{"id":3064,"date":"2017-10-12T12:28:13","date_gmt":"2017-10-12T15:28:13","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3064"},"modified":"2017-10-13T14:10:16","modified_gmt":"2017-10-13T17:10:16","slug":"por-que-desprezamos-as-criancas-brasileiras-na-constituicao","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3064","title":{"rendered":"Por que desprezamos as crian\u00e7as brasileiras na Constitui\u00e7\u00e3o?"},"content":{"rendered":"

12 de outubro \u00e9 o dia das crian\u00e7as no Brasil, exatamente 1 semana depois do anivers\u00e1rio da Constitui\u00e7\u00e3o (que completou 29 anos neste 5 de outubro). A proximidade das datas no calend\u00e1rio contrasta com o fato da juventude ser a grande perdedora do pacto social de 1988. A reforma constitucional da Previd\u00eancia \u00e9 um dos caminhos para redimir o problema.<\/p>\n

Em tese, as crian\u00e7as pobres est\u00e3o abarcadas na Constitui\u00e7\u00e3o. S\u00e3o mencionadas, por exemplo, no cap\u00edtulo da Seguridade. Na pr\u00e1tica, a Seguridade Social n\u00e3o apenas pouco lhes abra\u00e7a como gera escassez de recursos nas pol\u00edticas p\u00fablicas que podiam lhes atender. Vejamos.<\/p>\n

O que \u00e9 um seguro social?<\/strong><\/p>\n

Um seguro \u00e9 prote\u00e7\u00e3o contra uma perda financeira. Um seguro social – como os previstos na nossa Constitui\u00e7\u00e3o e que batizam o nosso INSS (o Instituto Nacional do Seguro<\/em> Social) – \u00e9 um seguro contra a perda de capacidade de trabalho. Analogamente, um seguro de carro protege contra a perda financeira por acidentes com um ve\u00edculo, e um plano de sa\u00fade contra a perda com despesas m\u00e9dicas.<\/p>\n

A aposentadoria \u00e9 o principal seguro social. Protege contra a impossibilidade de trabalhar por idade avan\u00e7ada. Diante do aumento da expectativa de vida, muitos pa\u00edses tem mudado este seguro. N\u00e3o \u00e9 o caso do Brasil, onde sequer existe idade m\u00ednima no seguro contra a idade avan\u00e7ada.\u00a0 Apenas outros 12 pa\u00edses do mundo dispensam este requisito, como S\u00edria, I\u00eamen e Iraque.<\/p>\n

Na verdade, existe idade m\u00ednima para os pobres: ela s\u00f3 \u00e9 dispensada para os que alcan\u00e7am mais de 30 anos de carteira assinada. Isto \u00e9, uma minoria mais escolarizada e rica da popula\u00e7\u00e3o (a idade m\u00ednima do pobre por sua vez chega a 65 anos).<\/p>\n

Esta previs\u00e3o constitucional custa caro. A aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o sozinha custou mais de R$ 130 bilh\u00f5es em 2016, valor que cresce aceleradamente. \u00c9 mais do que a Uni\u00e3o gasta com educa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Outro seguro social importante \u00e9 a pens\u00e3o por morte, recebida em um dos piores momentos da vida familiar. Este seguro protege a fam\u00edlia contra a perda financeira decorrente do falecimento do provedor. Teoricamente este seguro deveria repor a renda.<\/p>\n

Excepcionalmente no Brasil, ele amplia a renda familiar. Na linguagem fria dos seguros, \u00e9 como se um plano de sa\u00fade pagasse ao segurado mais do que o valor que pagou por um servi\u00e7o m\u00e9dico.<\/p>\n

Em outros pa\u00edses, este seguro \u00e9 desenhado para proteger membros da fam\u00edlia que n\u00e3o podem gerar renda, como crian\u00e7as ou idosos. Por isso, paga-se menos a fam\u00edlias sem filhos ou em que o c\u00f4njuge \u00e9 novo e tem condi\u00e7\u00f5es de trabalhar. No Brasil, paga-se o mesmo para uma fam\u00edlia com muitas crian\u00e7as e uma fam\u00edlia sem dependentes em que o c\u00f4njuge trabalha e tem renda pr\u00f3pria.<\/p>\n

Al\u00e9m de desafiar o compromisso de um seguro, este benef\u00edcio tamb\u00e9m tem valor bem acima da renda m\u00e9dia nacional \u2013 de onde s\u00e3o extra\u00eddos tributos para custe\u00e1-los, sequer contribuindo portanto para a redu\u00e7\u00e3o da desigualdade.<\/p>\n

Em 2016, a Uni\u00e3o tamb\u00e9m gastou com pens\u00e3o por morte mais de R$ 130 bilh\u00f5es, ou mais de 2 vezes o que gastou com o Bolsa Fam\u00edlia. Parte deste gasto tamb\u00e9m \u00e9 ordenado pela Constitui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Haver\u00e1 uma dificuldade cada vez maior de financiar esses benef\u00edcios pelo envelhecimento da popula\u00e7\u00e3o, que diminui a arrecada\u00e7\u00e3o e simultaneamente aumenta os gastos.\u00a0 Este processo \u00e9 muito mais veloz no Brasil do que foi em pa\u00edses desenvolvidos: a transi\u00e7\u00e3o demogr\u00e1fica que o pa\u00eds est\u00e1 fazendo em 20 anos foi feita durante 115 anos na Fran\u00e7a.<\/p>\n

E as crian\u00e7as?<\/strong><\/p>\n

Enquanto gastamos muito com seguros constitucionais como as aposentadorias por tempo de contribui\u00e7\u00e3o ou as pens\u00f5es, outros riscos sociais mal s\u00e3o protegidos. O risco de nascer em uma fam\u00edlia extremamente pobre sequer \u00e9 lembrado na Constitui\u00e7\u00e3o. Os perdedores da \u201cloteria do nascimento\u201d s\u00e3o amparados pelo programa Bolsa Fam\u00edlia, infraconstitucional, com benef\u00edcios de apenas R$ 39 para cada crian\u00e7a.<\/p>\n

O governo j\u00e1 gasta 57% de sua despesa prim\u00e1ria com benef\u00edcios de natureza previdenci\u00e1ria, seja os operados pelo INSS ou os dos servidores p\u00fablicos. Nos pr\u00f3ximos 10 anos, se nada mudar, esta despesa chegar\u00e1 a 80% deste or\u00e7amento, comprimindo todas as demais, como a educa\u00e7\u00e3o \u2013 que j\u00e1 leva s\u00f3 3% – e o pr\u00f3prio Bolsa Fam\u00edlia \u2013 que hoje s\u00f3 responde por 2%.<\/p>\n

Isso n\u00e3o seria tanto um problema para as crian\u00e7as e jovens se eles morassem em fam\u00edlias beneficiadas pela Previd\u00eancia. N\u00e3o \u00e9 o caso: quase 90% dos idosos que recebem aposentadoria ou pens\u00e3o n\u00e3o moram com jovens de at\u00e9 15 anos em suas casas. (Tafner et al., 2015)<\/p>\n

O quadro \u00e9 dram\u00e1tico: entre os 20% mais pobres do pa\u00eds, 1\/3 s\u00e3o crian\u00e7as e adolescentes de at\u00e9 14 anos. Idosos s\u00e3o apenas 6% (Camarano et al., 2014). A situa\u00e7\u00e3o tende a melhorar com reforma trabalhista, que derruba barreiras \u00e0 entrada de pais e m\u00e3es jovens pouco qualificados no mercado de trabalho formal. Mas a reforma constitucional da Previd\u00eancia continua essencial para reverter as distor\u00e7\u00f5es do pacto social de 88 conjugado com o envelhecimento populacional veloz.<\/p>\n

As crian\u00e7as pobres s\u00e3o as mais afetadas pela falta de recursos no saneamento b\u00e1sico (a mortalidade infantil ainda \u00e9 5 vezes maior do que em Portugal, o dobro da do Chile) e na educa\u00e7\u00e3o (gasto por aluno 3 vezes menor no ensino fundamental que superior). Quando estiverem um pouco mais velhas, ser\u00e3o a parcela da popula\u00e7\u00e3o que mais morre violentamente. Isso n\u00e3o vai melhorar com o crescimento desenfreado dos gastos previdenci\u00e1rios.<\/p>\n

Os benef\u00edcios da Seguridade previstos na Constitui\u00e7\u00e3o desafiam a l\u00f3gica de seguro, como preconizada pela OIT e praticada em outros pa\u00edses (pior no caso de servidores p\u00fablicos). Boa parte desses benef\u00edcios s\u00e3o voltados aos mais ricos, especialmente porque os pobres no Brasil s\u00e3o principalmente crian\u00e7as que n\u00e3o moram em fam\u00edlias benefici\u00e1rias da Previd\u00eancia. Estes benef\u00edcios custam caro em um pa\u00eds endividado e com juros altos, com carga tribut\u00e1ria regressiva, e com servi\u00e7os p\u00fablicos carentes de recursos. At\u00e9 quando poderemos chamar de Carta Cidad\u00e3 um documento que n\u00e3o protege, ou at\u00e9 pretere, os mais pobres do pa\u00eds, justamente suas crian\u00e7as?<\/p>\n

Refer\u00eancias:<\/strong><\/p>\n

CAMARANO, A, A; KANSO, S.; BARBOSA, P.; ALC\u00c2NTARA, V. S. Desigualdades na Din\u00e2mica\u00a0Demogr\u00e1fica e as suas Implica\u00e7\u00f5es na Distribui\u00e7\u00e3o de Renda no Brasil. In: CAMARANO, A. A. (Org.).
\nNovo Regime Demogr\u00e1fico<\/em>: uma nova rela\u00e7\u00e3o entre popula\u00e7\u00e3o e desenvolvimento?. Rio de Janeiro:\u00a0Ipea, 2014. Dispon\u00edvel em: http:\/\/www.ipea.gov.br\/portal\/index.php?option=com_content&view<\/a>
\n =article&id=23975.<\/p>\n

TAFNER, P.; BOTELHO, C.; ERBISTI, R. Debates sobre Previd\u00eancia: Confus\u00f5es, Pol\u00eamicas Iniciais\u00a0e Mitos. In: TAFNER, P.; BOTELHO, C.; ERBISTI, R. (Org.). Reforma da Previd\u00eancia<\/em>: A Visita da
\nVelha Senhora. Bras\u00edlia: Gest\u00e3o P\u00fablica, 2015.<\/p>\n

https:\/\/data.worldbank.org\/indicator\/SP.DYN.IMRT.IN<\/a><\/p>\n

https:\/\/www12.senado.leg.br\/publicacoes\/estudos-legislativos\/tipos-de-estudos\/textos-para-discussao\/td219\/view<\/a><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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