{"id":3368,"date":"2020-11-18T13:47:25","date_gmt":"2020-11-18T16:47:25","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3368"},"modified":"2020-11-25T10:52:45","modified_gmt":"2020-11-25T13:52:45","slug":"pix-potencial-motor-de-inclusao-financeira-no-brasil","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3368","title":{"rendered":"PIX \u2013 potencial motor de inclus\u00e3o financeira no Brasil"},"content":{"rendered":"

Por Carlos Ragazzo e Bruna Cataldo<\/em><\/p>\n

O problema da exclus\u00e3o financeira \u00e9 global: o relat\u00f3rio<\/a> mais recente do Banco Mundial sobre o tema indica que 1.7 bilh\u00e3o de adultos n\u00e3o possu\u00edam contas banc\u00e1rias em 2017, problema mais concentrado em pa\u00edses de renda m\u00e9dia e pobres. Apesar de o n\u00famero materializar o tamanho do problema para o desenvolvimento social, o mesmo relat\u00f3rio faz o diagn\u00f3stico de que o movimento de inclus\u00e3o financeira no cen\u00e1rio internacional acelerou desde 2014, com o aumento do uso de telefones celulares e internet em diversas regi\u00f5es, inclusive pelas camadas mais pobres. O processo avan\u00e7ou nos 3 anos desde o lan\u00e7amento do relat\u00f3rio e a digitaliza\u00e7\u00e3o e implementa\u00e7\u00e3o de pagamentos instant\u00e2neos promoveram inclus\u00e3o financeira em larga escala em pa\u00edses como \u00cdndia, China e Tail\u00e2ndia.<\/p>\n

O Brasil ainda tem um longo caminho pela frente com 45 milh\u00f5es de desbancarizados e este ensaio busca argumentar que o caminho tradicional de induzir participa\u00e7\u00e3o no ecossistema financeiro por meio de contas banc\u00e1rias \u00e9 excludente e tem barreiras de dif\u00edcil transposi\u00e7\u00e3o: \u00e9 no mercado de pagamentos \u2013 principalmente \u00a0por suas inova\u00e7\u00f5es digitais \u2013 que est\u00e1 o potencial de inclus\u00e3o desses brasileiros. As recentes mudan\u00e7as no pa\u00eds \u2013 tanto em termos de regula\u00e7\u00e3o com o Open Banking e a cria\u00e7\u00e3o do PIX, quanto de acelera\u00e7\u00e3o da digitaliza\u00e7\u00e3o da popula\u00e7\u00e3o \u2013 apontam um caminho promissor, ainda que com desafios.<\/p>\n

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Desbancariza\u00e7\u00e3o X Avan\u00e7o digital<\/h1>\n

Exclus\u00e3o Banc\u00e1ria: Problema na Oferta de Produtos Financeiros<\/h2>\n

No Brasil, s\u00e3o justamente as pessoas em situa\u00e7\u00e3o de vulnerabilidade que possuem maior dificuldade de participar do sistema financeiro. Esse ponto fica claro a partir do perfil desses 45 milh\u00f5es<\/a> que est\u00e3o exclu\u00eddos do sistema banc\u00e1rio tradicional: 59% s\u00e3o mulheres, 69% negros, 86% pertencem \u00e0s classes C, D e E, 39% s\u00e3o do Nordeste (39%) e 58% ou n\u00e3o possui escolaridade, ou estudou apenas at\u00e9 o ensino fundamental. Uma indica\u00e7\u00e3o de que a conta banc\u00e1ria \u00e9 um obst\u00e1culo maior do que a efetiva participa\u00e7\u00e3o no ecossistema financeiro em si \u00e9 que 12% dessas pessoas t\u00eam cart\u00e3o de cr\u00e9dito, apesar de n\u00e3o terem conta em banco, inclusive possuindo mais de um em parte dos casos. Mais forte ainda \u00e9 o dado de que 75% evita recorrer a bancos sempre que poss\u00edvel, alegando, como motivo mencionado com mais frequ\u00eancia, a falta de confian\u00e7a (49%). Existem tamb\u00e9m outros motivos importantes, como a falta de dinheiro (31%) e a prefer\u00eancia por dinheiro em esp\u00e9cie (29%), que devem ser levados em conta em estrat\u00e9gias de inclus\u00e3o.<\/p>\n

Adiciona-se a esse contexto uma realidade do mercado de trabalho brasileiro para a qual o formato dos produtos oferecidos pelos bancos nem sempre \u00e9 adequado: a forte presen\u00e7a de informalidade. No estudo do Banco Mundial, fica claro que a maioria dos brasileiros que recebem sal\u00e1rio e transfer\u00eancias do governo o fazem por meio de uma conta banc\u00e1ria ou digital. Mas o cen\u00e1rio muda ao olhar para os informais: s\u00e3o largamente remunerados apenas em dinheiro. Isso \u00e9 relevante, dado que 36,9%<\/a> da popula\u00e7\u00e3o ocupada se encontrava nessa situa\u00e7\u00e3o em agosto deste ano, um n\u00famero absoluto pr\u00f3ximo de 31 milh\u00f5es de pessoas. Para esses brasileiros, as altas tarifas banc\u00e1rias, a falta de previsibilidade na renda, a rela\u00e7\u00e3o com redes informais de fornecedores e a morosidade da burocracia, dentre outros motivos, tornam pouco atrativo o formato da conta banc\u00e1ria.<\/p>\n

E essas pessoas, apesar de estarem fazendo transa\u00e7\u00f5es por fora do sistema banc\u00e1rio, movimentam grande quantia de dinheiro: R$ 817 bilh\u00f5es<\/a> todo ano. Traz\u00ea-las para o ecossistema financeiro levaria ao consumo de uma variedade maior de produtos, representando um ganho para todos os agentes envolvidos. A estrat\u00e9gia que parece ter tra\u00e7\u00e3o para impulsionar esse movimento \u00e9 mudar o foco para induzir as pessoas a utilizar as inova\u00e7\u00f5es que o mercado de pagamento tem oferecido ao inv\u00e9s de traz\u00ea-las necessariamente para os bancos de forma tradicional pelo produto \u201cconta banc\u00e1ria\u201d.<\/p>\n

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Smartphones – Infraestrutura Digital para Inclus\u00e3o Financeira<\/h2>\n

Se teve um ponto que a pandemia escancarou sobre a realidade do Brasil \u00e9 que o pa\u00eds ainda n\u00e3o est\u00e1 preparado para um mundo majoritariamente digital. Dificuldades em transfer\u00eancia para teletrabalho, em adequa\u00e7\u00e3o de processos governamentais e na oferta de servi\u00e7os p\u00fablicos ficaram evidentes. Desigualdade no acesso a computadores e internet est\u00e1vel para atividades educacionais remotas se tornaram o centro do debate dos especialistas em educa\u00e7\u00e3o. Ent\u00e3o como argumentar que \u00e9 justamente atrav\u00e9s de produtos digitais que a parcela mais vulner\u00e1vel ser\u00e1 inclu\u00edda ao sistema financeiro?<\/p>\n

Embora n\u00e3o se possa afirmar que o pa\u00eds \u00e9 digitalmente democratizado, existem \u00e1reas espec\u00edficas em que o processo avan\u00e7ou com bastante for\u00e7a. Os smartphones <\/em>representam bem a falta de homogeneidade no acesso ao mundo digital no Brasil: o pa\u00eds tem 234 milh\u00f5es<\/a> aparelhos, com um aumento de 10 milh\u00f5es desde 2018. Esse valor representa mais de 1 aparelho per capita<\/em>. No ano de 2018, 79,3% dos brasileiros tinham celular pr\u00f3prio, sendo que este foi o meio digital que mais adentrou domic\u00edlios de renda mais baixa: o rendimento m\u00e9dio per capita daqueles para quem o celular era a principal fonte de acesso \u00e0 internet era pouco mais de 1,5 sal\u00e1rio m\u00ednimo, quase metade em compara\u00e7\u00e3o a quem acessava por tablets\/televis\u00e3o. Tamb\u00e9m foi evidenciado que 16,6% dos que n\u00e3o t\u00eam celular pr\u00f3prio alegam n\u00e3o comprar um por usar o de outra pessoa.<\/p>\n

Isso indica que o caminho mais natural e f\u00e1cil para inclus\u00e3o financeira daqueles para quem o digital j\u00e1 \u00e9 realidade de alguma forma \u00e9 o smartphone<\/em>. E \u00e9 justamente por meio dele que as inova\u00e7\u00f5es do mercado de pagamentos v\u00eam ocorrendo, sobretudo a partir da populariza\u00e7\u00e3o das carteiras digitais: o Brasil \u00e9 \u00fanico pa\u00eds da Am\u00e9rica Latina<\/a> em que todos os principais operadores internacionais est\u00e3o presentes. As carteiras digitais s\u00e3o aplicativos que podem ser instalados em smartphones que permitem a realiza\u00e7\u00e3o de pagamentos online ou presenciais, exigindo somente a inclus\u00e3o de saldo na conta por meio de um boleto ou cadastro de um cart\u00e3o. O pagamento \u00e9 feito por aproxima\u00e7\u00e3o ou QR Code. Estima-se que devem representar 28%<\/a> do mercado de pagamentos at\u00e9 2022 e que 61% dos brasileiros dos grupos sociais A, B e C com smartphones s\u00e3o usu\u00e1rios recorrentes, alegando a confirma\u00e7\u00e3o instant\u00e2nea e a praticidade como vantagens.<\/p>\n

O crescimento da utiliza\u00e7\u00e3o das carteiras digitais foi pronunciado no Brasil \u2013 65%, frente 40% no mundo<\/a> \u2013 e 75%<\/a> da popula\u00e7\u00e3o relatou desejar fazer pagamentos em tempo real independente do provedor do servi\u00e7o com 53% demonstrando interesse em faz\u00ea-lo atrav\u00e9s de aplicativos. Tamb\u00e9m houve um crescimento de 37% nas pesquisas<\/a> sobre o tema no Google. Os dados indicam interesse da popula\u00e7\u00e3o, apesar da falta de investiga\u00e7\u00e3o espec\u00edfica para a camada mais pobre. De qualquer forma, a capacidade de smartphones e aplicativos criarem capilaridade para ela \u00e9 relevante, considerando a possibilidade de depositar valores no app por meio de boleto, n\u00e3o sendo necess\u00e1ria uma conta no banco. Como o meio de pagamento de prefer\u00eancia do desbancarizado \u00e9 o dinheiro, a possibilidade de usar um servi\u00e7o digital em que ele apenas passe seu dinheiro para um aplicativo sem associa\u00e7\u00e3o a uma conta pode ser atrativo e de mais f\u00e1cil ades\u00e3o.<\/p>\n

Algumas barreiras seguem existindo, no entanto: em 2019, 22.7%<\/a> dos usu\u00e1rios de internet afirmaram que n\u00e3o fazem pagamentos por smartphone em lojas f\u00edsicas por preferirem dinheiro e 32.4% dos usu\u00e1rios estavam familiarizados com o conceito de carteiras digitais, mas nunca usaram. Um poss\u00edvel incentivo para a supera\u00e7\u00e3o desses obst\u00e1culos \u00e9 a ado\u00e7\u00e3o de carteiras digitais como meio de pagamento em servi\u00e7os do cotidiano como mobilidade urbana e aplicativos de entrega, com alguns j\u00e1 adotando o m\u00e9todo. Esse tipo de nudge<\/em> para induzir o usu\u00e1rio \u00e0 utiliza\u00e7\u00e3o e supera\u00e7\u00e3o de desconfian\u00e7as \u00e9 mais facilmente desenhado para meios de pagamentos que do que para contas banc\u00e1rias.<\/p>\n

Um exemplo pr\u00e1tico dessas nuances do processo de digitaliza\u00e7\u00e3o dos pagamentos foi trazido pela pandemia de Covid-19. A necessidade de implementar aux\u00edlios governamentais e faz\u00ea-los chegar \u00e0 popula\u00e7\u00e3o for\u00e7ou o governo \u2013 por interm\u00e9dio da Caixa Econ\u00f4mica \u2013 a acelerar processos de digitaliza\u00e7\u00e3o. Foi feito um esfor\u00e7o de identifica\u00e7\u00e3o das pessoas e para traz\u00ea-las para o sistema da Caixa de maneira digital. A experi\u00eancia com a plataforma digital Caixa Tem teve resultados mistos que trazem para o caso concreto as quest\u00f5es apontadas. Em um per\u00edodo de 6 meses, foi poss\u00edvel digitalizar 64 milh\u00f5es<\/a> de pessoas \u2013 segundo o ministro da Economia Paulo Guedes \u2013 com a plataforma como um todo tendo alcan\u00e7ado mais de 100 milh\u00f5es<\/a>.<\/p>\n

Todas essas pessoas se tornaram vis\u00edveis a um sistema e passaram a receber transfer\u00eancias governamentais por meios digitais em um per\u00edodo curt\u00edssimo de tempo, demonstrando capacidade de alcance e viabilidade de realiza\u00e7\u00e3o, embora, naturalmente, ainda sejam necess\u00e1rias estrat\u00e9gias de aprendizado e fideliza\u00e7\u00e3o ao acesso digital. Tamb\u00e9m \u00e9 importante apontar que o n\u00famero apontado pelo ministro da Economia est\u00e1 relacionado \u00e0 inscri\u00e7\u00e3o na plataforma digital. N\u00e3o endere\u00e7a, necessariamente, os 45 milh\u00f5es de desbancarizados, uma vez que a transi\u00e7\u00e3o para o digital engloba indiv\u00edduos que j\u00e1 participam do sistema, mas n\u00e3o de maneira digitalizada. O universo de pessoas a ser digitalizado, portanto, \u00e9 maior que o de pessoas a serem bancarizadas. Pode-se entender os movimentos como etapas diferentes de um mesmo caminho, que podem ou n\u00e3o ser feitas concomitantemente.<\/p>\n

Carteiras digitais e o caso do aplicativo Caixa Tem s\u00e3o apenas exemplos de inova\u00e7\u00e3o do mercado de pagamentos que podem ser operadas por meio de smartphones<\/em>, mas evidenciam que h\u00e1 uma porta de entrada para o ecossistema financeiro por aqueles que at\u00e9 ent\u00e3o est\u00e3o \u00e0 margem do sistema financeiro tradicional, ainda que com desafios pela frente. A a\u00e7\u00e3o coordenada do Banco Central vem induzindo o surgimento de alternativas, at\u00e9 mais promissoras, com destaque para a plataforma de pagamentos instant\u00e2neos: o PIX.<\/p>\n

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O Banco Central toma a frente<\/h1>\n

A agenda BC#: PIX como Ve\u00edculo de Transforma\u00e7\u00e3o Financeira<\/h2>\n

Desde 2019, o Banco Central vem desenvolvendo a Agenda BC#<\/a>, um conjunto de a\u00e7\u00f5es coordenadas com a finalidade de promover a democratiza\u00e7\u00e3o financeira do pa\u00eds a partir de cinco dimens\u00f5es: inclus\u00e3o, competitividade, transpar\u00eancia, educa\u00e7\u00e3o e sustentabilidade. Entende-se por democratiza\u00e7\u00e3o financeira a capacidade de manter os juros baixos de forma duradoura, provis\u00e3o de servi\u00e7os financeiros de melhor qualidade e acesso de todos ao sistema financeiro. Essas a\u00e7\u00f5es do Banco Central levaram o Brasil \u00e0 fronteira do que est\u00e1 sendo debatido internacionalmente em termos de sistema financeiro, diferente de outros setores em que o debate chega ao Brasil com at\u00e9 d\u00e9cadas de atraso.<\/p>\n

Dentre as diversas iniciativas da Agenda BC#, o destaque do momento \u00e9 o sistema de pagamentos instant\u00e2neos, PIX, que est\u00e1 inclu\u00eddo no pilar de competitividade. Pagamentos instant\u00e2neos s\u00e3o definidos<\/a> pelo Banco Central como transfer\u00eancias eletr\u00f4nicas nas quais a ordem de pagamento e disponibiliza\u00e7\u00e3o dos fundos ao recebedor \u00e9 feita em tempo real, estando tamb\u00e9m dispon\u00edvel 24 horas ao dia em todos os dias da semana ao longo de todo o ano. O processo \u00e9 feito direto da conta do pagador para a do recebedor; portanto, sem intermedi\u00e1rios. Dessa forma, h\u00e1 redu\u00e7\u00e3o dos custos de transa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Diversas a\u00e7\u00f5es t\u00eam sido anunciadas para potencializar a r\u00e1pida ado\u00e7\u00e3o do PIX pela popula\u00e7\u00e3o brasileira: \u00a0a primeira \u00e9 a exist\u00eancia de uma marca \u00fanica na figura do PIX para que os usu\u00e1rios identifiquem de forma clara e inequ\u00edvoca essa alternativa de meio de pagamento. A ideia \u00e9 que uma identidade visual facilite o entendimento do instrumento e, consequentemente, o seu uso. O BACEN tamb\u00e9m aposta nos nudges<\/em> para incentivar a ades\u00e3o: haver\u00e1 a possibilidade de uso do PIX em recolhimentos \u00e0 Uni\u00e3o. O mecanismo n\u00e3o servir\u00e1 apenas para estimular a ades\u00e3o, mas para melhorar a experi\u00eancia dos usu\u00e1rios com esses servi\u00e7os p\u00fablicos. Al\u00e9m disso, os maiores agentes do mercado foram obrigados a aderir ao PIX enquanto servi\u00e7o a fim de gerar mais alcance. Uma a\u00e7\u00e3o interessante foi a parceria com a Aneel para que consumidores paguem suas contas de luz com o PIX.<\/p>\n

Embora tenha como objetivo imediato facilitar e tornar mais r\u00e1pidas transa\u00e7\u00f5es entre diferentes atores do sistema: indiv\u00edduos, governo, empresas, trazendo press\u00e3o competitiva e impactando potencialmente sobretudo o pre\u00e7o de tarifas banc\u00e1rias, o PIX pode trazer benef\u00edcios para outros pilares da Agenda BC#, notadamente a possibilidade de inclus\u00e3o financeira. \u00c9 o reconhecimento de que existem hoje mais brasileiros com smartphones<\/em> que desbancarizados que permite essa expectativa a partir da potencial ado\u00e7\u00e3o do PIX pelas camadas mais pobres da popula\u00e7\u00e3o, mais ainda ao se ter em mente que experi\u00eancias de digitaliza\u00e7\u00e3o dos pagamentos (especialmente no formato instant\u00e2neo) no cen\u00e1rio internacional trouxeram resultados de inclus\u00e3o financeira representativos.<\/p>\n

A expectativa decorre da constata\u00e7\u00e3o de que a constru\u00e7\u00e3o do sistema pelo Banco Central replica aspectos que induziram China, \u00cdndia e Tail\u00e2ndia ao sucesso. Os tr\u00eas possuem muitas especificidades e diferen\u00e7as de pol\u00edticas entre si, mas a inclus\u00e3o financeira a partir do mercado de pagamentos est\u00e1 presente nos tr\u00eas. Eles viram a rela\u00e7\u00e3o da popula\u00e7\u00e3o com pagamentos mudar em tempo recorde e com capilaridade para grupos socioecon\u00f4micos antes exclu\u00eddos do sistema financeiro, cujas transa\u00e7\u00f5es eram basicamente feitas com dinheiro e fora do sistema banc\u00e1rio. Para visualizar o potencial que os movimentos recentes do Banco Central t\u00eam de replicar tal fen\u00f4meno, \u00e9 preciso olhar para como ele ocorreu nesses pa\u00edses em compara\u00e7\u00e3o aos passos que o Brasil est\u00e1 dando.<\/p>\n

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Os ensinamentos vindos da \u00c1sia<\/h1>\n

A Revolu\u00e7\u00e3o da UPI na \u00cdndia e o Promptpay na Tail\u00e2ndia<\/h2>\n

A \u00cdndia \u00e9 um benchmarking relevante, pois o mecanismo de indu\u00e7\u00e3o de inclus\u00e3o foi semelhante ao PIX: uma infraestrutura de pagamentos instant\u00e2neos desenhado e coordenado pela autoridade regulat\u00f3ria. Os resultados foram revolucion\u00e1rios. O Banco Mundial estimava que levaria 50 anos para que a \u00cdndia bancarizasse pelo menos 80% da popula\u00e7\u00e3o<\/a> no ritmo em que estava. Ap\u00f3s a ado\u00e7\u00e3o do UPI (Unified Payments Interface<\/em>) em 2016, equivalente indiano do PIX, a meta foi alcan\u00e7ada em 2018.<\/p>\n

A UPI foi uma iniciativa do RBI (Reserve Bank of India) <\/em>que, na ocasi\u00e3o do lan\u00e7amento, operava USD 10 milh\u00f5es mensais e, no in\u00edcio de 2020, j\u00e1 havia alcan\u00e7ado USD 1 bilh\u00e3o mensal. Essa a\u00e7\u00e3o do Banco Central Indiano veio do diagn\u00f3stico que o pa\u00eds possu\u00eda excessiva exclus\u00e3o financeira. Em 2011, somente 17% dos indianos tinham conta banc\u00e1ria. Segundo os representantes do RBI, a revolu\u00e7\u00e3o de pagamentos do pa\u00eds dependeu da percep\u00e7\u00e3o da entidade que era necess\u00e1rio mudar o direcionamento do sistema de uma vis\u00e3o voltada para \u201cbaixo volume, alto valor e alto custo\u201d para uma de \u201calto volume, baixo valor, baixo custo\u201d. \u00a0Para isso, seria necess\u00e1ria uma estrat\u00e9gia clara com players<\/em> privados inovando a partir de uma infraestrutura p\u00fablica com a cria\u00e7\u00e3o de compensa\u00e7\u00f5es que seriam equilibradas pelo design da pol\u00edtica em \u00e1reas habituais de conflito como: regulamenta\u00e7\u00e3o e inova\u00e7\u00e3o; privacidade e personaliza\u00e7\u00e3o; e facilidade de uso e preven\u00e7\u00e3o de fraude. A partir dessa mentalidade, o RBI criou a UPI com base em uma estrutura de interoperabilidade entre todas as fontes e destinat\u00e1rios de fundos, que s\u00e3o liquidados instantaneamente, e quebra de monop\u00f3lios de dados.<\/p>\n

No mesmo caminho, mas de conhecimento e alcance mais modestos, h\u00e1 o caso da Tail\u00e2ndia e seu programa PromptPay<\/a>, sistema de pagamentos instant\u00e2neos que permite que pessoas registradas fa\u00e7am transfer\u00eancia por meio de smartphones usando apenas o n\u00famero do celular ou de identidade do destinat\u00e1rio como informa\u00e7\u00e3o. O programa tamb\u00e9m tem mostrado sucesso e tem parte de seu desenho emulado no PIX brasileiro, notadamente a possibilidade de uso para receber pagamentos do governo como benef\u00edcios de seguridade social, aposentadorias e restitui\u00e7\u00f5es; e a funcionalidade de carteira digital para que os cidad\u00e3os n\u00e3o precisem mais de uma conta banc\u00e1ria<\/p>\n

O projeto foi considerado ambicioso, uma vez que a cultura de pagamentos tailandesa era quase universalmente pautada em dinheiro: em 2010, mais de 97%<\/a> dos pagamentos de varejo eram feitos em cash<\/em>. A infraestrutura de pagamentos instant\u00e2neos da PromptPay, no entanto, tem permitido a milh\u00f5es de tailandeses maior velocidade de pagamentos, ao mesmo tempo em que construiu um ambiente adequado para que bancos e outros provedores ofere\u00e7am novos produtos e servi\u00e7os financeiros, gerando competitividade. Muitos dos produtos estimulados, inclusive, est\u00e3o concentrados no acesso de indiv\u00edduos e empresas com hist\u00f3rico de exclus\u00e3o financeira. O servi\u00e7o est\u00e1 em expans\u00e3o e, em 2018, a ades\u00e3o j\u00e1 chegava \u00e0 metade da popula\u00e7\u00e3o. Considerando que se espera que um sistema de pagamentos instant\u00e2neos potencialize e aumente a oferta de novos servi\u00e7os financeiros a partir do mercado de pagamentos, os casos da \u00cdndia e Tail\u00e2ndia s\u00e3o complementares ao terceiro que ser\u00e1 apresentado: a China e seu imp\u00e9rio de pagamentos.<\/p>\n

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Diversifica\u00e7\u00e3o na oferta de servi\u00e7os financeiros: o imp\u00e9rio chin\u00eas<\/h2>\n

A ideia aqui apresentada e que motivou os Bancos Centrais brasileiro, indiano e tailand\u00eas a apostar nas pol\u00edticas de pagamento instant\u00e2neo foi a de que \u00e9 poss\u00edvel criar um ciclo virtuoso de acesso a servi\u00e7os financeiros cada vez mais personalizados e complexos independente de condi\u00e7\u00e3o socioecon\u00f4mica, a partir do mercado de pagamentos.<\/p>\n

Na China, apesar de o ponto de partida n\u00e3o ter sido a cria\u00e7\u00e3o de uma plataforma governamental de pagamentos instant\u00e2neos como nos outros casos, os servi\u00e7os de pagamentos digitais por celular cresceram exponencialmente em um processo muito associado \u00e0s grandes fintechs. Em 2011, apenas 3.5%<\/a> dos pagamentos do pa\u00eds eram feitos por smartphones<\/em>. Em 2018, esse valor havia subido para 83%. O crescimento de transa\u00e7\u00f5es foi de 73.6% entre 2018 e 2019. Nas \u00e1reas urbanas, 92% dos pagamentos s\u00e3o via smartphone.<\/em> Para zonas rurais a propor\u00e7\u00e3o \u00e9 bem menor: 47%, com a probabilidade de o problema n\u00e3o ser mais a presen\u00e7a do digital sem uso das inova\u00e7\u00f5es em pagamentos, mas a falta de inser\u00e7\u00e3o no digital. O Brasil ainda est\u00e1 no primeiro passo.<\/p>\n

Fato \u00e9 que a China \u00e9 considerada hoje o grande caso de pa\u00eds caminhando para ser uma cashless society<\/em>, ou seja, o exemplo de redu\u00e7\u00e3o do uso do papel moeda com praticamente universaliza\u00e7\u00e3o do acesso ao sistema financeiro digital atrav\u00e9s de plataforma de pagamento on line<\/em>. O que chama aten\u00e7\u00e3o no caso Chin\u00eas, no entanto, foi a constru\u00e7\u00e3o de uma grande diversifica\u00e7\u00e3o de produtos financeiros ofertados via canais digitais ap\u00f3s a expans\u00e3o da rede de usu\u00e1rios das plataformas inicialmente focada em pagamento<\/u>.<\/p>\n

O processo come\u00e7ou com a ANT, dona da Alipay, criada em 2014 e que cresceu a partir da cria\u00e7\u00e3o de plataformas de pagamento online desenvolvida para ampliar acesso e dar seguran\u00e7a ao e-commerce. Na sequ\u00eancia, a empresa desenvolveu uma estrat\u00e9gia de diversifica\u00e7\u00e3o dos produtos ofertados para criar um ecossistema de servi\u00e7os financeiros a partir do mercado de pagamentos. Hoje, a empresa atua no mercado de cr\u00e9dito, na administra\u00e7\u00e3o de um fundo de mercado monet\u00e1rio que j\u00e1 se tornou um dos maiores do mundo e na an\u00e1lise de riscos de cr\u00e9dito a partir da grande quantidade de dados produzidas sobre padr\u00e3o de consumo e cr\u00e9dito dos consumidores. Em 2019, entrou no mercado de seguros com um produto para sa\u00fade. A rede de produtos gerou recordes de resultados para a empresa: ela reportou um lucro de USD 3.2 bilh\u00f5es no primeiro semestre de 2019, um crescimento de mais de 1.000% em rela\u00e7\u00e3o ao mesmo per\u00edodo do ano anterior.<\/p>\n

Esses resultados da empresa, no entanto, n\u00e3o representaram apenas benef\u00edcios aos seus acionistas. Os servi\u00e7os de pagamentos disponibilizados alcan\u00e7am quase a totalidade da popula\u00e7\u00e3o adulta chinesa, com o dinheiro tendo se tornado praticamente obsoleto em transa\u00e7\u00f5es do dia-a-dia independente do recorte socioecon\u00f4mico. A partir dos servi\u00e7os de pagamento com o Alipay, essas pessoas hoje podem ter acesso a outros como seguros e cr\u00e9dito, a despeito da ades\u00e3o ao sistema banc\u00e1rio e com produtos mais personalizados.<\/p>\n

Assim como a \u00cdndia mostra o poder de inclus\u00e3o financeira de um sistema de pagamentos instant\u00e2neo capitaneado por uma autoridade regulat\u00f3ria estruturada, com resultados representativos tamb\u00e9m na movimenta\u00e7\u00e3o de dinheiro no mercado; e a Tail\u00e2ndia exemplifica que nudges <\/em>podem trazer resultados bastante positivos na mudan\u00e7a de cultura de pagamentos pela popula\u00e7\u00e3o, a China evidencia o potencial do mercado de pagamentos na expans\u00e3o da oferta de servi\u00e7os financeiros e como estes podem se tornar praticamente de uso universal, caso a mentalidade de partida seja a promo\u00e7\u00e3o de acesso a tais servi\u00e7os. Em an\u00e1lise mais aprofundada, seria poss\u00edvel identificar novos elementos e interse\u00e7\u00f5es, mas a t\u00edtulo de exemplo e contribui\u00e7\u00e3o para a an\u00e1lise das frentes de atua\u00e7\u00e3o do PIX, a China mostra um exemplo das potencialidades do mercado de pagamentos n\u00e3o apenas para inclus\u00e3o, mas tamb\u00e9m para a diversifica\u00e7\u00e3o da oferta de servi\u00e7os financeiros.<\/p>\n

As tr\u00eas experi\u00eancias citadas podem ser consideradas, portanto, benchmarks<\/em> desse movimento de cria\u00e7\u00e3o de inclus\u00e3o financeira a partir do mercado de pagamentos, em que estruturas de digitaliza\u00e7\u00e3o e liquida\u00e7\u00e3o instant\u00e2nea de pagamentos associadas \u00e0 universaliza\u00e7\u00e3o de smartphones geram um ambiente de inova\u00e7\u00e3o, coordena\u00e7\u00e3o de interesses para equil\u00edbrio do sistema e outras necessidades. Em particular, os tr\u00eas exemplos demonstram que o sistema de pagamentos pode ser um modelo de oferta mais adequado para a inclus\u00e3o financeira, apresentando um caminho de entrada para n\u00e3o apenas a amplia\u00e7\u00e3o do acesso a camadas mais pobres da popula\u00e7\u00e3o, como tamb\u00e9m para a diversifica\u00e7\u00e3o dos produtos financeiros que s\u00e3o disponibilizados \u00e0 popula\u00e7\u00e3o em geral, com potenciais efeitos sobre o mercado de cr\u00e9dito, seguros, entre outros relacionados.<\/p>\n

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Carlos Ragazzo<\/strong> \u00e9 professor da FGV Direito Rio. Mestre e doutor em Direito pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Presidente do Conselho Consultivo do Instituto Propague. Foi conselheiro e superintendente geral do Conselho Administrativo de Defesa Econ\u00f4mica – CADE.<\/p>\n

Bruna Cataldo<\/strong> \u00e9 mestre e doutoranda em Economia pela UFF (Universidade Federal Fluminense). Pesquisadora associada ao Instituto Propague.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

O problema da exclus\u00e3o financeira \u00e9 global: o relat\u00f3rio mais recente do Banco Mundial sobre o tema indica que 1.7 bilh\u00e3o de adultos n\u00e3o possu\u00edam contas banc\u00e1rias em 2017, problema mais concentrado em pa\u00edses de renda m\u00e9dia e pobres. Apesar de o n\u00famero materializar o tamanho do problema para o desenvolvimento social, o mesmo relat\u00f3rio faz o diagn\u00f3stico de que o movimento de inclus\u00e3o financeira no cen\u00e1rio internacional acelerou desde 2014, com o aumento do uso de telefones celulares e internet em diversas regi\u00f5es, inclusive pelas camadas mais pobres.<\/p>\n","protected":false},"author":143,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[6,1],"tags":[],"class_list":["post-3368","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-financas-publicas-e-gestao-publica","category-outros"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3368","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/143"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3368"}],"version-history":[{"count":1,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3368\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":3370,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3368\/revisions\/3370"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3368"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3368"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3368"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}