{"id":3130,"date":"2017-12-11T09:47:30","date_gmt":"2017-12-11T12:47:30","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3130"},"modified":"2017-12-11T11:47:59","modified_gmt":"2017-12-11T14:47:59","slug":"a-economia-mundial-como-rede-complexa","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3130","title":{"rendered":"A economia mundial como rede complexa"},"content":{"rendered":"

Esse \u00e9 o primeiro de uma s\u00e9rie de textos no blog que abordar\u00e3o o papel da complexidade no desenvolvimento econ\u00f4mico.\u00a0Complexidade<\/a>\u00a0\u00e9 aquilo que se observa em um sistema composto por um grande n\u00famero de agentes inter-relacionados, sem controle central, cujo comportamento global emergente n\u00e3o pode ser explicado ou previsto pela soma do comportamento individual dos agentes. O estudo da complexidade, bem como do mapeamento das intera\u00e7\u00f5es em um sistema complexo, ou seja, das redes complexas, n\u00e3o \u00e9\u00a0origin\u00e1rio<\/a>\u00a0das ci\u00eancias sociais. Dentre as aplica\u00e7\u00f5es de origem mais conhecidas, est\u00e3o, por exemplo, pesquisas sobre a rela\u00e7\u00e3o entre genes, prote\u00ednas e metab\u00f3litos para compreender o funcionamento das c\u00e9lulas e\u00a0pesquisas<\/a>\u00a0sobre as conex\u00f5es neurol\u00f3gicas para entender as fun\u00e7\u00f5es cerebrais. Nas \u00faltimas d\u00e9cadas, entretanto, a aplica\u00e7\u00e3o das redes complexas ganhou tra\u00e7\u00e3o nas ci\u00eancias sociais, sendo identificadas em\u00a0cidades<\/a>, na\u00a0internet<\/a>, no\u00a0mercado financeiro<\/a>, no\u00a0com\u00e9rcio internacional<\/a>, entre outros.<\/p>\n

Aplicar conceitos de outros campos de estudo n\u00e3o \u00e9 novidade para os economistas h\u00e1 um bocado de tempo: os pais do marginalismo, Walras e Jevons, revolucionaram nosso campo de estudo\u00a0ao importarem da F\u00edsica Mec\u00e2nica as no\u00e7\u00f5es de equil\u00edbrio est\u00e1vel e otimiza\u00e7\u00e3o restrita. Utilizando o instrumental de ci\u00eancia de redes e complexidade, provavelmente o trabalho que at\u00e9 hoje obteve maior impacto na Economia \u00e9 o de\u00a0Hausmann e Hidalgo<\/a>. Ao observar dados de exporta\u00e7\u00e3o de bens, esses autores\u00a0conclu\u00edram<\/a>\u00a0que o desenvolvimento econ\u00f4mico de um pa\u00eds est\u00e1 intimamente relacionado com o que ele produz. Pa\u00edses mais desenvolvidos seriam aqueles que produzem bens mais complexos, geralmente industriais, como m\u00e1quinas e computadores, enquanto os menos desenvolvidos seriam especializados em produzir produtos prim\u00e1rios, como soja.<\/p>\n

Os primeiros passos dados para compreender a natureza do desenvolvimento econ\u00f4mico no \u00e2mbito da complexidade fizeram renascer o\u00a0debate<\/a>\u00a0sobre o\u00a0papel da ind\u00fastria<\/a>\u00a0na trajet\u00f3ria virtuosa de acumula\u00e7\u00e3o de riqueza pelos pa\u00edses. Nesse primeiro artigo sobre o tema, proponho que alterar a base de dados do trabalho seminal de Hausmann e Hidalgo pode contribuir para esse debate, lan\u00e7ando algumas conclus\u00f5es iniciais. Apesar do pioneirismo brilhante em se utilizar exporta\u00e7\u00f5es de bens para observar o desenvolvimento de um pa\u00eds, esses dados ignoram as rela\u00e7\u00f5es econ\u00f4micas desempenhadas domesticamente, bem como a import\u00e2ncia dos servi\u00e7os para a gera\u00e7\u00e3o de valor econ\u00f4mico, que representam quase\u00a070%<\/a>\u00a0da produ\u00e7\u00e3o mundial. Ademais, atrelar a gera\u00e7\u00e3o de valor a bens finais tamb\u00e9m pode ser inadequado, uma vez que est\u00e1 cada vez mais relacionada ao conceito de atividades. Nesse sentido, observar a cadeia produtiva capturaria melhor o\u00a0processo<\/a>\u00a0pelo qual se embute valor a produtos, levando em conta a gama complexa de conex\u00f5es entre os setores ao longo do processo produtivo. A\u00a0cadeia produtiva do iPhone<\/a>, por exemplo, envolve pesquisa e desenvolvimento,\u00a0design,<\/em>\u00a0desenvolvimento de plataforma e de sistema operacional,\u00a0marketing, <\/em>produ\u00e7\u00e3o de semicondutores e de telas de LCD, montagem do produto e diversas outras atividades.<\/p>\n

Para operacionalizar a an\u00e1lise de complexidade por meio de cadeias produtivas, utilizo uma matriz mundial de insumo-produto, a\u00a0WIOD<\/a>. Essa base de dados compreende as rela\u00e7\u00f5es entre 56 setores de 43 pa\u00edses, totalizando 85% do PIB mundial. A WIOD apresenta a rela\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica que cada setor de cada pa\u00eds tem com todos os outros setores de todos os pa\u00edses. Para os 2408 \u201cagentes\u201d \u2013 setores produtivos \u2013 da economia mundial, h\u00e1 quase 6 milh\u00f5es de conex\u00f5es que comp\u00f5em essa malha econ\u00f4mica. Ap\u00f3s tratamento de dados*, restaram cerca de 30.000 conex\u00f5es, com um n\u00famero m\u00e9dio de conex\u00f5es por setor-pa\u00eds igual a 18. Os dados da economia mundial de 2014 foram plotados no aplicativo de redes\u00a0Gephi<\/a>, via algoritmo de visualiza\u00e7\u00e3o\u00a0OpenOrd<\/a>. Veja o resultado abaixo.<\/p>\n

Cada n\u00f3 representa um setor de um pa\u00eds. O tamanho do n\u00f3 \u00e9 a soma das suas conex\u00f5es, ou seja, tanto do que foi oferecido como do que foi demandado de insumos de outros setores. A cor de cada n\u00f3 segue um\u00a0algoritmo<\/a>\u00a0de detec\u00e7\u00e3o de comunidades de acordo com as rela\u00e7\u00f5es que cada n\u00f3 tem com seus pares. Como \u00e9 de se esperar, a cadeia produtiva se organiza de maneira a possuir maior relacionamento entre setores do mesmo pa\u00eds. Dessa maneira, mesmo sem for\u00e7ar tal resultado, h\u00e1 a forma\u00e7\u00e3o de agrupamentos de mesma cor, que representam, ultimamente, um pa\u00eds. Os setores brasileiros \u2013 os n\u00f3s verdes ao lado da China \u2013 possuem natureza marginal na cadeia global de valor. Est\u00e3o pouco conectados a setores externos e, quando conectados, a poucos pa\u00edses. Curiosamente, o pa\u00eds mais conectado aos setores brasileiros \u00e9 a\u00a0China<\/a>, n\u00e3o os Estados Unidos.<\/p>\n

Note, tamb\u00e9m, a posi\u00e7\u00e3o central dos setores estadunidenses na rede. Isso ocorre, em boa parte, devido \u00e0 grande import\u00e2ncia dos setores aos quais os setores americanos est\u00e3o conectados. A\u00a0eigencentralidade<\/a>, uma das diversas medidas de import\u00e2ncia de cada n\u00f3 na rede, captura esse efeito \u201cdiga-me com quem andas que eu te direi quem \u00e9s\u201d. J\u00e1 a centralidade de\u00a0intermedia\u00e7\u00e3o<\/a>\u00a0mede a capacidade de um n\u00f3 de transmitir informa\u00e7\u00e3o para toda a rede, como um\u00a0broker<\/em>. Se para \u201ccaminhar\u201d entre dois n\u00f3s quaisquer da rede, deve-se passar frequentemente por um n\u00f3 espec\u00edfico, esse n\u00f3 possuir\u00e1 grande centralidade de intermedia\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

De acordo com os resultados da Tabela 1 abaixo, os n\u00f3s que possuem as maiores estat\u00edsticas de centralidade na rede s\u00e3o os setores industriais. Dessa maneira, a participa\u00e7\u00e3o desses setores nas cadeias dom\u00e9sticas e globais de valor n\u00e3o somente revela a capacidade de contribuir diretamente \u00e0 gera\u00e7\u00e3o de valor, j\u00e1 que s\u00e3o os maiores n\u00f3s da rede, como\u00a0tamb\u00e9m a capacidade de\u00a0conectar<\/a>\u00a0diversos setores ao longo do processo de produ\u00e7\u00e3o, j\u00e1 que s\u00e3o os n\u00f3s mais centrais da rede. O mais importante, certamente, \u00e9 essa capacidade de servir como\u00a0hubs<\/em>, de conectar setores, pois ela amplifica o papel indutor que as atividades industriais possuem, similar \u00e0 ideia de\u00a0backward<\/em>\u00a0e\u00a0forward linkages,<\/em>\u00a0proposta por\u00a0Hirschman<\/a> d\u00e9cadas atr\u00e1s. Antes de fazer qualquer an\u00e1lise sobre a complexidade econ\u00f4mica das atividades industriais, \u00e9 importante ressaltar, portanto, que essas atividades demandam e s\u00e3o demandadas por solu\u00e7\u00f5es que muitas vezes transbordam o seu escopo, gerando inova\u00e7\u00e3o e ganhos econ\u00f4micos difusos. N\u00e3o \u00e0 toa, apesar de representar 15% do valor adicionado do PIB da Uni\u00e3o Europeia em 2015, a ind\u00fastria correspondeu por\u00a064%<\/a>\u00a0dos investimentos totais em P&D.<\/p>\n

O estudo da economia mundial como rede complexa pode auxiliar a compreender a fun\u00e7\u00e3o que atividades econ\u00f4micas desempenham nesse grande emaranhado produtivo. Estat\u00edsticas de redes apontam a import\u00e2ncia das atividades industriais como conectores econ\u00f4micos, podendo funcionar como catalizadores de outras atividades. Para escapar da\u00a0armadilha da renda m\u00e9dia<\/a>\u00a0e garantir o desenvolvimento econ\u00f4mico, seria suficiente, portanto, apenas industrializar um pa\u00eds? E qual seria o\u00a0papel dos servi\u00e7os<\/a>? E o relacionamento entre ind\u00fastria e servi\u00e7os na trajet\u00f3ria do desenvolvimento econ\u00f4mico? Internalizar o instrumental de redes complexas parece ser importante para chegarmos um pouco mais perto de responder a essas perguntas. Entretanto, s\u00f3 conseguiremos usufruir eficientemente desse novo instrumental caso consigamos debater o problema de maneira agn\u00f3stica. Quem sabe, assim, para a ci\u00eancia econ\u00f4mica, n\u00e3o se concretize a previs\u00e3o de Stephen Hawking feita em 2000:\u00a0I think the next century will be the century of complexity<\/em>.<\/p>\n

*O tratamento de dados consistiu em agrupar alguns setores para viabilizar a compara\u00e7\u00e3o entre setores de pa\u00edses e a aplica\u00e7\u00e3o de um filtro de US$200 milh\u00f5es para facilitar a visualiza\u00e7\u00e3o da rede.<\/p>\n

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Vers\u00e3o deste texto foi publicada no blog Economia de Servi\u00e7os<\/a> em 21 de novembro de 2017.<\/p>\n

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