{"id":3050,"date":"2017-09-29T10:57:38","date_gmt":"2017-09-29T13:57:38","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3050"},"modified":"2017-09-29T10:57:38","modified_gmt":"2017-09-29T13:57:38","slug":"quem-ganha-com-a-proibicao-dos-aplicativos-de-transporte","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3050","title":{"rendered":"Quem ganha com a proibi\u00e7\u00e3o dos aplicativos de transporte?"},"content":{"rendered":"

Economistas que defendem o mercado costumam argumentar que o mesmo \u00e9 capaz de maximizar o bem-estar quando este \u00e9 dito competitivo. Todavia, para que se atinja tal objetivo \u00e9 necess\u00e1rio que o mercado possua algumas caracter\u00edsticas que nem sempre s\u00e3o encontradas na realidade. A primeira caracter\u00edstica \u00e9 que devem existir um n\u00famero grande de consumidores e produtores tal que estes n\u00e3o sejam capazes de influenciar sozinhos o pre\u00e7o do produto. A segunda \u00e9 que o produto deva ser homog\u00eaneo de forma que seja imposs\u00edvel distinguir o produto de um produtor ou outro. E por \u00faltimo, mas, n\u00e3o menos importante, deve haver livre entrada de consumidores e produtores. Poucos mercados conseguem satisfazer estas tr\u00eas condi\u00e7\u00f5es, no entanto, a tecnologia e suas plataformas com dois lados est\u00e3o nos aproximando do que chamamos de um verdadeiro mercado competitivo. Este \u00e9 o caso dos aplicativos de transporte por ve\u00edculos.<\/p>\n

Durante muito tempo para ter acesso a um servi\u00e7o de transporte seguro foi necess\u00e1rio a interven\u00e7\u00e3o estatal selecionando ve\u00edculos e motoristas aptos a prestar o servi\u00e7o de transporte que convencionamos chamar de t\u00e1xi. A chancela estatal era a garantia de que o servi\u00e7o era prestado com seguran\u00e7a e por um pre\u00e7o capaz de garantir a sustentabilidade econ\u00f4mica do servi\u00e7o, ou seja, capaz de atender a todas exig\u00eancias impostas pela regula\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o e ainda capaz de remunerar o motorista de forma satisfat\u00f3ria. Entretanto, na pr\u00e1tica o que se observou \u00e9 que este modelo apresenta v\u00e1rios problemas. Em primeiro lugar, a remunera\u00e7\u00e3o satisfat\u00f3ria foi garantida atrav\u00e9s de restri\u00e7\u00f5es \u00e0 entrada de novos ve\u00edculos. Isto fez com que surgisse um mercado de licen\u00e7as e os “empres\u00e1rios ” do setor, isto porque estas licen\u00e7as passaram a valer fortunas de forma que seus propriet\u00e1rios n\u00e3o mais precisassem trabalhar no transporte de passageiros. Os ganhos com o aluguel da licen\u00e7a eram o suficiente para garantir um neg\u00f3cio rent\u00e1vel. Em segundo lugar, como as licen\u00e7as e a determina\u00e7\u00e3o de pre\u00e7os s\u00e3o um monop\u00f3lio estatal que determina a lucratividade do setor e a exist\u00eancia dos tais empres\u00e1rios, se abriu a possibilidade de haver ganhos por parte do pr\u00f3prio regulador que passaram a ser cooptados. O resultado deste jogo de interesses \u00e9 de conhecimento de todos: um servi\u00e7o caro e insatisfat\u00f3rio para consumidores.<\/p>\n

At\u00e9 bem pouco tempo atr\u00e1s pouco podia ser feito para mudar este cen\u00e1rio, uma vez que, a alternativa era um servi\u00e7o desregulado cujos resultados s\u00e3o t\u00e3o ou mais insatisfat\u00f3rios do que o modelo regulado. Eis que surgiram os aplicativos de transporte como uma alternativa aos at\u00e9 ent\u00e3o \u00fanicos modelos poss\u00edveis. Se engana quem acredita que os aplicativos sejam substitutos ao servi\u00e7o de t\u00e1xi. Na verdade, estes s\u00e3o os substitutos da regula\u00e7\u00e3o estatal e por esta raz\u00e3o n\u00e3o deveriam ser regulados, pois a sua regula\u00e7\u00e3o implica na elimina\u00e7\u00e3o das raz\u00f5es para a sua exist\u00eancia. A regula\u00e7\u00e3o proposta pelos aplicativos tem pelo menos duas vantagens evidentes com rela\u00e7\u00e3o ao modelo de regula\u00e7\u00e3o estatal vigente.<\/p>\n

A primeira vantagem \u00e9 seu crit\u00e9rio para entrada, muitas vezes criticado. Embora se diga que qualquer um possa ser um motorista e que isto pode gerar risco para passageiros, este argumento ignora o fato de que a entrada \u00e9 o menos importante, pois na verdade o que importa \u00e9 quem fica. E neste ponto os aplicativos mostram ser muito superiores a regula\u00e7\u00e3o estatal, uma vez que, o julgamento de quem ir\u00e1 permanecer oferecendo o servi\u00e7o pelo aplicativo \u00e9 feita pelos pr\u00f3prios consumidores, que atribuem notas a cada servi\u00e7o prestado. Motoristas com notas persistentemente ruins s\u00e3o exclu\u00eddos. Isto cria incentivos para que o servi\u00e7o seja prestado com o maior esmero por parte dos motoristas. No modelo estatal, esta decis\u00e3o \u00e9 tomada por um burocrata que muito provavelmente nem utiliza o servi\u00e7o e cuja a\u00e7\u00e3o depende de den\u00fancias feitas por consumidores. Den\u00fancias estas que n\u00e3o s\u00e3o feitas sem custos. \u00c9 necess\u00e1rio saber a quem encaminhar uma reclama\u00e7\u00e3o. N\u00e3o \u00e9 necess\u00e1rio ir muito adiante neste argumento para mostra que o modelo estatal \u00e9 completamente ineficiente este ponto. Basta imaginar como seria a situa\u00e7\u00e3o de um estrangeiro cujo motorista de t\u00e1xi resolveu estender a sua corrida por mais alguns quil\u00f4metros. Desta forma, motoristas amparados em uma quase inabal\u00e1vel estabilidade, n\u00e3o tem qualquer incentivo a prestar um bom servi\u00e7o.<\/p>\n

A segunda vantagem se d\u00e1 na forma como os pre\u00e7os dos servi\u00e7os s\u00e3o estabelecidos. No modelo estatal, os pre\u00e7os s\u00e3o estabelecidos de forma a acomodar os interesses dos grupos organizados (donos de licen\u00e7as e reguladores) em detrimento aos n\u00e3o organizados (consumidores). Por sua vez, os aplicativos s\u00e3o capazes de estabelecer pre\u00e7os din\u00e2micos capazes de manter equilibrados a oferta e a demanda pelo servi\u00e7o. Os pre\u00e7os devem ser satisfat\u00f3rios tanto para motoristas quanto para consumidores. Eis aqui um ponto que merece um coment\u00e1rio. Motoristas de aplicativos costumam reclamar dos baixos valores recebidos por corridas, todavia estes ignoram os efeitos que um aumento de pre\u00e7os tem na entrada de novos motoristas. Pre\u00e7os mais altos implicam em mais motoristas dispostos a ofertar o servi\u00e7o que implicam em menos corridas por motorista o que pode implicar em rendimentos totais menores para os motoristas. Ganhos maiores somente estariam garantidos com um n\u00famero fixo de motoristas.<\/p>\n

Estas duas caracter\u00edsticas, livre entrada e sa\u00edda de motoristas e consumidores e pre\u00e7os din\u00e2micos, somadas a um servi\u00e7o homog\u00eaneo\u00a0 (em que o ve\u00edculo e o motoristas prestam um servi\u00e7o com poucas diferen\u00e7as observ\u00e1veis) e a concorr\u00eancia entre os pr\u00f3prios aplicativos\u00a0 geram um mercado pr\u00f3ximo ao mercado competitivo te\u00f3rico proposto pelos economistas em que os aplicativos substituem a famosa m\u00e3o invis\u00edvel proposta por Adam Smith (mediante um custo, \u00e9 claro), enquanto o modelo atual se aproxima a um monop\u00f3lio regulado. Nesse sentido, o Projeto de Lei 28\/2017 que deve ser votado nesta semana representa um retrocesso. O projeto estabelece a responsabilidade exclusiva os munic\u00edpios de regulamentar e fiscalizar o servi\u00e7o de transporte de passageiros e estabelece diretrizes para a habilita\u00e7\u00e3o de ve\u00edculos e motoristas. De forma que retira o poder de fiscaliza\u00e7\u00e3o dos consumidores e retira a capacidade dos aplicativos selecionar motoristas de acordo com seus crit\u00e9rios. Ou seja, o projeto inviabiliza os aplicativos e estabelece diretrizes que restringem ainda mais a entrada de novos ve\u00edculos e motoristas.<\/p>\n

Em princ\u00edpio poderia se imaginar que tal Lei proteger\u00e1 os consumidores e garantir\u00e1 os ganhos dos motoristas de t\u00e1xi.\u00a0 No entanto, isto n\u00e3o \u00e9 verdade. Isto porque as evidencias emp\u00edricas dispon\u00edveis mostram que atualmente estes trabalham com consumidores e fatias de mercados distintas. Os t\u00e1xis fornecem servi\u00e7os para consumidores com maior renda e tem sua participa\u00e7\u00e3o no mercado garantida pelos pontos de t\u00e1xi, tais como, sa\u00eddas de aeroportos, rodovi\u00e1rias, etc… Enquanto os aplicativos trabalham com consumidores de menor renda, que substituem os outros tipos de transporte p\u00fablico, tais como trens e \u00f4nibus.\u00a0 Portanto, ambos podem coexistir sem que haja preju\u00edzo mutuo. Quem ganha com isto \u00e9 o consumidor, que possui um poder de escolha.<\/p>\n

Enfim, considerando os argumentos expostos \u00e9 poss\u00edvel concluir que os aplicativos de transporte n\u00e3o podem ser regulados porque qualquer tentativa de cercear a liberdade dos mesmos em escolher seus motoristas e seus pre\u00e7os nos afasta do mercado competitivo e nos aproxima do monop\u00f3lio que sempre existiu no setor, o que implica em perdas significativas de bem estar, tanto de consumidores, em especial os que possuem menor renda, quanto de potenciais motoristas, que perdem esta oportunidade de trabalho em um momento que a economia brasileira n\u00e3o fornece muitas op\u00e7\u00f5es. Todos perdem com a aprova\u00e7\u00e3o desta Lei, com a exce\u00e7\u00e3o dos fornecedores de licen\u00e7as, fiscais e donos de licen\u00e7as, que podem extrair rendas atrav\u00e9s de privil\u00e9gios.<\/p>\n

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Textos recomendados<\/strong>:<\/p>\n

OLIVEIRA, C. MACHADO, G. C. O impacto da entrada da Uber no mercado de trabalho de motoristas de taxi no Brasil: evid\u00eancias a partir de dados longitudinais.<\/a> Working paper, Junho de 2017.<\/p>\n

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