{"id":348,"date":"2011-03-14T20:20:30","date_gmt":"2011-03-14T23:20:30","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=348"},"modified":"2012-01-04T01:19:39","modified_gmt":"2012-01-04T04:19:39","slug":"qual-a-diferenca-entre-regime-de-partilha-e-regime-de-concessao-na-exploracao-do-petroleo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=348","title":{"rendered":"Qual a diferen\u00e7a entre regime de partilha e regime de concess\u00e3o na explora\u00e7\u00e3o do petr\u00f3leo?"},"content":{"rendered":"
No final de 2009, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional quatro projetos de lei que tinham por objetivo instituir um novo marco regulat\u00f3rio para a explora\u00e7\u00e3o do petr\u00f3leo no Pa\u00eds. A principal altera\u00e7\u00e3o proposta foi a introdu\u00e7\u00e3o do regime de partilha, que passar\u00e1 a substituir o atual regime, de concess\u00e3o. Em 22\/12\/2010 o Poder Executivo sancionou a Lei no<\/sup> 12.351, de 2010, que instituiu o regime de partilha.<\/p>\n O objetivo desta Nota \u00e9 explicar a diferen\u00e7a entre os regimes de concess\u00e3o e de partilha, real\u00e7ando alguns argumentos utilizados durante o debate do projeto de lei.<\/p>\n O regime de partilha e de concess\u00e3o<\/strong><\/p>\n Mesmo reconhecendo a diversidade de arranjos institucionais entre os diferentes pa\u00edses, a caracter\u00edstica comum entre os diferentes regimes de concess\u00e3o \u00e9 que o concession\u00e1rio \u00e9 dono de todo o petr\u00f3leo que produz. J\u00e1 no regime de partilha, o Estado \u00e9 o dono do petr\u00f3leo produzido.<\/p>\n A diferen\u00e7a de titularidade entre os diferentes regimes leva \u00e0 falsa impress\u00e3o \u2013extensivamente utilizada pelos defensores do regime de partilha \u2013 de que, na concess\u00e3o, a empresa ganha mais, enquanto que, na partilha, \u00e9 o Estado (e, consequentemente, a sociedade) \u00e9 quem sai ganhando. Nada mais equivocado!<\/p>\n Receitas do governo em cada regime<\/strong><\/p>\n Ambos os regimes implicam remunera\u00e7\u00f5es para o Estado. No caso da concess\u00e3o, a empresa concession\u00e1ria \u00e9, de fato, dona do petr\u00f3leo. Mas \u00e9 obrigada a pagar diferentes participa\u00e7\u00f5es governamentais. No caso do Brasil, as principais obriga\u00e7\u00f5es da concession\u00e1ria s\u00e3o o pagamento do b\u00f4nus de assinatura, dos royalties<\/em> e da participa\u00e7\u00e3o especial.<\/p>\n O b\u00f4nus de assinatura \u00e9 um pagamento que a empresa faz quando assina o contrato de explora\u00e7\u00e3o, para ter direito de explorar determinado campo. O valor do b\u00f4nus de assinatura \u00e9 definido em leil\u00e3o, sendo vencedora a empresa que oferecer o maior valor (al\u00e9m de outros crit\u00e9rios, como participa\u00e7\u00e3o de equipamentos produzidos no pa\u00eds e plano de explora\u00e7\u00e3o). Usualmente, o b\u00f4nus de assinatura n\u00e3o chega a representar 10% da arrecada\u00e7\u00e3o governamental. Em 2010, por exemplo, o governo arrecadou R$ 170 milh\u00f5es com b\u00f4nus de assinatura, menos de 1% dos R$ 21 bilh\u00f5es arrecadados com todas as rendas advindas da explora\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo.<\/p>\n Os royalties<\/em> correspondem a uma al\u00edquota incidente sobre o valor de produ\u00e7\u00e3o do campo. Assemelha-se, assim, a uma esp\u00e9cie de imposto sobre faturamento. Atualmente, a al\u00edquota m\u00ednima \u00e9 de 5%, e a m\u00e1xima, de 10%. Na pr\u00e1tica, quase todos os campos pagam 10% de royalties<\/em>.<\/p>\n A participa\u00e7\u00e3o especial est\u00e1 regulamentada pelo Decreto no<\/sup> 2.705, de 1998. Ela \u00e9 devida somente em campos de alta produtividade e suas al\u00edquotas, progressivas de acordo com a produtividade do campo, incidem sobre uma esp\u00e9cie de lucro do campo, podendo chegar a 40%. A participa\u00e7\u00e3o especial assemelha-se, assim, a um imposto sobre lucro. Em valores, royalties <\/em>e participa\u00e7\u00e3o especial v\u00eam arrecadando, cada rubrica, cerca de R$ 10 bilh\u00f5es ao ano. A tend\u00eancia, contudo, \u00e9 da participa\u00e7\u00e3o especial crescer com a descoberta de campos (j\u00e1 leiloados sob o regime de concess\u00e3o) de maior produtividade, na \u00e1rea do pr\u00e9-sal.<\/p>\n No regime de partilha, conforme dito anteriormente, a Uni\u00e3o \u00e9 dona do petr\u00f3leo extra\u00eddo. Obviamente, nenhuma empresa extrairia petr\u00f3leo se n\u00e3o fosse remunerada para tal. O que ocorre \u00e9 que a parceira tem direito \u00e0 restitui\u00e7\u00e3o, em \u00f3leo, do custo de explora\u00e7\u00e3o \u2013 essa parcela \u00e9 chamada de custo em \u00f3leo \u2013 e de uma parcela do lucro do campo \u2013 essa parcela \u00e9 chamada de \u00f3leo excedente, ou seja, a parcela de \u00f3leo que excede os custos de explora\u00e7\u00e3o. O nome partilha deriva justamente do fato de as empresas partilharem com o governo o \u00f3leo excedente. Ao final do processo de explora\u00e7\u00e3o, a parceira ser\u00e1 dona do custo em \u00f3leo e de sua parcela de \u00f3leo excedente. J\u00e1 o governo n\u00e3o receber\u00e1 todo o petr\u00f3leo produzido, mas somente sua parcela de \u00f3leo excedente.<\/p>\n Observem a semelhan\u00e7a entre a parcela do \u00f3leo excedente que fica com a Uni\u00e3o e a participa\u00e7\u00e3o especial: ambas equivalem a uma al\u00edquota incidente sobre o lucro obtido com a explora\u00e7\u00e3o do campo. H\u00e1, entretanto, uma diferen\u00e7a importante entre as duas formas de arrecada\u00e7\u00e3o, na forma como o regime brasileiro foi institu\u00eddo. <\/strong>No Brasil, as al\u00edquotas de participa\u00e7\u00e3o especial s\u00e3o definidas por decreto. J\u00e1 a parcela de \u00f3leo excedente pertencente \u00e0 Uni\u00e3o \u00e9 definida em leil\u00e3o, sendo o direito de explora\u00e7\u00e3o outorgado \u00e0 empresa que oferecer a maior al\u00edquota. O negrito colocado h\u00e1 pouco \u00e9 importante para lembrar que nada impede que, no regime de concess\u00e3o, o crit\u00e9rio de outorga seja baseado na empresa que ofere\u00e7a maior al\u00edquota para participa\u00e7\u00e3o especial.<\/p>\n Al\u00e9m da participa\u00e7\u00e3o do \u00f3leo excedente, o regime brasileiro de partilha tamb\u00e9m prev\u00ea a cobran\u00e7a de royalties<\/em> e de b\u00f4nus de assinatura. Dessa forma, \u00e9 \u00f3bvio que n\u00e3o h\u00e1 motivos para acreditar que um regime permite maior arrecada\u00e7\u00e3o do que outro. Tudo depender\u00e1 das al\u00edquotas estabelecidas e dos resultados dos leil\u00f5es.<\/p>\n \u00c9 falsa, portanto, a afirmativa de que, em um regime de concess\u00e3o, o Estado arrecada pouco. No Brasil, o montante que o Estado arrecada \u00e9 uma decis\u00e3o do Chefe do Poder Executivo. Afinal, as al\u00edquotas da participa\u00e7\u00e3o especial s\u00e3o definidas por decreto, sem necessidade de aprova\u00e7\u00e3o por parte do Congresso.<\/p>\n O debate entre partilha e concess\u00e3o, entretanto, n\u00e3o se restringe \u00e0 suposta diferen\u00e7a de arrecada\u00e7\u00e3o. Os que defendem o regime de partilha tamb\u00e9m real\u00e7am o fato de o Estado, por ser o dono do petr\u00f3leo, consegue utiliz\u00e1-lo de melhor forma. Novamente, trata-se de um argumento equivocado.<\/p>\n H\u00e1 vantagens em o Estado ser o dono do petr\u00f3leo?<\/strong><\/p>\n Para os que defendem o regime de partilha, h\u00e1 as seguintes vantagens em o Estado ser dono do petr\u00f3leo:<\/p>\n i)\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Pode controlar melhor o ritmo de produ\u00e7\u00e3o;<\/p>\n ii)\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Pode controlar melhor a venda do petr\u00f3leo para o exterior;<\/p>\n iii)\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Pode fazer pol\u00edtica industrial.<\/p>\n Sobre o item i<\/em>, \u00e9 importante entender que o regime de partilha, per si<\/em>, n\u00e3o tem nenhuma rela\u00e7\u00e3o com o ritmo de produ\u00e7\u00e3o. Afinal, a partilha somente diz respeito ao quinh\u00e3o a que o Estado tem direito ap\u00f3s<\/strong> a produ\u00e7\u00e3o j\u00e1 realizada<\/strong>. Ocorre que, no regime brasileiro, foi criada uma empresa estatal \u2013 a PetroSal \u2013 que tem por atribui\u00e7\u00e3o gerir os contratos de partilha. A PetroSal dever\u00e1 tamb\u00e9m indicar metade dos assentos nos comit\u00eas operacionais, que s\u00e3o comit\u00eas respons\u00e1veis por importantes decis\u00f5es relativas \u00e0s opera\u00e7\u00f5es dos campos, inclusive relativas ao ritmo de produ\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Sendo assim, de fato, no regime brasileiro de partilha, o governo ter\u00e1 maior<\/strong> controle sobre o ritmo de produ\u00e7\u00e3o. Isso n\u00e3o necessariamente significa melhor <\/strong>controle. Os que defendem esse controle argumentam que, sem ele, corremos o risco de explorarmos e vendermos nosso petr\u00f3leo quando o pre\u00e7o estiver ruim, e, quando a situa\u00e7\u00e3o melhorar, nos virmos obrigados a importar a um pre\u00e7o maior. Um exemplo muito citado na literatura \u00e9 o da Indon\u00e9sia, que teria exportado quase todo o seu petr\u00f3leo quando seu pre\u00e7o estava baixo e hoje, com os pre\u00e7os altos, n\u00e3o consegue sequer ser autossuficiente.<\/p>\n H\u00e1 duas formas de entender o controle de produ\u00e7\u00e3o. Uma \u00e9 a sintonia fina: ao longo de um contrato de partilha (ou de concess\u00e3o), o pre\u00e7o do petr\u00f3leo flutua. Corre-se o risco, de fato, de a empresa, ao longo desse contrato, produzir (e vender) muito quando o petr\u00f3leo estiver barato, e tiver exaurido seu campo quando o petr\u00f3leo tiver caro. Ocorre que \u00e9 mais prov\u00e1vel que a pr\u00f3pria empresa consiga acertar nas previs\u00f5es (afinal, ela \u00e9 a mais diretamente interessada nisso), do que um burocrata do governo encarregado disso. Certamente, n\u00e3o \u00e9 a maior interven\u00e7\u00e3o estatal que conseguir\u00e1 melhorar o timing<\/em> da explora\u00e7\u00e3o, para que sejam melhor aproveitados os per\u00edodos de alta do pre\u00e7o do petr\u00f3leo.<\/p>\n Outra forma de entender o controle de produ\u00e7\u00e3o \u00e9 sob o ponto de estrat\u00e9gico. Independentemente do que ocorrer, pode ser importante para o Pa\u00eds dispor de reservas no futuro, por exemplo, para garantir uma produ\u00e7\u00e3o m\u00ednima de derivados, permitindo-nos enfrentar situa\u00e7\u00f5es com fortes limita\u00e7\u00f5es para importa\u00e7\u00e3o, como em guerras. Se o objetivo \u00e9 garantir que tenhamos reservas no futuro, s\u00f3 h\u00e1 uma solu\u00e7\u00e3o: postergar a licita\u00e7\u00e3o para quando se julgar conveniente iniciar a explora\u00e7\u00e3o. Isso, claramente, independe do regime de outorga, se de licita\u00e7\u00e3o ou de partilha.<\/p>\n O controle sobre a quantidade de petr\u00f3leo que se exporta est\u00e1 muito associado com o que foi discutido anteriormente. Se h\u00e1 um objetivo estrat\u00e9gico de manter as reservas para garantir o abastecimento interno no futuro, a solu\u00e7\u00e3o \u00e9 n\u00e3o explorar, e isso independe do regime de outorga. Para a sintonia fina, o governo disp\u00f5e de outros instrumentos, como impostos sobre exporta\u00e7\u00e3o ou quotas.<\/p>\n Resumidamente, se o governo quer garantir o suprimento futuro de petr\u00f3leo, a solu\u00e7\u00e3o \u00e9 adiar a sua explora\u00e7\u00e3o. Isso independe do regime de outorga. <\/strong><\/p>\n Por fim, no regime de partilha, o governo, por ser dono do \u00f3leo, pode utiliz\u00e1-lo para outros fins, como firmar posi\u00e7\u00f5es geopol\u00edticas ou fazer pol\u00edtica industrial. O governo poderia vender o petr\u00f3leo a um pre\u00e7o abaixo do praticado no exterior para na\u00e7\u00f5es amigas, a exemplo do que faz atualmente a Venezuela. Similarmente, o governo pode vender o petr\u00f3leo a um pre\u00e7o abaixo do mercado para determinados setores que tem interesse em desenvolver, por exemplo, para a ind\u00fastria petroqu\u00edmica.<\/p>\n Quando o governo vende petr\u00f3leo abaixo do mercado, est\u00e1, de fato, subsidiando o comprador. Com isso, pode favorecer determinado setor de atividade que, de outra forma, n\u00e3o teria competitividade. N\u00e3o cabe aqui discutir os m\u00e9ritos de uma pol\u00edtica industrial, mas somente a necessidade da partilha para implement\u00e1-la.<\/p>\n Em um regime de partilha, o subs\u00eddio impl\u00edcito corresponde \u00e0 diferen\u00e7a entre o pre\u00e7o pago pelo comprador e o pre\u00e7o que ele pagaria se tivesse de comprar no mercado. Esse mesmo subs\u00eddio pode ser dado em um regime de concess\u00e3o: o governo destinaria parte da receita arrecadada para a empresa que quer beneficiar. A diferen\u00e7a \u00e9 que esse processo, no caso brasileiro, teria de ser feito via or\u00e7amento e sujeito, portanto, \u00e0 discuss\u00e3o com o Parlamento. Em particular, surgiria naturalmente o debate se os recursos deveriam ser realmente transferidos para as empresas que se pretende beneficiar, ou se haveria outras prioridades, como infraestrutura, educa\u00e7\u00e3o ou sa\u00fade.<\/p>\n Ou seja, o governo tamb\u00e9m pode fazer pol\u00edtica industrial em um regime de concess\u00e3o, e de forma mais transparente do que no regime de partilha. <\/strong>Esse talvez seja o ponto em que, claramente, o regime de concess\u00e3o \u00e9 superior ao de partilha. Nos demais, os dois regimes parecem ser equivalentes, sendo que um ser\u00e1 melhor ou pior que o outro dependendo das especificidades de cada pa\u00eds.<\/p>\n Downloads:<\/em><\/strong><\/p>\n