{"id":3374,"date":"2020-11-25T10:51:50","date_gmt":"2020-11-25T13:51:50","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3374"},"modified":"2020-11-25T10:51:50","modified_gmt":"2020-11-25T13:51:50","slug":"financiando-a-recuperacao-a-reforma-da-lei-de-falencias","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3374","title":{"rendered":"Financiando a Recupera\u00e7\u00e3o : A Reforma da Lei de Fal\u00eancias"},"content":{"rendered":"

Por Jairo Saddi<\/span><\/i>\u00a0<\/span><\/i><\/p>\n

\u00c9 da maior relev\u00e2ncia o Projeto de Lei n. 4458\/2020, que foi aprovado na C\u00e2mara dos Deputados e seguiu para o Senado Federal, e que trata da reforma da Lei de Fal\u00eancias, Lei n. 11.101\/2005. Entre as mat\u00e9rias de inova\u00e7\u00e3o legislativa est\u00e1 a concess\u00e3o de financiamento \u00e0s empresas que estejam em recupera\u00e7\u00e3o judicial.<\/span><\/p>\n

J\u00e1 se disse que uma empresa em recupera\u00e7\u00e3o \u00e9 exatamente igual a uma empresa em funcionamento normal: ela compra, necessita de estoques, tem o seu giro e tamb\u00e9m precisa de caixa. Portanto, para que o princ\u00edpio maior da Lei seja cumprido e a empresa se recupere, s\u00e3o fundamentais a exist\u00eancia de capital de giro e a continuidade do cr\u00e9dito. Atualmente, o cen\u00e1rio \u00e9 muito diferente. O que se sabe \u00e9 que qualquer empresa em recupera\u00e7\u00e3o judicial \u00e9 obrigada a pagar praticamente tudo antecipadamente, de maneira que seu cr\u00e9dito se evapora no momento em que aju\u00edza o pedido de recupera\u00e7\u00e3o.\u00a0<\/span><\/p>\n

H\u00e1 justificativas para tanto. Por ordem do concurso de credores, ainda que sejam pagamentos extraconcursais, a pr\u00e1tica do mercado entende que h\u00e1 um risco maior de inadimpl\u00eancia. Da\u00ed, praticamente inexistir cr\u00e9dito para empresas em recupera\u00e7\u00e3o.<\/span><\/p>\n

O PL, portanto, avan\u00e7a no sentido de alterar a ordem de pagamento dos cr\u00e9ditos que hoje est\u00e1 nos Art. 83 e 84 da atual Lei, criando um novo artigo, o Art. 69, e especialmente uma autoriza\u00e7\u00e3o a este financiamento no Art. 69-B. Nesse sentido, a natureza extraconcursal do financiamento passa a ter prioridade absoluta no seu pagamento. Ou seja, \u00e9 uma tentativa de suprir a poss\u00edvel falta de caixa e de liquidez para fazer frente a despesas correntes como pagamento de fornecedores, sal\u00e1rios, despesas administrativas, produ\u00e7\u00e3o etc. com uma linha espec\u00edfica de cr\u00e9dito.<\/span><\/p>\n

Esse mecanismo \u00e9 denominado <\/span>Debtor-in-Possession Financing<\/span><\/i> (DIP) e se originou nos Estados Unidos na d\u00e9cada de 1960. Entre n\u00f3s, a Lei n. 11.101\/2005 n\u00e3o regulou o assunto, deixando para a jurisprud\u00eancia a an\u00e1lise individual dos conflitos l\u00e1 provocados.<\/span><\/p>\n

O assunto n\u00e3o \u00e9 novo. Paulo Fernando Campos Salles de Toledo j\u00e1 indicava h\u00e1 tempos que \u201c<\/span>mecanismos devem ser criados para que realmente se incentive a concess\u00e3o de cr\u00e9dito<\/span><\/i>\u201d,<\/span> pois<\/span> \u201c<\/span>a dificuldade das recuperandas para acesso ao cr\u00e9dito <\/span><\/i>(\u2026) <\/span>chega a impossibilitar a efetiva reorganiza\u00e7\u00e3o da empresa<\/span><\/i>\u201d.<\/span> Finalmente, o projeto corrige e aperfei\u00e7oa o mecanismo do DIP e promete novos tempos para empresas em recupera\u00e7\u00e3o.<\/span><\/p>\n

O Art. 69-A e B do Projeto afirma que, durante a recupera\u00e7\u00e3o judicial, \u201co devedor poder\u00e1 celebrar contratos de financiamento garantidos pela onera\u00e7\u00e3o ou pela aliena\u00e7\u00e3o fiduci\u00e1ria de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo n\u00e3o circulante, para financiar as suas atividades, as despesas de reestrutura\u00e7\u00e3o ou de preserva\u00e7\u00e3o do valor de ativos\u201d e que \u201cate\u0301 a vota\u00e7\u00e3o do plano de recupera\u00e7\u00e3o judicial, o devedor poder\u00e1 apresentar nos autos proposta que conter\u00e1:\u00a0 I – descri\u00e7\u00e3o detalhada dos termos da proposta de financiamento; II – indica\u00e7\u00e3o dos financiadores que apresentaram proposta de financiamento;\u00a0 III – indica\u00e7\u00e3o do devedor destinat\u00e1rio do financiamento;\u00a0 IV – descri\u00e7\u00e3o das garantias com indica\u00e7\u00e3o de bens e direitos a serem onerados ou alienados fiduciariamente;\u00a0 V \u2013 indica\u00e7\u00e3o do processo competitivo a ser adotado no caso de eventual proposta concorrente de financiador interessado;\u00a0 VI \u2013 descri\u00e7\u00e3o dos benef\u00edcios do financiamento para a coletividade de credores;\u00a0 VII – minuta de edital com a indica\u00e7\u00e3o de data, hora e local de realiza\u00e7\u00e3o de assembleia geral de credores, se houver, para deliberar sobre a proposta de financiamento a ocorrer no prazo m\u00e1ximo de quarenta e cinco dias da data da apresenta\u00e7\u00e3o da proposta; e\u00a0 VIII – an\u00e1lise da viabilidade da qual conste a estrutura financeira do financiamento, o n\u00edvel m\u00e1ximo de alavancagem permitido e os elementos para prote\u00e7\u00e3o dos credores n\u00e3o sujeitos a\u0300 recupera\u00e7\u00e3o judicial\u201d.<\/span><\/p>\n

Trata-se, portanto, de proposta de financiamento sujeita \u00e0 aprova\u00e7\u00e3o, j\u00e1 que n\u00e3o pode caber ao administrador judicial maior endividamento da empresa.<\/span><\/p>\n

N\u00e3o \u00e9 por outra raz\u00e3o que o par\u00e1grafo 3<\/span>o<\/span> do mesmo artigo permite aos credores contr\u00e1rios a\u0300 proposta de financiamento, que corresponderem a mais de 20% do valor total de cr\u00e9ditos sujeitos a\u0300 recupera\u00e7\u00e3o judicial, que manifestem ao administrador judicial o interesse na realiza\u00e7\u00e3o da Assembleia Geral de Credores indicada na proposta para autorizar a contrata\u00e7\u00e3o. Quem autoriza o endividamento extraconcursal, portanto, \u00e9 a Assembleia Geral de Credores.<\/span><\/p>\n

Neste momento, o administrador judicial apresentara\u0301 ao juiz um relat\u00f3rio das manifesta\u00e7\u00f5es recebidas e requerera\u0301 a convoca\u00e7\u00e3o da Assembleia apenas na hip\u00f3tese de as manifesta\u00e7\u00f5es corresponderem a mais de 20% do valor total de cr\u00e9ditos sujeitos a\u0300 recupera\u00e7\u00e3o judicial. Na aus\u00eancia de manifesta\u00e7\u00f5es que superem aquele percentual ou comprovada a ades\u00e3o dos credores a\u0300 proposta do devedor, a proposta de financiamento ser\u00e1 considerada aprovada. Sendo aprovada, o juiz autorizara\u0301 a realiza\u00e7\u00e3o da opera\u00e7\u00e3o.\u00a0<\/span><\/p>\n

No entanto, mediante pr\u00e9via autoriza\u00e7\u00e3o judicial, o financiador poder\u00e1 adiantar ao devedor ate\u0301 10% do valor do financiamento indicado na proposta antes da realiza\u00e7\u00e3o da Assembleia Geral de Credores que deliberar\u00e1 sobre a proposta de financiamento. Esse cr\u00e9dito permanecer\u00e1 como extraconcursal e dever\u00e1 ser pago com prioridade absoluta, sendo que, na hip\u00f3tese de a proposta de financiamento ser rejeitada, o devedor dever\u00e1 restituir imediatamente ao financiador a quantia efetivamente recebida sem incorrer em multas e encargos decorrentes da rescis\u00e3o.\u00a0<\/span><\/p>\n

Muitos t\u00eam criticado o mecanismo e mencionam um certo cond\u00e3o burocr\u00e1tico presente nos procedimentos e o risco da incerteza jurisdicional, j\u00e1 que qualquer decis\u00e3o cabe agravo, segundo o processo judicial.<\/span><\/p>\n

Maria Fabiana Sant’Ana e Thomaz Sant’Ana, em preciso artigo, afirmam que a proposta n\u00e3o endere\u00e7a \u201cproblemas e quest\u00f5es comuns relacionados ao financiamento de empresas em recupera\u00e7\u00e3o judicial, como a compatibiliza\u00e7\u00e3o da prioridade do investidor com a expectativa de recebimento dos credores concursais, a eventual reforma da decis\u00e3o que autoriza o DIP Financing pelo Tribunal, o controle do uso do valor mutuado para que ele seja realmente empregado no fomento da atividade empres\u00e1ria, dentre outros\u201d.<\/span>\u00a0<\/span><\/p>\n

Sugerem que o texto poderia ter \u201cse aproveitado de previs\u00f5es contidas nas legisla\u00e7\u00f5es estrangeiras mais modernas de Direito Falimentar a fim de tornar o procedimento de concess\u00e3o do DIP Financing mais \u00e1gil e mais seguro, como a lei chilena, promulgada em 2014, que possibilita a obten\u00e7\u00e3o de empr\u00e9stimos no valor equivalente a at\u00e9 20% (vinte por cento) do passivo concursal, bem como a onera\u00e7\u00e3o de bens em garantia deste empr\u00e9stimo at\u00e9 o limite de 20% (vinte por cento) do ativo contabilizado sem necessidade de qualquer autoriza\u00e7\u00e3o, tornando a efetiva tomada do financiamento algo mais pr\u00e1tico e c\u00e9lere, como s\u00e3o as rela\u00e7\u00f5es comerciais atuais e o cotidiano das empresas, estejam elas em crise ou n\u00e3o\u201d. Citam ainda o <\/span>Codice della Crisi di Impresa e dell\u2019Insolvenza<\/span><\/i> italiano, que entrou em vigor em agosto de 2020, e que \u201cpossibilita que o juiz estabele\u00e7a, de in\u00edcio, um valor m\u00e1ximo para a obten\u00e7\u00e3o do DIP Financing sem necessidade de autoriza\u00e7\u00e3o espec\u00edfica, deixando os interessados cientes dessa possibilidade desde o in\u00edcio do processo de insolv\u00eancia\u201d.<\/span><\/p>\n

O fato \u00e9 que h\u00e1 duas op\u00e7\u00f5es inteiramente distintas no processo e Maria Fabiana Sant’Ana e Thomaz Sant’Ana t\u00eam certa raz\u00e3o na cr\u00edtica. Mas legislar implica em escolhas. H\u00e1 caminhos de maior liberdade ao juiz e, em oposi\u00e7\u00e3o, maior poder \u00e0 Assembleia, sob a \u00e9gide da m\u00e1xima de que uma empresa em recupera\u00e7\u00e3o deve ser gerida em nome dos credores e apenas para satisfaz\u00ea-los.\u00a0<\/span><\/p>\n

Realmente, \u00e9 dif\u00edcil estabelecer procedimentos que fujam de fraudes e de m\u00e1s inten\u00e7\u00f5es, o que justifica o procedimento burocr\u00e1tico e a exig\u00eancia da aprova\u00e7\u00e3o em assembleia.<\/span><\/p>\n

No entanto, sob a \u00f3tica de maior certeza ao credor \u2013 e, n\u00e3o por outra raz\u00e3o, cr\u00e9dito \u00e9 confian\u00e7a \u2013 exatamente com tais preceitos burocr\u00e1ticos talvez se consiga ampliar a oferta de cr\u00e9dito para essas empresas.<\/span><\/p>\n

Acho, portanto, que o projeto avan\u00e7a, ainda que de modo imperfeito, mas certamente melhor do que o regime da regra atual, vago e sem qualquer certeza de recebimento. E n\u00e3o h\u00e1 como n\u00e3o negar que sem cr\u00e9dito, a recupera\u00e7\u00e3o da empresa \u00e9 praticamente imposs\u00edvel.<\/span><\/p>\n

Jairo Saddi \u00e9 advogado em S\u00e3o Paulo<\/span><\/i><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

\u00c9 da maior relev\u00e2ncia o Projeto de Lei n. 4458\/2020, que foi aprovado na C\u00e2mara dos Deputados e seguiu para o Senado Federal, e que trata da reforma da Lei de Fal\u00eancias, Lei n. 11.101\/2005. Entre as mat\u00e9rias de inova\u00e7\u00e3o legislativa est\u00e1 a concess\u00e3o de financiamento \u00e0s empresas que estejam em recupera\u00e7\u00e3o judicial.<\/p>\n","protected":false},"author":144,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[253,254],"tags":[],"class_list":["post-3374","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-direito-economia","category-a-regulacao"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3374","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/144"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3374"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3374\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3374"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3374"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3374"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}