{"id":3448,"date":"2021-05-25T10:25:53","date_gmt":"2021-05-25T13:25:53","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3448"},"modified":"2021-05-25T15:01:46","modified_gmt":"2021-05-25T18:01:46","slug":"epidemiologia-economica-uma-nova-ferramenta-para-lidar-com-as-epidemias","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3448","title":{"rendered":"Epidemiologia econ\u00f4mica: uma nova ferramenta para lidar com as epidemias"},"content":{"rendered":"
Por Araceli Hubert Ribeiro* e Gi\u00e1como Balbinotto Neto**<\/em><\/p>\n O objetivo deste artigo \u00e9 falar sobre um novo campo da economia da sa\u00fade, a epidemiologia econ\u00f4mica, a qual busca estudar as doen\u00e7as infecciosas do ponto de vista do comportamento dos indiv\u00edduos com o intuito de avaliar epidemias e sua trajet\u00f3ria com base no comportamento humano e nos custos diretos e indiretos destas doen\u00e7as, assumindo o pressuposto de um comportamento racional [Becker (1976)]. \u00a0Aqui iremos apresentar, brevemente, os principais fundamentos desta \u00e1rea, que apesar de estar em sua inf\u00e2ncia, tem se mostrado ser muito promissora, tanto em termos te\u00f3ricos como emp\u00edricos, bem como relevante para os formuladores de pol\u00edticas p\u00fablicas em sa\u00fade.<\/p>\n A epidemiologia econ\u00f4mica \u00e9 a rela\u00e7\u00e3o entre o comportamento preventivo e a preval\u00eancia da doen\u00e7a, focada nas causas econ\u00f4micas e consequ\u00eancias epidemiol\u00f3gicas da dissemina\u00e7\u00e3o de doen\u00e7as infecciosas que afetam a sa\u00fade p\u00fabica, ou seja, como o comportamento econ\u00f4mico dos indiv\u00edduos afeta o curso de uma doen\u00e7a infecciosa em uma popula\u00e7\u00e3o, podendo trazer consequ\u00eancias indesejadas ao n\u00edvel individual e coletivo.<\/p>\n As doen\u00e7as infecciosas merecem um estudo a parte da economia de sa\u00fade p\u00fablica. Isto se d\u00e1 em raz\u00e3o de uma caracter\u00edstica \u00fanica das doen\u00e7as infecciosas que as tornam particularmente dif\u00edceis de analisar: o fato de elas serem transmitidas de pessoa para pessoa. Com isto, o comportamento individual se torna um aspecto central dentro da epidemiologia econ\u00f4mica, especialmente pelo fato de que as escolhas individuais feitas sobre tratamento e preven\u00e7\u00e3o impactam outros indiv\u00edduos, gerando externalidades. O impacto das escolhas individuais em outros indiv\u00edduos \u00e9 um conceito muito utilizado na economia, conhecido como externalidade e, em raz\u00e3o desse conceito t\u00e3o central na economia do bem-estar, a abordagem econ\u00f4mica tem o potencial de contribuir muito para a compreens\u00e3o de como o comportamento humano afeta as doen\u00e7as infecciosas e qual \u00e9 o papel governamental no controle destas doen\u00e7as. \u00a0Um exemplo cl\u00e1ssico na \u00e1rea de economia da sa\u00fade s\u00e3o as vacinas.<\/p>\n A \u00e1rea da epidemiologia econ\u00f4mica come\u00e7ou a ser desenvolvida juntamente com a pandemia de HIV\/AIDS, na d\u00e9cada de 1980, quando uma dimens\u00e3o econ\u00f4mica foi adicionada aos modelos epidemiol\u00f3gicos cl\u00e1ssicos utilizados para tra\u00e7ar o curso de um surto viral. Como o HIV se espalha principalmente por meio de rela\u00e7\u00f5es sexuais, as decis\u00f5es das pessoas em rela\u00e7\u00e3o ao contato sexual t\u00eam um impacto claro na propaga\u00e7\u00e3o do HIV, assim como na propaga\u00e7\u00e3o de outras doen\u00e7as sexualmente transmiss\u00edveis. Os indiv\u00edduos tomam diversas decis\u00f5es que podem impactar a propaga\u00e7\u00e3o de doen\u00e7as, como por exemplo, o qu\u00e3o frequentemente lavam as m\u00e3os, se evitam sair de casa, se evitam o contato com pessoas possivelmente infectadas, se se testam para determinadas doen\u00e7as, se usam ou n\u00e3o preservativos, dentre outros.<\/p>\n Segundo Phillipson e Posner (1993, p.3), a ideia de que uma doen\u00e7a contagiosa pudesse ser abordada do ponto de vista econ\u00f4mico havia recebido pouca aten\u00e7\u00e3o at\u00e9 o in\u00edcio dos anos 1980. Assim, a abordagem econ\u00f4mica das doen\u00e7as contagiosas busca examinar as respostas p\u00fablicas e privadas referentes a doen\u00e7as contagiosas, de um ponto de vista do comportamento racional, enfatizando principalmente as respostas do comportamento humano a mudan\u00e7as nos incentivos e a preval\u00eancia da doen\u00e7a.<\/p>\n Este ponto com rela\u00e7\u00e3o ao comportamento racional merece ser mais detalhado. Aqui seguimos a argumenta\u00e7\u00e3o de Phillipson e Posner (1993, pp. 1-10). Assim, para melhor compreendermos a epidemiologia econ\u00f4mica, parece ser plaus\u00edvel assumirmos que a \u201cescolha racional\u201d n\u00e3o implica necessariamente um comportamento consciente, deliberado ou informado. Na maioria das vers\u00f5es, segundo eles, uma escolha \u00e9 racional se ela maximizar a utilidade esperada, onde a utilidade diz respeito ao bem-estar subjetivo do indiv\u00edduo, e esperado, gra\u00e7as \u00e0 presen\u00e7a da incerteza, a qual faz com que a escolha possa ser possivelmente ruim. Segundo eles, a racionalidade implicaria que os meios se adequariam aos fins (suiting means to ends<\/em>), quaisquer que sejam estes fins. Assim, devemos ter claro, segundo os autores, que a teoria econ\u00f4mica da escolha racional seria uma fonte de explica\u00e7\u00f5es e predi\u00e7\u00f5es referentes ao comportamento, que incluiria o comportamento com rela\u00e7\u00e3o aos perigos de uma doen\u00e7a contagiosa.<\/p>\n A epidemiologia econ\u00f4mica se apoia no comportamento racional das pessoas que buscam maximizar o bem-estar individual com base em incentivos, restri\u00e7\u00f5es e informa\u00e7\u00f5es que chegam a elas. A import\u00e2ncia disto, dada a din\u00e2mica do comportamento humano dentro de uma epidemia, traz novas explica\u00e7\u00f5es para o entendimento de doen\u00e7as infecciosas. Como destacaram Phillipson e Posner (1993, p.7), a epidemiologia econ\u00f4mica, busca tamb\u00e9m ilustrar o poder da an\u00e1lise econ\u00f4mica para iluminar o comportamento n\u00e3o mercado, que \u00e9 um pouco afastado dos objetos de an\u00e1lise convencional da economia. Segundo Phillipson e Posner (1993, p.8), os modelos epidemiol\u00f3gicos padr\u00f5es, de um modo geral, exageravam em suas previs\u00f5es sobre o crescimento das doen\u00e7as contagiosas, tais como a AIDS, a qual \u00e9 transmitida principalmente atrav\u00e9s do comportamento volunt\u00e1rio. Assim, a economia pode ser utilizada para aumentar o poder preditivo e explanat\u00f3rio de tais modelos.<\/p>\n O principal ponto e cr\u00edtica aos modelos epidemiol\u00f3gicos convencionais \u00e9 que aqueles modelos falhavam em n\u00e3o considerar a import\u00e2ncia dos incentivos na modelagem das respostas privadas tanto com rela\u00e7\u00e3o \u00e0s doen\u00e7as comunic\u00e1veis, como com rela\u00e7\u00e3o aos programas que buscam control\u00e1-las. A raz\u00e3o disto, por exemplo, com rela\u00e7\u00e3o \u00e0 AIDS, era a falha em reconhecer que o aumento na preval\u00eancia de uma doen\u00e7a \u00e9 (com certas qualifica\u00e7\u00f5es) o equivalente a um aumento no pre\u00e7o do comportamento que cria o risco de contrair a doen\u00e7a, induzindo a uma resposta comportamental que iria limitar uma maior dissemina\u00e7\u00e3o da mesma.<\/p>\n O estudo das epidemias, segundo Phillipson e Posner (1993, p.5), est\u00e1 baseado no pressuposto de que o mercado para atividades que criam o risco de contrair uma doen\u00e7a infecciosa (como o contato com uma pessoa infectada) \u00e9 muito semelhante a outros mercados que os economistas estudam. Aqui, as trocas de contato s\u00e3o referidas no sentido econ\u00f4mico padr\u00e3o na qual uma atividade \u00e9 tomada como sendo mutuamente ben\u00e9fica para as pessoas nela engajadas. Assim, no caso das doen\u00e7as contagiosas, \u00e9 assumido, tamb\u00e9m, que as pessoas iriam tomar medidas para se ajustar ao risco da infec\u00e7\u00e3o, especialmente com rela\u00e7\u00e3o \u00e0 preval\u00eancia da doen\u00e7a. Ainda segundo eles, os epidemiologistas, por exemplo, na predi\u00e7\u00e3o do crescimento futuro ou no decl\u00ednio de uma doen\u00e7a, abstraem o elemento de vontade (volitional element<\/em>) \u2013 qual seja, a decis\u00e3o de se engajar ou n\u00e3o num comportamento potencialmente transmiss\u00edvel, que os economistas, por sua vez, esperam que venha a ter um aspecto central no crescimento ou decl\u00ednio at\u00e9 uma vacina ou cura ser desenvolvida. Assim, o modelo econ\u00f4mico das epidemiologias, chamado tamb\u00e9m de modelo de epidemia racional, implica estimativas menos alarmantes com rela\u00e7\u00e3o ao futuro do crescimento das doen\u00e7as contagiosas do que assumido pelos modelos epidemiol\u00f3gicos convencionais, dado que um crescente risco de infec\u00e7\u00e3o levaria os indiv\u00edduos racionais a substituir as atividades ariscadas, fazendo ent\u00e3o, com que a doen\u00e7a fosse autolimitante.<\/p>\n \u00a0<\/strong>A epidemiologia econ\u00f4mica considera a possibilidade de a demanda por autoprote\u00e7\u00e3o contra uma doen\u00e7a ser sens\u00edvel \u00e0 preval\u00eancia da doen\u00e7a que \u00e9 a propor\u00e7\u00e3o da popula\u00e7\u00e3o acometida por uma doen\u00e7a espec\u00edfica em um per\u00edodo determinado. Desta maneira, haveria uma rela\u00e7\u00e3o rec\u00edproca entre autoprote\u00e7\u00e3o e a preval\u00eancia da doen\u00e7a, criando, assim, um loop<\/em> de resposta como podemos ver na figura 1. A compreens\u00e3o desta rela\u00e7\u00e3o auxilia a identifica\u00e7\u00e3o destes per\u00edodos durante o curso de uma epidemia e a resposta subsequente que os indiv\u00edduos possam vir a ter em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 doen\u00e7a.<\/p>\n <\/a>Figura 1: Rela\u00e7\u00e3o rec\u00edproca entre autoprote\u00e7\u00e3o e preval\u00eancia da doen\u00e7a<\/strong><\/p>\n Esta abordagem difere da abordagem epidemiol\u00f3gica tradicional, onde uma maior prote\u00e7\u00e3o acarreta um menor crescimento da doen\u00e7a, terminando a rela\u00e7\u00e3o sem considerar que ela funcionaria como um ciclo e, portanto, n\u00e3o considera a resposta comportamental dos indiv\u00edduos que cria esse loop<\/em> de resposta \u00e0 preval\u00eancia da doen\u00e7a. A an\u00e1lise epidemiol\u00f3gica tradicional certamente discute como v\u00e1rios padr\u00f5es de comportamento afetam a ocorr\u00eancia da doen\u00e7a, por\u00e9m ela n\u00e3o analisa as implica\u00e7\u00f5es de como o comportamento se modifica em resposta aos novos incentivos criados pelo crescimento de uma doen\u00e7a, nem analisa os efeitos dessas mudan\u00e7as nas medidas de sa\u00fade p\u00fablica (Bhattacharya et al.,<\/em> 2013).<\/p>\n Sob o ponto de vista econ\u00f4mico, se uma doen\u00e7a se tornar mais disseminada na popula\u00e7\u00e3o, a demanda por prote\u00e7\u00e3o privada (individual) aumenta em resposta. Os meios pelos quais as medidas preventivas aumentam em resposta ao surto da doen\u00e7a podem diferir entre as doen\u00e7as. Por exemplo, para doen\u00e7as evit\u00e1veis por vacina, estes meios podem representar o n\u00famero de vacina\u00e7\u00f5es adicionais induzidas por cada nova infec\u00e7\u00e3o, enquanto para doen\u00e7as sexualmente transmiss\u00edveis pode representar o aumento na correspond\u00eancia de parceiros sexuais que t\u00eam o mesmo status<\/em> de infec\u00e7\u00e3o (Philipson, 2000).<\/p>\n A sensibilidade \u00e0 preval\u00eancia \u00e9 chamada de elasticidade preval\u00eancia da demanda privada por preven\u00e7\u00e3o contra doen\u00e7as <\/em>(elasticidade-preval\u00eancia). Como mencionado anteriormente, muitos modelos epidemiol\u00f3gicos n\u00e3o consideram que a demanda por prote\u00e7\u00e3o reaja \u00e0 preval\u00eancia da doen\u00e7a, e com isso, acabam assumindo, mesmo que implicitamente, que a elasticidade-preval\u00eancia \u00e9 igual a zero (Bhattacharya et al.,<\/em> 2013). Este ponto ser\u00e1 aprofundado nos par\u00e1grafos a seguir. \u00a0Folland et al.,<\/em> (1994), explica mais detalhadamente a quest\u00e3o de interven\u00e7\u00f5es serem ou n\u00e3o autolimitantes, e como isso pode ser identificado. O autor utiliza a equa\u00e7\u00e3o 1 para apresentar a maneira que a autoprote\u00e7\u00e3o est\u00e1 relacionada com a preval\u00eancia:<\/p>\n<\/a><\/p>\n
Fonte: Adapta\u00e7\u00e3o de Bhattacharya et al.,<\/em> (2013, p. 453).<\/h6>\n
(1) autoprote\u00e7\u00e3o limita o crescimento da doen\u00e7a;<\/h6>\n
(2) baixa taxa de preval\u00eancia acarreta menos autoprote\u00e7\u00e3o.<\/h6>\n