{"id":3314,"date":"2020-08-24T12:11:51","date_gmt":"2020-08-24T15:11:51","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3314"},"modified":"2020-08-28T13:40:46","modified_gmt":"2020-08-28T16:40:46","slug":"moises-abrindo-o-mar-para-a-concorrencia-a-cabotagem-e-a-br-do-mar","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3314","title":{"rendered":"Mois\u00e9s Abrindo o Mar para a Concorr\u00eancia: A Cabotagem e a \u201cBR do Mar\u201d"},"content":{"rendered":"

O governo federal enviou ao Congresso o Projeto de Lei \u201cBR do Mar\u201d, que reforma o arcabou\u00e7o regulat\u00f3rio da cabotagem brasileira, cujo regramento principal est\u00e1 na Lei 9.432 de 1997. A atual regula\u00e7\u00e3o da cabotagem foi formulada com o intuito de implementar uma pol\u00edtica industrial que impulsionasse a ind\u00fastria naval brasileira.<\/span><\/p>\n

Com essa perspectiva, a legisla\u00e7\u00e3o atual apresenta uma s\u00e9rie de restri\u00e7\u00f5es \u00e0 utiliza\u00e7\u00e3o de embarca\u00e7\u00f5es constru\u00eddas no exterior. Em primeiro lugar, para se constituir uma empresa brasileira de navega\u00e7\u00e3o, faz-se necess\u00e1ria a posse de pelo menos uma embarca\u00e7\u00e3o nacional, o que gera uma relevante barreira \u00e0 entrada no mercado. Em segundo lugar, para a empresa poder afretar (alugar) uma embarca\u00e7\u00e3o estrangeira a casco nu, \u00e9 necess\u00e1rio que ela tenha uma determinada frota de embarca\u00e7\u00f5es nacionais (no jarg\u00e3o, a necessidade de lastro), o que imp\u00f5e uma barreira significativa \u00e0 amplia\u00e7\u00e3o da oferta de servi\u00e7o de cabotagem na economia brasileira. Em terceiro lugar, a constru\u00e7\u00e3o de embarca\u00e7\u00f5es, ao contr\u00e1rio da fabrica\u00e7\u00e3o de todas os outros demais bens da economia, \u00e9 isenta de toda tributa\u00e7\u00e3o indireta (ICMS, PIS, COFINS e IPI). J\u00e1 no caso da comercializa\u00e7\u00e3o de embarca\u00e7\u00e3o estrangeira incidem todos estes tributos. O resultado disso \u00e9 que a prote\u00e7\u00e3o \u00e0 ind\u00fastria naval \u00e9 realizada n\u00e3o apenas pelo imposto de importa\u00e7\u00e3o, mas sim deste com a soma de toda a tributa\u00e7\u00e3o indireta, totalizando uma prote\u00e7\u00e3o pr\u00f3xima a 50% (enquanto a prote\u00e7\u00e3o m\u00e9dia da economia brasileira \u00e9 de 11,6%).<\/span><\/p>\n

Por\u00e9m, apesar de toda essa prote\u00e7\u00e3o, a ind\u00fastria naval brasileira pouco se desenvolveu, al\u00e9m de n\u00e3o ter se mostrado capaz de produzir uma s\u00e9rie de tipos de embarca\u00e7\u00f5es, tais como porta-cont\u00eaineres e <\/span>roll-on\/roll-off<\/span><\/i>. Salienta-se que esse fraco desempenho n\u00e3o foi por falta de recursos, uma vez que, al\u00e9m da prote\u00e7\u00e3o comercial, o setor conta com o financiamento do Fundo Da Marinha Mercante (FMM), que \u00e9 alimentado continuamente pela arrecada\u00e7\u00e3o do Adicional ao Frete para Renova\u00e7\u00e3o da Marinha Mercante (AFRMM) \u2013 que, s\u00f3 em 2019, totalizou cerca de R$ 4,3 bilh\u00f5es e representou um importante componente do Custo-Brasil.<\/span><\/p>\n

Como resultado desse arcabou\u00e7o regulat\u00f3rio, tem-se um desenvolvimento da cabotagem aqu\u00e9m das necessidades da economia brasileira. De fato, a atividade de cabotagem, apesar de uma base pequena, cresceu, segundo dados da Ag\u00eancia Nacional de Transportes Aquavi\u00e1rios (Antaq), apenas 3,37% entre 2010 e 2019, representando menos de 11% das cargas transportadas no pa\u00eds, apesar do potencial evidenciado pelo tamanho da costa brasileira e pelo fato de que cerca de 80% da popula\u00e7\u00e3o mora perto do mar. Ademais, a cabotagem e<\/span>st\u00e1 muito restrita \u00e0 movimenta\u00e7\u00e3o de poucos produtos, sobretudo ao transporte de petr\u00f3leo entre as plataformas mar\u00edtimas e o continente, o que, segundo estudo do BNDES(1)<\/span>, representa cerca de 75% da carga movimentada. <\/span>Com isso, tem-se uma incapacidade de contribui\u00e7\u00e3o da atividade para uma diminui\u00e7\u00e3o da concentra\u00e7\u00e3o da matriz de transporte brasileira nas rodovias com cerca de 65% das cargas transportadas<\/span>.(2)<\/span><\/p>\n

As causas dessa reduzida expans\u00e3o da cabotagem brasileira residem no fato de que a prote\u00e7\u00e3o \u00e0 ind\u00fastria naval teve duas consequ\u00eancias diretas. Em primeiro lugar, criou uma significativa barreira \u00e0 entrada a novas empresas, dada a exig\u00eancia de forma\u00e7\u00e3o de uma frota de embarca\u00e7\u00f5es brasileiras para que a empresa seja autorizada a operar. N\u00e3o \u00e0 toa, o mercado de cabotagem \u00e9 bem concentrado. Segundo estudo da Antaq, em 2018(3)<\/span>, o mercado de transporte de cont\u00eaineres na cabotagem era dominado por tr\u00eas empresas, Alian\u00e7a com 56%, Mercosul Line com 23% e Log-In com 22%. Em segundo lugar, a prote\u00e7\u00e3o imp\u00f4s entraves \u00e0 expans\u00e3o da frota, dada a necessidade de a empresa j\u00e1 possuir uma frota de embarca\u00e7\u00f5es nacionais pr\u00e9via para que ela esteja apta a afretar (alugar) embarca\u00e7\u00f5es estrangeiras.<\/span><\/p>\n

Nesse contexto, o Minist\u00e9rio da Economia contribuiu com o Projeto de Lei do \u201cBR do Mar\u201d no sentido de remover os entraves aos investimentos no setor de cabotagem. Em primeiro lugar, retirando a necessidade de posse de embarca\u00e7\u00e3o brasileira tanto para a empresa ser autorizada a operar, quanto para ela poder afretar uma embarca\u00e7\u00e3o estrangeira. Ou seja, esta regra beneficia os agentes maiores, fazendo com que quanto menos (mais) se tenha (em navios), menos (mais) se possa ter. Isso torna mais grave a restri\u00e7\u00e3o \u00e0 concorr\u00eancia pelo fato de que muitos navios utilizados na navega\u00e7\u00e3o de cabotagem serem de grande porte e complexos, exigindo alto n\u00edvel de investimento.\u00a0<\/span><\/p>\n

Com isso, o intuito \u00e9 remover os entraves \u00e0 expans\u00e3o da frota para cabotagem que essa exig\u00eancia imp\u00f5e. O \u201cBR do Mar\u201d prev\u00ea um per\u00edodo de transi\u00e7\u00e3o de tr\u00eas anos para a plena liberaliza\u00e7\u00e3o, fazendo com que tanto as empresas incumbentes de navega\u00e7\u00e3o, quanto a ind\u00fastria naval tenham tempo para se ajustar.<\/span><\/p>\n

Em segundo lugar, garantiu-se que o setor de petr\u00f3leo, assim como o restante da economia, tamb\u00e9m fosse contemplado com essa remo\u00e7\u00e3o de barreiras ao investimento. De fato, o setor petr\u00f3leo tem sido alvo frequente de pol\u00edticas de exig\u00eancia de conte\u00fado nacional, encarecendo a produ\u00e7\u00e3o e comprometendo a competitividade dessa atividade no Brasil. Como resultado dessa remo\u00e7\u00e3o de obst\u00e1culos ao setor, a Petrobras, por exemplo, estima uma redu\u00e7\u00e3o de custos anuais em R$ 300 milh\u00f5es na explora\u00e7\u00e3o e produ\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo. Esses n\u00fameros mostram que, para a devida expans\u00e3o de produtividade do setor, \u00e9 premente que se afaste a utiliza\u00e7\u00e3o do transporte mar\u00edtimo como um meio de pol\u00edtica industrial \u2013 pr\u00e1tica que se mostrou ineficaz, com s\u00e9rias consequ\u00eancias negativas para o setor.<\/span><\/p>\n

Em s\u00edntese, um fato not\u00f3rio documentado amplamente pela literatura econ\u00f4mica \u00e9 a estagna\u00e7\u00e3o da produtividade da economia brasileira h\u00e1 quatro d\u00e9cadas. Como consequ\u00eancia dessa estagna\u00e7\u00e3o, o pa\u00eds vem continuamente perdendo competitividade no cen\u00e1rio global. A revers\u00e3o desse quadro exige uma s\u00e9rie de moderniza\u00e7\u00f5es regulat\u00f3rias, dentre as quais a que o Projeto de Lei da \u201cBR do Mar\u201d introduz para o setor de cabotagem. Para garantir a efetiva\u00e7\u00e3o dessas reformas, \u00e9 premente que o Congresso brasileiro confirme a moderniza\u00e7\u00e3o do setor, e n\u00e3o ceda \u00e0 tenta\u00e7\u00e3o de manter a cabotagem brasileira isolada da concorr\u00eancia, o que equivale a\u00a0 deixar o setor literalmente \u201cancorado\u201d na estagna\u00e7\u00e3o. Como Mois\u00e9s levando seu povo, o custo de n\u00e3o abrirmos nossos mares \u00e9 continuarmos perseguidos pelas consequ\u00eancias nefastas da baixa concorr\u00eancia (o nosso \u201cfara\u00f3\u201d perseguidor) neste setor, o que constitui mais um vetor de perda de competitividade da economia brasileira.\u00a0\u00a0\u00a0<\/span><\/p>\n

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Artigo publicado no Portal do Infra em 12 de agosto de 2020.<\/strong><\/p>\n

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C\u00e9sar Mattos<\/i><\/strong>\u00a0\u00e9 <\/span><\/i>Doutor em Economia e Ex-Secret\u00e1rio de Advocacia da Concorr\u00eancia e Competitividade da SEPEC do Minist\u00e9rio da Economia.<\/span><\/p>\n

Alexandre Messa<\/strong> \u00e9 <\/span><\/i>Doutor em Economia e Secret\u00e1rio-Adjunto de Advocacia da Concorr\u00eancia e Competitividade da SEPEC do Minist\u00e9rio da Economia.<\/span><\/p>\n

Andrey Goldner Silva<\/i><\/strong> \u00e9 \u00a0Mestre em Economia e coordenador-geral na Secretaria de Advocacia da Concorr\u00eancia e Competitividade do Minist\u00e9rio da Economia.<\/span><\/i><\/p>\n

Jonathas Bezerra de Souza <\/i><\/strong>possui MBA em Gest\u00e3o Financeira e \u00e9 coordenador na Secretaria de Advocacia da Concorr\u00eancia e Competitividade do Minist\u00e9rio da Economia<\/span>.<\/span><\/p>\n

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1\u00a0https:\/\/www.bndes.gov.br\/wps\/portal\/site\/home\/conhecimento\/noticias\/noticia\/cabotagem<\/em><\/p>\n

2\u00a0Para estes e outros dados ver o Boletim Setorial 47 do BNDES \u2013 Navega\u00e7\u00e3o de Cabotagem Brasileira- https:\/\/web.bndes.gov.br\/bib\/jspui\/bitstream\/1408\/15385\/1\/BS47__Cabotagem__FECHADO.pdf<\/em><\/p>\n

3 Ver \u201cEstudo de Cabotagem\u201d em http:\/\/portal.antaq.gov.br\/wp-content\/uploads\/2020\/02\/Estudo_Cabotagem_06-02.pdf<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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