{"id":3412,"date":"2021-03-10T07:00:14","date_gmt":"2021-03-10T10:00:14","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3412"},"modified":"2021-03-10T00:18:31","modified_gmt":"2021-03-10T03:18:31","slug":"divida-e-riqueza-uma-nova-metrica-para-a-solvencia-fiscal","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3412","title":{"rendered":"D\u00edvida e Riqueza: uma nova m\u00e9trica para a solv\u00eancia fiscal"},"content":{"rendered":"
Por Renato Lembe<\/em><\/p>\n A economia brasileira \u00e9 not\u00f3ria pelos seus paradoxos: fen\u00f4menos bizarros e inconceb\u00edveis ocorrem aqui desde tempos imemoriais. Pelo menos, essa \u00e9 uma suposi\u00e7\u00e3o impl\u00edcita compartilhada por muitos economistas brasileiros, os quais inventaram, inclusive, um termo para esses fatos anormais: \u201cjabuticaba\u201d (Franco, 2012)<\/p>\n H\u00e1 quatro anos, o juro real brasileiro, dos mais altos do mundo, era a \u201cjabuticaba\u201d mais intrigante do pa\u00eds, tida como inexplic\u00e1vel \u00e0 luz do pensamento convencional. Segundo a teoria padr\u00e3o, juros reais em mercados livres refletem a (in)solv\u00eancia fiscal: governos muito endividados, se comprometidos com a estabilidade de pre\u00e7os, por\u00e9m relutantes em reduzir a despesa l\u00edquida corrente, precisam oferecer juros mais elevados para atrair a poupan\u00e7a privada necess\u00e1ria. Ceteris paribus<\/em>, os juros reais tendem a superar \u00e0queles de na\u00e7\u00f5es cujo governo deve menos.<\/p>\n Contudo, quando se comparam os dados brasileiros com os de outras economias, tanto desenvolvidas quanto emergentes, os juros reais do pa\u00eds n\u00e3o s\u00e3o explicados pelo seu patamar de d\u00edvida p\u00fablica (se mensurada como uma fra\u00e7\u00e3o do produto interno<\/em>). Entre 2011 e 2016, os juros brasileiros eram o dobro dos da Isl\u00e2ndia, por exemplo, embora a raz\u00e3o d\u00edvida\/PIB aqui fosse menor.<\/p>\n Fonte: FMI<\/p>\n No mundo das \u201cjabuticabas\u201d, fatos exc\u00eantricos se atribuem a causas exc\u00eantricas. Em busca de explica\u00e7\u00f5es n\u00e3o-convencionais (Barboza, 2015), alguns economistas t\u00eam argumentado que a pol\u00edtica monet\u00e1ria brasileira \u00e9 excepcionalmente ineficaz, culminando em juros excessivos como forma de compensa\u00e7\u00e3o. Outros sugerem que a resposta-chave de taxas an\u00f4malas \u00e9 a incerteza jurisdicional. Um terceiro grupo, por sua vez, tem acusado as autoridades monet\u00e1rias de formar um \u201cconluio\u201d com sistema financeiro, oligopolizado por cinco bancos \u2013 todos interessados em preservar juros elevados por raz\u00f5es pol\u00edticas e gerenciais.<\/p>\n Independentemente do valor de cada posi\u00e7\u00e3o, o fato \u00e9 que, segundo os dados internacionais, o racioc\u00ednio convencional tamb\u00e9m n\u00e3o se aplica aos juros reais de outras na\u00e7\u00f5es. Especialmente quando se consideram economias avan\u00e7as, juros e d\u00edvida n\u00e3o parecem estar correlacionados de forma alguma.<\/p>\n Surge imediatamente uma quest\u00e3o: por que os investidos preferem alocar seus recursos em economias desenvolvidas, mais endividadas e menos rent\u00e1veis, do que em economias em desenvolvimento, menos endividadas e mais lucrativas? A diferen\u00e7a institucional \u00e9 tida como a resposta-chave para solucionar esse aparente paradoxo. Todavia, a l\u00f3gica convencional ainda pode elucidar o problema, se aplicada de um outro modo.<\/p>\n Reagindo \u00e0 hip\u00f3tese do excepcional\u00edssimo brasileiro, os economistas Gustavo Franco e Evandro Buccini (2017) argumentaram que a d\u00edvida p\u00fablica n\u00e3o deve ser mensurada como uma fra\u00e7\u00e3o do produto interno, mas da riqueza privada<\/em>. A raz\u00e3o para tanto \u00e9 simples e direta: t\u00edtulos p\u00fablicos s\u00e3o comprados n\u00e3o com a renda dos investidores (a qual pode ser totalmente consumida pelas despesas cotidianas), mas com a sua riqueza financeira<\/em>, ou a sua poupan\u00e7a.<\/p>\n Do ponto de vista meramente matem\u00e1tico, esse detalhamento conceitual seria irrelevante se a propor\u00e7\u00e3o entre renda nacional e riqueza privada fosse est\u00e1vel ao redor do globo \u2013 mas ela n\u00e3o \u00e9: duas economias com o mesmo PIB per capita podem diferir significativamente em termos de riqueza particular. Essa diferen\u00e7a existe, dentre outras raz\u00f5es, porque a renda nacional \u00e9 um fluxo<\/em> que se mede anualmente, enquanto a riqueza privada \u00e9 um estoque<\/em> que se acumula no tempo. \u00c9 irrelevante para a mensura\u00e7\u00e3o da renda corrente a produ\u00e7\u00e3o do per\u00edodo anterior, mas esta n\u00e3o o \u00e9 para a mensura\u00e7\u00e3o da riqueza atual. Bens dur\u00e1veis produzidos em 2020, por exemplo, n\u00e3o ser\u00e3o inclu\u00eddos na produ\u00e7\u00e3o de 2021, mas certamente ser\u00e3o na riqueza de 2021, na medida em que ainda estar\u00e3o dispon\u00edveis para consumo. Um corol\u00e1rio desse racioc\u00ednio \u00e9 que na\u00e7\u00f5es industrializadas tendem a ser mais pr\u00f3speras que na\u00e7\u00f5es prim\u00e1rio-exportadoras, assumindo renda equivalente. Portanto, supondo iguais PIB e d\u00edvida, um pa\u00eds do primeiro tipo gozaria de maior poupan\u00e7a privada para financiar o setor p\u00fablico e, pois, estaria efetivamente menos endividado do que um do outro tipo.<\/p>\n<\/a><\/p>\n