{"id":3219,"date":"2019-05-07T13:23:55","date_gmt":"2019-05-07T16:23:55","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3219"},"modified":"2019-05-07T13:23:55","modified_gmt":"2019-05-07T16:23:55","slug":"por-que-e-tao-dificil-fazer-reformas-no-brasil","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3219","title":{"rendered":"Por que \u00e9 t\u00e3o dif\u00edcil fazer reformas no Brasil?"},"content":{"rendered":"<p><em>*Esse texto consiste em resumo de relat\u00f3rio de pesquisa desenvolvido pelo autor junto ao Instituto de Pesquisas Casa das Gar\u00e7as.<\/em><\/p>\n<p>&nbsp;<\/p>\n<p>Para voltar a crescer e diminuir a desigualdade de renda, o Brasil precisa fazer um conjunto amplo de\u00a0<a href=\"https:\/\/www1.folha.uol.com.br\/mercado\/previdencia\/\" target=\"_blank\" rel=\"noopener noreferrer\">reformas<\/a>. Previd\u00eancia, tributos, mercado de cr\u00e9dito, ambiente\u00a0de neg\u00f3cios, seguran\u00e7a jur\u00eddica, abertura comercial, privatiza\u00e7\u00e3o, pol\u00edticas sociais e educa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n<p>N\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil fazer reformas em nenhum lugar do mundo. Reformar significa tirar privil\u00e9gios de alguns grupos, que obviamente resistem. Os custos s\u00e3o concentrados em poucos, e os benef\u00edcios s\u00e3o difusos. Os prejudicados se organizam e resistem, enquanto os benefici\u00e1rios muitas vezes nem sequer sabem que est\u00e3o ganhando com aquela medida.<\/p>\n<p>Reformas tamb\u00e9m provocam incerteza: ainda que todos saibam que o pa\u00eds ficar\u00e1 melhor no futuro, cada indiv\u00edduo enfrenta a incerteza de qual ser\u00e1 a sua situa\u00e7\u00e3o particular ap\u00f3s a reforma. Afinal, empregos menos eficientes tendem a ser destru\u00eddos e outros s\u00e3o criados, requerendo novas habilidades. Muitas pessoas temem n\u00e3o se adaptar \u00e0 nova realidade, em especial os mais velhos.<\/p>\n<p>Os resultados das reformas tamb\u00e9m demoram a aparecer. No Chile, por exemplo, em 1985, dez anos ap\u00f3s o in\u00edcio das reformas, a renda per capita ainda era a mesma de 1969. Somente nos anos 1990 a renda come\u00e7ou a subir de forma consistente.<\/p>\n<p><iframe loading=\"lazy\" src=\"https:\/\/arte.folha.uol.com.br\/graficos\/SdLdC\/?initialWidth=630&amp;childId=infographic-1&amp;parentTitle=Por%20que%20%C3%A9%20t%C3%A3o%20dif%C3%ADcil%20fazer%20reformas%20no%20Brasil%3F%20-%2005%2F05%2F2019%20-%20Mercado%20-%20Folha&amp;parentUrl=https%3A%2F%2Fwww1.folha.uol.com.br%2Fmercado%2F2019%2F05%2Fpor-que-e-tao-dificil-fazer-reformas-no-brasil.shtml\" width=\"100%\" height=\"455px\" frameborder=\"0\" marginheight=\"0\" scrolling=\"no\"><\/iframe><\/p>\n<p>Na Nova Zel\u00e2ndia, uma reforma radical, que transformou o pa\u00eds em uma das sociedades mais pr\u00f3speras do mundo, gerou, inicialmente, uma taxa de desemprego de 14%, que s\u00f3 voltou ao padr\u00e3o pr\u00e9-reforma depois de dez anos.<\/p>\n<p><iframe loading=\"lazy\" src=\"https:\/\/arte.folha.uol.com.br\/graficos\/iHCtn\/?initialWidth=630&amp;childId=infographic-2&amp;parentTitle=Por%20que%20%C3%A9%20t%C3%A3o%20dif%C3%ADcil%20fazer%20reformas%20no%20Brasil%3F%20-%2005%2F05%2F2019%20-%20Mercado%20-%20Folha&amp;parentUrl=https%3A%2F%2Fwww1.folha.uol.com.br%2Fmercado%2F2019%2F05%2Fpor-que-e-tao-dificil-fazer-reformas-no-brasil.shtml\" width=\"100%\" height=\"455px\" frameborder=\"0\" marginheight=\"0\" scrolling=\"no\"><\/iframe><\/p>\n<p>O calend\u00e1rio das elei\u00e7\u00f5es \u00e9 mais curto que o prazo para o efeito das reformas. O pr\u00f3ximo pleito acontece antes de as reformas elevarem a popularidade do governante reformista.<\/p>\n<p>Apesar dessas dificuldades, ao longo dos \u00faltimos 50 anos, muitos pa\u00edses fizeram reformas abrangentes. Estudando essas experi\u00eancias, podemos\u00a0observar caracter\u00edsticas desses pa\u00edses que ajudaram a quebrar resist\u00eancias. Infelizmente, o Brasil n\u00e3o possui nenhuma dessas caracter\u00edsticas &#8220;facilitadoras&#8221; de reformas.<\/p>\n<p>Em primeiro lugar, \u00e9 mais f\u00e1cil reformar economias de pa\u00edses pequenos. Estes n\u00e3o t\u00eam mercado interno significativo e precisam se abrir para o mundo. Com economia aberta, s\u00e3o mais vulner\u00e1veis a oscila\u00e7\u00f5es da economia internacional e, por isso, precisam manter a macroeconomia saud\u00e1vel. Para atrair capitais externos, precisam de uma Justi\u00e7a r\u00e1pida e segura.<\/p>\n<p>Al\u00e9m disso, t\u00eam uma elite menos numerosa, o que diminui o custo de transa\u00e7\u00e3o para realizar acordos. Tamb\u00e9m t\u00eam governo unit\u00e1rio, n\u00e3o sofrendo os conflitos e bloqueios gerados nos sistemas federativos. Singapura, Malta, Hong Kong, Est\u00f4nia, Nova Zel\u00e2ndia e Irlanda seriam exemplos nesse grupo.<\/p>\n<p>O Brasil, grande, fechado e com uma Federa\u00e7\u00e3o conflituosa, est\u00e1 longe desse perfil.<\/p>\n<p>Outra caracter\u00edstica importante est\u00e1 na transi\u00e7\u00e3o de ditaduras para democracias. Pa\u00edses que fizeram reformas econ\u00f4micas antes da abertura pol\u00edtica geraram uma economia din\u00e2mica, capaz de elevar a renda, ampliar a classe m\u00e9dia, criar ambiente de mercado est\u00e1vel e consolidar o liberalismo econ\u00f4mico, conduzindo a mais investimentos e crescimento. Com o tempo, a melhoria das condi\u00e7\u00f5es de vida induz a transi\u00e7\u00e3o para regime democr\u00e1tico, como ocorreu na Coreia do Sul, no Chile, na Mal\u00e1sia e na Indon\u00e9sia, por exemplo.<\/p>\n<p>Por outro lado, redemocratizar antes de reformar a economia pode levar ao populismo e a mecanismos de apropria\u00e7\u00e3o de renda por grupos de interesse.<\/p>\n<p>Em uma economia fechada e estatizada, h\u00e1 grande espa\u00e7o para a inscri\u00e7\u00e3o de privil\u00e9gios e pol\u00edticas inconsistentes na legisla\u00e7\u00e3o. Esse parece ter sido o caso de Brasil, Argentina e Filipinas. Fazer reformas nesses pa\u00edses \u00e9 muito mais dif\u00edcil agora, pois significa desmontar benef\u00edcios a grupos organizados, cristalizados na Constitui\u00e7\u00e3o e nas leis.<\/p>\n<p>Tamb\u00e9m facilitam as reformas os sistemas pol\u00edtico-eleitorais que induzem a gera\u00e7\u00e3o de maioria no Legislativo, dando maior governabilidade ao Poder Executivo.<\/p>\n<p>No Reino Unido, por exemplo, as elei\u00e7\u00f5es para o Parlamento seguem o modelo distrital, com voto majorit\u00e1rio, que induz a disputa entre dois grandes partidos, com o vencedor quase sempre sendo majorit\u00e1rio no Legislativo e, portanto, capaz de aprovar reformas sem precisar contar com o apoio de outros partidos.<\/p>\n<p>Al\u00e9m disso, \u00e9 mais f\u00e1cil fazer reformas em Parlamentos unicamerais, onde uma medida n\u00e3o precisa passar pelo referendo de C\u00e2mara e Senado. Tamb\u00e9m facilita o fato de cada um dos tr\u00eas Poderes ter claramente delimitado o seu raio de a\u00e7\u00e3o, n\u00e3o havendo espa\u00e7o para o Judici\u00e1rio interferir em decis\u00f5es do Legislativo.<\/p>\n<p>Mais uma vez o Brasil n\u00e3o tem tais caracter\u00edsticas. Nosso sistema eleitoral gera grande fragmenta\u00e7\u00e3o partid\u00e1ria no Parlamento, temos sistema bicameral e frequente judicializa\u00e7\u00e3o das decis\u00f5es legislativas e das pol\u00edticas p\u00fablicas.<\/p>\n<p>A literatura tamb\u00e9m mostra que sociedades mais coesas s\u00e3o mais capazes de gerar os acordos sociais necess\u00e1rios para realizar reformas. Essas s\u00e3o sociedades em que a classe m\u00e9dia tem uma parcela grande da renda (e, portanto, a desigualdade geral \u00e9 baixa) e na qual h\u00e1 baixo grau de viol\u00eancia.<\/p>\n<p>Em geral, s\u00e3o sociedades em que as pessoas t\u00eam padr\u00f5es de vida similares, n\u00e3o temem agress\u00f5es f\u00edsicas ou aos seus direitos. Por isso t\u00eam maior confian\u00e7a umas nas outras e nas institui\u00e7\u00f5es p\u00fablicas.<\/p>\n<p>Confian\u00e7a \u00e9 essencial para o sucesso de reformas. Afinal, estas \u200bnada mais s\u00e3o que um acordo em que todos fazem sacrif\u00edcios no curto prazo com vistas a ter um futuro melhor. Se h\u00e1 baixa coes\u00e3o e desconfian\u00e7a, cada grupo de interesse tentar\u00e1 empurrar os custos da reforma para o outro, e a negocia\u00e7\u00e3o emperra ou a reforma tem seus custos colocados nas costas dos mais fracos.<\/p>\n<p><iframe loading=\"lazy\" src=\"https:\/\/arte.folha.uol.com.br\/mercado\/2019\/05\/03\/indice-de-confianca\/?initialWidth=630&amp;childId=infographic-3&amp;parentTitle=Por%20que%20%C3%A9%20t%C3%A3o%20dif%C3%ADcil%20fazer%20reformas%20no%20Brasil%3F%20-%2005%2F05%2F2019%20-%20Mercado%20-%20Folha&amp;parentUrl=https%3A%2F%2Fwww1.folha.uol.com.br%2Fmercado%2F2019%2F05%2Fpor-que-e-tao-dificil-fazer-reformas-no-brasil.shtml\" width=\"100%\" height=\"672px\" frameborder=\"0\" marginheight=\"0\" scrolling=\"no\"><\/iframe><\/p>\n<p>A figura acima\u00a0mostra que o grau de coes\u00e3o social no Brasil \u00e9 extremamente baixo. No eixo horizontal, temos a participa\u00e7\u00e3o da classe m\u00e9dia na renda (percentual da renda total que vai para os 60% dos indiv\u00edduos no centro da distribui\u00e7\u00e3o de renda). Somente \u00c1frica do Sul, Nam\u00edbia, Zimb\u00e1bue, Mo\u00e7ambique e Guin\u00e9-Bissau t\u00eam classe m\u00e9dia &#8220;mais magra&#8221; que a brasileira, ficando mais \u00e0 esquerda no gr\u00e1fico.<\/p>\n<p>No eixo vertical temos um \u00edndice de viol\u00eancia e confian\u00e7a m\u00fatua. Nesse quesito, o Brasil s\u00f3 supera Camar\u00f5es e Costa do Marfim. E fica um pouco abaixo de Qu\u00eania, El Salvador e Lib\u00e9ria.<\/p>\n<p>A localiza\u00e7\u00e3o do pa\u00eds na parte inferior esquerda do gr\u00e1fico \u00e9 uma imagem clara da nossa baixa coes\u00e3o social. Somos inequivocamente um pa\u00eds desigual, violento, em que as pessoas n\u00e3o confiam umas nas outras. No canto superior direito do gr\u00e1fico est\u00e3o os pa\u00edses mais coesos.<\/p>\n<p>A import\u00e2ncia da coes\u00e3o social como fator de estabilidade tem ficado clara nos recentes epis\u00f3dios de radicaliza\u00e7\u00e3o pol\u00edtica vividos em diversos pa\u00edses. O encolhimento da participa\u00e7\u00e3o da classe m\u00e9dia na renda tem gerado desconforto com a representa\u00e7\u00e3o pol\u00edtica tradicional, e novos partidos extremistas t\u00eam ganhado espa\u00e7o em v\u00e1rios pa\u00edses. H\u00e1 crescente fragmenta\u00e7\u00e3o partid\u00e1ria, levando a governos minorit\u00e1rios, como na Espanha e na It\u00e1lia.<\/p>\n<p>O brexit surgiu de movimento de descontentamento de uma classe trabalhadora amea\u00e7ada pela abertura comercial. Donald Trump e sua pol\u00edtica externa mercantilista t\u00eam origem semelhante.<\/p>\n<p>No Brasil, o baixo consenso social alimenta um ambiente antirreformas por uma combina\u00e7\u00e3o de populismo, conflito distributivo em torno de rendas intermediadas pelo Estado, fragmenta\u00e7\u00e3o pol\u00edtica e protecionismo comercial e regulat\u00f3rio.<\/p>\n<p>N\u00e3o obstante todas essas dificuldades &#8220;estruturais&#8221; para fazer reformas no Brasil, sempre surgem algumas janelas de oportunidade. Em geral, elas s\u00e3o criadas por crises, que evidenciam a necessidade de mudan\u00e7as e enfraquecem a defesa de interesses corporativos espec\u00edficos.<\/p>\n<p>Tamb\u00e9m abre espa\u00e7o para reformas o &#8220;efeito lua de mel&#8221;, que existe nos primeiros meses de gest\u00e3o de um governante rec\u00e9m-eleito.<\/p>\n<p>Desde os anos 1980, o Brasil aproveitou essas situa\u00e7\u00f5es para fazer reformas. Assim, por exemplo, a crise de balan\u00e7o de pagamentos de 1982-83 gerou reformas fiscais e monet\u00e1rias. A hiperinfla\u00e7\u00e3o criou condi\u00e7\u00f5es para o sucesso do Plano Real.<\/p>\n<p>O efeito lua de mel no governo Collor permitiu um movimento de abertura comercial, e nos governos FHC e Lula viabilizaram-se duas reformas da Previd\u00eancia.<\/p>\n<p>Da crise de balan\u00e7o de pagamentos de 1998 vieram o sistema de metas de infla\u00e7\u00e3o, o c\u00e2mbio flutuante e o regime de metas fiscais.<\/p>\n<p>Por\u00e9m, recentemente o Brasil andou na dire\u00e7\u00e3o contr\u00e1ria. De 2005 a 2015 vivemos um per\u00edodo de revers\u00e3o de reformas. A crise pol\u00edtica do mensal\u00e3o levou \u00e0 expans\u00e3o do gasto p\u00fablico como forma de sustentar politicamente o governo. Uma expans\u00e3o no pre\u00e7o internacional de commodities deu impulso ao crescimento e criou a ilus\u00e3o de que os desequil\u00edbrios fiscais estruturais estavam resolvidos.<\/p>\n<p>Relaxou-se o equil\u00edbrio fiscal e praticou-se pol\u00edtica p\u00fablica na dire\u00e7\u00e3o oposta das reformas de que o pa\u00eds necessita: aumentou a interfer\u00eancia estatal nas decis\u00f5es privadas, a explora\u00e7\u00e3o do petr\u00f3leo foi praticamente reestatizada, houve generalizada interfer\u00eancia do governo nos pre\u00e7os de energia e combust\u00edveis, prote\u00e7\u00e3o setorial e fechamento da economia, grande desperd\u00edcio de recursos p\u00fablicos e privados em investimentos invi\u00e1veis.<\/p>\n<p>&nbsp;<\/p>\n<p><em>Artigo publicado pela <\/em>Folha de S. Paulo<em> em 05 de maio de 2019.<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"<p>Para voltar a crescer e diminuir a desigualdade de renda, o Brasil precisa fazer um conjunto amplo de\u00a0reformas. 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