{"id":3088,"date":"2017-11-06T11:38:37","date_gmt":"2017-11-06T14:38:37","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3088"},"modified":"2017-11-06T11:39:36","modified_gmt":"2017-11-06T14:39:36","slug":"quem-protege-o-trabalhador-da-justica-do-trabalho","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3088","title":{"rendered":"Quem protege o trabalhador da Justi\u00e7a do Trabalho?"},"content":{"rendered":"

\u00c9 comum o argumento de que a legisla\u00e7\u00e3o e a Justi\u00e7a do Trabalho s\u00e3o exageradamente pr\u00f3-trabalhador. A afirma\u00e7\u00e3o \u00e9 falaciosa: sempre se deve querer o bem do trabalhador. A quest\u00e3o \u00e9 que na verdade esta estrutura normativa o prejudica com frequ\u00eancia, especialmente quando peca por idealizar o comportamento dos patr\u00f5es. A Justi\u00e7a do Trabalho \u00e9 uma justi\u00e7a de decis\u00f5es bem intencionadas e efeitos adversos.<\/p>\n

A CLT prev\u00ea que o empregador pode oferecer transporte aos empregados, sem que isso conte como tempo da jornada. O transporte dado livra o empregado de passar mais tempo em deslocamento e de usar o prec\u00e1rio sistema de transporte p\u00fablico. H\u00e1 duas exce\u00e7\u00f5es: o transporte ser\u00e1 computado como tempo de jornada se o local de trabalho for de dif\u00edcil acesso ou n\u00e3o servido por transporte p\u00fablico regular.<\/p>\n

Muitos ju\u00edzes reinterpretam estes dois termos. A inten\u00e7\u00e3o pode ser boa, uma vez que o empregado ganha uma indeniza\u00e7\u00e3o. O resultado n\u00e3o \u00e9: diante da inseguran\u00e7a jur\u00eddica, as empresas ficam na defensiva e deixam de oferecer o transporte. Quem perde?<\/p>\n

Outro bom exemplo \u00e9 o engessamento de pol\u00edticas de remunera\u00e7\u00e3o. Quando um juiz decide pela incorpora\u00e7\u00e3o definitiva de um adicional eventual de produtividade, o empregador tende a resistir em conferir este tipo de pr\u00eamio.<\/p>\n

Representativa desta miopia \u00e9 a S\u00famula 277 do TST, derrubada pelo STF. Ela previa que condi\u00e7\u00f5es ben\u00e9ficas concedidas temporariamente<\/em> aos trabalhadores em negocia\u00e7\u00f5es coletivas deveriam ser incorporadas definitivamente ao contrato individual. Quantos empregadores v\u00e3o estar predispostos a negociar essas concess\u00f5es tempor\u00e1rias?<\/p>\n

A teoria microecon\u00f4mica n\u00e3o \u00e9 rom\u00e2ntica ao descrever o comportamento de uma firma: seu objetivo \u00e9 o de maximizar o seu lucro. Assim, a escolha racional de empregadores diante de decis\u00f5es trabalhistas como essas ser\u00e1 prejudicial justamente aos empregados. O Judici\u00e1rio trabalhista tem sido pr\u00f3digo em, ao julgar a\u00e7\u00f5es, decidir de maneira que nos casos concretos parece favor\u00e1vel os trabalhadores, mas que acaba sendo delet\u00e9ria a eles. Este resultado ocorre, ironicamente, por idealizar o comportamento (natural) das empresas.<\/p>\n

Individualmente, os julgamentos podem fazer sentido. No agregado, n\u00e3o. Mesmo o TST, que poderia ter uma melhor vis\u00e3o do todo, n\u00e3o tem os insumos do Parlamento para legislar, e tamb\u00e9m falha ao n\u00e3o antecipar a rea\u00e7\u00e3o empresarial. A regula\u00e7\u00e3o do trabalho no Brasil precisa trabalhar com esta restri\u00e7\u00e3o: buscar o melhor para o trabalhador ciente que o DNA da empresa \u00e9 visar o lucro.<\/p>\n

Um segundo problema que existe no arcabou\u00e7o que rege o trabalho no Brasil \u00e9 o seu confinamento na l\u00f3gica de mais valia e na oposi\u00e7\u00e3o entre capital e trabalho. Outra oposi\u00e7\u00e3o, talvez mais relevante, \u00e9 a oposi\u00e7\u00e3o t\u00e1cita entre inclu\u00eddos e exclu\u00eddos. Cerca de metade de for\u00e7a de trabalho est\u00e1 inclu\u00edda<\/em> na legisla\u00e7\u00e3o trabalhista, e metade est\u00e1 exclu\u00edda<\/em>, desempregada ou informal. O instinto protetor sobre o primeiro grupo pode penalizar o segundo.<\/p>\n

Pelo dilema \u201cinsider-outsider<\/em>\u201d, o ganho do inclu\u00eddo pode significar perda para o exclu\u00eddo, e vice versa. Um exemplo presente na reforma trabalhista \u00e9 a inova\u00e7\u00e3o do trabalho intermitente, uma controversa nova forma de contrata\u00e7\u00e3o, por hora. Um bar poderia ampliar o n\u00famero de gar\u00e7ons contratados no fim de semana, permitindo a inclus\u00e3o de exclu\u00eddos: como desempregados para quem trabalhar algumas horas por m\u00eas \u00e9 um avan\u00e7o em rela\u00e7\u00e3o a n\u00e3o trabalhar hora nenhuma.<\/p>\n

Por outro lado, a mudan\u00e7a permitiria que o bar tenha menos empregados no seu quadro fixo, pela menor demanda nos outros dias. Isso seria perda para inclu\u00eddos contratados por toda a semana que passariam a trabalhar apenas no fim de semana. Este dilema ainda aparece pouco no debate sobre a legisla\u00e7\u00e3o e Justi\u00e7a trabalhistas, em que predomina a vis\u00e3o do conflito capital-trabalho, sem que se perceba que existe um terceiro grupo afetado por estas normas e decis\u00f5es e sem que se note o conflito invis\u00edvel entre inclu\u00eddos e exclu\u00eddos.<\/p>\n

Um terceiro racioc\u00ednio que precisa ser aprimorado nesta discuss\u00e3o \u00e9 o que defende que n\u00e3o precisamos de mudan\u00e7as na CLT ou no Judici\u00e1rio, uma vez que mudan\u00e7as n\u00e3o aconteceram nos \u00faltimos anos, nem quando o desemprego caiu, nem quando o desemprego subiu. O argumento, expressado nas redes pela atriz Camila Pitanga, tem l\u00f3gica: uma mudan\u00e7a na legisla\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 uma varinha de cond\u00e3o que resolve sozinha os problemas de renda do pa\u00eds. Entretanto, mesmo quando esteve bom, o funcionamento do mercado de trabalho era muito ruim.<\/p>\n

At\u00e9 no per\u00edodo de boom<\/em>, com desemprego em baixa, convivemos com informalidade alta e produtividade estagnada, negativa em alguns setores. As estat\u00edsticas tamb\u00e9m escondiam o desemprego oculto pelo desalento, o que se refere ao \u201cdesempregado raiz\u201d: o desempregado que j\u00e1 desistiu de procurar ocupa\u00e7\u00e3o e n\u00e3o aparece mais nos dados oficiais. A baixa taxa oficial tamb\u00e9m n\u00e3o revelava a \u201cdesigualdade de desemprego\u201d: os indicadores muito piores para mulheres, negros e jovens, grupos normalmente esquecidos nesta discuss\u00e3o.<\/p>\n

Cabe ao Juiz do Trabalho ativista entender melhor que os indicadores do mercado de trabalho – que n\u00e3o se resumem \u00e0 taxa de desemprego – s\u00e3o sens\u00edveis \u00e0s suas decis\u00f5es; que a soma de decis\u00f5es individuais bem-intencionadas pode gerar a exclus\u00e3o de largas parcelas da popula\u00e7\u00e3o; e que o empres\u00e1rio tende a reagir racional e defensivamente ao seu ativismo, transferindo riscos para o trabalhador (inclusive o exclu\u00eddo, quando foge da contrata\u00e7\u00e3o formal).\u00a0 Sem essa vis\u00e3o mais ampla, a Justi\u00e7a do Trabalho periga continuar sendo vista como o elefante na loja de cristais.<\/p>\n

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* Este texto foi publicado sob o t\u00edtulo \u201cBoas inten\u00e7\u00f5es, efeitos adversos\u201d no jornal O Estado de S\u00e3o Paulo, de 24 de junho de 2017.<\/em><\/p>\n

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