{"id":3266,"date":"2020-06-08T13:35:06","date_gmt":"2020-06-08T16:35:06","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3266"},"modified":"2020-06-08T13:37:50","modified_gmt":"2020-06-08T16:37:50","slug":"por-um-diretor-geral-da-policia-federal-com-mandato-fixo-e-intercalado-com-o-mandato-presidencial","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3266","title":{"rendered":"Por um diretor-geral da Pol\u00edcia Federal com mandato fixo e intercalado com o mandato presidencial"},"content":{"rendered":"
Na madrugada de sexta-feira 24 de abril de 2020 o Presidente Jair Bolsonaro exonerou o diretor-geral da Pol\u00edcia Federal (PF), Maur\u00edcio Valeixo. No mesmo dia o Ministro da Justi\u00e7a S\u00e9rgio Moro apresentou seu pedido de demiss\u00e3o, alegando inger\u00eancia pol\u00edtica na PF. No dia 28\/4 o presidente nomeou o diretor da Ag\u00eancia Brasileira de Intelig\u00eancia (Abin) Alexandre Ramagem para o cargo vago de diretor-geral da PF; no entanto, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes decidiu na manh\u00e3 do dia 29\/4 anular essa nomea\u00e7\u00e3o. Em decis\u00e3o-rel\u00e2mpago, o presidente Bolsonaro nomeou e empossou na segunda-feira 4\/5 o secret\u00e1rio de Planejamento e Gest\u00e3o da Abin como diretor-geral da PF, que teve como uma das primeiras decis\u00f5es a substitui\u00e7\u00e3o do superintendente da PF no Rio de Janeiro.<\/p>\n
A pergunta que se imp\u00f5e \u00e9: Essa crise institucional poderia ter sido evitada se o desenho institucional de nossa PF fosse outro? E a resposta \u00e9 imediata: Sim, se o diretor-geral da PF tivesse um mandato com prazo fixo, ap\u00f3s aprova\u00e7\u00e3o pelo Congresso Nacional, blindando assim a PF de inger\u00eancias pol\u00edticas uma vez nomeado seu diretor-geral. Existe, atualmente, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 412\/2009) em discuss\u00e3o na C\u00e2mara dos Deputados (CCJC) que prop\u00f5e justamente a autonomia da PF, de forma a ser explicitada em lei ordin\u00e1ria. Ademais, no pr\u00f3prio dia 24\/4 o deputado federal Celso Sabino (PSDB-PA) come\u00e7ou a coleta das assinaturas necess\u00e1rias para iniciar a tramita\u00e7\u00e3o de uma PEC de sua autoria com o mesmo objetivo.<\/p>\n
Uma quest\u00e3o menos evidente, mas extremamente pertinente \u00e9 a seguinte: Caso seja aprovada a autonomia da PF e ao diretor-geral seja atribu\u00eddo mandato com prazo fixo, quando deve ser esse mandato iniciado?<\/p>\n
A literatura econ\u00f4mica pode contribuir para responder s essa quest\u00e3o. Em artigo recente aceito para publica\u00e7\u00e3o na Revista Brasileira de Economia[1]<\/a>, este autor e sua coautora F\u00e1bia Carvalho se valem de um modelo de pol\u00edtica monet\u00e1ria, baseado na teoria dos jogos, para afirmar a import\u00e2ncia n\u00e3o s\u00f3 de termos um banco central (BC) independente em que o presidente do BC tem mandato fixo, mas tamb\u00e9m de que o mandato do presidente do BC seja intercalado com o do presidente da rep\u00fablica. Ou seja, ao assumir seu mandato, o presidente da rep\u00fablica \u201cherda\u201d por mais dois anos o presidente do BC nomeado anteriormente e apenas passados esses dois anos poder\u00e1 nomear um novo dirigente para o BC por um per\u00edodo de quatro anos.<\/p>\n Essa proposta \u2013que \u00e9 adotada alhures, como nos Estados Unidos e no Chile[2]<\/a>\u2013 tem uma simples justificativa: a informa\u00e7\u00e3o \u00e9 uma vari\u00e1vel fundamental na forma\u00e7\u00e3o das expectativas de infla\u00e7\u00e3o da sociedade. Em per\u00edodo eleitoral \u00e9 natural haver incerteza quanto \u00e0 futura condu\u00e7\u00e3o da administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica, em geral associada \u00e0 elei\u00e7\u00e3o de um novo presidente. Quando o presidente estreante tem a autonomia de nomear o respons\u00e1vel pelo BC no in\u00edcio de seu mandato, adiciona-se a inseguran\u00e7a quanto \u00e0 condu\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica monet\u00e1ria do pa\u00eds. Isso explica os piques inflacion\u00e1rios e de taxas de juros em per\u00edodos pr\u00f3ximos a uma troca de presidente no Brasil, o que parece n\u00e3o ocorrer nos Estados Unidos ou no Chile, por exemplo. Se um presidente do BC j\u00e1 conhecido da sociedade for mantido por mais dois anos, reduz-se a incerteza eleitoral, limitando-se assim o impacto econ\u00f4mico de uma troca do executivo federal.<\/p>\n Esse argumento desenvolvido para o BC estende-se facilmente para outros \u00f3rg\u00e3os governamentais que t\u00eam a caracter\u00edstica de serem \u00f3rg\u00e3os de Estado, e n\u00e3o de um governo particular, com uma miss\u00e3o que extrapola os interesses de um presidente espec\u00edfico.<\/p>\n A Pol\u00edcia Federal (PF) se encaixa naturalmente nessa categoria. De fato, \u201cCabe \u00e0 PF apurar infra\u00e7\u00f5es que envolvam danos ao patrim\u00f4nio e aos interesses da Uni\u00e3o, contra a ordem pol\u00edtica e social ou que tenham repercuss\u00e3o em mais de um Estado ou pa\u00eds.\u201d[3]<\/a> Por essa raz\u00e3o, com frequ\u00eancia a PF \u00e9 levada a investigar integrantes do governo federal, como no caso da \u201cOpera\u00e7\u00e3o Lava-Jato\u201d ou do inqu\u00e9rito sigiloso conduzido pelo Supremo Tribunal Federal sobre as \u201cfake news\u201d[4]<\/a>. Portanto, quando um novo presidente \u00e9 eleito, e ele tem a autonomia de indicar imediatamente o novo diretor-geral da Pol\u00edcia Federal, a sociedade n\u00e3o sabe exatamente como ser\u00e1 conduzida pela PF a investiga\u00e7\u00e3o dos atos da administra\u00e7\u00e3o. Se, por outro lado, o diretor-geral j\u00e1 estiver na condu\u00e7\u00e3o da PF h\u00e1 dois anos, j\u00e1 h\u00e1 informa\u00e7\u00e3o revelada por sua atua\u00e7\u00e3o pregressa e, portanto, h\u00e1 menor incerteza pelo menos quanto a esse aspecto do novo governo. Esse aumento de informa\u00e7\u00e3o dispon\u00edvel \u00e0 sociedade quanto \u00e0 futura condu\u00e7\u00e3o da PF constitui a grande vantagem de se ter o mandato do diretor-geral da PF intercalado com o do presidente da rep\u00fablica.<\/p>\n Em suma, se o requerimento de um mandato fixo para o diretor-geral da PF evita que um presidente substitua integrantes dessa for\u00e7a p\u00fablica por raz\u00f5es pessoais injustific\u00e1veis, \u00e9 a exig\u00eancia de mandatos intercalados que reduz a incerteza que naturalmente se forma em per\u00edodo eleitoral, diminuindo os custos econ\u00f4micos e sociais associados a esse processo fundamental em uma na\u00e7\u00e3o democr\u00e1tica moderna.<\/p>\n Refer\u00eancias:<\/strong><\/p>\n Bugarin, Maur\u00edcio e F\u00e1bia Carvalho (2020). Elections, Heterogeneity of Central Bankers and Inflationary Pressure: The case for staggered terms for the president and the central banker. Revista Brasileira de Economia<\/em>, no prelo. Link para o trabalho:<\/p>\n https:\/\/bugarinmauricio.files.wordpress.com\/2020\/05\/bugarincarvalho-20200429-rbe.pdf<\/p>\n Colon, Leandro (2020). PF identifica Carlos Bolsonaro como articulador em esquema criminoso de fake news<\/em>. Jornal Folha de S\u00e3o Paulo<\/em>, 25\/04\/2020. Link para a mat\u00e9ria:<\/p>\n https:\/\/www1.folha.uol.com.br\/poder\/2020\/04\/pf-identifica-carlos-bolsonaro-como-articulador-em-esquema-criminoso-de-fake-news.shtml<\/p>\n J\u00e1come, Luis (2001). Legal central bank independence and inflation in Latin America during the 1990s<\/em>. IMF Working Paper WP 01\/212, International Monetary Fund.Link para o trabalho: http:\/\/docdigital.economiayfinanzas.gob.bo\/jspui\/bitstream\/123456789\/129\/1\/Capitulo8final.pdf<\/p>\n <\/p>\n Lupion, Bruno (2017). Como funciona a autonomia da Pol\u00edcia Federal e qual a chance de um governo interferir em investiga\u00e7\u00f5es. Nexo Jornal<\/em>, 17\/02\/2017. Link para mat\u00e9ria: https:\/\/www.nexojornal.com.br\/expresso\/2017\/02\/19\/Como-funciona-a-autonomia-da-Pol%C3% ADcia-Federal-e-qual-a-chance-de-um-governo-interferir-em-investiga%C3%A7<\/p>\n [1]<\/a> Bugarin e Carvalho (2020).<\/p>\n [2]<\/a> J\u00e1come (2001).<\/p>\n