{"id":3265,"date":"2020-06-03T13:42:03","date_gmt":"2020-06-03T16:42:03","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3265"},"modified":"2020-08-14T14:46:32","modified_gmt":"2020-08-14T17:46:32","slug":"covidd-19-e-teoria-economica-a-diferenca-entre-risco-e-incerteza","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3265","title":{"rendered":"Covid-19 e teoria econ\u00f4mica: a diferen\u00e7a entre risco e incerteza"},"content":{"rendered":"

De acordo com o Laborat\u00f3rio de Estudos Espaciais do Centro de Pesquisas Computacionais da Rice University, at\u00e9 o dia 20 de maio de 2020, a pandemia causada pelo novo coronav\u00edrus havia causado a morte de mail de 18 mil pessoas em todo o territ\u00f3rio nacional[1]<\/a>.\u00a0 Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, at\u00e9 essa mesma data mais de 150 mil cidad\u00e3os se tornaram v\u00edtimas fatais de doen\u00e7as cardiovasculares no pa\u00eds[2]<\/a>. Somente no m\u00eas de maio, foram mais de 21 mil \u00f3bitos at\u00e9 o momento.<\/p>\n

Comparando-se os valores relativos a \u00f3bitos por causas tradicionais com aqueles provocados pelo novo coronav\u00edrus, poder-se-ia estranhar a grande preocupa\u00e7\u00e3o originada pela pandemia do Covid-19 na na\u00e7\u00e3o. O que torna t\u00e3o diferente essa nova epidemia dos desafios de sa\u00fade que os brasileiros enfrentam h\u00e1 anos e que dominam as causas de mortalidade?<\/p>\n

O efeito da pandemia do novo coronav\u00edrus sobre a sociedade nos oferece a oportunidade de ilustrar dois conceitos fundamentais da Teoria Econ\u00f4mica moderna, os conceitos de risco<\/em> e de incerteza<\/em> e, pela pr\u00f3pria situa\u00e7\u00e3o que enfrentamos, entender a dram\u00e1tica distin\u00e7\u00e3o entre eles.<\/p>\n

Ambos os conceitos de risco e de incerteza est\u00e3o associados ao fato de vivermos em um mundo \u201cn\u00e3o-determin\u00edstico\u201d, ou seja, um mundo em que n\u00e3o temos informa\u00e7\u00e3o completa sobre os fen\u00f4menos que nos cercam. A diferen\u00e7a fundamental entre esses conceitos diz respeito ao n\u00edvel de incompletude dessa informa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

No caso de uma situa\u00e7\u00e3o de risco, conseguimos antecipar o que pode ocorrer e at\u00e9 mesmo determinar probabilidades razo\u00e1veis sobre os poss\u00edveis acontecimentos. Quando nos deslocamos em nossa t\u00edpica cidade brasileira, por exemplo, sabemos que corremos o risco de sermos assaltados no caminho. No entanto, por conhecermos a cidade, temos uma boa ideia de que regi\u00f5es s\u00e3o mais perigosas, que hor\u00e1rios s\u00e3o mais arriscados, que trajetos s\u00e3o mais seguros, que meios de transporte oferecem menor probabilidade de assalto. Com toda essa informa\u00e7\u00e3o, temos como calcular com alguma precis\u00e3o os riscos que corremos e escolher um deslocamento sem que o p\u00e2nico nos domine. Trata-se de um caso em que corremos riscos, mas as consequ\u00eancias e suas respectivas probabilidades s\u00e3o relativamente conhecidas e isso nos permite tomar decis\u00f5es com alguma seguran\u00e7a.<\/p>\n

Em uma situa\u00e7\u00e3o de incerteza, por outro lado, a informa\u00e7\u00e3o \u00e9 mais limitada, \u00e9 dif\u00edcil estimarmos as diferentes probabilidades do que pode acontecer e, em alguns casos, n\u00e3o conseguimos sequer prever tudo que \u00e9 pass\u00edvel de ocorrer. Se tivermos que nos deslocar em uma cidade desconhecida que se sabe ter alta taxa de criminalidade em um pa\u00eds estrangeiro, pelo total desconhecimento pr\u00e9vio do local, estaremos em uma situa\u00e7\u00e3o de incerteza: n\u00e3o sabemos que bairros s\u00e3o mais seguros, que vias s\u00e3o mais perigosas, \u00e0s vezes nem mesmo a que tipos de crimes estaremos sujeitos. Nesse caso \u00e9 bem mais dif\u00edcil decidir com seguran\u00e7a e n\u00e3o ser\u00e1 de se estranhar que um certo p\u00e2nico tome conta de n\u00f3s…<\/p>\n

Uma doen\u00e7a que h\u00e1 anos acomete nosso pa\u00eds \u00e9 a dengue. Em 2019 foram mais de 1,5 milh\u00e3o de casos em todo o pa\u00eds. Essa doen\u00e7a, no entanto, \u00e9 relativamente bem conhecida. Sabemos como diagnostic\u00e1-la, como trat\u00e1-la e como ela \u00e9 transmitida. Ainda que n\u00e3o exista vacina contra essa enfermidade, apesar de todos esses casos, morreram menos de 800 cidad\u00e3os pela dengue em 2019[3]<\/a>. Trata-se de uma situa\u00e7\u00e3o de risco, certamente, mas n\u00e3o \u00e9 de se estranhar que a dengue n\u00e3o cause como\u00e7\u00e3o e que haja at\u00e9 certa displic\u00eancia na sociedade, que precisa ser relembrada constantemente por campanhas p\u00fablicas sobre a import\u00e2ncia da medida b\u00e1sica de se evitar ac\u00famulo de \u00e1gua, por exemplo.<\/p>\n

Compare agora com o Covid-19. Nada se sabia sobre essa nova doen\u00e7a at\u00e9 finais de 2019 e ela parecia relativamente circunscrita \u00e0 prov\u00edncia chinesa de Hubei no in\u00edcio do ano. Muitas informa\u00e7\u00f5es contradit\u00f3rias foram sendo reveladas: que n\u00e3o era transmiss\u00edvel pelo ar, que o v\u00edrus n\u00e3o resistiria ao calor, que seria uma simples gripe, etc., at\u00e9 que, de repente explodiram os casos no mundo. Vimos a Cor\u00e9ia do Sul, outros pa\u00edses da \u00c1sia e at\u00e9 mesmo um navio de turismo serem fortemente atingidos. Em poucas semanas a It\u00e1lia se tornou epicentro mundial da pandemia e as v\u00edtimas fatais se multiplicassem.<\/p>\n

Sobre essa nova cepa de coronav\u00edrus muito pouco se sabe at\u00e9 hoje, nem mesmo se uma pessoa pode ser por ele reinfectada. Trata-se de uma clar\u00edssima situa\u00e7\u00e3o de incerteza em que n\u00e3o conseguimos estimar as probabilidades associadas \u00e0 pandemia. Quantos ser\u00e3o infectados? Que \u00f3rg\u00e3os de nosso corpo, al\u00e9m do pulm\u00e3o, o v\u00edrus atinge? Por que algumas pessoas ficam com respirador por semanas e sobrevivem enquanto outras morrem em poucos dias? Que rem\u00e9dios poderiam ajudar: a cloroquina, anticoagulantes, antiparasit\u00e1rio, corticoides? Nem mesmo sabemos quantas pessoas de fato j\u00e1 foram contaminadas ou qual \u00e9 a verdadeira taxa de letalidade da doen\u00e7a.<\/p>\n

Confrontados com essa situa\u00e7\u00e3o de grande incerteza, entende-se a dificuldade que temos em tomar decis\u00f5es e nos coordenarmos como sociedade.<\/p>\n

Sentindo na pele, com o surgimento do Covid-19, a dram\u00e1tica diferen\u00e7a entre risco e incerteza que \u00e9 t\u00e3o cara \u00e0 Teoria Econ\u00f4mica, fica a esperan\u00e7a de que rapidamente acumulemos uma quantidade suficiente de informa\u00e7\u00f5es seguras a respeito desse novo coronav\u00edrus e da nova pandemia, de forma a conseguirmos passar de um ambiente de incerteza para um ambiente de risco e podermos, ent\u00e3o, tomar as decis\u00f5es mais acertadas.<\/p>\n

At\u00e9 l\u00e1, resta-nos manter o isolamento social, uma vez que uma das poucas certezas que temos sobre esse v\u00edrus \u00e9 que ele tem alta transmissibilidade e que uma pessoa infectada j\u00e1 pode contagiar outros antes mesmo que os sintomas da doen\u00e7a nela se manifestem.<\/p>\n

[1]<\/a> https:\/\/www.coronavirusnobrasil.org. Acessado em 20\/5\/2020.<\/p>\n

[2]<\/a> http:\/\/www.cardiometro.com.br\/. Acessado em 20\/5\/2020.<\/p>\n

[3]<\/a> Mais precisamente, foram 782 \u00f3bitos. Vide Panorama Farmac\u00eautico, 14\/02\/2020. Dispon\u00edvel em: https:\/\/panoramafarmaceutico.com.br\/2020\/01\/14\/brasil-teve-aumento-de-488-nos-casos-de-dengue-em-2019\/<\/a> acesso em 6\/5\/2020\/<\/p>\n

Maur\u00edcio Bugarin \u00e9 do Departamento de Economia da Universidade de Bras\u00edlia.<\/p>\n

bugarinmauricio@gmail.com, www.bugarinmauricio.com<\/p>\n

*Artigo originalmente publicado no jornal Nexo no dia 21 de maio de 2020 e aqui reproduzido com a anu\u00eancia do autor.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

De acordo com o Laborat\u00f3rio de Estudos Espaciais do Centro de Pesquisas Computacionais da Rice University, at\u00e9 o dia 20 de maio de 2020, a pandemia causada pelo novo coronav\u00edrus havia causado a morte de mail de 18 mil pessoas em todo o territ\u00f3rio nacional[1].\u00a0 Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, at\u00e9 essa mesma data mais de 150 mil cidad\u00e3os se tornaram v\u00edtimas fatais de doen\u00e7as cardiovasculares no pa\u00eds[2]. Somente no m\u00eas de maio, foram […]<\/p>\n","protected":false},"author":47,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[780,776],"tags":[782,84,784,143,785,783],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3265"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/47"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3265"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3265\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3265"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3265"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3265"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}