{"id":3237,"date":"2020-03-24T11:47:24","date_gmt":"2020-03-24T14:47:24","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3237"},"modified":"2020-03-31T11:32:24","modified_gmt":"2020-03-31T14:32:24","slug":"setor-eletrico-caso-britanico-mostra-baixa-adesao-de-cliente-residencial-ao-mercado-livre","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3237","title":{"rendered":"Setor el\u00e9trico: caso brit\u00e2nico mostra baixa ades\u00e3o de cliente residencial ao mercado livre"},"content":{"rendered":"

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Por Victor Ribeiro*<\/p>\n

(*) Victor Ribeiro \u00e9 fundador da consultoria Spoudaios, especializada no setor el\u00e9trico, e mestrando em Engenharia El\u00e9trica pela Pontif\u00edcia Universidade Cat\u00f3lica de Minas Gerais (PUC-MG). Acumula passagens na \u00e1rea regulat\u00f3ria em energia de empresas como Vale, Queiroz Galv\u00e3o e Brookfield Energia Renov\u00e1vel. Contato: victor.ribeiro@spoudaios-br.com.<\/u><\/p>\n

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O Projeto de Lei n\u00ba 232\/16 (PLS 232), que trata da moderniza\u00e7\u00e3o do marco regulat\u00f3rio do setor el\u00e9trico, passou pela Comiss\u00e3o de Infraestrutura do Senado e segue agora para a C\u00e2mara dos Deputados, onde deve ser apensado ao PL 1917 e analisado em Comiss\u00e3o Especial. A reda\u00e7\u00e3o proposta cont\u00e9m avan\u00e7os importantes que colocam o setor el\u00e9trico brasileiro em conson\u00e2ncia com o s\u00e9culo 21.<\/p>\n

Para esclarecer algumas das principais mudan\u00e7as previstas no PLS, publicaremos neste espa\u00e7o uma s\u00e9rie de artigos comentando a reforma do setor vis \u00e0 vis a experi\u00eancia internacional. Neste artigo, discutiremos alguns aspectos da abertura do mercado de energia el\u00e9trica na Gr\u00e3-Bretanha.<\/p>\n

O texto aprovado no Senado prev\u00ea o estabelecimento de um cronograma para abertura total do mercado at\u00e9 2024, por meio da redu\u00e7\u00e3o gradual dos requisitos m\u00ednimos de carga para a migra\u00e7\u00e3o ao mercado livre dos consumidores atendidos em baixa tens\u00e3o (ex.: pequenos com\u00e9rcios e resid\u00eancias).<\/p>\n

O plano de abertura do mercado prev\u00ea: 1) a realiza\u00e7\u00e3o de campanhas de comunica\u00e7\u00e3o para conscientiza\u00e7\u00e3o dos consumidores visando a sua atua\u00e7\u00e3o em um mercado liberalizado; 2) o aprimoramento da infraestrutura de medi\u00e7\u00e3o, faturamento e moderniza\u00e7\u00e3o das redes el\u00e9tricas, com foco na redu\u00e7\u00e3o de barreiras t\u00e9cnicas e dos custos dos equipamentos, al\u00e9m da possibilidade de aplica\u00e7\u00e3o de tarifas vari\u00e1veis; e 3) a regulamenta\u00e7\u00e3o para o chamado \u201csuprimento de \u00faltima inst\u00e2ncia\u201d, inclusive no que se refere \u00e0s condi\u00e7\u00f5es econ\u00f4mico-financeiras para a viabilidade e sustentabilidade dessa atividade.<\/p>\n

A experi\u00eancia internacional sinaliza que esses t\u00f3picos – campanhas de comunica\u00e7\u00e3o, tarifas, servi\u00e7os de medi\u00e7\u00e3o e de informa\u00e7\u00e3o e o supridor de \u00faltima inst\u00e2ncia – s\u00e3o fundamentais para o \u00eaxito da abertura de mercado, o qual se mede por meio de tr\u00eas par\u00e2metros: (i) n\u00edvel de engajamento do consumidor ao livre mercado; (ii) alternativas de escolha do fornecedor de energia el\u00e9trica; e (iii) redu\u00e7\u00e3o de custos para o consumidor.<\/p>\n

Na Gr\u00e3-Bretanha, os consumidores t\u00eam a op\u00e7\u00e3o de escolher seu fornecedor de eletricidade desde 1999.<\/p>\n

Apesar da cultura brit\u00e2nica pr\u00f3-mercado e liberdade econ\u00f4mica, somente 20% dos consumidores haviam trocado de fornecedor para reduzir seus custos com energia el\u00e9trica pouco mais de 10 anos depois da abertura do mercado, em 2011, segundo pesquisa conduzida pelo OFGEM (regulador brit\u00e2nico). Esses 20% que migraram foram subdivididos em \u201cproativos\u201d (10%) e \u201creativos\u201d (10%). Consumidores proativos s\u00e3o aqueles que conscientemente analisaram e trocaram de fornecedor de eletricidade no ano anterior. Os reativos s\u00e3o aqueles que trocaram de fornecedor somente por meio da a\u00e7\u00e3o de agentes comerciais.<\/p>\n

Os demais 80% que permaneceram no mercado cativo foram classificados na pesquisa como \u201ctotalmente desengajados\u201d (30%), \u201cdesengajados\u201d (30) e \u201cpassivos\u201d (20%). Os consumidores totalmente desengajados s\u00e3o aqueles nunca mudaram de fornecedor e que provavelmente n\u00e3o mudariam no futuro. Consumidores desengajados s\u00e3o aqueles que nunca trocaram de fornecedor, mas n\u00e3o descartariam a troca no futuro. Consumidores passivos s\u00e3o aqueles j\u00e1 trocaram de fornecedor em algum momento no passado, mas n\u00e3o no ano anterior.<\/p>\n

O OFGEM realiza essa pesquisa anualmente, e os resultados publicados em 2017 mostram uma pequena evolu\u00e7\u00e3o. No ano em quest\u00e3o, os n\u00fameros obtidos foram os seguintes: 25% dos consumidores alteraram de fornecedor nos \u00faltimos doze meses, e 15% compararam tarifas, mas n\u00e3o trocaram. E 59% eram consumidores desengajados, ou seja, nunca migraram. Na pesquisa de 2019, foi identificada uma mudan\u00e7a mais acentuada no mercado: 33% dos consumidores alteraram de fornecedor nos \u00faltimos doze meses; 16% compararam tarifas, mas n\u00e3o trocaram. E 51% eram consumidores desengajados.<\/p>\n

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O aumento do engajamento dos consumidores, cuja migra\u00e7\u00e3o passou de 20%, em 2011, para 33%, em 2019, foi alcan\u00e7ado a partir de 2017, ap\u00f3s o in\u00edcio da execu\u00e7\u00e3o de campanhas de comunica\u00e7\u00e3o chamadas \u201cnudge\u201d(empurr\u00e3ozinho): breves mensagens por celular ou e-mail, perguntando se o consumidor havia feito compara\u00e7\u00f5es de fornecedores ou se informando sobre o quanto de economia poderia ter tido no ano anterior se tivesse migrado.<\/p>\n

A estrat\u00e9gia da campanha de nudge foi estruturada ap\u00f3s o OFGEM ter conduzido um estudo com os consumidores em 2012 sob a \u00f3tica do Behavioral Economics: Quais vieses cognitivos estariam limitando a participa\u00e7\u00e3o dos consumidores residenciais no mercado livre de energia?<\/p>\n

Na pesquisa, foram identificados e analisados quatro vieses cognitivos. A tabela a seguir explica como cada um deles afetava a decis\u00e3o dos consumidores residenciais brit\u00e2nicos:<\/p>\n

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A conclus\u00e3o do estudo foi que as empresas se comunicavam de forma muito complexa com os consumidores. Al\u00e9m disso, a maioria dos usu\u00e1rios n\u00e3o tinha tempo para avaliar as alternativas favor\u00e1veis, e os poucos que avaliavam escolhiam a primeira op\u00e7\u00e3o (n\u00e3o se dedicavam a explorar outras op\u00e7\u00f5es que poderiam lhe ser mais favor\u00e1veis).<\/p>\n

Apesar do diagn\u00f3stico e do esfor\u00e7o em melhorar a comunica\u00e7\u00e3o com os clientes, percebe-se que, mesmo ap\u00f3s duas d\u00e9cadas de libera\u00e7\u00e3o do mercado de energia el\u00e9trica, em torno de 51% dos consumidores brit\u00e2nicos continuavam desengajados, n\u00e3o fazendo compara\u00e7\u00f5es entre os pre\u00e7os dos fornecedores de energia el\u00e9trica e n\u00e3o trocado de supridor.<\/p>\n

Na realidade brit\u00e2nica, a percep\u00e7\u00e3o \u00e9 que o grupo de consumidores desengajados \u00e9 composto por dois perfis distintos de clientes, que ocupam extremos do espectro social: os de alta renda, cuja migra\u00e7\u00e3o n\u00e3o proporcionaria uma economia relevante na conta de luz e, por isso, n\u00e3o buscam a troca de fornecedor, e os classificados como vulner\u00e1veis. Este \u00e9 um tema importante para o caso brasileiro, tendo em vista que os clientes de baixa renda representam uma parcela importante da base de consumidores das concession\u00e1rias daqui.<\/p>\n

Os consumidores vulner\u00e1veis foram definidos no ato legal de abertura do mercado (Section 3A (3) of the Electricity Act 1989) como sendo aqueles com doen\u00e7as cr\u00f4nicas, pensionistas, baixa renda e moradores de \u00e1reas rurais, e s\u00e3o denominados pelo OFGEM como os que necessitam de servi\u00e7os priorit\u00e1rios – Priority Service Registers (PSR). A participa\u00e7\u00e3o de consumidores PSR na Gr\u00e3-Bretanha vem aumentando gradativamente ao longo dos anos. Em 2006, eram menos de 5% do n\u00famero total de consumidores. Atualmente, entre 20% e 25%, dependendo do pa\u00eds.<\/p>\n

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Os consumidores PSR representam um grande desafio regulat\u00f3rio tanto para as distribuidoras como para os comercializadores varejistas. Por um lado, as distribuidoras, que s\u00e3o as fornecedoras de \u00faltima inst\u00e2ncia, devem aplicar tarifas subsidiadas. Para efeito de compara\u00e7\u00e3o, essa pol\u00edtica social custou cerca de 2,5 bilh\u00f5es de libras em 2018 pagos pelos contribuintes brit\u00e2nicos. Al\u00e9m disso, devem cumprir uma s\u00e9rie de medidas setoriais e sociais, tais como, por exemplo, cadastrar todos os consumidores classificados como PSR, conduzir campanhas de efici\u00eancia energ\u00e9tica e executar pol\u00edticas de faturamento diferenciadas (medidores pr\u00e9-pagos, leituras trimestrais, etc), contexto que se assemelha significativamente \u00e0 realidade das distribuidoras brasileiras.<\/p>\n

Por outro lado, os consumidores varejistas n\u00e3o podem rejeitar o acesso ao mercado livre pelos consumidores PSR. Inclusive, o OFGEM enxerga a migra\u00e7\u00e3o como sendo uma ferramenta para a redu\u00e7\u00e3o no custo com energia el\u00e9trica destes clientes sem mais depender de subs\u00eddios. Dois dentre os diversos programas existentes de inclus\u00e3o dos consumidores PSR ao mercado livre s\u00e3o o Big Energy Savings Network (BESN) e Energy Best Deal Extra run by Citizens Advice (EACA), os quais auxiliaram mais de um milh\u00e3o de consumidores PSR no ano de 2013.<\/p>\n

A experi\u00eancia brit\u00e2nica mostra que os desafios de engajamento dos consumidores de baixa tens\u00e3o ao mercado livre no Brasil ser\u00e3o enormes, especialmente se for levado em conta que, hoje, os consumidores j\u00e1 t\u00eam dificuldade em compreender o que paga na conta de luz pela grande complexidade do setor el\u00e9trico brasileiro. Contudo, o Brasil tem a favor um grande hist\u00f3rico de experi\u00eancias e aprendizados em outros mercados que poder\u00e3o auxiliar no \u00eaxito da abertura de mercado livre brasileiro para garantir que a liberdade de escolha se traduza, de fato, em um benef\u00edcio para toda a sociedade brasileira.<\/p>\n

Arttigo publicado originalmente pelo Broadcast da Ag\u00eancia Estado em 18\/03\/2020.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

  Por Victor Ribeiro* (*) Victor Ribeiro \u00e9 fundador da consultoria Spoudaios, especializada no setor el\u00e9trico, e mestrando em Engenharia El\u00e9trica pela Pontif\u00edcia Universidade Cat\u00f3lica de Minas Gerais (PUC-MG). Acumula passagens na \u00e1rea regulat\u00f3ria em energia de empresas como Vale, Queiroz Galv\u00e3o e Brookfield Energia Renov\u00e1vel. Contato: victor.ribeiro@spoudaios-br.com.   O Projeto de Lei n\u00ba 232\/16 (PLS 232), que trata da moderniza\u00e7\u00e3o do marco regulat\u00f3rio do setor el\u00e9trico, passou pela Comiss\u00e3o de Infraestrutura do Senado e […]<\/p>\n","protected":false},"author":117,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[253,254],"tags":[],"class_list":["post-3237","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-direito-economia","category-a-regulacao"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3237","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/117"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3237"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3237\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3237"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3237"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3237"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}