{"id":3165,"date":"2018-02-15T13:37:59","date_gmt":"2018-02-15T16:37:59","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3165"},"modified":"2018-02-15T13:37:59","modified_gmt":"2018-02-15T16:37:59","slug":"em-que-congresso-e-judiciario-discordam-na-reforma-trabalhista","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3165","title":{"rendered":"Em que Congresso e Judici\u00e1rio discordam na reforma trabalhista?"},"content":{"rendered":"

Foram anunciados no dia 19\/10 os enunciados aprovados pela 2\u00aa Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho sobre como o Judici\u00e1rio deve \u201cinterpretar\u201d a reforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro. A jornada teve a participa\u00e7\u00e3o de centenas de advogados, ju\u00edzes, procuradores e auditores e at\u00e9 de ministros do TST, e chegou a ser classificada de guerrilha trabalhista.<\/p>\n

A jornada ocorreu no v\u00e1cuo de medida provis\u00f3ria para regulamentar aspectos controversos da nova Lei n\u00ba 13.467. A edi\u00e7\u00e3o da MP fez parte de acordo para que o Congresso acelerasse a tramita\u00e7\u00e3o da reforma em vez de emend\u00e1-la, o que poderia atrasar demasiadamente a aprova\u00e7\u00e3o. O pr\u00f3prio Presidente se comprometeu por meio de carta com as mudan\u00e7as. A MP, de n\u00famero 808, foi editada em 14 de novembro.<\/p>\n

Em que pese a inc\u00f4moda participa\u00e7\u00e3o de advogados na Jornada – com \u00f3bvio conflito de interesse em rela\u00e7\u00e3o a uma reforma destinada a reduzir a litig\u00e2ncia – e as d\u00favidas se a resist\u00eancia de Minist\u00e9rio P\u00fablico e Judici\u00e1rio revela apenas corporativismo de parte da classe, \u00e9 vis\u00edvel que a maioria dos ju\u00edzes, procuradores e auditores est\u00e3o bem-intencionados. De fato, v\u00e1rios dos pontos que constam dos enunciados aprovados na Jornada compunham o acordo para a edi\u00e7\u00e3o da MP.<\/p>\n

Quais s\u00e3o estes pontos? Um deles \u00e9 a permiss\u00e3o de realiza\u00e7\u00e3o da jornada de 12 horas com 36 de descanso (12 por 36) por meio de acordo individual. A mudan\u00e7a decorreu de mobiliza\u00e7\u00e3o de profissionais do setor de sa\u00fade do terceiro setor, para quem a jornada \u00e9 vantajosa, mas a possibilidade de acordo coletivo n\u00e3o existe meramente porque entidades do terceiro setor n\u00e3o podem fazer negocia\u00e7\u00e3o coletiva.<\/p>\n

Dessa forma, ficou acertado que a jornada 12 por 36 por acordo individual deveria ser exce\u00e7\u00e3o, e n\u00e3o regra, para evitar abusos. H\u00e1 tamb\u00e9m uma controv\u00e9rsia sobre a pr\u00f3pria constitucionalidade da 12×36 por acordo individual: o Congresso entende que quando a Constitui\u00e7\u00e3o diz que jornadas maiores que 8 horas s\u00f3 s\u00e3o poss\u00edveis \u201cmediante acordo ou conven\u00e7\u00e3o coletiva\u201d ela distingue a conven\u00e7\u00e3o coletiva do acordo \u2013 que pode ser individual ou coletivo. N\u00e3o \u00e9 esta a tradi\u00e7\u00e3o do Judici\u00e1rio, que entende que o referido acordo s\u00f3 pode ser coletivo, e a mudan\u00e7a, inconstitucional. A MP deve resolver a quest\u00e3o.<\/p>\n

Uma segunda controv\u00e9rsia se refere \u00e0 preval\u00eancia do negociado sobre o legislado. A Jornada entende que as negocia\u00e7\u00f5es coletivas n\u00e3o podem \u201cpiorar\u201d a situa\u00e7\u00e3o do trabalhador. J\u00e1 a vis\u00e3o subjacente \u00e0 reforma aprovada pelo Legislativo \u00e9 de que cabe aos trabalhadores, organizados em sindicatos, decidir o que \u00e9 melhor para a categoria \u2013 e n\u00e3o ao Poder Judici\u00e1rio.<\/p>\n

Assim, se os trabalhadores preferem um intervalo de almo\u00e7o de 30 minutos para poderem sair mais cedo do trabalho e pegar menos tr\u00e2nsito, n\u00e3o poderia um juiz revogar o acordo por entender que o melhor para os trabalhadores \u00e9 descansar mais durante o intervalo.<\/p>\n

\u00c9 intuitivo que a resist\u00eancia neste caso origina-se na ideia de que muitos sindicatos s\u00e3o fracos e com menor poder negocial dos que os empregadores, provocando acordos indesej\u00e1veis. Por esta \u00f3tica, o fim da contribui\u00e7\u00e3o sindical, sem o fim da unicidade para estimular a competi\u00e7\u00e3o entre os sindicatos, completaria o cen\u00e1rio de risco para a captura dos sindicatos – cuja atividade tem caracter\u00edstica de bem p\u00fablico e poderia acabar subfinanciada. A MP mitigou a incerteza sobre o financiamento da atividade sindical no pa\u00eds, e contrariamente ao que foi especulado ao longo do ano, n\u00e3o introduziu nova forma de financiamento.<\/p>\n

Um terceiro ponto controverso \u00e9 a terceiriza\u00e7\u00e3o e a situa\u00e7\u00e3o dos aut\u00f4nomos. Se a terceiriza\u00e7\u00e3o da atividade-fim \u00e9 considerada por economistas absolutamente normal e desej\u00e1vel em uma economia de mercado que busca a especializa\u00e7\u00e3o e o aumento da produtividade, a burocracia trabalhista receia que a terceiriza\u00e7\u00e3o da atividade-fim legitime a sonega\u00e7\u00e3o de encargos e a precariza\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Para a resist\u00eancia, a terceiriza\u00e7\u00e3o objetiva a redu\u00e7\u00e3o do custo do trabalho, j\u00e1 que na contrata\u00e7\u00e3o direta h\u00e1 a incid\u00eancia de uma s\u00e9rie de tributos, incluindo uma das contribui\u00e7\u00f5es previdenci\u00e1rias mais altas do mundo.<\/p>\n

A MP aqui \u00e9 relevante por acabar com a figura do aut\u00f4nomo exclusivo, permitida no texto original, que gerou o receio de pejotiza\u00e7\u00e3o em massa. Afasta-se o reconhecimento de v\u00ednculo apenas para categorias reguladas por leis espec\u00edficas, como caminhoneiros e corretores de im\u00f3veis. O reconhecimento do v\u00ednculo, por\u00e9m, ser\u00e1 reconhecido se houver efetiva subordina\u00e7\u00e3o jur\u00eddica entre as partes.<\/p>\n

Em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 terceiriza\u00e7\u00e3o, \u00e9 particularmente preocupante o enunciado da Jornada de que terceirizados devem ter a mesma remunera\u00e7\u00e3o dos funcion\u00e1rios contratados diretamente \u2013 uma vez que a lei n\u00e3o foi alterada neste ponto. Se o enunciado pegar, a terceiriza\u00e7\u00e3o periga acabar: todo empreendimento ficaria sujeito \u00e0 interpreta\u00e7\u00e3o de pessoas externas, que podem determinar que a fun\u00e7\u00e3o de um empregado em uma contratada \u00e9 a mesma de algu\u00e9m que trabalha ali.<\/p>\n

Isso faz tanto sentido quando exigir que analistas e t\u00e9cnicos dos tribunais ganhem o mesmo que ju\u00edzes, afinal, eles podem ajudar a escrever decis\u00f5es. Esta seria uma interpreta\u00e7\u00e3o leiga da atividade judicial, assim como pode ser leiga a interpreta\u00e7\u00e3o de um funcion\u00e1rio p\u00fablico alheio ao funcionamento de milhares de setores da economia.<\/p>\n

Entretanto, cabe observar que o Judici\u00e1rio continuar\u00e1 podendo coibir a terceiriza\u00e7\u00e3o esp\u00faria, fraudulenta, que visa a sonega\u00e7\u00e3o. A permiss\u00e3o da terceiriza\u00e7\u00e3o da atividade-fim \u00e9 frequentemente noticiada como \u201cterceiriza\u00e7\u00e3o irrestrita\u201d, o que n\u00e3o \u00e9 verdade. V\u00ednculos empregat\u00edcios continuam podendo ser reconhecidos, s\u00f3 n\u00e3o sob o argumento de atividade-fim.<\/p>\n

Por fim, existem vigorosas cr\u00edticas do Judici\u00e1rio contra a tarifa\u00e7\u00e3o do dano moral. A reforma, na tentativa de criar par\u00e2metros e reduzir a inseguran\u00e7a jur\u00eddica, tornou o dano proporcional ao sal\u00e1rio do empregado. \u00c9 emblem\u00e1tica a infame anedota de que com a reforma mais vale assediar a secret\u00e1ria do que a gerente. Novamente, a MP buscou o equil\u00edbrio entre a previs\u00e3o da reforma e a situa\u00e7\u00e3o atual \u2013 em que procuradores chegam a pedir como indeniza\u00e7\u00e3o 10% do lucro l\u00edquido de um banco durante 5 anos por conta da dispensa discriminat\u00f3ria de dois funcion\u00e1rios.<\/p>\n

\u00c9 essencial, portanto, que o di\u00e1logo e o debate continuem. O espa\u00e7o para converg\u00eancia \u00e9 maior do que parece e a t\u00e3o almejada seguran\u00e7a jur\u00eddica no mercado de trabalho precisa do convencimento dos operadores de direito sobre pontos incompreendidos da reforma. A medida provis\u00f3ria do Poder Executivo foi o \u00faltimo passo nessa dire\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

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Publicado originalmente no jornal Valor Econ\u00f4mico em 7 de novembro de 2017 sob o t\u00edtulo \u201cPontos de disc\u00f3rdia na reforma trabalhista\u201d.<\/em><\/p>\n

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