{"id":3260,"date":"2020-05-28T15:24:52","date_gmt":"2020-05-28T18:24:52","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3260"},"modified":"2020-08-14T14:47:21","modified_gmt":"2020-08-14T17:47:21","slug":"a-crise-economica-do-covid-19-no-brasil-como-estamos-reagindo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3260","title":{"rendered":"A Crise Econ\u00f4mica do Covid-19 no Brasil: Como Estamos Reagindo?"},"content":{"rendered":"

\u2981 Introdu\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n

A resposta adequada da pol\u00edtica econ\u00f4mica \u00e0 crise do Covid-19 tem sido o tema mais relevante do debate atual sobre economia no mundo e no Brasil.<\/p>\n

Nesse artigo procuramos analisar a resposta que est\u00e1 sendo dada pela equipe econ\u00f4mica no Brasil. Partindo de uma estrat\u00e9gia de austeridade fiscal, a equipe econ\u00f4mica optou por uma abordagem mais expansiva com vistas a compensar as consequ\u00eancias da Covid-19.<\/p>\n

A pergunta que se faz \u00e9 em que medida tal mudan\u00e7a constitui um reconhecimento da equipe econ\u00f4mica de que a austeridade anterior estava errada e que \u00e9 preciso migrar para uma abordagem de gosto mais Keynesiano, na linha da \u201cnova matriz econ\u00f4mica\u201d executada entre 2008 e 2016?<\/p>\n

Se o entendimento do que for \u201ckeynesiano\u201d \u00e9 simplesmente gastar mais no curto prazo para fazer frente \u00e0 crise do Covid-19, a resposta \u00e9 positiva. No entanto, voltar a uma abordagem de gastos p\u00fablicos que continuamente ativem a economia, seja \u201ccavando e enchendo buraco\u201d (a eterna met\u00e1fora keynesiana), seja investindo ou consumindo, a resposta \u00e9 claramente negativa. N\u00e3o h\u00e1 dissenso de que uma mudan\u00e7a de dire\u00e7\u00e3o tempor\u00e1ria \u00e9 necess\u00e1ria no curto prazo em resposta a um evento totalmente imprevis\u00edvel e fora do controle como o covid-19. Mas isto n\u00e3o implica que se deva reverter a linha de austeridade para um prazo mais longo. Na verdade, indica a necessidade de refor\u00e7ar aquele caminho, passada a tempestade.<\/p>\n

A Revista The Economist reconheceu a necessidade de r\u00e1pida e coordenada a\u00e7\u00e3o do Estado para fazer frente \u00e0 emerg\u00eancia do Covid-19:<\/p>\n

\u201cGovernments might have stumbled in the pandemic, but they alone can coerce and mobilise vast resources rapidly. Today they are needed to enforce business closures and isolation to stop the virus. Only they can help offset the resulting economic collapse.\u201d<\/em><\/p>\n

De fato, enquanto n\u00e3o h\u00e1 d\u00favida da necessidade da resposta r\u00e1pida do governo no enfrentamento da crise do covid-19, esta estrat\u00e9gia n\u00e3o pode se estender muito dados os limites de sustentabilidade da d\u00edvida p\u00fablica brasileira.
\nComo discutiremos abaixo, a resposta de curto prazo que est\u00e1 sendo implementada pela equipe econ\u00f4mica envolve convergir dois tipos de a\u00e7\u00f5es em resposta \u00e0 crise: 1) proteger os mais vulner\u00e1veis e 2) compensar os s\u00fabitos choques de oferta e demanda gerados pela quarentena, evitando que eles se inercializem e gerem uma recess\u00e3o desnecessariamente duradoura.<\/p>\n

No longo prazo, no entanto, a converg\u00eancia destes mesmos objetivos se realizar\u00e1 apenas com a volta da austeridade que permitir\u00e1 retomar a meta de reduzir a rela\u00e7\u00e3o d\u00edvida\/PIB. Afinal, continua n\u00e3o se podendo gastar nas fun\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas do Estado, sa\u00fade, educa\u00e7\u00e3o e seguran\u00e7a, em fun\u00e7\u00e3o n\u00e3o apenas da d\u00edvida muito elevada como do or\u00e7amento comprometido. A crise do Covid-19 nos revela, na realidade, o contr\u00e1rio, ou seja, o valor que dever\u00edamos dar \u00e0 disciplina fiscal para quando choques negativos gerados por eventos totalmente imprevis\u00edveis ocorrerem. Ter mais graus de liberdade nas finan\u00e7as p\u00fablicas para conter os efeitos de crises como essa \u00e9 fundamental,. A linha de expansionismo fiscal da \u201cnova matriz econ\u00f4mica\u201d, infelizmente, foi o que diminuiu esse espa\u00e7o de manobra das finan\u00e7as p\u00fablicas brasileiras.<\/p>\n

Ademais, n\u00e3o h\u00e1 qualquer contradi\u00e7\u00e3o entre a resposta \u00e0 crise no curto prazo e as reformas microecon\u00f4micas estruturais no longo prazo. Nesse caso, a maior produtividade que se espera com mais concorr\u00eancia e desregulamenta\u00e7\u00e3o da economia permite n\u00e3o apenas um melhor padr\u00e3o de vida a todos, mas tamb\u00e9m uma maior capacidade de enfrentar eventuais crises como a atual com menos sacrif\u00edcios. Afinal, produzindo mais com menos em fun\u00e7\u00e3o da maior produtividade e com pre\u00e7os menores devido \u00e0 maior concorr\u00eancia se tem melhores condi\u00e7\u00f5es de reduzir o sacrif\u00edcio requerido durante este tipo de crise.<\/p>\n

Na pr\u00f3xima se\u00e7\u00e3o fazemos uma s\u00edntese dos efeitos da crise nas economias mundial e brasileira pelas estimativas e indicadores dispon\u00edveis. Na se\u00e7\u00e3o III colocamos a pergunta sobre qual a melhor estrat\u00e9gia de enfrentamento da crise, proteger os mais vulner\u00e1veis ou aumentar investimentos p\u00fablicos?<\/p>\n

Na se\u00e7\u00e3o IV abordamos a natureza dos choques g\u00eameos de oferta e demanda, gerados pela crise do covid-19 e as rea\u00e7\u00f5es da equipe econ\u00f4mica tanto na pol\u00edtica fiscal quanto na monet\u00e1ria em cada um daqueles. Entendemos que, al\u00e9m destas pol\u00edticas convencionais, h\u00e1 necessidade de manter o esfor\u00e7o de reformas microecon\u00f4micas de longo prazo. De fato, n\u00e3o h\u00e1 qualquer contradi\u00e7\u00e3o, ao contr\u00e1rio, complementaridade, entre as pol\u00edticas monet\u00e1ria e fiscal expansivas de curto prazo, o retorno o mais r\u00e1pido poss\u00edvel ao ajuste gradual que vinha sendo seguido anteriormente e as pol\u00edticas estruturais de longo prazo.<\/p>\n

Na se\u00e7\u00e3o V, discutimos, do ponto de vista da teoria econ\u00f4mica, porque h\u00e1 necessidade de pol\u00edticas fiscais e monet\u00e1rias expansivas para uma crise desta envergadura. Cabe evitar que os choques de curto prazo se propaguem para o longo prazo e gerem efeitos permanentes na economia, ou seja, se inercializem. Aqui a magnitude elevada dos dois choques gerados pela quarentena repentina se torna uma vari\u00e1vel chave para justificar o breve desvio da pol\u00edtica econ\u00f4mica anterior de austeridade, especialmente para evitar a presen\u00e7a de tipping points que joguem o pa\u00eds em uma recess\u00e3o desnecessariamente prolongada.<\/p>\n

Na se\u00e7\u00e3o VI, destacamos a necessidade de se evitar um terceiro choque, o de concorr\u00eancia, que ocorreria por uma maior concentra\u00e7\u00e3o de mercado p\u00f3s-Covid em fun\u00e7\u00e3o da sa\u00edda permanente de empresas do mercado. Assim, evitar a crise de liquidez que afeta especialmente as pequenas e m\u00e9dias empresas \u00e9 crucial. Os movimentos que o governo tem implementado nas pol\u00edticas fiscal, monet\u00e1ria e de cr\u00e9dito s\u00e3o fundamentais neste aspecto.
\nPor fim, a se\u00e7\u00e3o VII conclui.<\/p>\n

 <\/p>\n

\u2981 Covid-19: A Pior Recess\u00e3o Mundial desde a Grande Depress\u00e3o \u2013 \u201cO Grande Lockdown\u201d<\/strong><\/p>\n

A crise do Covid-19 gerou um impacto significativo e repentino na economia brasileira, mais fortemente sentido a partir do m\u00eas de mar\u00e7o de 2020. Conforme o IBGE, o consumo aparente de bens industriais registrou uma queda de 11,9% na compara\u00e7\u00e3o entre mar\u00e7o e fevereiro de 2020, na s\u00e9rie com ajuste sazonal.\u00a0O Indicador Ipea de Forma\u00e7\u00e3o Bruta de Capital Fixo recuou 8,9% na compara\u00e7\u00e3o entre mar\u00e7o e fevereiro de 2020, na s\u00e9rie com ajuste sazonal.
\nO mais impressionante foi a deteriora\u00e7\u00e3o das expectativas do mercado em rela\u00e7\u00e3o ao PIB do Brasil em 2020 e 2021, conforme a pesquisa Focus do Bacen, \u00e0 medida que foi se percebendo a real magnitude da crise do covid-19. De uma mediana das expectativas de mercado de crescimento do PIB no Brasil de +2,3% para 2020 em 07\/02\/2020, passou-se a uma expectativa de queda no PIB de -5,12% em 15\/05\/2020. O gr\u00e1fico a seguir, tirado do Boletim Macrofiscal de 13\/05\/2020, apresenta a queda abrupta dos indicadores de servi\u00e7os (PMS), industrial (PIM) e com\u00e9rcio (PMC).<\/p>\n

Quadro I \u2013 Evolu\u00e7\u00e3o Recente de Indicadores de Atividade no Brasil<\/strong><\/p>\n

\"\"<\/p>\n

O impacto da crise do Covid-19 \u00e9 global. O quadro a seguir mostra as estimativas do FMI para a recess\u00e3o esperada no mundo. Estima-se uma queda do PIB das economias mais avan\u00e7adas em -6,1%, chegando a \u00e1rea do Euro a – 7,5% e os EUA a -5,9%. A China cai de um crescimento de 6,1% em 2019 para 1,2% em 2020. Para a Am\u00e9rica Latina e Caribe junto dos pa\u00edses ex-socialistas europeus, estima-se uma queda tamb\u00e9m de -5,2%, pr\u00f3ximo ao estimado para o Brasil em -5,3%.<\/p>\n

Quadro II \u2013 Estimativas de Crescimento do FMI no Mundo e Brasil para 2020\/21<\/strong><\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Com base nesses n\u00fameros, o FMI assim caracterizou a dimens\u00e3o da crise econ\u00f4mica gerada pelo Covid-19 no mundo:
\n\u201cThe magnitude and speed of collapse in activity that has followed is unlike anything experienced in our lifetimes. This is a crisis like no other, and there is substantial uncertainty about its impact on people\u2019s lives and livelihoods……… Under the assumption that the pandemic and required containment peaks in the second quarter for most countries in the world, and recedes in the second half of this year, in the April\u00a0World Economic Outlook<\/a>\u00a0we project global growth in 2020 to fall to -3 percent. This is a downgrade of 6.3 percentage points from January 2020, a major revision over a very short period. This makes the Great Lockdown the worst recession since the Great Depression, and far worse than the Global Financial Crisis…….. the cumulative loss to global GDP over 2020 and 2021 from the pandemic crisis could be around 9 trillion dollars, greater than the economies of Japan and Germany, combined.\u201d<\/em>
\nVejamos como o Brasil est\u00e1 reagindo a isso na pr\u00f3xima se\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

\u2981 Investir ou Proteger os Vulner\u00e1veis na Crise?<\/strong><\/p>\n

Nelson Barbosa criticou a resposta inicial do governo brasileiro \u00e0 crise do Covid-19. Em 18 de mar\u00e7o de 2020, o ex-Ministro da Fazenda do governo Dilma apontava que a equipe econ\u00f4mica estaria excessivamente \u201cfocada em a\u00e7\u00f5es de longo prazo \u2013\u201creformas, reformas, reformas\u201d\u2013 sem qualquer medida de curto prazo\u201d<\/em>. Sua principal prescri\u00e7\u00e3o seria rever o teto de gasto e aumentar o investimento p\u00fablico.<\/p>\n

A revis\u00e3o do teto de gastos foi considerada desnecess\u00e1ria por Marcos Mendes, pois \u201ca restri\u00e7\u00e3o ao aumento dos gastos tem algumas exce\u00e7\u00f5es. Uma delas \u00e9 o envio de dinheiro para despesas imprevis\u00edveis e urgentes, como em caso de guerra, como\u00e7\u00e3o interna ou calamidade p\u00fablica. O governo, portanto, pode usar esse dispositivo para ampliar os recursos em a\u00e7\u00f5es de conten\u00e7\u00e3o das transmiss\u00f5es do v\u00edrus e tratamento de pacientes infectados, sem pressionar ainda mais o teto\u201d. De fato, ao final de mar\u00e7o, o Supremo Tribunal Federal liberou regras fiscais mais flex\u00edveis para a crise do covid-19.<\/p>\n

O aumento do investimento p\u00fablico esbarra nos problemas do endividamento do setor p\u00fablico brasileiro. Em 2020, a necessidade de financiamento do setor p\u00fablico e a d\u00edvida bruta do governo central, como propor\u00e7\u00e3o do PIB, podem chegar a, respectivamente,13,8% do PIB e 93,1%, com as despesas extras para mitigar os efeitos da crise do Covid-19. Claramente se est\u00e1 em um limite das despesas p\u00fablicas em que cabe escolher prioridades, ou retomar a estrat\u00e9gia de investimentos p\u00fablicos de um lado ou mobilizar recursos para a sa\u00fade e ajudar os mais vulner\u00e1veis a atravessarem essa dif\u00edcil fase do outro.<\/p>\n

A efici\u00eancia da estrat\u00e9gia de investimentos p\u00fablicos no Brasil \u00e9, em geral, bastante duvidosa. Segundo Frischtak e Davies (2015), por exemplo, o Programa de Acelera\u00e7\u00e3o do Crescimento (PAC), que contava com investimentos p\u00fablicos, teve recorrentes problemas de custos elevados, atrasos sistem\u00e1ticos e resultados ruins. O relat\u00f3rio de obras paralisadas do programa mostrou que em 30 de junho de 2018, 4.738 empreendimentos se encontravam paralisados, o que correspondia a 41% da carteira e um valor despendido de R$ 69 bilh\u00f5es que at\u00e9 agora n\u00e3o gerou qualquer retorno \u00e0 sociedade. Em Relat\u00f3rio de Assist\u00eancia T\u00e9cnica de dezembro de 2018, o FMI, mostra que de cada Real gasto em investimento p\u00fablico no Brasil, R$ 0,39 s\u00e3o desperdi\u00e7ados. No caso espec\u00edfico de rodovias, a pesquisa da Confedera\u00e7\u00e3o Nacional dos Transportes em 2019 mostrou que 74,7% da extens\u00e3o das rodovias brasileiras em regime de concess\u00e3o estavam em estado geral \u00f3timo ou bom contra apenas 32,5% das rodovias geridas pelo poder p\u00fablico.<\/p>\n

Dessa forma, n\u00e3o faz sentido, a n\u00e3o ser de forma residual, retornar \u00e0 estrat\u00e9gia de investimento p\u00fablico. Independente da crise do covid-19, h\u00e1 um grande n\u00famero de refer\u00eancias indicando que o caminho de parcerias com o setor privado por meio de concess\u00f5es e PPPs \u00e9 o mais adequado. E n\u00e3o apenas pela falta de efici\u00eancia relativa do investimento p\u00fablico, mas tamb\u00e9m pela falta de recursos p\u00fablicos dispon\u00edveis.
\nA estrat\u00e9gia da equipe econ\u00f4mica, tomada com base em recursos despendidos pelo Tesouro Nacional pode ser avaliada a partir do quadro III a seguir. O Tesouro Nacional destinou um total de R$ 349,4 bilh\u00f5es para o enfrentamento da Covid-19, sendo R$ 344,1 bilh\u00f5es de recursos novos (98,48%) e o resto de realoca\u00e7\u00f5es de outras rubricas de despesas do or\u00e7amento. Ou seja, o enfrentamento foi todo realizado com base, at\u00e9 agora, no incremento do d\u00e9ficit prim\u00e1rio de 2020, sendo que 23,01% ainda est\u00e1 sem dota\u00e7\u00e3o (especialmente recursos novos para os estados). R$ 31,9 bilh\u00f5es (9,13%) foram alocados para apoiar empresas, sendo R$ 16 bilh\u00f5es (4,58%) de desonera\u00e7\u00f5es fiscais e R$ 15,9 bilh\u00f5es (4,55%) de apoio a pequenas e m\u00e9dias empresas no Pronampe.<\/p>\n

 <\/p>\n

 <\/p>\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n
Quadro III – Despesas do Tesouro – A\u00e7\u00f5es de Enfrentamento do Covid -19<\/b><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/tr>\n
Medidas<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\nInstrumentos<\/span><\/td>\nR$ Bilh\u00f5es<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
I) Suporte Direto \u00e0s Empresas\u00a0<\/b><\/td>\n<\/td>\n31,9<\/b><\/td>\n9,13%<\/b><\/td>\n<\/tr>\n
I.1) Desonera\u00e7\u00f5es Fiscais (II, IPI, PISCofins, IOF)<\/span><\/td>\nResolu\u00e7\u00f5es camex 17, 22, 28, 31, 32 e 33<\/span><\/td>\n16<\/span><\/td>\n4,58%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\nDecretos 10285, 10302, 10318, 10305<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/tr>\n
I.2)Pronampe (Cr\u00e9dito e Garantia a PMEs)<\/span><\/td>\nLei 13.999, de 2020 – Sem Dota\u00e7\u00e3o<\/span><\/td>\n15,9<\/span><\/td>\n4,55%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
II)Despesas de Prote\u00e7\u00e3o Social N\u00e3o Sa\u00fade<\/b><\/td>\n<\/td>\n216<\/b><\/td>\n61,82%<\/b><\/td>\n<\/tr>\n
II.1)Amplia\u00e7\u00e3o do Bolsa-Fam\u00edlia<\/span><\/td>\n<\/td>\nMPV 929<\/span><\/td>\n3<\/span><\/td>\n0,86%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
II.2)Benef. Manut. Emprego e Renda\u00a0<\/span><\/td>\nMPV 935<\/span><\/td>\n51,6<\/span><\/td>\n14,77%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
II.3)Coronavoucher<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\nMPV 937<\/span><\/td>\n123,9<\/span><\/td>\n35,46%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
II.4)Programa de suporte a Empregos (Folha)<\/span><\/td>\nMPV 943<\/span><\/td>\n34<\/span><\/td>\n9,73%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
II.5)Transferencia para CDE (Tarifa social de energia)<\/span><\/td>\nMPV 949<\/span><\/td>\n0,9<\/span><\/td>\n0,26%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
II.6)Suplementa\u00e7\u00e3o \u00e0 Prote\u00e7\u00e3o Social no Sistema \u00danico<\/span><\/td>\nMPV 953<\/span><\/td>\n2,6<\/span><\/td>\n0,74%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
de Assist\u00eancia social<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/tr>\n
III)Despesas de Prote\u00e7\u00e3o Social Sa\u00fade<\/b><\/td>\n<\/td>\n23,7<\/b><\/td>\n6,78%<\/b><\/td>\n<\/tr>\n
III.1)Auxilio Estados e Munic\u00edpios \u2013 Transfer\u00eancia<\/span><\/td>\nMPV 940<\/span><\/td>\n9<\/span><\/td>\n2,58%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
III.2)Fundo Nacional da Sa\u00fade\u00a0<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/tr>\n
III.3)Transfer\u00eancia ao Fundo Nacional de Sa\u00fade\u00a0<\/span><\/td>\nMPV 947<\/span><\/td>\n2,6<\/span><\/td>\n0,74%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
Aquisi\u00e7\u00e3o EPIs e Respiradores<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/tr>\n
III.4)Aux\u00edlio Estados e Munic\u00edpios \u2013 Transfer\u00eancia<\/span><\/td>\nMPV 941<\/span><\/td>\n2<\/span><\/td>\n0,57%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
Sa\u00fade<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/tr>\n
III.5)Cidadania – Seguran\u00e7a alimentar e nutricional<\/span><\/td>\nMPV 957<\/span><\/td>\n0,5<\/span><\/td>\n0,14%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
III.6)Transfer\u00eancia\u00a0 suplementar ao Fundo Nacional\u00a0<\/span><\/td>\nSem dota\u00e7\u00e3o<\/span><\/td>\n4,5<\/span><\/td>\n1,29%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
Sa\u00fade\u00a0<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/tr>\n
III.7)Amplia\u00e7\u00e3o de Recursos para Aquisi\u00e7\u00e3o de\u00a0<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/tr>\n
Insumos M\u00e9dicos Hospitalares (*)<\/span><\/td>\nMP 924<\/span><\/td>\n5,1<\/span><\/td>\n1,46%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
IV)Cr\u00e9ditos a Estados e Munic\u00edpios N\u00e3o Sa\u00fade\u00a0<\/b><\/td>\n76<\/b><\/td>\n21,75%<\/b><\/td>\n<\/tr>\n
IV.1)Aux\u00edlio Estados e Munic\u00edpios – Compensa\u00e7\u00e3o FPE e\u00a0<\/span><\/td>\nMPV 939<\/span><\/td>\n16<\/span><\/td>\n4,58%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
FPM<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/tr>\n
IV.2)Aux\u00edlio Estados e Munic\u00edpios Recursos Novos<\/span><\/td>\nSem dota\u00e7\u00e3o<\/span><\/td>\n60<\/span><\/td>\n17,17%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
V)Outros\u00a0<\/b><\/td>\n<\/td>\n1,8<\/b><\/td>\n0,52%<\/b><\/td>\n<\/tr>\n
V.1)Cr\u00e9dito Extraordin\u00e1rio da Presid\u00eancia, MRE, MCTIC,<\/span><\/td>\nMPVs 921, 929, 940, 942<\/span><\/td>\n1,6<\/span><\/td>\n0,46%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
Defesa, MEC, Cidadania<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/tr>\n
V.2)Realoca\u00e7\u00f5es Covid 19 (*)<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n0,2<\/span><\/td>\n0,06%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
VI)Total de Despesas do Tesouro para Enfrentamento<\/b><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/tr>\n
da Covid-19<\/b><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n349,4<\/b><\/td>\n100,00%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
VII) Total do Impacto Potencial no Deficit Prim\u00e1rio de 2020\u00a0<\/b><\/td>\n<\/td>\n344,1<\/b><\/td>\n98,48%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
(VI-III.7-V.2)<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/tr>\n
VII.1) Com dota\u00e7\u00e3o<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n263,7<\/span><\/td>\n75,47%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
VII.2) Sem dota\u00e7\u00e3o<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n80,4<\/span><\/td>\n23,01%<\/span><\/td>\n<\/tr>\n
(*) Resultado de Realoca\u00e7\u00f5es de Recursos de Outras Despesas<\/span><\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n

 <\/p>\n

As despesas de prote\u00e7\u00e3o econ\u00f4mico-social da popula\u00e7\u00e3o n\u00e3o diretamente relacionadas a gastos em sa\u00fade s\u00e3o a maior parte, com R$ 216 bilh\u00f5es (61,82%). O coronavoucher para os mais vulner\u00e1veis ocupa mais da metade desse total de prote\u00e7\u00e3o social com R$ 123,9 bilh\u00f5es (35,46%) alocados para tr\u00eas meses (R$ 200 Reais por m\u00eas por benefici\u00e1rio), seguido do benef\u00edcio pela manuten\u00e7\u00e3o de emprego e renda, que \u00e9 um benef\u00edcio pago ao trabalhador em caso de redu\u00e7\u00e3o da jornada ou contrato suspenso direcionado a 24,5 milh\u00f5es de trabalhadores com carteira assinada com R$ 51,6 bilh\u00f5es (14,77%) e do Programa de Suporte a Empregos com R$ 34 bilh\u00f5es (9,73%) para complementa\u00e7\u00e3o da renda relativo ao financiamento de 2 meses da folha de pagamento de pequenas e m\u00e9dias empresas.<\/p>\n

J\u00e1 o total de recursos que incrementam as a\u00e7\u00f5es de sa\u00fade, inclusive com transfer\u00eancias para Estados, atingem R$ 23,7 bilh\u00f5es (6,78%). Somando aqueles valores despendidos com recursos financeiros para prote\u00e7\u00e3o social e esses \u00faltimos para sa\u00fade teremos, portanto, (R$ 216 + R$ 23,7=) R$ 239,7 bilh\u00f5es (68,6%) de direcionamento de gastos diretamente para a \u00e1rea social (desempregados + trabalhadores formais e informais + sa\u00fade) em resposta ao Covid-19. Se acrescentarmos os valores alocados ao Pronampe acima na conta de recursos para a \u00e1rea social, o percentual chega a (68,6%+4,55%=) 73,15%, ou seja, quase \u00be destinado ao objetivo de mitigar os efeitos sociais da crise.
\nEnfim, a parte IV relativa ao cr\u00e9dito a estados e munic\u00edpios n\u00e3o relacionados a quest\u00f5es de sa\u00fade, que atinge R$ 76 bilh\u00f5es representa pouco mais de 1\/5 do incremento (21,75%). A rela\u00e7\u00e3o com o covid-19 deriva, em tese, do elevado impacto que a crise ter\u00e1 sobre as finan\u00e7as dos entes subnacionais, especialmente a frustra\u00e7\u00e3o do ICMS. Nesse caso, n\u00e3o \u00e9 claro at\u00e9 onde o governo federal, que tamb\u00e9m contar\u00e1 com grande impacto negativo em sua arrecada\u00e7\u00e3o, deveria deslocar recursos escassos de outras atividades mais relacionadas \u00e0 prote\u00e7\u00e3o de vulner\u00e1veis, apoio \u00e0 manuten\u00e7\u00e3o de empregos ou \u00e0 sa\u00fade. Neste item, tamb\u00e9m n\u00e3o \u00e9 claro por que transferir aos entes subnacionais \u00e9 superior \u00e0 proposta de Nelson Barbosa de investir em obras paralisadas e, principalmente, \u00e0 ideia de poupar estes valores e evitar a elevad\u00edssima press\u00e3o na d\u00edvida p\u00fablica federal.<\/p>\n

Mais do que isso, a estrat\u00e9gia utilizada promove uma desej\u00e1vel converg\u00eancia das a\u00e7\u00f5es macroecon\u00f4micas de curto prazo com a requerida pol\u00edtica social de apoio aos mais necessitados. Como destacado pelo ex-presidente do BACEN, Ilan Goldfajn, o \u201cfoco\u201d da pol\u00edtica econ\u00f4mica neste momento \u201cem termos de pol\u00edtica fiscal (deveria ser) em medidas que d\u00e3o suporte e mitigam os efeitos da crise, asseguram que os mais vulner\u00e1veis conseguir\u00e3o atravessar este per\u00edodo. N\u00e3o \u00e9 o momento de grandes planos, de obras p\u00fablicas\u201d.<\/p>\n

Cabe entender como a crise do Covid gerou choques g\u00eameos repentinos de oferta e demanda para compreender tais escolhas. \u00c9 o que faremos a seguir.<\/p>\n

\u2981 Os Choques G\u00eameos de Oferta e Demanda<\/strong><\/p>\n

No in\u00edcio de mar\u00e7o o economista Kenneth Rogoff (2020) alertou para uma peculiaridade da crise gerada pelo Coronav\u00edrus em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s \u00faltimas duas recess\u00f5es mundiais do s\u00e9culo XXI: o Covid-19 implica um choque tanto de oferta quanto de demanda, ou seja, seriam \u201cchoques g\u00eameos\u201d gerados pela crise. Pior, os choques ocorreram repentinamente pela necessidade de institui\u00e7\u00e3o imediata da quarentena. O problema destacado por Cochrane (2020) \u00e9 que:<\/p>\n

\u201cShutting down the economy is not like shutting down a light bulb. It\u2019s more like shutting down a nuclear reactor. You need to do it slowly and carefully or it melts down\u201d.<\/em><\/p>\n

Inicialmente considerado como um r\u00e1pido choque de oferta para a China e economias crescentemente dependentes de insumos daquele pa\u00eds como o Brasil, entendia-se que haveria um comportamento na forma de \u201cV\u201d: uma queda inicial seguida por uma r\u00e1pida recupera\u00e7\u00e3o das economias envolvidas. Este otimismo inicial j\u00e1 foi revertido com a constata\u00e7\u00e3o de que o isolamento social naturalmente levou a um forte e repentino \u201cchoque de demanda\u201d de curto prazo. E como as pessoas n\u00e3o v\u00e3o trabalhar e produzir por estarem doentes ou em quarentena, gera-se tamb\u00e9m um choque de oferta.<\/p>\n

Apesar da generaliza\u00e7\u00e3o do impacto dos \u201cchoques g\u00eameos\u201d de demanda e oferta sobre os diversos setores, alguns foram mais rapidamente afetados pela pandemia como viagens a\u00e9reas, bares e restaurantes, turismo, academias de gin\u00e1stica e grande parte do com\u00e9rcio.<\/p>\n

Mas o setor industrial tamb\u00e9m est\u00e1 passando por problemas substanciais. Baldwin e Di Mauro (2020) resumem os tr\u00eas impactos principais sobre a manufatura (dois na oferta e um na demanda):<\/p>\n

\u201cThe manufacturing sector is likely to get a triple hit. 1. Direct supply disruptions will hinder production, since the disease is focused on the world\u2019s manufacturing heartland (East Asia) and spreading fast in the other industrial giants \u2013 the US and Germany. 2. Supply-chain contagion will amplify the direct supply shocks as manufacturing sectors in less-affected nations find it harder and\/or more expensive to acquire the necessary imported industrial inputs from the hard-hit nations, and subsequently from each other. 3. There will be demand disruptions due to (1) macroeconomic drops in aggregate demand (i.e. recessions); and (2) wait-and-see purchase delays by consumers and investment delays by firms….. when faced with massive Knightian uncertainty (the unknown-unknowns) of the type that COVID-19 is now presenting to the world.\u201d<\/em><\/p>\n

No Brasil, do lado da ind\u00fastria, sondagem da CNI com industriais no in\u00edcio de abril de 2020 aponta que 91% dos empres\u00e1rios reportaram impactos negativos do Covid-19, sendo que para 70% houve queda na demanda.
\nMas a face mais delicada do choque de demanda \u00e9 o impacto sobre os mais pobres do mercado informal como ambulantes que dependem de pessoas na rua para manter o seu neg\u00f3cio. O problema macroecon\u00f4mico se encontra com a quest\u00e3o social como veremos a seguir, segmentando em medidas para o choque de demanda e para o de oferta.<\/p>\n

Mitiga\u00e7\u00e3o do Choque de Demanda<\/em><\/p>\n

Na dimens\u00e3o \u201cmitiga\u00e7\u00e3o do choque de demanda\u201d, implementaram-se dois tipos de a\u00e7\u00f5es. Primeiro, medidas de transfer\u00eancia de renda aos grupos mais vulner\u00e1veis, o que inclui os trabalhadores informais e aut\u00f4nomos, que repentinamente perderam suas rendas, permitindo a eles atravessar a tormenta econ\u00f4mica com um m\u00ednimo de seguran\u00e7a. A Lei do chamado \u201ccoronavoucher\u201d com a distribui\u00e7\u00e3o de R$ 600,00 por indiv\u00edduo em condi\u00e7\u00e3o de vulnerabilidade ao longo de 3 meses foi uma importante medida nesta dire\u00e7\u00e3o, junto \u00e0 amplia\u00e7\u00e3o da possibilidade de saques do FGTS, n\u00e3o havendo melhores exemplos da converg\u00eancia da macroeconomia e a \u00e1rea social.
\nSegundo, medidas de incentivo \u00e0 manuten\u00e7\u00e3o do n\u00edvel de emprego pelos empregadores, flexibilizando o contrato de trabalho de forma a evitar o desemprego e o desaparecimento da renda do trabalhador em um per\u00edodo de crise. Governo, trabalhadores e empresas dar\u00e3o sua cota de contribui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Do ponto de vista macroecon\u00f4mico, estes dois tipos de pol\u00edticas de sustenta\u00e7\u00e3o de renda, que tamb\u00e9m se constituem em importantes pol\u00edticas de alcance social, contribuem para mitigar o choque de demanda.
\nComo mostrado no Balan\u00e7o da Secretaria Especial de Fazenda do Minist\u00e9rio da Economia de 01 de maio de 2020, o governo federal brasileiro implementou medidas relacionadas ao Covid-19 que resultar\u00e3o em impacto no d\u00e9ficit prim\u00e1rio do governo central de R$ 394,4 bilh\u00f5es, o que representa 4,81% do PIB, bem maior que a m\u00e9dia dos emergentes de 2,3% do PIB ou mesmo dos pa\u00edses mais avan\u00e7ados de 4,3% do PIB. Esta resposta constitui um mix de incremento de gastos com redu\u00e7\u00e3o\/diferimento de tributos. Ou seja, a resposta fiscal do governo brasileiro ao Covid-19, atuando para mitigar os efeitos do choque de demanda, tem sido bastante expressiva. O problema aqui \u00e9 qual o espa\u00e7o fiscal que o pa\u00eds tem para dar continuidade a esta estrat\u00e9gia por mais tempo com a rela\u00e7\u00e3o d\u00edvida bruta\/PIB passando dos 90% e podendo chegar aos 100% a depender das press\u00f5es pol\u00edticas para tornar permanentes os gastos tempor\u00e1rios derivados da crise?<\/p>\n

De um lado, Nelson Barbosa defendeu que os limites para esta ou qualquer estrat\u00e9gia fiscal expansionista seriam bem amplos, pois\u00a0\u201co restante da d\u00edvida p\u00fablica pode ser pago ou rolado de modo infinito\u201d. Segundo o ex-Ministro da Fazenda, o problema de financiamento da d\u00edvida p\u00fablica \u00e9 pequeno pois como o Banco Central poder\u00e1 adquirir t\u00edtulos do Tesouro, o aumento da demanda de moeda gerado pela recupera\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica, em situa\u00e7\u00e3o de desemprego e capacidade ociosa, permitiria que o aumento da quantidade de moeda n\u00e3o iria gerar infla\u00e7\u00e3o. Isso equivaleria a uma sustentabilidade de rela\u00e7\u00f5es d\u00edvida\/PIB bem elevadas.<\/p>\n

De outro lado, Persio Arida \u00e9 c\u00e9tico em rela\u00e7\u00e3o aos limites da expans\u00e3o fiscal, os quais seriam dados pela expectativa sobre a sustentabilidade do crescimento da rela\u00e7\u00e3o:<\/p>\n

\u201cO drama n\u00e3o \u00e9 o patamar da d\u00edvida, mas sim a percep\u00e7\u00e3o de que possa estar numa trajet\u00f3ria explosiva. \u00c9 a perspectiva de um crescimento descontrolado da d\u00edvida\/PIB que erode a confian\u00e7a no nosso futuro, afugenta o investimento privado, aumenta a percep\u00e7\u00e3o de risco do pa\u00eds e leva \u00e0 deprecia\u00e7\u00e3o exagerada da moeda nacional.\u201d<\/em><\/p>\n

Levando em considera\u00e7\u00e3o a experi\u00eancia brasileira recente de recess\u00e3o grave com o desequil\u00edbrio das contas fiscais gerados pela \u201cnova matriz econ\u00f4mica\u201d, entendemos esta avalia\u00e7\u00e3o de Arida mais equilibrada. Se utilizarmos a compara\u00e7\u00e3o do Brasil com outros pa\u00edses emergentes, apresentada no Boletim Macrofiscal de 13\/05\/2020, vemos que o Brasil estar\u00e1 com a maior rela\u00e7\u00e3o d\u00edvida bruta\/PIB (maior que 90%) e um esfor\u00e7o fiscal que est\u00e1, junto a Peru e Tail\u00e2ndia e Chile, entre os maiores.<\/p>\n

Ou seja, o espa\u00e7o fiscal brasileiro \u00e9 muito limitado e a resposta, at\u00e9 o momento, de concentrar os esfor\u00e7os de curto prazo na prote\u00e7\u00e3o dos vulner\u00e1veis e mitiga\u00e7\u00e3o macroecon\u00f4mica do choque de demanda \u00e9 correta. Estender no tempo esta expans\u00e3o fiscal pode mergulhar o pa\u00eds em uma crise ainda pior, a n\u00e3o ser que se conte com cortes em outras despesas. De qualquer forma, medidas sociais adicionais de prote\u00e7\u00e3o requerer\u00e3o maior focaliza\u00e7\u00e3o do gasto e aten\u00e7\u00e3o ao custo do programa e\/ou redu\u00e7\u00e3o de outras despesas.<\/p>\n

Naturalmente que quanto mais confort\u00e1vel fosse a situa\u00e7\u00e3o fiscal do pa\u00eds antes da crise, maior poderia ser o tempo de extens\u00e3o da estrat\u00e9gia de expans\u00e3o fiscal para o objetivo duplo de acomoda\u00e7\u00e3o social e macroecon\u00f4mica do choque de demanda. Com a maior frouxid\u00e3o fiscal da \u201cnova matriz econ\u00f4mica\u201d at\u00e9 2016, a capacidade de fazer frente aos problemas criados pelo covid-19 \u00e9 naturalmente mais limitada. Igualmente, recorrer a aumento da carga tribut\u00e1ria para financiar mais gastos poderia ser muito ruim para a recupera\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica, especialmente para o investimento, a n\u00e3o ser que conte com uma reforma anterior que corrija as distor\u00e7\u00f5es existentes. Apesar de a carga tri0but\u00e1ria brasileira como propor\u00e7\u00e3o do PIB de 33,1% em 2018 estar pr\u00f3xima da m\u00e9dia da OCDE (34,3%), est\u00e1 muito acima da m\u00e9dia dos pa\u00edses da Am\u00e9rica Latina em 10 pontos percentuais (23,1%), estando acima da Argentina (28,8%), M\u00e9xico (16,1%) e Chile (21,1%), ficando apenas atr\u00e1s de Cuba (42,3%).<\/p>\n

Quadro III \u2013 Rela\u00e7\u00e3o D\u00edvida\/PIB e Gastos fiscais no Combate ao Covid-19: Brasil x Emergentes<\/strong><\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Mitiga\u00e7\u00e3o do Choque de Oferta<\/em><\/p>\n

Na dimens\u00e3o \u201cconten\u00e7\u00e3o do choque de oferta\u201d h\u00e1 dois tipos de a\u00e7\u00f5es requeridas. Primeiro, prosseguir na redu\u00e7\u00e3o de entraves regulat\u00f3rios e de barreiras \u00e0 entrada na economia brasileira. Passar pela tormenta n\u00e3o nos deve impedir de continuar olhando para a frente no esfor\u00e7o de reformas microecon\u00f4micas favor\u00e1veis \u00e0 competi\u00e7\u00e3o e \u00e0 produtividade. Na realidade, sinalizar a manuten\u00e7\u00e3o do compromisso do governo com o destravamento do ambiente de neg\u00f3cios no Brasil se tornou ainda mais essencial para evitar que os choques g\u00eameos de curto prazo contaminem o processo de recupera\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica p\u00f3s-COVID-19. O Brasil continua sendo o pen\u00faltimo pior pa\u00eds no \u00edndice do Product Market Regulation (PMR) da Organiza\u00e7\u00e3o para a Coopera\u00e7\u00e3o e o Desenvolvimento Econ\u00f4mico (OCDE-2018), que mede o grau de barreiras \u00e0 entrada e concorr\u00eancia, como pode ser visto no quadro IV abaixo.<\/p>\n

Isso restringe em demasia a atratividade do pa\u00eds para investimentos, sendo falso que a crise deveria representar uma revers\u00e3o da agenda de reformas microecon\u00f4mica. Rocha (2020), por exemplo, mostra o efeito da qualidade regulat\u00f3ria, que inclui a remo\u00e7\u00e3o de barreiras \u00e0 entrada, no investimento em infraestrutura ap\u00f3s a crise de 2008 no Brasil. A autora mostra que se ating\u00edssemos a (melhor) qualidade regulat\u00f3ria do Chile aumentar\u00edamos os investimentos em infraestrutura como propor\u00e7\u00e3o do PIB do atual patamar m\u00e9dio de 1,84% do PIB para 3,43% do PIB, abaixo do requerido (4,5% conforme o Banco Mundial), mas j\u00e1 acima do n\u00edvel de reposi\u00e7\u00e3o de 2,41%.
\nA continuidade das reformas gera ainda um efeito positivo sobre as expectativas na economia, o que ser\u00e1 importante na disposi\u00e7\u00e3o a investir, al\u00e9m de uma blindagem maior da economia brasileira a eventuais crises futuras.
\nDestacamos as reformas tribut\u00e1ria e administrativa, o aprofundamento da flexibiliza\u00e7\u00e3o trabalhista, as altera\u00e7\u00f5es dos marcos legais do saneamento, ferrovias, petr\u00f3leo e g\u00e1s, cabotagem e as iniciativas de privatiza\u00e7\u00e3o da Eletrobras, portos, refinarias de petr\u00f3leo, correios e o leil\u00e3o de 5G, dentre outras. A abertura ao com\u00e9rcio exterior \u00e9 chave nesta agenda.<\/p>\n

Ademais, note-se como mesmo algumas das principais respostas ao choque de demanda mostradas acima est\u00e3o em uma linha liberal. A flexibiliza\u00e7\u00e3o da legisla\u00e7\u00e3o trabalhista \u00e9 considerada um dos principais gargalos para aumentar o n\u00edvel de emprego em tempos normais. No covid-19, flexibilizaram-se as regras trabalhistas para manter o n\u00edvel de emprego, admitindo-se redu\u00e7\u00e3o de jornada e de sal\u00e1rios. A concess\u00e3o do coronavoucher, \u00e0 exemplo do bolsa fam\u00edlia, se espelha na ideia do imposto de renda negativo de Milton Friedman. Na sa\u00fade houve a aprova\u00e7\u00e3o de uma lei de liberaliza\u00e7\u00e3o\/flexibiliza\u00e7\u00e3o do uso da telemedicina (Lei 13.989\/2020), apesar de s\u00f3 vigorar durante a pandemia. Ou seja, mesmo para o per\u00edodo da pandemia, reconhecem-se as virtudes de medidas liberais para mitigar os efeitos econ\u00f4micos e sociais da crise.<\/p>\n

Quadro IV \u2013 Indicador de Regula\u00e7\u00e3o no Mercado de Produto da OCDE em 2018<\/strong><\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Segundo, o choque de oferta pode se tornar mais dram\u00e1tico no m\u00e9dio prazo em fun\u00e7\u00e3o do prolongamento do isolamento social e, por conseguinte, do pr\u00f3prio choque de demanda. Com o maior per\u00edodo de consumo baixo e de receitas de vendas reduzidas, v\u00e1rias empresas poder\u00e3o ir \u00e0 bancarrota se n\u00e3o contarem com outras fontes de capital para se financiarem.<\/p>\n

Ainda n\u00e3o \u00e9 clara a magnitude do comprometimento das empresas a partir do covid-19. Apesar de o SERASA\/Experian registrar aumentos dos pedidos de recupera\u00e7\u00e3o judicial (46,3%) fal\u00eancias (25%) em abril de 2020 relativamente a mar\u00e7o, estes n\u00fameros s\u00e3o inferiores a abril de 2019, especialmente fal\u00eancias (131 em abril 2019 para 75 em abril 2020). Na sondagem da CNI no in\u00edcio de abril, 6 em cada 10 empresas reportaram dificuldades para honrar pagamentos de rotina, ampliando a demanda por capital de giro de terceiros. 55% reportaram maior dificuldade em acessar o capital de giro no mercado ap\u00f3s o covid-19.<\/p>\n

Se uma fal\u00eancia generalizada ocorrer, v\u00e1rios ativos poder\u00e3o sair de forma definitiva do mercado. H\u00e1 a possibilidade de parte deles nem voltarem a produzir os mesmos bens ou servi\u00e7os quando o coronav\u00edrus estiver sob controle e nem serem realocados em outros segmentos. Isso resulta na possibilidade de um choque de oferta mais amplo e duradouro. Segundo Cochrane (2020):<\/p>\n

\u201cFirms have to pay debts and wages. People have to make mortgage payments or pay the rent. \u201cLeft alone,\u201d he writes, \u201cthere could be a huge wave of bankruptcies, insolvencies, or just plain inability to pay the bills. A modestly long economic shutdown, left alone, could be a financial catastrophe.\u201d<\/em><\/p>\n

Popov e Sundaram (2020) destacam a necessidade de o Estado intervir no caso de mudan\u00e7as muito repentinas, como na crise do Covid-19 para evitar que o ajuste seja muito \u201cdoloroso, demorado e custoso\u201d:
\n\u201csudden, large scale structural shifts may be more disruptive as time and effort are needed to reallocate resources. Thus, output drops in declining industries are not immediately compensated by production increases in the emerging new industries. In a market economy, adjustments typically increase unemployment: industries that become less profitable, due to higher costs, may lay off workers; growing unemployment lowers wages, and it may take a while before the lower labour costs make it worthwhile to raise production in other industries. Without government assistance to retrain laid off workers and encourage new investments, adjustment will be more painful, lengthy and costly\u201d.<\/em><\/p>\n

Assim, cabe evitar prolongamento desnecess\u00e1rio das recess\u00f5es abruptas e profundas como o caso desta gerada pelo covid-19, que acabem por gerar irreversibilidades importantes na estrutura produtiva do pa\u00eds.<\/p>\n

Dessa forma, \u00e9 fundamental melhorar as condi\u00e7\u00f5es de liquidez das empresas para evitar que os choques g\u00eameos tenham efeitos mais persistentes que o necess\u00e1rio. Nesse contexto, o governo federal tem adotado medidas importantes como o relaxamento de condi\u00e7\u00f5es para empr\u00e9stimos de institui\u00e7\u00f5es financeiras oficiais, com foco em pequenas e m\u00e9dias empresas com destaque para o Programa Nacional de Apoio \u00e0s Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), e medidas de pol\u00edtica monet\u00e1ria como a redu\u00e7\u00e3o da taxa Selic pelo Banco Central de 4,5% a.a em dezembro de 2019 para 3% a.a no in\u00edcio de maio de 2020, a terceira queda do ano, e a redu\u00e7\u00e3o da al\u00edquota do compuls\u00f3rio sobre os recursos \u00e0 prazo de 25% para 17%. Na arena fiscal, os v\u00e1rios diferimentos\/redu\u00e7\u00e3o de tributos ajudam na liquidez das empresas e atenuam o choque de oferta.<\/p>\n

\u00c9 fundamental, no entanto, garantir que os escassos recursos p\u00fablicos sejam utilizados com parcim\u00f4nia e cuidado, refletindo sobre os custos de oportunidade de realizar a opera\u00e7\u00e3o de suporte com outros usos concorrentes, que na crise s\u00e3o in\u00fameros. Seguindo Goldberg (2020) podemos derivar alguns princ\u00edpios a serem seguidos nestas opera\u00e7\u00f5es:<\/p>\n

1) aceitar que estamos mais pobres, ou seja, n\u00e3o faz sentido evitar todas as perdas do setor privado;
\n2) proteger empresas deveria ser visto como uma forma indireta de proteger pessoas, em particular trabalhadores; assim cabe avaliar se \u00e9 mais vantajoso proteger pessoas diretamente ou via empresas;
\n3) avaliar se i) \u00e9 melhor resgatar a empresa, preservando ativos que, operando em conjunto, valham mais do que quando separados ou ii) n\u00e3o fazer nada, deixando \u00e0 iniciativa da pr\u00f3pria empresa elaborar seu plano de recupera\u00e7\u00e3o com venda de ativos ou recupera\u00e7\u00e3o judicial ou fal\u00eancia, deixando que o mercado aloque os ativos \u201cliberados\u201d a novas companhias. Afinal de contas, como destacado por Cochrane (2020):<\/p>\n

\u201cBankruptcy of a large corporation does not leave a crater behind. Bankruptcy is reorganization and protection, not liquidation. The point of bankruptcy is precisely to keep the business going. When a corporation files for bankruptcy, the stockholders are wiped out, bondholders lose a lot and become the new stockholders. The company rewrites a lot of contracts — union contracts requiring a plane to fly even with empty seats, contracts to buy fuel at high prices, gate leases, and so forth.\u201d<\/em><\/p>\n

4) focar em problemas de liquidez gerados pelo covid-19 e n\u00e3o de solv\u00eancia que j\u00e1 venham de antes, o que tem a ver com a necessidade de reduzir problemas de moral hazard; na crise de 2008 se falou muito que os bancos tiveram comportamento excessivamente arriscado, sendo que o seu resgate, ao validar a indisciplina, geraria incentivos para indisciplinas futuras, o que seria o embri\u00e3o da pr\u00f3xima crise. Na atual crise do covid-19, ao contr\u00e1rio, a nenhuma empresa ou setor pode ser imputada a responsabilidade pela covid-19. No entanto, isso n\u00e3o implica que as empresas em geral n\u00e3o devem \u201cinvestir\u201d em seus pr\u00f3prios hedges contra crises imprevis\u00edveis como esta.<\/p>\n

\u2981 Persist\u00eancia dos Choques G\u00eameos<\/strong><\/p>\n

H\u00e1 um extenso debate na literatura econ\u00f4mica sobre a persist\u00eancia\/in\u00e9rcia de choques sobre o produto da economia. Remete-se \u00e0 ideia keynesiana de falhas de coordena\u00e7\u00e3o e rigidez no ajustamento de pre\u00e7os e sal\u00e1rios, com significativo grau de depend\u00eancia da trajet\u00f3ria (path-dependence). Kydland e Prescott (1982), por exemplo, mostram que como investir \u00e9 uma atividade demorada, isso levaria a uma maior persist\u00eancia dos efeitos de crises no PIB. Blanchard e Summers (1987) mostram que o principal fator explicativo do desemprego seria a trajet\u00f3ria recente do pr\u00f3prio desemprego baseado na diferen\u00e7a de poder de barganha entre trabalhadores empregados e desempregados (insiders\/outsiders).
\nOs choques podem ter efeitos persistentes sobre o PIB e sua taxa de crescimento<\/span> e da produtividade<\/span> como destaca Stiglitz (1994):<\/p>\n

\u201cDuring recessionary phases, typically firms also reduce their expenditures in R&D and productivity-enhancing expenditures. The reduction in output reduces opportunities to \u201clearn by doing.\u201d Thus, the attempt to pare all unnecessary expenditures may have a concomitant effect on long-run productivity growth. In this view, the loss from a recession may be more than just the large, but temporary, costs of idle and wasted resources: the growth path of the economy may be permanently lowered\u201d.\u00a0<\/em><\/p>\n

Dosi, Pereira, Roventini e Virgilito (2018) trabalham com tr\u00eas hip\u00f3teses nessa linha de efeitos inerciais potenciais do choque de demanda que seriam:
\n\u2981 o efeito sobre a interrup\u00e7\u00e3o dos gastos em P&D;<\/span>
\n\u2981 a redu\u00e7\u00e3o do volume de entrantes gerando redu\u00e7\u00e3o do dinamismo nos neg\u00f3cios que chamar\u00edamos de \u201cefeito destrui\u00e7\u00e3o da concorr\u00eancia\u201d; e
\n\u2981 a deteriora\u00e7\u00e3o das habilidades dos desempregados.
\nAlgumas evid\u00eancias emp\u00edricas recentes s\u00e3o importantes acerca dos efeitos de longo prazo das recess\u00f5es sobre o crescimento econ\u00f4mico. Blanchard, Cerutti e Summers (2015) estudaram 22 recess\u00f5es nos \u00faltimos 50 anos em 23 pa\u00edses e mostraram que em uma grande propor\u00e7\u00e3o delas houve impacto n\u00e3o apenas no PIB mas tamb\u00e9m em sua taxa de crescimento por um bom tempo. Ball (2014) se concentrou no per\u00edodo da crise de 2007\/8 e analisou 23 pa\u00edses at\u00e9 2014, concluindo pela \u201csuper-in\u00e9rcia\u201d da queda no produto:<\/p>\n

\u201cin most countries the loss of potential output is almost as large as the shortfall of actual output from its pre-crisis trend. This finding implies that hysteresis effects have been very strong during the Great Recession. Second, in the countries hit hardest by the recession, the growth rate of potential output is significantly lower today than it was before 2008. This growth slowdown means that the level of potential output is likely to fall even farther below its pre-crisis trend in the years to come\u201d.<\/em><\/p>\n

Esta evid\u00eancia de Ball (2014) \u00e9 especialmente relevante aqui: quanto mais forte o impacto da recess\u00e3o inicial, mais persistentes tendem a ser os seus efeitos, o que remete \u00e0 ideia de \u201ctipping points\u201d. Estes \u00faltimos seriam pontos de queda t\u00e3o expressiva na demanda que induziriam o pa\u00eds a cair numa espiral recessiva mais dram\u00e1tica por um prazo excessivamente longo. Seria fundamental, portanto, n\u00e3o chegar a este \u201ctipping point\u201d no curto prazo sob o risco de se entrar numa recess\u00e3o desnecessariamente grande e longa. Ou seja, choques muito abruptos predisp\u00f5em mais a economia a tipping points.<\/p>\n

N\u00e3o foge \u00e0 percep\u00e7\u00e3o o longo per\u00edodo de tempo que o Brasil tem passado para corrigir plenamente os efeitos da recess\u00e3o que durou de 2014 a 2017. Ou seja, o tamanho e a longevidade da recess\u00e3o iniciada pelo governo do Brasil de 2014 a 2017 demonstram a possibilidade de tipping points no Brasil que devem ser evitados.<\/p>\n

III) Restri\u00e7\u00f5es \u00e0 Liquidez e Impactos \u00e0 Concorr\u00eancia na Crise<\/strong><\/p>\n

Como vimos, um dos itens respons\u00e1veis pela persist\u00eancia de uma recess\u00e3o sobre o crescimento econ\u00f4mico na an\u00e1lise de Dosi, Pereira, Roventini e Virgilito (2018) \u00e9 a \u201credu\u00e7\u00e3o do volume de entrantes\u201d, que representa o impacto da concorr\u00eancia sobre o crescimento econ\u00f4mico.<\/p>\n

O efeito de redu\u00e7\u00e3o de volume dos entrantes apontado pelos autores, no entanto, pode ter o sinal inverso pois recess\u00f5es teriam tamb\u00e9m o efeito de \u201cdepura\u00e7\u00e3o\u201d dos agentes econ\u00f4micos menos eficientes numa linha Schumpeteriana. Aghion e Howitt (1998, p. 239) exploram essa linha de quando os maus momentos da economia tamb\u00e9m podem ser virtuosos:<\/p>\n

\u201cThis view was summarized by Schumpeter himself: \u201cRecessions are but temporary. They are the means to reconstruct each time the economic system on a more efficient plan\u201d. One can indeed think of several reasons why small recessions could have positive effects on productivity. There is first the \u201ccleaning-up\u201d or \u201clame-duck\u201d effect emphasized by Schumpeter …whereby less productive firms are eliminated during recessions and average productivity increases accordingly\u201d.<\/em><\/p>\n

Um ponto importante aqui \u00e9 que se o governo implementar medidas que ampliem o acesso ao cr\u00e9dito, \u00e9 fundamental ter cuidado para apenas apoiar empresas realmente eficientes. Aquelas que j\u00e1 passavam por problemas anteriormente \u00e0 crise do Covid-19 n\u00e3o devem ser beneficiadas ao custo de comprometer justamente aqueles efeitos potencialmente positivos das recess\u00f5es sobre a produtividade. Ou seja, a crise do Covid-19 n\u00e3o deveria ser utilizada para opera\u00e7\u00f5es de resgate de empresas pouco eficientes sob o custo de gerar uma retomada menos vigorosa.
\nUm outro ponto relevante \u00e9 que o efeito negativo da crise do Covid-19 sobre a concorr\u00eancia ressaltado por Dosi, Pereira, Roventini e Virgilito (2018) est\u00e1 associado diretamente ao problema da baixa disponibilidade de cr\u00e9dito na presen\u00e7a de choques severos de demanda:<\/p>\n

\u201cConstrained access to credit may represent an important barrier to entry, together with the usual setup costs, particularly during crises and the associated tight finance availability\u201d.<\/em><\/p>\n

\u00c9 mais que reconhecido na literatura econ\u00f4mica a falha de mercado relacionada \u00e0 segmenta\u00e7\u00e3o dos mercados de cr\u00e9dito elaborada por Stiglitz e Weiss (1981). A segmenta\u00e7\u00e3o de cr\u00e9dito relevante \u00e9, em geral, entre pequenas e m\u00e9dias empresas de um lado e as maiores do outro.
\nNesse contexto, havendo uma escassez tempor\u00e1ria de liquidez dos agentes econ\u00f4micos, \u00e9 bastante razo\u00e1vel presumir que a maior parte das fal\u00eancias recair\u00e1 de forma desproporcionalmente elevada sobre as empresas menores. Como destacado por Baldwin e Di Mauro (2020):<\/p>\n

\u201cGiven the nature of this shock, small and medium-sized businesses may be among the most exposed to liquidity issues, thus special facilities to keep lending to small businesses may be appropriate.\u201d<\/em><\/p>\n

E isso pode ocorrer menos por problema de solv\u00eancia de longo prazo do que por falta de capital de giro que d\u00ea liquidez no curto prazo. Essas fal\u00eancias mais prevalecentes nas empresas menores poder\u00e3o levar a uma maior concentra\u00e7\u00e3o dos v\u00e1rios mercados da economia no curto prazo.<\/p>\n

Em um prazo suficientemente longo, nos segmentos com poucas barreiras \u00e0 entrada, \u00e9 razo\u00e1vel supor que os mercados voltem a ser \u201crepovoados\u201d ap\u00f3s bancarrotas geradas por falta de liquidez no curto prazo. No entanto, nos setores com maiores barreiras \u00e0 entrada, esse \u201crepovoamento\u201d pode n\u00e3o ocorrer ou apenas ocorrer em um prazo muito longo quando (e se) ocorrer um ciclo de neg\u00f3cios favor\u00e1vel. Associando isso ao fato que pode ser mais f\u00e1cil para as empresas maiores evitar a entrada de novos entrantes ou o retorno das antigas empresas que faliram na crise do que induzir a sa\u00edda antes da crise, \u00e9 plaus\u00edvel que os mercados p\u00f3s-covid ser\u00e3o mais concentrados.<\/p>\n

At\u00e9 que novos entrantes consigam vencer estas barreiras no p\u00f3s-crise, haver\u00e1 evidentes preju\u00edzos \u00e0 concorr\u00eancia. Isso implicar\u00e1 pre\u00e7os maiores no longo prazo, com danos permanentes ao consumidor, o que cabe ser evitado.
\nAssim, \u00e9 fundamental que a corre\u00e7\u00e3o da falha de mercado associada \u00e0 segmenta\u00e7\u00e3o do mercado de cr\u00e9dito corrija outra falha de mercado: mercados de produtos e servi\u00e7os menos competitivos na economia brasileira.<\/p>\n

IV) Conclus\u00e3o<\/strong><\/p>\n

Os choques g\u00eameos de oferta e demanda de curto prazo gerados pelo Covid-19, ao se estenderem em raz\u00e3o da continuidade das medidas de isolamento social, podem se inercializar, refor\u00e7ando-se mutuamente com efeitos secund\u00e1rios um no outro.<\/p>\n

Isso n\u00e3o apenas tornaria os choques g\u00eameos mais persistentes no longo prazo, como poderia gerar o que seria um terceiro tipo de choque, este de natureza mais estrutural, de queda na concorr\u00eancia em v\u00e1rios setores da economia simultaneamente. Isto porque as empresas menores e menos l\u00edquidas poderiam ser proporcionalmente mais afetadas pela crise de liquidez.<\/p>\n

Afinal, a perda das receitas dos neg\u00f3cios gerada pela queda abrupta da demanda decorrente das medidas de isolamento social e a concomitante retra\u00e7\u00e3o do cr\u00e9dito no mercado financeiro privado causada pela maior avers\u00e3o ao risco podem fazer com que v\u00e1rias empresas eficientes e perfeitamente vi\u00e1veis no longo prazo sejam obrigadas a sair do mercado de forma definitiva. Em particular, as empresas menores, menos l\u00edquidas, apresentam tend\u00eancia maior a ter este destino, inercializando o choque concorrencial do Covid-19.<\/p>\n

Assim, o momento excepcional de choques g\u00eameos repentinos e a necessidade de proteger as pessoas f\u00edsicas e jur\u00eddicas mais vulner\u00e1veis gera uma converg\u00eancia da otimiza\u00e7\u00e3o das pol\u00edticas social e macroecon\u00f4mica. \u00c9 fundamental ainda evitar as irreversibilidades de longo prazo associadas ao risco de um volume de fal\u00eancias sem precedentes na economia brasileira por meio das medidas de incremento do cr\u00e9dito que est\u00e3o sendo implementadas, especialmente para as pequenas e m\u00e9dias empresas.<\/p>\n

O impacto fiscal negativo no curto prazo \u00e9 inevit\u00e1vel. Mas isso n\u00e3o implica que a disciplina fiscal deva ser abandonada no longo prazo, sendo fundamental cuidar para sinalizar a estabiliza\u00e7\u00e3o da rela\u00e7\u00e3o d\u00edvida\/PIB na linha de Arida.<\/p>\n

\u00c9 errado, portanto, apontar que a crise do covid-19 deveria reafirmar a necessidade de pol\u00edticas fiscais ativas ainda mais audaciosas na linha de Nelson Barbosa. Na verdade, sinaliza o oposto: \u00e9 fundamental que o setor p\u00fablico esteja com suas contas em dia n\u00e3o apenas para evitar desequil\u00edbrios macroecon\u00f4micos, mas tamb\u00e9m para ter mais graus de liberdade para atuar quando esse tipo de crise aparecer. Afinal, quando aparece uma despesa imprevista e inevit\u00e1vel para qualquer indiv\u00edduo, a vida ser\u00e1 bem mais f\u00e1cil se tiver dinheiro na conta do que d\u00edvida no banco. As dificuldades que o pa\u00eds tem passado nas finan\u00e7as p\u00fablicas, derivadas de anos de irresponsabilidade fiscal, tornam as dificuldades para enfrentar a crise muito maiores do que precisavam ser. Contrariamente ao afirmado por Nelson Barbosa de que a equipe econ\u00f4mica estaria sofrendo nessa crise de \u201cKeynesianismo p\u00f3s-traum\u00e1tico\u201d, seria a pr\u00f3pria economia que ainda se ressentiria do \u201ctrauma do Keynesianismo\u201d irrespons\u00e1vel.<\/p>\n

Mas, al\u00e9m da quest\u00e3o financeira, a manuten\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas fiscais ativas por mais tempo tamb\u00e9m \u00e9 ruim pela perspectiva de gerar um indesej\u00e1vel aumento no tamanho do Estado que pode acabar por se perenizar. Afinal, um dos principais problemas para o ajuste fiscal do pa\u00eds \u00e9 a tend\u00eancia das novas despesas se tornarem permanentes. E isso torna o Leviathan maior do que nunca. Como destacado pela revista The Economist em 26 de mar\u00e7o de 2020:<\/p>\n

\u201cFor believers in limited government and open markets, covid-19 poses a problem. The state must act decisively. But history suggests that after crises the state does not give up all the ground it has taken. Today that has implications not just for the economy, but also for the surveillance of individuals……\u201d<\/em><\/p>\n

Por fim, a necessidade de manter a agenda de reformas estruturais no longo prazo continua intacta. Uma crise como a do Covid-19 demonstra como as reformas para promover a concorr\u00eancia e a produtividade s\u00e3o importantes. N\u00e3o \u00e0 toa, em uma dram\u00e1tica conjuntura de busca da recupera\u00e7\u00e3o da Alemanha do p\u00f3s-guerra, o ent\u00e3o ministro das finan\u00e7as alem\u00e3o, Ludwig Erhard (1958), destacou a import\u00e2ncia da competi\u00e7\u00e3o como o instrumento mais importante na estrat\u00e9gia da pol\u00edtica econ\u00f4mica daquele pa\u00eds:<\/p>\n

\u201cA competi\u00e7\u00e3o \u00e9 o meio mais promissor para alcan\u00e7ar e assegurar prosperidade. A competi\u00e7\u00e3o torna as pessoas capazes, enquanto consumidores, de obter progresso econ\u00f4mico. Assegura que todas as vantagens que resultam da alta produtividade ser\u00e3o eventualmente aproveitadas por elas. Ao longo do caminho da competi\u00e7\u00e3o, a socializa\u00e7\u00e3o -no melhor sentido da palavra- do progresso e do lucro \u00e9 melhor realizada. Ademais, o incentivo pessoal para a maior produtividade permanecer\u00e1 vivo\u201d.<\/em><\/p>\n

Erhard tamb\u00e9m aponta a plena converg\u00eancia entre a concorr\u00eancia e a agenda social de qualquer governo:
\n\u201cUma pol\u00edtica econ\u00f4mica apenas pode se chamar de \u201csocial\u201d se ela permitir que o consumidor se beneficie do progresso econ\u00f4mico, dos resultados do aumento do esfor\u00e7o e da produtividade. E a melhor forma de alcan\u00e7ar este objetivo em uma ordem social livre \u00e9 por meio da concorr\u00eancia: este \u00e9 o pilar central do sistema.\u201d<\/em><\/p>\n

E mais concorr\u00eancia \u00e9 chave como mecanismo de incentivo \u00e0 produtividade que \u00e9 o que, em tempos normais, assegura um padr\u00e3o de vida mais elevado \u00e0 popula\u00e7\u00e3o. J\u00e1 na crise, a produtividade \u00e9 o que garante a resili\u00eancia da economia com a recupera\u00e7\u00e3o mais r\u00e1pida e a minimiza\u00e7\u00e3o dos sacrif\u00edcios requeridos, especialmente dos mais vulner\u00e1veis. Reduzir o custo do empreendedorismo, abrindo mercados e estimulando a concorr\u00eancia se torna mais importante do que nunca. E espera-se que esta terr\u00edvel crise deixe isso mais n\u00edtido do que nunca para toda a sociedade brasileira.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

A resposta adequada da pol\u00edtica econ\u00f4mica \u00e0 crise do Covid-19 tem sido o tema mais relevante do debate atual sobre economia no mundo e no Brasil.<\/p>\n","protected":false},"author":27,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[781,8],"tags":[],"class_list":["post-3260","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-coronavirus-economia","category-crescimento-e-eficiencia-da-economia"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3260","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/27"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3260"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3260\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3260"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3260"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3260"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}