{"id":3148,"date":"2018-01-29T10:59:27","date_gmt":"2018-01-29T13:59:27","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3148"},"modified":"2018-01-29T12:48:26","modified_gmt":"2018-01-29T15:48:26","slug":"reforma-trabalhista-rumo-ao-planalto","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3148","title":{"rendered":"Reforma trabalhista rumo ao ‘planalto’"},"content":{"rendered":"

R\u00fassia, Mo\u00e7ambique, Ucr\u00e2nia, Comores, Venezuela, Panam\u00e1, Angola e Bielorr\u00fassia s\u00e3o alguns do grupo de apenas 12 pa\u00edses com legisla\u00e7\u00e3o trabalhista mais r\u00edgida que a brasileira. Entre 144 na\u00e7\u00f5es, o Brasil ocuparia a 132\u00aa posi\u00e7\u00e3o em ranking de flexibilidade da legisla\u00e7\u00e3o, segundo \u00edndice criado em anos recentes por pesquisadores do Institute of Labor Economics<\/em> (IZA)1<\/sup>.<\/p>\n

O indicador compara o tratamento das diferentes legisla\u00e7\u00f5es para temas como a possibilidade de modalidades alternativas de contrato (como o trabalho intermitente); custos de contrata\u00e7\u00e3o; custos e procedimentos de demiss\u00e3o; e jornada anual (que considera f\u00e9rias e feriados).\u00a0 \u00c9 pac\u00edfica na literatura a no\u00e7\u00e3o de que indicadores como este, em vez de serem usados para identificar causalidade entre a legisla\u00e7\u00e3o e o crescimento econ\u00f4mico ou a taxa de desemprego de um pa\u00eds, s\u00e3o mais \u00fateis quando analisados conjuntamente com medidas sobre o mercado de trabalho.\u00a0 Se o \u00edndice aponta uma legisla\u00e7\u00e3o trabalhista r\u00edgida, mas para um pa\u00eds que disp\u00f5e de bons dados para emprego, formaliza\u00e7\u00e3o e produtividade, n\u00e3o haveria problema.<\/p>\n

N\u00e3o \u00e9 o caso do Brasil. O novo conjunto de indicadores divulgados pelo IBGE a partir de setembro de 2016 revela que cerca metade da for\u00e7a de trabalho n\u00e3o est\u00e1 abrangida pela legisla\u00e7\u00e3o trabalhista. S\u00e3o os milh\u00f5es de desempregados, informais e os integrantes da \u201cfor\u00e7a de trabalho potencial\u201d, isto \u00e9, os desalentados que n\u00e3o apareciam nas estat\u00edsticas de desemprego porque j\u00e1 desistiram de procurar uma ocupa\u00e7\u00e3o, embora quisessem uma. Nos Estados Unidos ele comp\u00f5em uma taxa chamada de \u201ctaxa de desemprego real\u201d.<\/p>\n

Essas medidas ruins se somam aos indicadores de produtividade, estagnados h\u00e1 d\u00e9cadas, e ao \u00edndice de rigidez da legisla\u00e7\u00e3o trabalhista para manifestar a necessidade de reforma nas leis do trabalho.<\/p>\n

O Banco Mundial aponta os desafios de desenhar uma legisla\u00e7\u00e3o trabalhista em pa\u00edses emergentes. Uma bem-intencionada legisla\u00e7\u00e3o trabalhista, generosa, mas alienada, pode prejudicar exatamente os trabalhadores que tenta proteger, ao impedir a cria\u00e7\u00e3o de vagas formais e o crescimento da produtividade (e da renda). Por outro lado, uma legisla\u00e7\u00e3o exageradamente flex\u00edvel pode levar \u00e0 desprote\u00e7\u00e3o do trabalhador.<\/p>\n

Esses dois extremos de regula\u00e7\u00e3o excessiva ou insuficiente s\u00e3o chamados de abismos<\/em>. N\u00e3o se sugere uma legisla\u00e7\u00e3o \u201cideal\u201d, ou a exist\u00eancia de um pico \u00fanico para a performance do mercado de trabalho, mas sim a presen\u00e7a de m\u00faltiplos picos. Entre os abismos, h\u00e1 um planalto<\/em> de possibilidades para esta legisla\u00e7\u00e3o, que n\u00e3o levem o mercado de trabalho ao abismo do desemprego e da pobreza, nem ao abismo da precariza\u00e7\u00e3o. Neste espa\u00e7o, a regula\u00e7\u00e3o adere\u00e7a as falhas de mercado sem prejudicar a efici\u00eancia. \u00c9 neste planalto<\/em> que o legislador quer chegar.<\/p>\n

Figura 1 \u2013 Planalto e abismos da legisla\u00e7\u00e3o trabalhista<\/strong><\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Fonte: Betcherman (2014). Dispon\u00edvel em: https:\/\/wol.iza.org\/uploads\/articles\/57\/pdfs\/designing-labor-market-regulations-in-developing-countries.pdf<\/a><\/p>\n

 <\/p>\n

Os dados sugerem que a regula\u00e7\u00e3o do mercado de trabalho no Brasil, pela CLT e pela jurisprud\u00eancia trabalhista, nos coloca hoje em um desses abismos. Queremos subir ao planalto, mas sem correr o risco de cair no outro abismo2<\/sup>.<\/p>\n

Este \u00e9 o desafio da reforma trabalhista. A possibilidade que o negociado tenha a for\u00e7a do legislado contribui para que tenhamos contratos mais eficientes, com novas condi\u00e7\u00f5es mutuamente ben\u00e9ficas para empregadores e empregados. \u00c9 preciso, no entanto, ter a sensibilidade para reconhecer a desigualdade de poder negocial que pode existir nessa rela\u00e7\u00e3o. A reforma imp\u00f5e uma s\u00e9rie de requisitos para as negocia\u00e7\u00f5es coletivas, mas cortou subitamente a principal fonte de financiamento dos sindicatos (a impolular contribui\u00e7\u00e3o obrigat\u00f3ria).<\/p>\n

Na teoria, se essa desigualdade leva uma das partes (o empregador) a conseguir termos mais favor\u00e1veis do que a outra, a liberdade contratual deixa de ser real e o resultado \u00e9 uma falha de mercado, dando ensejo \u00e0 prote\u00e7\u00e3o do arcabou\u00e7o jur\u00eddico. Para que uma transa\u00e7\u00e3o seja de fato mercado, \u00e9 essencial a autonomia para veto em uma negocia\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Por sua vez, a incompreendida terceiriza\u00e7\u00e3o pode melhor entendida como um mecanismo para que a informa\u00e7\u00e3o flua melhor no mercado de trabalho. Em A Reinven\u00e7\u00e3o do Bazar: Uma hist\u00f3ria dos mercados<\/em>, o falecido economista de Stanford John McMillan ensina que este mecanismo \u00e9 um dos requisitos para o bom funcionamento de qualquer mercado, sob pena de reduzir quantidade e valor de transa\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

No mercado de trabalho, isso significa desemprego e sal\u00e1rios menores. A terceiriza\u00e7\u00e3o minimiza os custos de transa\u00e7\u00e3o, entre eles o custo de busca. O desafio aqui para a regula\u00e7\u00e3o deste mecanismo \u00e9 faz\u00ea-lo ser ve\u00edculo de redu\u00e7\u00e3o justamente desses custos, e n\u00e3o de custos com encargos trabalhistas (sonega\u00e7\u00e3o). O Judici\u00e1rio aqui ter\u00e1 um papel fundamental: contrariamente ao que \u00e9 divulgado, a reforma n\u00e3o liberou a terceiriza\u00e7\u00e3o \u201cirrestrita\u201d, mas sim a terceiriza\u00e7\u00e3o da atividade-fim: fraudes continuam sendo proibidas.<\/p>\n

H\u00e1 um mito no debate sobre a legisla\u00e7\u00e3o e a Justi\u00e7a trabalhistas no Brasil: o de que beneficiam e protegem demais o trabalhador. A pergunta \u00e9 qual trabalhador. Se contribuem para nos levar ao abismo do desemprego, da informalidade e da renda baixa, n\u00e3o podem ser consideradas ben\u00e9ficas ao conjunto de trabalhadores. Cabe \u00e0 reforma trabalhista mudar essa situa\u00e7\u00e3o sem levar nosso mercado de trabalho ao abismo da precariza\u00e7\u00e3o, mas sim ir rumo ao planalto.<\/p>\n

Publicado originalmente no jornal Valor Econ\u00f4mico em 26 de abril de 2017 sob o t\u00edtulo \u201cPara a reforma trabalhista ir do abismo para o planalto\u201d.<\/em><\/p>\n

 <\/p>\n

________________<\/p>\n

1 Pelo Instituto Frasier, estar\u00edamos em 144 de 159 pa\u00edses.<\/p>\n

2<\/sup> Note que este arcabou\u00e7o tamb\u00e9m contempla a pr\u00f3pria oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 reforma. Para opositores, a legisla\u00e7\u00e3o j\u00e1 estaria no planalto, mas a reforma nos levaria ao outro abismo. Um importante argumento divulgado \u00e9 o de que o Brasil teria tido pleno emprego no in\u00edcio dos anos 2010 com legisla\u00e7\u00e3o anterior. Cabe frisar que neste per\u00edodo convivemos com altos n\u00edveis de informalidade e produtividade estagnada, bem como que a taxa global esconde o alto n\u00edvel de desemprego entre mulheres, jovens, negros e pobres. No melhor dos casos, tivemos um \u201cpleno emprego do homem branco\u201d. Ademais, o argumento, mesmo que aceito, n\u00e3o implica negar que as taxas poderiam ser ainda melhores sob outra legisla\u00e7\u00e3o. Por fim, o argumento \u00e9 valido ao apontar que o n\u00edvel de emprego depende de outros fatores, como a atividade econ\u00f4mica e pol\u00edticas de emprego ativas.<\/p>\n

 <\/p>\n

Download<\/strong><\/p>\n