{"id":3271,"date":"2020-07-02T12:57:59","date_gmt":"2020-07-02T15:57:59","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3271"},"modified":"2020-08-14T14:45:34","modified_gmt":"2020-08-14T17:45:34","slug":"e-preciso-querer","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3271","title":{"rendered":"\u00c9 preciso querer"},"content":{"rendered":"

N\u00e3o ser\u00e1 pela redu\u00e7\u00e3o absoluta da oferta de trabalhadores que a distribui\u00e7\u00e3o de renda ser\u00e1 menos concentrada<\/strong><\/h2>\n

Por Luis Eduardo Assis<\/p>\n

Foi tudo culpa da Yersinia pestis. Esta bact\u00e9ria, alojada em ratos, acabou infestando seres humanos na Europa no s\u00e9culo 14, deflagrando a Peste Negra. O resultado foi devastador. A popula\u00e7\u00e3o europeia caiu de 94 milh\u00f5es, em 1300, para 68 milh\u00f5es, em 1400.<\/p>\n

A dizima\u00e7\u00e3o da for\u00e7a de trabalho elevou os sal\u00e1rios, obrigando a Coroa inglesa a decretar um edito em 1349 que proibia aos trabalhadores recusar oferta de emprego com pagamento \u201cusual\u201d do per\u00edodo anterior \u00e0 pandemia. A ideia era combater aumentos de sal\u00e1rio.<\/p>\n

Quem nos ensina isso \u00e9 W. Scheidel, no portentoso The Great Leveller, livro em que o historiador vende a tese de que grandes cat\u00e1strofes tiveram impacto positivo na redu\u00e7\u00e3o da desigualdade social ao longo da Hist\u00f3ria.<\/p>\n

Nossa peste \u00e9, felizmente, menos voraz. N\u00e3o ser\u00e1 pela redu\u00e7\u00e3o absoluta da oferta de trabalhadores que a distribui\u00e7\u00e3o de renda ser\u00e1 menos concentrada. Mas o impacto sobre a desigualdade ser\u00e1 contundente. Menos mal que agora a crise econ\u00f4mica veio acompanhada de queda nos juros.<\/p>\n

O padr\u00e3o brasileiro \u00e9 elevar os juros quando a chapa esquenta, o que premia os ricos. Ainda assim, o aumento na desigualdade pode ser significativo. Basta pensarmos que as atividades que podem ser exercidas remotamente s\u00e3o ligadas a tarefas administrativas ou intelectuais. Trabalhadores manuais, por defini\u00e7\u00e3o, s\u00e3o os maiores prejudicados.<\/p>\n

Na educa\u00e7\u00e3o, o efeito perverso n\u00e3o demorar\u00e1 a se manifestar. Crian\u00e7as de fam\u00edlias pobres t\u00eam enorme desvantagem em seguir as aulas em casa. Mas \u00e9 poss\u00edvel, se houver vontade, adotar pol\u00edticas p\u00fablicas compensat\u00f3rias. O aux\u00edlio emergencial mostrou o caminho.<\/p>\n

\u00c9 evidente que ao custo de quase R$ 600 bilh\u00f5es por ano sua pereniza\u00e7\u00e3o \u00e9 invi\u00e1vel. Mas \u00e9 poss\u00edvel encontrar f\u00f3rmulas intermedi\u00e1rias. Pagar R$ 300 mensais para cada crian\u00e7a com at\u00e9 quatro anos, por exemplo, custaria algo como R$ 52 bilh\u00f5es por ano.<\/p>\n

N\u00e3o \u00e9 pouco dinheiro. Este gasto, no entanto, n\u00e3o elevaria a rela\u00e7\u00e3o d\u00edvida\/PIB, uma vez que o PIB sobe na mesma propor\u00e7\u00e3o do gasto (na verdade, um pouco mais) e a despesa seria parcialmente compensada pelo aumento da arrecada\u00e7\u00e3o, no rastro do aumento do consumo. Claro que n\u00e3o paga a conta. Mas pode-se tamb\u00e9m corrigir distor\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

Nas contas do economista Marcos Mendes, do Insper, o fim da desonera\u00e7\u00e3o da cesta b\u00e1sica (que \u00e9 ineficaz porque contempla ricos e pobres simultaneamente) pode render R$ 15 bilh\u00f5es, ao passo que a extin\u00e7\u00e3o das dedu\u00e7\u00f5es por dependentes e gastos com sa\u00fade e educa\u00e7\u00e3o significaria R$ 28 bilh\u00f5es adicionais.<\/p>\n

Sem falar do imposto menor que incide sobre os fundos exclusivos, a doideira mais grandiloquente do nosso manic\u00f4mio tribut\u00e1rio (os bancos n\u00e3o montam fundos com apenas um cotista com menos de R$ 15 milh\u00f5es de patrim\u00f4nio). H\u00e1 numerosas formas, mais elaboradas, sendo discutidas. Sim, \u00e9 poss\u00edvel. Mas h\u00e1 tr\u00eas obst\u00e1culos.<\/p>\n

O primeiro \u00e9 que combater as iniquidades sociais nunca foi prioridade do presidente Bolsonaro. Sua ades\u00e3o, agora que luta para sobreviver, \u00e9 improv\u00e1vel. Ele n\u00e3o entende que ou vamos todos juntos ou n\u00e3o iremos a lugar algum. Tamb\u00e9m a equipe econ\u00f4mica n\u00e3o v\u00ea relev\u00e2ncia neste tema. Se houver a perspectiva de aumentar a arrecada\u00e7\u00e3o, a prefer\u00eancia ser\u00e1 por reduzir o d\u00e9ficit, ao inv\u00e9s de fazer transfer\u00eancias para os mais pobres.<\/p>\n

Para eles, o Estado \u00e9 sempre o problema, nunca a solu\u00e7\u00e3o. O terceiro obst\u00e1culo \u00e9 a aus\u00eancia de capital pol\u00edtico para avan\u00e7ar em mudan\u00e7as que promovam a distribui\u00e7\u00e3o de renda. A articula\u00e7\u00e3o do Executivo \u00e9 p\u00edfia. N\u00e3o h\u00e1 consenso, n\u00e3o h\u00e1 lideran\u00e7a, n\u00e3o h\u00e1 coordena\u00e7\u00e3o, n\u00e3o h\u00e1 projeto. N\u00e3o h\u00e1 compromisso. Nem partido o presidente tem. \u00c9 poss\u00edvel mudar, mas antes \u00e9 preciso querer.<\/p>\n

ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POL\u00cdTICA MONET\u00c1RIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DE ECONOMIA DA PUC-SP E DA FGV-SP. E-MAIL: LUISEDUARDOASSIS@GMAIL.COM\u00a0<\/strong><\/p>\n

*Texto originalmente publicado em O Estado de S. Paulo e aqui reproduzido com autoriza\u00e7\u00e3o do autor.<\/p>\n

 <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

N\u00e3o ser\u00e1 pela redu\u00e7\u00e3o absoluta da oferta de trabalhadores que a distribui\u00e7\u00e3o de renda ser\u00e1 menos concentrada Por Luis Eduardo Assis Foi tudo culpa da Yersinia pestis. Esta bact\u00e9ria, alojada em ratos, acabou infestando seres humanos na Europa no s\u00e9culo 14, deflagrando a Peste Negra. O resultado foi devastador. A popula\u00e7\u00e3o europeia caiu de 94 milh\u00f5es, em 1300, para 68 milh\u00f5es, em 1400. A dizima\u00e7\u00e3o da for\u00e7a de trabalho elevou os sal\u00e1rios, obrigando a Coroa […]<\/p>\n","protected":false},"author":120,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[9],"tags":[],"class_list":["post-3271","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-reducao-da-pobreza-e-redistribuicao-de-renda"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3271","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/120"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3271"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3271\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3271"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3271"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3271"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}