{"id":3292,"date":"2020-08-12T13:58:56","date_gmt":"2020-08-12T16:58:56","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3292"},"modified":"2020-08-12T14:13:29","modified_gmt":"2020-08-12T17:13:29","slug":"a-abertura-do-mercado-de-gas-natural-no-brasil","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3292","title":{"rendered":"A abertura do mercado de g\u00e1s natural no Brasil"},"content":{"rendered":"

As primeiras descobertas de g\u00e1s no Brasil ocorreram nos anos 1950. Contudo, o mercado de g\u00e1s natural cresceu muito lentamente at\u00e9 a promulga\u00e7\u00e3o da Emenda Constitucional de 1995, que quebrou o monop\u00f3lio da Petrobras na produ\u00e7\u00e3o, transporte e importa\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo e g\u00e1s natural.<\/p>\n

Essa altera\u00e7\u00e3o na Constitui\u00e7\u00e3o, em conjunto com a inaugura\u00e7\u00e3o do gasoduto Bol\u00edvia-Brasil em 1999, foi fundamental para impulsionar a ind\u00fastria de g\u00e1s natural. O consumo cresceu de 7,6 MMm3\/d (milh\u00f5es de metros c\u00fabicos por dia) em 1998 para 64 MMm3 \/d em 2019.<\/p>\n

Por\u00e9m, dados de 2018 mostram que a participa\u00e7\u00e3o do g\u00e1s natural na matriz energ\u00e9tica brasileira (13%) continua baixa, quando comparada \u00e0 m\u00e9dia mundial (22%). Por sua vez, o pre\u00e7o do g\u00e1s natural vendido \u00e0s distribuidoras n\u00e3o acompanhou os pre\u00e7os do mercado internacional, chegando a US$ 14 MM\/BTU, o que contribuiu para a redu\u00e7\u00e3o da sua competitividade no per\u00edodo recente (Gr\u00e1fico 1).<\/p>\n

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Gr\u00e1fico 1 \u2013 pre\u00e7os de g\u00e1s natural no city gate \u2013 m\u00e9dia 1\u00ba semestre de 2018 \u2013 Fonte: EPE.<\/strong><\/p>\n

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Somente em 2020, quando novos contratos foram assinados entre a Petrobras e as distribuidoras, os pre\u00e7os come\u00e7aram a se aproximar dos vigentes nos mercados internacionais.<\/p>\n

Ao comparar o marco legal brasileiro com o dos pa\u00edses desenvolvidos, depreende-se que h\u00e1 necessidade de o Brasil ampliar a concorr\u00eancia por meio da liberaliza\u00e7\u00e3o nos tr\u00eas segmentos da cadeia produtiva do g\u00e1s natural: upstream (produ\u00e7\u00e3o), midstream (escoamento e processamento) e downstream (distribui\u00e7\u00e3o nos estados).<\/p>\n

Ainda hoje o mercado brasileiro se constitui em um quase monops\u00f4nio (\u00fanico comprador) no upstream, com a empresa monopsonista controlando a capacidade dos gasodutos de transporte. Tamb\u00e9m apresenta estrutura regulat\u00f3ria sem incentivos \u00e0 efici\u00eancia no downstream. Esse desenho de mercado n\u00e3o leva a pre\u00e7os competitivos, o que inibe o consumo industrial.<\/p>\n

Desde a d\u00e9cada de 1980, a liberaliza\u00e7\u00e3o do mercado de g\u00e1s natural j\u00e1 \u00e9 uma realidade em muitos pa\u00edses europeus. O Brasil est\u00e1 atrasado pelo menos quarenta anos nesse processo de abertura. Com isso, em tempos de pandemia da Covid-19, no bojo da discuss\u00e3o sobre a transi\u00e7\u00e3o para uma economia menos poluente, enquanto a Europa discute o fim da era do g\u00e1s e o in\u00edcio da era do hidrog\u00eanio, aqui, continua-se discutindo a abertura plena do mercado de g\u00e1s natural.<\/p>\n

Apesar de abundante tanto no alto-mar quanto em terra, o g\u00e1s natural continua relativamente pouco explorado e caro, com consequ\u00eancias mal\u00e9ficas para o crescimento econ\u00f4mico dom\u00e9stico. A intensifica\u00e7\u00e3o da explora\u00e7\u00e3o do g\u00e1s natural ajudaria o Brasil a alavancar substancialmente seu potencial de crescimento, mas os formadores de opini\u00e3o n\u00e3o se envolvem na discuss\u00e3o sobre o custo econ\u00f4mico de n\u00e3o se abrir plenamente o mercado e consequentemente de n\u00e3o se explorar o g\u00e1s natural.<\/p>\n

Quanto poderia se elevar a renda real m\u00e9dia e diminuir a pobreza brasileira se o g\u00e1s natural fosse explorado eficientemente? Essa \u00e9 uma pergunta que quase n\u00e3o \u00e9 discutida. Mesmo entre os especialistas do setor, as discuss\u00f5es se concentram no processo de abertura, com perguntas do tipo: deve-se usar o mercado de energia el\u00e9trica para subsidiar a abertura do mercado de g\u00e1s natural? Deve-se implantar termel\u00e9trica fixa na base antes da abertura?<\/p>\n

Enfim, concentra-se em como vai ser feita a abertura, e n\u00e3o necessariamente quando ser\u00e1 feita e quanto custar\u00e1 (n\u00e3o) faz\u00ea-la. Nesse aspecto, diante do esfor\u00e7o do governo federal desde 2016 para a plena abertura do mercado de g\u00e1s natural, vale mencionar a diferen\u00e7a entre a estrat\u00e9gia pol\u00edtica e econ\u00f4mica utilizada entre 2016 e 2018, por meio do grupo interministerial \u201cG\u00e1s para Crescer\u201d, e a implantada em 2019, por meio do \u201cNovo Mercado de G\u00e1s\u201d.<\/p>\n

De fato, n\u00e3o obstante o G\u00e1s para Crescer e o Novo Mercado de G\u00e1s tenham convergido no diagn\u00f3stico, utilizaram estrat\u00e9gias diferentes na consecu\u00e7\u00e3o da abertura, visando modernizar o marco legal, sobretudo o regulat\u00f3rio, cuja estrutura b\u00e1sica est\u00e1 representada nas leis 9.478\/97 e 11.909\/2009.<\/p>\n

O G\u00e1s para Crescer direcionou a decis\u00e3o de abertura de mercado para o Congresso Nacional, por meio de encaminhamento de melhorias ao Projeto de Lei 6.407\/2013 (PL do G\u00e1s), que l\u00e1 tramita desde 2013. Somente no final de 2018, a partir de Nota T\u00e9cnica enviada pela ANP (Ag\u00eancia Nacional do Petr\u00f3leo, G\u00e1s e Biocombust\u00edveis) ao CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econ\u00f4mica), adotou-se uma medida infralegal, o decreto 9.616 de 17 de dezembro de 2018.<\/p>\n

J\u00e1 o Novo Mercado de G\u00e1s (NMG) optou por aproveitar essa medida e um acordo entre a empresa dominante e o \u00f3rg\u00e3o de defesa da concorr\u00eancia para criar, de imediato, o mercado, com o objetivo de estrutura-lo e aperfei\u00e7o\u00e1-lo ao longo do seu desenvolvimento. Al\u00e9m disso, cabe destacar que, no NMG, n\u00e3o h\u00e1 altera\u00e7\u00e3o na estrutura de distribui\u00e7\u00e3o sob controle dos Estados, mas incentivos para que a regula\u00e7\u00e3o seja modernizada.<\/p>\n

Visando transformar o atual quase monops\u00f4nio da Petrobras em um ambiente competitivo e modernizar a regula\u00e7\u00e3o no midstream, liberando capacidade nos gasodutos de transporte, o NMG tamb\u00e9m atacou infralegalmente as causas que levam \u00e0 baixa oferta e aos altos pre\u00e7os do g\u00e1s natural por meio de um decreto presidencial oriundo de resolu\u00e7\u00e3o do Conselho Nacional de Pol\u00edtica Energ\u00e9tica (CNPE). Posteriormente, a Petrobras e o CADE firmaram o acordo j\u00e1 citado.<\/p>\n

Esse acordo consiste em um Termo de Compromisso de Cessa\u00e7\u00e3o (TCC) entre a Petrobras e o CADE. No texto, s\u00e3o enfrentadas uma s\u00e9rie de quest\u00f5es concorrenciais, especialmente em rela\u00e7\u00e3o:<\/p>\n

\u2981 \u00e0 venda de ativos e participa\u00e7\u00f5es da Petrobras em modelo que desconcentre o mercado;
\n\u2981 ao acesso de terceiros aos dutos de escoamento, Unidades de Processamento de G\u00e1s Natural (UPGNs) e terminais de GNL;
\n\u2981 ao acesso de terceiros aos dutos de transporte da Petrobras;
\n\u2981 \u00e0 viabiliza\u00e7\u00e3o do sistema tarif\u00e1rio de entrada e sa\u00edda para cess\u00e3o de capacidade; e
\n\u2981 \u00e0 ado\u00e7\u00e3o dos mecanismos de g\u00e1s release e capacity release.<\/p>\n

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Em tese, o cumprimento do aludido TCC permitiria quebrar o quase monops\u00f4nio da Petrobras e criar um mercado inicial de g\u00e1s natural no Brasil. O TCC permite que empresas que hoje entregam g\u00e1s \u00e0 Petrobras possam vender o insumo diretamente aos distribuidores, permitindo competi\u00e7\u00e3o entre empresas e melhoria da situa\u00e7\u00e3o do consumidor, com mais op\u00e7\u00f5es de fornecimento.<\/p>\n

A estrat\u00e9gia do NMG vem dando certo. Diante da vis\u00edvel possibilidade de pre\u00e7os competitivos, h\u00e1 intensa mobiliza\u00e7\u00e3o de grandes consumidores e de agentes da ind\u00fastria em busca de oportunidades de neg\u00f3cios e investimentos no mercado de g\u00e1s natural. Basta observar, por exemplo, a forte procura tanto pela compra do g\u00e1s diretamente da Bol\u00edvia, escoado pelo gasoduto Bol\u00edvia-Brasil, quanto pelo arrendamento dos terminais de g\u00e1s natural liquefeito (GNL).<\/p>\n

Por outro lado, por meio dos incentivos trazidos pelo NMG, evidenciando potencial aumento de crescimento econ\u00f4mico para os estados que modernizarem a regula\u00e7\u00e3o da distribui\u00e7\u00e3o, v\u00e1rios j\u00e1 modificaram a regula\u00e7\u00e3o na distribui\u00e7\u00e3o do g\u00e1s natural, destacando-se Rio de Janeiro e Sergipe.<\/p>\n

Espera-se que, em um futuro pr\u00f3ximo, haja incentivos ainda mais fortes para que outros estados adequem sua regula\u00e7\u00e3o de distribui\u00e7\u00e3o. De fato, com a concretiza\u00e7\u00e3o da abertura no upstream e a moderniza\u00e7\u00e3o na regula\u00e7\u00e3o no midstream, espera-se aumento maior nos investimentos, gera\u00e7\u00e3o de empregos e tributos naqueles estados que modernizaram a regula\u00e7\u00e3o na distribui\u00e7\u00e3o. Com isso, outros estados ter\u00e3o incentivos (por meio de um efeito-demonstra\u00e7\u00e3o) para tamb\u00e9m modernizar a regula\u00e7\u00e3o na distribui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

No momento em que os autores finalizam este artigo, discute-se a tramita\u00e7\u00e3o de uma \u201cvers\u00e3o simplificada\u201d do PL do G\u00e1s ent\u00e3o apoiado pelo G\u00e1s para Crescer. Essa proposta dar\u00e1 maior seguran\u00e7a jur\u00eddica e abrang\u00eancia, ao estabelecido infralegalmente, alcan\u00e7ando todos os agentes, em complemento ao acordo CADE-Petrobras, que s\u00f3 tem efeito sobre a estatal, tendo sido aprovada na Comiss\u00e3o de Minas e Energia da C\u00e2mara dos Deputados e encontrando-se pautada em regime de urg\u00eancia para vota\u00e7\u00e3o no plen\u00e1rio.<\/p>\n

Essa vers\u00e3o simplificada se concentra em pontos fundamentais, como a mudan\u00e7a de \u201cconcess\u00e3o\u201d para \u201cautoriza\u00e7\u00e3o\u201d do regime de explora\u00e7\u00e3o da atividade de transporte e de estocagem de g\u00e1s natural, assim como a desverticaliza\u00e7\u00e3o das atividades de transporte. No entanto, para que a implementa\u00e7\u00e3o seja efetiva, \u00e9 importante que a ANP seja c\u00e9lere e \u00e1gil ao regulamentar os dispositivos estabelecidos infralegalmente pelo NMG.<\/p>\n

Posto isso, entende-se que, diante das circunst\u00e2ncias da pandemia da Covid-19, um Novo Mercado de G\u00e1s vem efetivamente sendo implantado, com mudan\u00e7as relevantes na din\u00e2mica do setor de g\u00e1s natural. Ainda h\u00e1 muito por fazer (a aprova\u00e7\u00e3o da Lei do G\u00e1s no Congresso Nacional, a ado\u00e7\u00e3o de medidas por parte da ANP e o cumprimento das cl\u00e1usulas do TCC), mas j\u00e1 se pode visualizar efetivamente um Novo Mercado de G\u00e1s nos pr\u00f3ximos anos no Brasil.<\/p>\n

Por fim, deve-se mencionar que os benef\u00edcios oriundos da plena abertura e desenvolvimento do mercado nacional de g\u00e1s natural ser\u00e3o compartilhados entre diferentes agentes por meio do aumento da oferta de g\u00e1s a pre\u00e7os mais competitivos, com efeitos multiplicadores na economia, eleva\u00e7\u00e3o da atividade industrial, gera\u00e7\u00e3o de empregos e crescimento econ\u00f4mico.<\/p>\n

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Refer\u00eancias Bibliogr\u00e1ficas<\/strong>
\nGOMES, Ieda. Pol\u00edtica, Mercado e Legisla\u00e7\u00e3o de G\u00e1s Natural no Brasil: Pontos para Compara\u00e7\u00e3o, Reflex\u00e3o e Mudan\u00e7a, cap\u00edtulo 7 in G\u00e1s Natural no Cen\u00e1rio Brasileiro. Editora Synergia, 1\u00b0 edi\u00e7\u00e3o, 2015. Organizadora: Maria D\u2019Assun\u00e7\u00e3o Costa.<\/p>\n

LEITE, Ant\u00f4nio Dias.\u00a0A energia do Brasil. Editora Lexikon, 3\u00b0 edi\u00e7\u00e3o, 2014.<\/p>\n

NOTA T\u00e9cnica: Propostas para o Mercado de G\u00e1s Natural – Comit\u00ea de Promo\u00e7\u00e3o da Concorr\u00eancia no Mercado de G\u00e1s Natural do Brasil. Acessada no site:
\nhttp:\/\/www.mme.gov.br\/documents\/36112\/491930\/2.+Relat%C3%B3rio+Comit%C3%AA+de+Promo%C3%A7%C3%A3o+da+Concorr%C3%AAncia+vfinal+10jun19.pdf\/2379cc7f-f6b7-8ba0-72db-1278e7d252ca<\/p>\n

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