{"id":3317,"date":"2020-08-31T14:34:51","date_gmt":"2020-08-31T17:34:51","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3317"},"modified":"2020-08-31T14:34:51","modified_gmt":"2020-08-31T17:34:51","slug":"o-combate-a-lavagem-de-dinheiro-no-brasil-muito-ja-foi-feito-muito-ainda-por-fazer","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3317","title":{"rendered":"O combate \u00e0 lavagem de dinheiro no Brasil: muito j\u00e1 foi feito, muito ainda por fazer"},"content":{"rendered":"

O que \u00e9 lavagem de dinheiro<\/b><\/p>\n

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A lavagem de dinheiro, como \u00e9 popularmente conhecida a reciclagem de ativos, existe como forma de tentar distanciar o dinheiro obtido de maneira criminosa e assim garantir que o delinquente o utilize com risco reduzido de ser descoberto e punido. Para distanciar o dinheiro de sua origem il\u00edcita, o lavador de dinheiro tentar\u00e1 dissimular a origem desses recursos e ocultar o seu real benefici\u00e1rio. Faz isso realizando transa\u00e7\u00f5es comerciais e\/ou financeiras que altera a forma e as caracter\u00edsticas do valor original. Quanto maior o n\u00famero de transa\u00e7\u00f5es que fizer com esta finalidade mais distante estar\u00e1 da origem, dificultando o trabalho de rastreamento por parte das autoridades de fiscaliza\u00e7\u00e3o e investiga\u00e7\u00e3o, o chamado \u201c<\/span>follow the money<\/span><\/i>\/siga o caminho do dinheiro\u201d.<\/span><\/p>\n

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A Lei que trata do tema \u00e9 a n\u00ba 9.613\/98 com algumas altera\u00e7\u00f5es desde ent\u00e3o. Esta Lei define \u201clavagem de dinheiro\u201d como o ato de ocultar ou dissimular, origem, localiza\u00e7\u00e3o, disposi\u00e7\u00e3o, movimenta\u00e7\u00e3o ou propriedade de bens, direitos ou valores proveniente, direta ou indiretamente, de infra\u00e7\u00e3o penal. Tendo em vista tal defini\u00e7\u00e3o, considero mais apropriado a utiliza\u00e7\u00e3o do termo <\/span>\u201creciclagem de ativos\u201d<\/b> em vez de \u201clavagem de dinheiro\u201d. Prefiro a palavra reciclagem em vez de lavagem porque remete a um processo que muda as caracter\u00edsticas do objeto, por\u00e9m a origem continua a mesma. O objeto n\u00e3o \u00e9 lavado, mas sim reciclado. Adicionalmente, prefiro a palavra ativo em vez de dinheiro porque refere-se a qualquer ativo e n\u00e3o apenas ao dinheiro efetivo (<\/span>cash<\/span><\/i>). Durante a reciclagem o ativo pode assumir a forma de dinheiro vivo, im\u00f3vel, aplica\u00e7\u00e3o financeira, obra de arte, servi\u00e7os, bens de luxo, j\u00f3ias etc.<\/span><\/p>\n

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Vale destacar que o lavador de dinheiro pode ser o pr\u00f3prio delinquente que cometeu o crime gerador dos recursos il\u00edcitos, por exemplo, um traficante de drogas, mas tamb\u00e9m pode ser algu\u00e9m especializado em realizar opera\u00e7\u00f5es de reciclagem dos ativos, como por exemplo uma institui\u00e7\u00e3o financeira que orienta e facilita as transa\u00e7\u00f5es de distanciamento do dinheiro oriundo do tr\u00e1fico de drogas.<\/span><\/p>\n

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A l\u00f3gica do sistema de preven\u00e7\u00e3o e combate<\/b><\/p>\n

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Embora a reciclagem de ativos possa ser feita em qualquer setor econ\u00f4mico, h\u00e1 alguns que s\u00e3o mais visados por serem vistos como mais adequados para atingir os fins propostos pelos criminosos. Por isso, a Lei estabelece setores e profissionais obrigados \u00e0s exig\u00eancias da referida Lei. Resumidamente, estas obriga\u00e7\u00f5es seriam adotar pol\u00edticas de detectar transa\u00e7\u00f5es at\u00edpicas que pudessem servir para ocultar ou dissimular recursos obtidos por atividade criminosa e, em consequ\u00eancia desta avalia\u00e7\u00e3o de atipicidade, efetuar a comunica\u00e7\u00e3o do fato \u00e0 Unidade de Intelig\u00eancia Financeira, no caso do Brasil \u00e9 o COAF \u2013 Conselho de Controle da Atividade Financeira.<\/span><\/p>\n

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Embora qualquer setor de atividade possa ser utilizado para oculta\u00e7\u00e3o e dissimula\u00e7\u00e3o de recursos de origem criminosa, os lavadores de dinheiro preferem aqueles com falhas na tr\u00edade regula\u00e7\u00e3o, monitoramento\/vigil\u00e2ncia e puni\u00e7\u00e3o, como:<\/span><\/p>\n

a) algum grau de informalidade;<\/span><\/p>\n

b) pre\u00e7os que podem flutuar significativamente;<\/span><\/p>\n

c) regulamentos inexistentes ou fracos;<\/span><\/p>\n

d) vigil\u00e2ncia inexistente ou fraca;<\/span><\/p>\n

e) dificuldade p\/ avaliar pre\u00e7o e\/ou qualidade dos bens comercializados;<\/span><\/p>\n

f) puni\u00e7\u00f5es raras<\/span><\/p>\n

g) dificuldade de rastreamento<\/span><\/p>\n

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De posse de centenas de milhares de comunica\u00e7\u00f5es de transa\u00e7\u00f5es at\u00edpicas o COAF ir\u00e1 agrup\u00e1-las, analis\u00e1-las e quando for o caso elaborar um RIF \u2013 Relat\u00f3rio de Intelig\u00eancia Financeira. Este relat\u00f3rio ser\u00e1 destinado a \u00f3rg\u00e3os competentes destinados \u00e0 investiga\u00e7\u00e3o criminal, por exemplo, Minist\u00e9rio P\u00fablico e Departamento de Pol\u00edcia Federal, entre outros. Ap\u00f3s investiga\u00e7\u00e3o poder\u00e1 haver pedido de indiciamento \u00e0 Justi\u00e7a ou n\u00e3o.<\/span><\/p>\n

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A evolu\u00e7\u00e3o das pol\u00edticas de preven\u00e7\u00e3o<\/b><\/p>\n

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O combate \u00e0 lavagem de dinheiro de maneira mais organizada iniciou-se em 1989 com a cria\u00e7\u00e3o do Grupo de A\u00e7\u00e3o Financeira (GAFI, ou FATF, sigla em ingl\u00eas para Financial Action Task Force). A iniciativa partiu do G-7, grupo dos 7 pa\u00edses mais ricos do mundo, tendo em vista a percep\u00e7\u00e3o de que somente seria poss\u00edvel enfrentar este tipo de crime se houvesse um esfor\u00e7o global coordenado. O GAFI \u00e9 um organismo internacional que conta com a colabora\u00e7\u00e3o de diversos pa\u00edses-membros e tem como fun\u00e7\u00e3o estudar o problema da lavagem de dinheiro e do financiamento do terrorismo no mundo para assim definir recomenda\u00e7\u00f5es do que se entende como as melhores pr\u00e1ticas para o combate.<\/span><\/p>\n

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Atualmente s\u00e3o 40 recomenda\u00e7\u00f5es as quais os pa\u00edses signat\u00e1rios se comprometem a implementar em suas respectivas jurisdi\u00e7\u00f5es. Os pa\u00edses ao assumirem tal compromisso ficam sujeitos \u00e0 avalia\u00e7\u00e3o peri\u00f3dica por parte de equipe de t\u00e9cnicos do GAFI que atribuir\u00e3o o n\u00edvel de ader\u00eancia da jurisdi\u00e7\u00e3o \u00e0s suas recomenda\u00e7\u00f5es. A cada recomenda\u00e7\u00e3o \u00e9 atribu\u00edda um conceito que pode ser totalmente aderente, muito aderente, parcialmente aderente e n\u00e3o aderente. Caso a jurisdi\u00e7\u00e3o avaliada obtenha muitos conceitos insatisfat\u00f3rios poder\u00e1 passar a compor uma lista de pa\u00edses com graves defici\u00eancias em suas pol\u00edticas de preven\u00e7\u00e3o \u00e0 lavagem de dinheiro e ao combate do financiamento do terrorismo. Ser inclu\u00eddo nesta lista pode ser muito prejudicial para o pa\u00eds, porque acarretar\u00e1 dificuldades para realizar neg\u00f3cios com o resto do mundo e isso provavelmente trar\u00e1 impactos para a economia local.<\/span><\/p>\n

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Considera-se essencial que haja coopera\u00e7\u00e3o internacional para o efetivo combate \u00e0 lavagem de dinheiro, por isso diversos organismos internacionais inclu\u00edram em suas recomenda\u00e7\u00f5es o alinhamento com as pol\u00edticas do GAFI. Tamb\u00e9m \u00e9 muito importante que todas as jurisdi\u00e7\u00f5es estejam niveladas do ponto de vista de ader\u00eancia e efetividade de implementa\u00e7\u00e3o. E, por fim, mas n\u00e3o menos importante, \u00e9 que tanto as autoridades nacionais quanto o setor privado de cada jurisdi\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m estejam empenhados na luta contra o crime. Portanto, coopera\u00e7\u00e3o \u00e9 a palavra-chave em todo esse processo.<\/span><\/p>\n

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Nota-se que h\u00e1 uma crescente aproxima\u00e7\u00e3o textual das normas internacionais no campo repressivo. Al\u00e9m disto, a Lei Anti Lavagem<\/span> de Dinheiro, no \u00e2mbito interno, continua a sua trajet\u00f3ria produtora de reflexos paralelos, que se somam \u00e0 lenta, silenciosa e abrangente difus\u00e3o de sua vertente normativa multidisciplinar. Embora o problema da lavagem de dinheiro seja global, n\u00e3o necessariamente haver\u00e1 transfer\u00eancia de valores interfronteiras, podendo o processo de reciclagem de ativos acontecer sem mesmo extrapolar os limites territoriais do munic\u00edpio.\u00a0<\/span><\/p>\n

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Sobretudo no campo das medidas preventivas, notadamente em \u00e1reas vinculadas ao dom\u00ednio do poder econ\u00f4mico, incorpora-se, a cada ano, um novo conjunto de normas baixadas por meio de portarias, circulares, instru\u00e7\u00f5es etc, expedidas por \u00f3rg\u00e3os reguladores incumbidos de fiscalizar a legalidade e o regular funcionamento das opera\u00e7\u00f5es realizadas pelos entes que comp\u00f5em os sistemas econ\u00f4mico e financeiro em atividade no Pa\u00eds.\u00a0<\/span><\/p>\n

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Avalia\u00e7\u00e3o de uma jurisdi\u00e7\u00e3o<\/b><\/p>\n

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Atualmente o GAFI est\u00e1 realizando a quarta rodada global de avalia\u00e7\u00f5es. V\u00e1rios pa\u00edses j\u00e1 foram avaliados nesta rodada, por\u00e9m o Brasil somente ser\u00e1 avaliado em 2021. A \u00faltima avalia\u00e7\u00e3o a que o Brasil foi submetido foi em 2010. Naquela oportunidade fomos relativamente bem avaliados, embora tivessem havido muitos apontamentos para melhorias em nossas pol\u00edticas. Desde ent\u00e3o, o Brasil implementou v\u00e1rias melhorias com vistas a suprir as falhas apontadas. Por outro lado, em 2012 houve altera\u00e7\u00f5es nas 40 recomenda\u00e7\u00f5es que compor\u00e3o a avalia\u00e7\u00e3o da quarta rodada e teremos que estar em conformidade com as novas proposi\u00e7\u00f5es.\u00a0<\/span><\/p>\n

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Esta nova rodada de avalia\u00e7\u00e3o das jurisdi\u00e7\u00f5es entre outras novidades traz o conceito e o m\u00e9todo da <\/span>Abordagem Baseada em Risco<\/b> (ABR) que envolve uma avalia\u00e7\u00e3o nacional de risco elaborada pelas autoridades de cada pa\u00eds e tamb\u00e9m uma avalia\u00e7\u00e3o de risco de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo individual elaborada por cada entidade obrigada pela Lei 9.613\/98. Na avalia\u00e7\u00e3o nacional de risco ser\u00e3o consideradas, em forma de matriz, o grau de risco multiplicado pelo seu impacto. Ou seja, cada jurisdi\u00e7\u00e3o e agentes do setor privado obrigados ir\u00e3o avaliar sua exposi\u00e7\u00e3o aos mais diversos crimes econ\u00f4micos, estimar suas magnitudes e eventual dano em caso de ocorr\u00eancia. No caso das pessoas obrigadas, tomemos como exemplo um banco (tendo em mente que as exig\u00eancias s\u00e3o similares a todos os setores, ponderando seus respectivos volumes e complexidade das opera\u00e7\u00f5es), esses ter\u00e3o que classificar o risco de cada cliente pessoa f\u00edsica e jur\u00eddica, produtos e servi\u00e7os que operam com o banco, setor de atividade, volume transacionado etc. Al\u00e9m disso, o referido banco ter\u00e1 que avaliar seu risco como um todo, considerando o mercado que est\u00e1 inserido, o perfil geral de seus clientes, volumes transacionados e produtos ofertados. O conjunto da intera\u00e7\u00e3o entre riscos diversos direcionar\u00e1 o n\u00edvel de dilig\u00eancia e medidas de mitiga\u00e7\u00e3o observado atrav\u00e9s de cada matriz de risco.<\/span><\/p>\n

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Avaliando a efetividade das pol\u00edticas de preven\u00e7\u00e3o<\/b><\/p>\n

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No momento, quando fala-se em lavagem de dinheiro, tem-se que levar em conta a efetividade das pol\u00edticas de preven\u00e7\u00e3o e combate, ou seja, o quanto a ader\u00eancia \u00e0s recomenda\u00e7\u00f5es das melhores pr\u00e1ticas realmente resulta em dissuas\u00e3o, detec\u00e7\u00e3o e puni\u00e7\u00e3o. Isso porque esc\u00e2ndalos recentes em jurisdi\u00e7\u00f5es avaliadas com alto grau de ader\u00eancia evidenciaram n\u00e3o bastar ter ferramentas sofisticadas, leis, normas e treinamento dos recursos humanos se os controles internos e coopera\u00e7\u00e3o n\u00e3o forem capazes de impedir que criminosos consigam fazer uso dos recursos obtidos ilicitamente.\u00a0<\/span><\/p>\n

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Na pr\u00f3xima avalia\u00e7\u00e3o ser\u00e1 considerado como o Brasil evoluiu em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 ader\u00eancia \u00e0s recomenda\u00e7\u00f5es do GAFI. Desde a \u00faltima avalia\u00e7\u00e3o em 2010, na qual j\u00e1 haviam sido apontadas defici\u00eancias, houve, em 2012, atualiza\u00e7\u00e3o das recomenda\u00e7\u00f5es. Isso implica nosso compromisso em atender \u00e0s falhas apontadas e adicionalmente aplicar a nova vers\u00e3o. A grande novidade desta rodada de avalia\u00e7\u00f5es est\u00e1 sendo verificar a efetividade em aderir \u00e0s pol\u00edticas de luta contra a lavagem de dinheiro.\u00a0<\/span><\/p>\n

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Essa nova metodologia tem sido \u00fatil para evidenciar que n\u00e3o basta apenas atender ao regulamento. Mostra que a preven\u00e7\u00e3o e o combate \u00e0 lavagem de dinheiro envolve intelig\u00eancia na busca da informa\u00e7\u00e3o negada, processando e cruzando dados para levantar ind\u00edcios e, atrav\u00e9s da troca de informa\u00e7\u00f5es e coopera\u00e7\u00e3o, dar robustez \u00e0s suspeitas at\u00e9 tornarem-se evid\u00eancias. Em posse de evid\u00eancias, dar prosseguimento ao devido processo e aplica\u00e7\u00e3o de puni\u00e7\u00e3o dissuasiva.<\/span><\/p>\n

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Dificuldades para a preven\u00e7\u00e3o \u00e0 lavagem de dinheiro no Brasil<\/b><\/p>\n

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A lavagem de dinheiro ocorre porque h\u00e1 crimes econ\u00f4micos e vivemos um momento de aumento deste tipo de crime. Associado a isso, a estrutura institucional brasileira produziu um ambiente favor\u00e1vel ao cometimento de delitos. Institucionalizamos a <\/span>toler\u00e2ncia ao crime<\/b>, que resulta em combate fraco, leis com pouca for\u00e7a e puni\u00e7\u00e3o branda. Em suma, muitas oportunidades para atos delituosos com retorno financeiro satisfat\u00f3rio, probabilidade baixa de que o criminoso seja descoberto e, quando ocorre, a puni\u00e7\u00e3o \u00e9 relativamente branda em rela\u00e7\u00e3o ao dano causado, levando a um ambiente no qual o crime compensa.<\/span><\/p>\n

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\u00c9 frequente a reclama\u00e7\u00e3o do setor privado com receio de sofrer puni\u00e7\u00f5es duras e injustas por parte dos \u00f3rg\u00e3os fiscalizadores. Entretanto, tal receio n\u00e3o encontra lastro na realidade. O que observa-se de fato s\u00e3o poucas e brandas puni\u00e7\u00f5es. Arrisco-me dizer que se h\u00e1 alguma injusti\u00e7a esta seria por <\/span>falta de puni\u00e7\u00e3o<\/b> e n\u00e3o o contr\u00e1rio. Em mais de 20 anos de vigor da Lei 9.613\/98 n\u00e3o houve registro de sua aplica\u00e7\u00e3o inadequada no quadrante do exagero. E, obviamente, n\u00e3o estou incluindo neste c\u00e1lculo a parcela de dinheiro sujo provavelmente n\u00e3o descoberta, ainda oculta.<\/span><\/p>\n

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Uma caracter\u00edstica tipicamente brasileira \u00e9 a defesa incondicional de criminosos em detrimento das perdas das v\u00edtimas. \u00c9 um tra\u00e7o cultural da maioria dos operadores do direito (advogados, ju\u00edzes e professores das faculdades de direito no pa\u00eds). N\u00e3o estou defendendo que acusados sejam sumariamente condenados e punidos, longe disso. Por\u00e9m, n\u00e3o s\u00f3 as leis, mas tamb\u00e9m todos os tr\u00e2mites administrativos e legais favorecem o criminoso. A <\/span>cultura \u201cgarantista\u201d,<\/b> no intuito de resguardar direitos dos acusados, o faz sobre os direitos das v\u00edtimas. A confus\u00e3o \u00e9 t\u00e3o grande que muitas vezes o criminoso \u00e9 tratado como se v\u00edtima fosse, refor\u00e7ando o ambiente confort\u00e1vel aos delinquentes. Esta situa\u00e7\u00e3o \u00e9 ainda mais evidente quando refere-se de crime de colarinho branco muito frequente quando tratamos de lavagem de dinheiro. H\u00e1 uma esp\u00e9cie de \u201cpeninha\u201d do criminoso quando sua figura \u00e9 de algu\u00e9m \u201climpinho\u201d e que frequenta os ambientes mais sofisticados da sociedade. Por\u00e9m, do ponto de vista da teoria econ\u00f4mica do crime, a eleg\u00e2ncia do crime n\u00e3o o torna menos danoso, em muitos casos deveria at\u00e9 ser um agravante.<\/span><\/p>\n

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Outro aspecto a destacar \u00e9 que muitas autoridades p\u00fablicas e grande parte do setor privado enxerga a tarefa de preven\u00e7\u00e3o \u00e0 lavagem de dinheiro desimportante. Este sentimento pode derivar da nega\u00e7\u00e3o em tratar um problema sem o devido preparo t\u00e9cnico e\/ou falta de conhecimento sobre como a lavagem de dinheiro e o crime podem estar mais pr\u00f3ximos de suas vidas do que se imagina. H\u00e1 tamb\u00e9m a dificuldade de percep\u00e7\u00e3o do dano que pode causar, tendo em vista que o <\/span>dano causado \u00e9 difuso<\/b>, ou seja recai sobre a sociedade e n\u00e3o diretamente em uma v\u00edtima espec\u00edfica.<\/span><\/p>\n

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Diretamente relacionado com o aspecto anterior h\u00e1 a pouca disposi\u00e7\u00e3o em incorporar novos custos \u00e0 opera\u00e7\u00e3o da atividade principal dos neg\u00f3cios. Seus <\/span>gestores julgam os custos de preven\u00e7\u00e3o desnecess\u00e1rios<\/b> e uma imposi\u00e7\u00e3o burocr\u00e1tica. Todavia, os programas de preven\u00e7\u00e3o \u00e0 lavagem de dinheiro t\u00eam a fun\u00e7\u00e3o primordial de dissuadir eventuais criminosos de utilizarem estruturais legais com o intuito de dissimular a origem il\u00edcita de seus recursos.<\/span><\/p>\n

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Coopera\u00e7\u00e3o e comprometimento de todos com a luta<\/b><\/p>\n

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Quando os setores obrigados n\u00e3o est\u00e3o comprometidos com o melhor funcionamento do pr\u00f3prio mercado em que atuam de forma a evitar ao m\u00e1ximo que delinquentes mesclem suas transa\u00e7\u00f5es fraudulentas com neg\u00f3cios l\u00edcitos, o conjunto da sociedade perde. N\u00e3o possuir procedimentos e ferramentas adequadas para detec\u00e7\u00e3o de transa\u00e7\u00f5es at\u00edpicas, devido \u00e0 pouca import\u00e2ncia que atribui \u00e0 probabilidade de ver seu neg\u00f3cio envolvido com este tipo de crime, ter\u00e1 como consequ\u00eancia a falta de comunica\u00e7\u00f5es ao Conselho de Controle da Atividade Financeira \u2013 COAF ou comunica\u00e7\u00f5es falhas que pouco ou nada ajudar\u00e3o a alcan\u00e7ar os agentes criminosos. Destacando que s\u00e3o as comunica\u00e7\u00f5es bem feitas que aumentam a probabilidade de que os criminosos sejam descobertos e punidos.<\/span><\/p>\n

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O pouco comprometimento com a qualidade das comunica\u00e7\u00f5es ao COAF enfraquece a principal arma de detec\u00e7\u00e3o do crime de lavagem de dinheiro que \u00e9 a coopera\u00e7\u00e3o, tanto entre as na\u00e7\u00f5es como entre os agentes p\u00fablicos nacionais e setor privado. Sem a coopera\u00e7\u00e3o haver\u00e1 \u201carbitragem jurisdicional\u201d. Al\u00e9m disso, empresas que n\u00e3o tomam as devidas dilig\u00eancias na mitiga\u00e7\u00e3o do risco de que criminosos registrem transa\u00e7\u00f5es com o intuito de ocultar a origem il\u00edcita dos recursos, podem obter vantagens concorrenciais, prejudicando o mercado no qual atua.<\/span><\/p>\n

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Reputa\u00e7\u00e3o e dissuas\u00e3o<\/b><\/p>\n

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Todo o combate \u00e0 lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo parte do pressuposto que os setores obrigados por Lei a constitu\u00edrem controles internos e comunicarem transa\u00e7\u00f5es at\u00edpicas \u00e0 Unidade de Intelig\u00eancia Financeira atuar\u00e3o sempre com o intuito de cooperar na mitiga\u00e7\u00e3o do risco da ocorr\u00eancia do crime de reciclagem de ativos e, por consequ\u00eancia, na inibi\u00e7\u00e3o dos crimes que originaram os recursos ilicitamente. Baseado nessa premissa, creem as autoridades que somente poderia ocorrer lavagem de dinheiro se houver falhas na aplica\u00e7\u00e3o das recomenda\u00e7\u00f5es de melhores pr\u00e1ticas. Todavia, o que muito frequentemente se observa \u00e9 que os motivos que levam \u00e0s falhas nos controles internos n\u00e3o derivam de imprud\u00eancia, imper\u00edcia ou neglig\u00eancia, mas sim de conluio. Este tipo de comportamento ficou conhecido como \u201c<\/span>cegueira deliberada<\/b>\u201d, quando o agente, de modo deliberado, se coloca em situa\u00e7\u00e3o de ignor\u00e2ncia, criando obst\u00e1culos, de forma consciente e volunt\u00e1ria, para alcan\u00e7ar um maior grau de certeza acerca da potencial ilicitude de sua conduta.<\/span><\/p>\n

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A teoria da cegueira deliberada pode explicar muito da falta de efetividade no combate \u00e0 reciclagem de ativos. Muitas autoridades, acreditando que os setores obrigados seriam cooperantes, atribuem ao risco de reputa\u00e7\u00e3o um elevado e te\u00f3rico poder dissuasivo que na pr\u00e1tica n\u00e3o se observa. A pergunta que cabe ent\u00e3o seria: <\/span>\u201cqu\u00e3o dissuasivo seria o risco reputacional?\u201d<\/b>. Quanto vale a reputa\u00e7\u00e3o de uma empresa obrigada vis-\u00e0-vis as potenciais receitas pagas por organiza\u00e7\u00f5es criminosas para utiliz\u00e1-la a fim de oculta\u00e7\u00e3o e dissimula\u00e7\u00e3o? Aparentemente, mesmo que haja alguma perda reputacional, prestar servi\u00e7os de reciclagem de ativos para criminosos compensa. Os custos operacionais e eventuais multas e demais puni\u00e7\u00f5es poderiam estar sendo cobertas pelas receitas da atividade delituosa e ainda apresentar retorno l\u00edquido positivo. Esta equa\u00e7\u00e3o \u00e9 mais facilmente calculada (ou intu\u00edda) pelos criminosos e seus comparsas do que pelas autoridades de regula\u00e7\u00e3o e fiscaliza\u00e7\u00e3o, dada a assimetria de informa\u00e7\u00e3o a favor dos delinquentes.<\/span><\/p>\n

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O que esperar do futuro<\/b><\/p>\n

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Desde a Lei 9.613\/98 o combate \u00e0 reciclagem de ativos passou por algumas fases. A primeira delas foi a fase da sensibiliza\u00e7\u00e3o dos setores e profissionais obrigados quanto \u00e0 relev\u00e2ncia do problema. Na \u00e9poca havia muito mais resist\u00eancia do que h\u00e1 hoje. A fase seguinte constituiu-se em elaborar controles internos e aderir \u00e0s exig\u00eancias legais, que tamb\u00e9m enfrentou muito resist\u00eancia. A terceira fase veio com o advento da Opera\u00e7\u00e3o Lava Jato, que evidenciou os riscos, impulsionou a sensibiliza\u00e7\u00e3o e a necessidade de controles internos. Depois da Lava Jato as men\u00e7\u00f5es \u00e0 lavagem de dinheiro s\u00e3o di\u00e1rias nas m\u00eddias tradicionais e redes sociais. No atual momento passamos pela fase dos controles efetivos e de fazer valer a lei, custe o que custar. Infelizmente ainda nos deparamos com resist\u00eancias, por isso espero que o relat\u00f3rio final da avalia\u00e7\u00e3o do GAFI nos ajude a reduzir a oposi\u00e7\u00e3o a pr\u00e1ticas mais efetivas de combate aos crimes econ\u00f4micos e \u00e0s organiza\u00e7\u00f5es criminosas. Talvez as press\u00f5es externas ajudem-nos a implementar pol\u00edticas que tornem a economia brasileira um ambiente in\u00f3spito aos criminosos.<\/span><\/p>\n

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Mauro Salvo<\/strong> \u00e9 doutor em Economia, pesquisador na \u00e1rea de economia do crime, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. Analista do Banco Central do Brasil.<\/span><\/em><\/p>\n

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As contribui\u00e7\u00f5es deste artigo expressam t\u00e3o somente as posi\u00e7\u00f5es do autor, e n\u00e3o representam posicionamento da institui\u00e7\u00e3o onde trabalha ou de seus membros.<\/strong><\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

A lavagem de dinheiro, como \u00e9 popularmente conhecida a reciclagem de ativos, existe como forma de tentar distanciar o dinheiro obtido de maneira criminosa e assim garantir que o delinquente o utilize com risco reduzido de ser descoberto e punido.<\/p>\n","protected":false},"author":133,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[253],"tags":[],"class_list":["post-3317","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-direito-economia"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3317","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/133"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3317"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3317\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3317"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3317"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3317"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}