lei 10.233\/2001 \u2013, e para o qual defendo o veto, caberia ao Poder Executivo, por meio de decreto, definir os crit\u00e9rios de inviabilidade e os requisitos relacionados \u00e0 acessibilidade, seguran\u00e7a e capacidade t\u00e9cnica, operacional e econ\u00f4mica das empresas.<\/p>\n

Tal proposi\u00e7\u00e3o representaria uma interven\u00e7\u00e3o na autonomia da autoridade reguladora para disciplinar o setor de transportes rodovi\u00e1rio interestadual e internacional de passageiros, expressamente prevista no corpo da Lei 10.233\/2001:<\/p>\n

Art. 14.\u00a0 Ressalvado o disposto em legisla\u00e7\u00e3o espec\u00edfica, o disposto no art. 13 aplica-se conforme as seguintes diretrizes:…<\/p>\n

III – depende de autoriza\u00e7\u00e3o:…<\/p>\n

1. j) transporte rodovi\u00e1rio coletivo regular interestadual e internacional de passageiros, que ter\u00e1 regulamenta\u00e7\u00e3o espec\u00edfica expedida pela ANTT<\/strong>;<\/p>\n

[…]<\/p>\n

Art. 26. Cabe \u00e0 ANTT, como atribui\u00e7\u00f5es espec\u00edficas pertinentes ao Transporte Rodovi\u00e1rio:<\/p>\n

…<\/p>\n

VIII – autorizar a presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os regulares de transporte rodovi\u00e1rio interestadual e internacional de passageiros<\/strong>.<\/p>\n

IX – dispor sobre os requisitos m\u00ednimos a serem observados pelos terminais rodovi\u00e1rios de passageiros e pontos de parada dos ve\u00edculos<\/strong> para a presta\u00e7\u00e3o dos servi\u00e7os disciplinados por esta Lei. […]<\/p>\n

[grifos acrescidos]<\/p>\n

Conforme comando expresso da Lei 10.233\/2001, cabe \u00e0 ANTT a compet\u00eancia para editar a regulamenta\u00e7\u00e3o espec\u00edfica para disciplinar as outorgas autorizativas de transporte rodovi\u00e1rio interestadual e internacional de passageiros, atribui\u00e7\u00e3o essa que prescinde da edi\u00e7\u00e3o de um decreto regulamentador.<\/p>\n

Aos trechos em destaque reproduzidos acima, soma-se o j\u00e1 referido art. 29 da Lei 10.233\/2001, que atribui \u00e0 ANTT a compet\u00eancia para estabelecer os requisitos t\u00e9cnicos, econ\u00f4micos e jur\u00eddicos necess\u00e1rios \u00e0 obten\u00e7\u00e3o das outorgas autorizativas para presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7o de TRIP.<\/p>\n

Do que aparenta ser uma antinomia jur\u00eddica entre a reda\u00e7\u00e3o proposta ao art. 47-B e outros comandos da Lei 10.233\/2001 sobressai a seguinte quest\u00e3o: a quem interessa fragilizar as atribui\u00e7\u00f5es de regula\u00e7\u00e3o t\u00e9cnica \u2013 de seguran\u00e7a, de qualidade \u2013 e econ\u00f4mica da ANTT?<\/strong><\/p>\n

Por esse conjunto de raz\u00f5es, que envolve a fragiliza\u00e7\u00e3o da autonomia t\u00e9cnica da ag\u00eancia reguladora, um caminho que pode n\u00e3o ter volta, defendo a proposi\u00e7\u00e3o de veto ao \u00a7 1\u00ba e ao inciso I do \u00a7 3\u00ba da nova reda\u00e7\u00e3o do art. 47-B da Lei 10.233\/2001, conforme trazidos pelo art. 2\u00ba do PL 3819.<\/p>\n

O inciso II do \u00a7 3\u00ba da nova reda\u00e7\u00e3o do art. 47-B da Lei 10.233\/2001, que traz a exig\u00eancia de capital social m\u00ednimo, e especifica esse valor, tamb\u00e9m deveria ser objeto de veto.<\/p>\n

O legislador ordin\u00e1rio j\u00e1 havia conferido a compet\u00eancia para a ANTT fixar requisitos necess\u00e1rios \u00e0s outorgas autorizativas no corpo do art. 29 da Lei 10.233\/2001, n\u00e3o havendo raz\u00e3o para replicar essa obriga\u00e7\u00e3o no texto acrescido e muito menos para limitar o espa\u00e7o de atua\u00e7\u00e3o normativa da ag\u00eancia reguladora dispondo em lei sobre esse valor.<\/p>\n

Engessa-se desnecessariamente a regula\u00e7\u00e3o setorial, em sentido oposto ao modelo de atua\u00e7\u00e3o estatal em outros mercados regulados, nos quais a legisla\u00e7\u00e3o setorial possui baixa densidade normativa, de forma a propiciar que as ag\u00eancias reguladoras possam tentar fazer frente \u00e0 dinamicidade dos mercados por elas regulados.<\/p>\n

Note-se que o Marco Legal das Ferrovias e a BR do Mar n\u00e3o trazem qualquer exig\u00eancia de capital social, qui\u00e7\u00e1 um valor definido em lei, raz\u00e3o pela qual a exig\u00eancia trazida pelo inciso II do \u00a7 3\u00ba da nova reda\u00e7\u00e3o do art. 47-B da Lei 10.233\/2001 deveria ser vetada.<\/p>\n

N\u00e3o somente cria-se uma exig\u00eancia inexistente em outros marcos legais, como positiva-se em lei uma mat\u00e9ria de natureza regulat\u00f3ria, a ser definida em \u00e2mbito t\u00e9cnico e n\u00e3o pol\u00edtico.<\/p>\n

Chega-se, enfim, \u00e0 nova reda\u00e7\u00e3o do \u201ccaput\u201d do art. 47-B, com a inser\u00e7\u00e3o dos conceitos de inviabilidade t\u00e9cnica e econ\u00f4mica. Existem duas leituras poss\u00edveis ao novo texto proposto, e ambas s\u00e3o negativas, principalmente aos usu\u00e1rios do setor, notadamente de baixo poder aquisitivo.<\/p>\n

A primeira delas se daria no sentido de que o acr\u00e9scimo de uma nova outorga poderia inviabilizar t\u00e9cnica ou economicamente a competi\u00e7\u00e3o no setor, ensejando a realiza\u00e7\u00e3o de um processo seletivo p\u00fablico.<\/p>\n

A inviabilidade t\u00e9cnica \u00e0 competi\u00e7\u00e3o ocorreria em casos de monop\u00f3lio natural, o que de pronto afastaria sua incid\u00eancia sobre o setor de TRIP. Seria estranho admitir a exist\u00eancia de inviabilidade t\u00e9cnica \u00e0 competi\u00e7\u00e3o no setor de TRIP ao mesmo tempo em que o parlamento decidiu que o transporte ferrovi\u00e1rio n\u00e3o se constituiria em um monop\u00f3lio natural cl\u00e1ssico.<\/p>\n

A inviabilidade econ\u00f4mica \u00e0 concorr\u00eancia n\u00e3o somente conflita com o ambiente de livre e aberta competi\u00e7\u00e3o, como carece de fundamenta\u00e7\u00e3o matem\u00e1tica. Parte-se de uma l\u00f3gica de que as receitas oriundas da explora\u00e7\u00e3o de uma outorga em espec\u00edfico deveriam ser suficientes \u00e0 remunera\u00e7\u00e3o do capital da empresa operadora daquela liga\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Essa l\u00f3gica, que \u00e9 v\u00e1lida em disciplinas contratuais \u2013 outorgas de concess\u00e3o ou permiss\u00e3o \u2013, \u00e9 inaplic\u00e1vel no setor de TRIP. O conceito \u00e9 falho por desconsiderar que as receitas das autorizat\u00e1rias n\u00e3o adv\u00eam de uma \u00fanica liga\u00e7\u00e3o (mercado), mas do conjunto delas. Soma-se a isso a explora\u00e7\u00e3o de receitas acess\u00f3rias, n\u00e3o contabilizadas nesse fict\u00edcio c\u00e1lculo de viabilidade.<\/p>\n

Adicionalmente, trata-se de uma outorga sem prazo de vig\u00eancia e com liberdade tarif\u00e1ria, inviabilizando eventuais c\u00e1lculos de viabilidade de neg\u00f3cio, os quais teriam que ser feitos sob premissas incompat\u00edveis com os contornos legais da outorga autorizativa.<\/p>\n

Como se nota, a leitura no sentido de uma inviabilidade t\u00e9cnica ou econ\u00f4mica \u00e0 competi\u00e7\u00e3o n\u00e3o se sustenta, e lev\u00e1-la \u00e0 cabo implicaria em estabelecer uma reserva de mercado em favor dos atuais operadores, criando um monop\u00f3lio empresarial com chancela estatal, em que essas empresas poderiam operar com liberdade tarif\u00e1ria, estabelecendo pre\u00e7os em patamares bem superiores aos seus custos marginais de produ\u00e7\u00e3o, em preju\u00edzo dos usu\u00e1rios do setor.<\/p>\n

A outra leitura poss\u00edvel se daria no sentido que os conceitos de inviabilidade t\u00e9cnica e econ\u00f4mica se prestariam ao estabelecimento de requisitos m\u00ednimos ao ingresso de novos entrantes.<\/p>\n

Essas exig\u00eancias, contudo, j\u00e1 s\u00e3o requeridas pela autoridade reguladora previamente \u00e0 outorga de novos mercados, por meio da verifica\u00e7\u00e3o de 35 requisitos de ordem jur\u00eddica, financeiro, trabalhista, t\u00e9cnico e operacional.<\/p>\n

Ao refor\u00e7ar essa exig\u00eancia \u2013 j\u00e1 prevista no art. 29 da Lei 10.233\/2001 \u2013, contudo, o legislador ordin\u00e1rio transparece a inten\u00e7\u00e3o de que sejam impostos \u00f4nus adicionais ao ingresso de novos entrantes, medida injustific\u00e1vel, mormente ante os efeitos positivos que o incremento da concorr\u00eancia vem trazendo ao setor e seus usu\u00e1rios.<\/p>\n

Como se percebe, de forma muito evidente, o art. 2\u00ba do PL 3819 deveria ser objeto de veto pelo Presidente da Rep\u00fablica, seja por fragilizar a atua\u00e7\u00e3o da ANTT na regula\u00e7\u00e3o setorial, limitando o espa\u00e7o de atua\u00e7\u00e3o normativa da ag\u00eancia e positivando em lei aspectos de regula\u00e7\u00e3o t\u00e9cnica, seja por criar reserva de mercado em favor dos grupos econ\u00f4micos que ditam os rumos do setor de TRIP por d\u00e9cadas a fio, sempre sob o benepl\u00e1cito estatal.<\/p>\n

Sancionar o PL 3819 como ele foi aprovado se constitui em um duro golpe \u00e0 rede de mobilidade interestadual, que retomar\u00e1 a trajet\u00f3ria de perda de atratividade e, sobretudo, aos usu\u00e1rios do setor de TRIP, cada vez mais cativos, ref\u00e9ns das oligarquias empresariais que comandam o transporte rodovi\u00e1rio de passageiros.<\/p>\n

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* Felipe Freire da Costa<\/strong> \u00e9 especialista em Regula\u00e7\u00e3o de Servi\u00e7os de Transportes Terrestres e assessor na Diretoria da Ag\u00eancia Nacional de Transportes Terrestres.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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