{"id":3083,"date":"2017-11-01T17:05:18","date_gmt":"2017-11-01T20:05:18","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3083"},"modified":"2017-11-01T17:05:18","modified_gmt":"2017-11-01T20:05:18","slug":"como-a-imprensa-desinformou-sobre-a-nova-taxa-de-bagagem","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3083","title":{"rendered":"Como a imprensa desinformou sobre a nova taxa de bagagem"},"content":{"rendered":"

Recentemente a Ag\u00eancia Nacional de Avia\u00e7\u00e3o Civil (ANAC) autorizou empresas a\u00e9reas a cobrarem dos consumidores pelo despacho de bagagem, sob o argumento de que a separa\u00e7\u00e3o das cobran\u00e7as\u00a0levaria a passagens a\u00e9reas mais baratas<\/a>. A rea\u00e7\u00e3o foi previsivelmente negativa. A revolta s\u00f3 cresceu\u00a0desde que o IBRE e o IBGE relataram um aumento nas tarifas a\u00e9reas<\/a>\u00a0de junho a setembro, como podemos ver aqui<\/a>. Boa parte da imprensa nacional correu para relatar o fato.<\/p>\n

De fato, a julgar pelo que se l\u00ea, parece que cobrar bagagem \u00e0 parte ou n\u00e3o teve impacto sobre as tarifas ou, pior, as fez aumentar. Entretanto, as conclus\u00f5es s\u00e3o precipitadas.<\/p>\n

Por que permitir a cobran\u00e7a da franquia de bagagens?<\/strong><\/p>\n

Antes de entrar no aspecto emp\u00edrico, vale entender o que fundamentou a decis\u00e3o da ANAC. Seria ing\u00eanuo acreditar que empresas a\u00e9reas oferecem servi\u00e7os acess\u00f3rios, como comida e transporte de bagagem, gratuitamente. Como n\u00e3o podiam cobrar por estes servi\u00e7os \u00e0 parte, esses custos eram incorporados aos pre\u00e7os das passagens, tivesse o cliente malas consigo ou n\u00e3o. Assim, temos o que economistas chamam de subs\u00eddio cruzado<\/em>:\u00a0todos pagam pelo servi\u00e7o, mas apenas alguns usufruem dele.<\/p>\n

Agora suponha que as empresas recebam autoriza\u00e7\u00e3o para discriminar o transporte de bagagem. \u00c9 tentador dizer que cobrar\u00e3o mais de seus clientes para aumentarem seus lucros, mas faz sentido? Afinal, se empresas a\u00e9reas buscam o maior lucro poss\u00edvel e incluem o transporte de bagagem na tarifa, elas j\u00e1 est\u00e3o cobrando o m\u00e1ximo que podem de seus passageiros. Portanto, se passarem a cobrar uma franquia e as tarifas n\u00e3o ca\u00edrem,\u00a0tudo o mais constante<\/em>, as empresas perderiam demanda e lucro. Conclui-se que,\u00a0tudo o mais constante<\/em>, as tarifas diminuir\u00e3o.<\/p>\n

Essa \u00e9 a ideia por tr\u00e1s da medida, algo razoavelmente consensual entre economistas.<\/p>\n

O que aconteceu quando a mesma medida foi tomada no exterior?<\/strong><\/p>\n

Por mais bem fundamentado que seja o argumento te\u00f3rico, \u00e9 sempre necess\u00e1rio averiguar se ele tem ader\u00eancia \u00e0 realidade. Ou seja, checar se os dados confirmam a intui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Ainda \u00e9 cedo para saber o que ocorreu no Brasil. Nenhum estudo s\u00f3lido pode ser realizado com t\u00e3o pouco tempo desde a mudan\u00e7a. Por outro lado, h\u00e1 muitos dados de outros pa\u00edses. Antes da mudan\u00e7a, apenas Brasil, Venezuela, R\u00fassia, M\u00e9xico e China regulavam a franquia de bagagem<\/a>. N\u00e3o faltam dados, portanto, para checar o impacto da regra no pre\u00e7o, em outros pa\u00edses.<\/p>\n

Os economistas Jan Brueckner, Darin Lee, Pierre Picard e Ethan Singer realizaram\u00a0um profundo estudo<\/a>\u00a0sobre a regra, nos EUA. A conclus\u00e3o confirma a intui\u00e7\u00e3o: a cobran\u00e7a da franquia de bagagem tende, de fato, a diminuir o pre\u00e7o das passagens.<\/p>\n

A imprensa brasileira sequer checou o significado dos dados antes de divulga-los<\/strong><\/p>\n

Algum leitor mais c\u00e9tico apontar\u00e1 (com raz\u00e3o) que os resultados n\u00e3o necessariamente se aplicam ao Brasil. Afinal, segundo os dados citados por reportagens da grande imprensa, as tarifas subiram ap\u00f3s a autoriza\u00e7\u00e3o da franquia. No entanto, ainda n\u00e3o podemos inferir nada.<\/p>\n

Os dados usados pelas reportagens, tanto do IBRE quanto do IBGE, n\u00e3o se prestam a avaliar o impacto da medida sobre as tarifas. S\u00e3o apenas uma parte dos \u00edndices de infla\u00e7\u00e3o que essas institui\u00e7\u00f5es produzem.<\/p>\n

O primeiro problema \u00e9 que a cobran\u00e7a de franquia vigora desde o final de junho.<\/a>\u00a0IBRE e IBGE colhem os pre\u00e7os de passagens compradas 30 dias antes do m\u00eas em que ocorre a viagem, no caso do IBRE, e 60 dias antes, no caso do IBGE. Assim, a varia\u00e7\u00e3o de junho a parte de julho relatada pelo IBRE e a registrada de junho a parte de agosto pelo IBGE antecedem a mudan\u00e7a e n\u00e3o lhe podem ser atribu\u00eddas.<\/p>\n

Ainda mais grave, vale notar que\u00a0o IBGE passou a incluir as despesas com taxa de bagagem ao pre\u00e7o da passagem a partir de setembro<\/a>, de modo que os dados do IPCA incluem o pre\u00e7o cheio. N\u00e3o s\u00e3o \u00fateis a esta an\u00e1lise, portanto.<\/p>\n

Por fim,\u00a0como\u00a0algumas\u00a0oferecem os dois tipos de passagem<\/a>\u00a0(com e sem taxa de bagagem) e os dados s\u00e3o agregados, i.e., fazem uma m\u00e9dia das tarifas de todas as empresas nas regi\u00f5es estudadas, n\u00e3o conseguimos observar o que aconteceu em cada caso.<\/p>\n

Em suma, os dados do IBRE e do IBGE n\u00e3o podem ser usados para avaliar o efeito da cobran\u00e7a de franquia sobre as tarifas.<\/u><\/p>\n

A imprensa brasileira cometeu erros infantis de an\u00e1lise<\/strong><\/p>\n

Esclarecidos os defeitos dos dados, h\u00e1 ainda falha metodol\u00f3gicas graves. H\u00e1 outros fatores que influem nas tarifas – o pre\u00e7o do combust\u00edvel, a atividade econ\u00f4mica, a sazonalidade, etc., e variam ao longo do tempo. Se essas vari\u00e1veis s\u00e3o relevantes e est\u00e3o mudando, pelo menos parte da varia\u00e7\u00e3o dos pre\u00e7os decorre delas. Desta forma, um estudo muito mais complexo seria necess\u00e1rio para identificar o efeito de cada vari\u00e1vel para isolar o impacto da franquia de bagagem.<\/p>\n

Tomemos como exemplo a\u00a0sazonalidade: tarifas tendem a subir em certas \u00e9pocas do ano e cair em outras por motivos diversos – per\u00edodos de f\u00e9rias, feriados e outros eventos com frequ\u00eancia anual ou maior influenciam a demanda por transporte a\u00e9reo. Alunos de economia aprendem, desde a gradua\u00e7\u00e3o, os problemas em analisar uma s\u00e9rie sazonal sem o devido cuidado.<\/p>\n

Desenhamos o padr\u00e3o sazonal no gr\u00e1fico abaixo com a varia\u00e7\u00e3o mensal mediana da tarifa m\u00e9dia por m\u00eas , conforme os dados do IPCA de 2009 at\u00e9 setembro de 2017.<\/p>\n

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N\u00e3o escapar\u00e1 ao leitor que a sazonalidade favorece o aumento das tarifas de voos realizados de junho a setembro – e, portanto, \u00e9 razo\u00e1vel supor que ela explique em parte os aumentos observados. Ademais, nota-se tamb\u00e9m que a vari\u00e2ncia da taxa de crescimento mensal das tarifas \u00e9 tamanha que poderia ofuscar o impacto da cobran\u00e7a da franquia.<\/p>\n

Em suma, \u00e9 perfeitamente poss\u00edvel que os opositores da cobran\u00e7a da franquia de bagagem estejam certos. No entanto, para sustentarem sua tese \u00e9 necess\u00e1rio que: a) entendam e usem os dados adequados; e b) controlem os efeitos de outros fatores com m\u00e9todos adequados.<\/p>\n

Este texto foi original publicado na p\u00e1gina do <\/em>Instituto Mercado Popular<\/em><\/a>, em 20 de outubro de 2017.<\/em><\/p>\n

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