{"id":2981,"date":"2017-03-30T12:54:41","date_gmt":"2017-03-30T15:54:41","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2981"},"modified":"2017-03-30T14:23:57","modified_gmt":"2017-03-30T17:23:57","slug":"aprenda-a-criar-um-superavit-na-previdencia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2981","title":{"rendered":"Aprenda a criar um super\u00e1vit na Previd\u00eancia"},"content":{"rendered":"
A Previd\u00eancia \u00e9 uma gigantesca m\u00e1quina de redistribui\u00e7\u00e3o de renda – nem sempre para os mais pobres – transferindo recursos entre gera\u00e7\u00f5es, regi\u00f5es, categorias profissionais e g\u00eaneros. \u00c9, portanto, natural que uma reforma desta m\u00e1quina de redistribui\u00e7\u00e3o gere resist\u00eancias.<\/p>\n
***<\/p>\n
\u00c9 dif\u00edcil questionar a r\u00e1pida transi\u00e7\u00e3o demogr\u00e1fica por qual passa o pa\u00eds. Entretanto, se voc\u00ea precisa se opor de maneira contundente a mudan\u00e7as na Previd\u00eancia, tem como op\u00e7\u00e3o alegar que n\u00e3o existe necessidade de mudan\u00e7as porque nela sobra dinheiro, ou dizer que \u201ca Previd\u00eancia tem super\u00e1vit\u201d. Este pode ser o seu caso se voc\u00ea representa em uma associa\u00e7\u00e3o uma carreira de servidores p\u00fablicos com privil\u00e9gios amea\u00e7ados pelo discurso de reforma, ou se voc\u00ea representa advogados cujos honor\u00e1rios dependem de decis\u00f5es judiciais contra o INSS. \u00a0<\/em><\/p>\n Este texto ensina quatro manobras cont\u00e1beis para criar um super\u00e1vit na Previd\u00eancia, subsidiando a ret\u00f3rica de que a Previd\u00eancia n\u00e3o precisa de reforma.<\/em><\/p>\n <\/p>\n 1. Pegue o dinheiro da sa\u00fade e incorpore \u00e0 Previd\u00eancia, dizendo que \u201ca Seguridade Social precisa ser analisada como um todo\u201d. <\/em><\/strong><\/p>\n Quando se diz que a Previd\u00eancia n\u00e3o tem d\u00e9ficit porque a Seguridade Social \u00e9 superavit\u00e1ria, a l\u00f3gica impl\u00edcita \u00e9 que as outras \u00e1reas da Seguridade devem financiar a Previd\u00eancia: s\u00e3o elas a assist\u00eancia social e, principalmente, a sa\u00fade.1<\/sup>\u00a0 <\/em><\/p>\n Evidentemente essa l\u00f3gica n\u00e3o pode ficar clara.<\/em><\/p>\n Por isso, use termos complicados para se referir a este dinheiro, como Contribui\u00e7\u00e3o Social sobre o Lucro L\u00edquido, ou de prefer\u00eancia siglas, como CSLL ou Cofins. <\/em><\/p>\n Al\u00e9m de siglas, voc\u00ea pode tamb\u00e9m usar um argumento pretensamente legalista, dizendo que essa manobra era na verdade o desejo do \u201cconstituinte origin\u00e1rio\u201d.<\/em><\/p>\n Por\u00e9m, voc\u00ea tem um problema: esta conta tamb\u00e9m apresenta d\u00e9ficit, de cerca de R$ 250 bilh\u00f5es. V\u00e1 para a manobra (2).<\/em><\/p>\n \u00a0<\/em><\/strong><\/p>\n 2. Pegue o dinheiro da educa\u00e7\u00e3o e incorpore \u00e0 Previd\u00eancia, dizendo que \u201co governo desvincula receitas da Seguridade\u201d.<\/em><\/strong><\/p>\n Quando se diz que a Desvincula\u00e7\u00e3o de Receitas da Uni\u00e3o (DRU) retira recursos da Previd\u00eancia, ignora-se que a DRU n\u00e3o incide sobre a receita de contribui\u00e7\u00f5es previdenci\u00e1rias, apenas sobre contribui\u00e7\u00f5es sociais. <\/em><\/p>\n Mesmo no caso dessas contribui\u00e7\u00f5es, \u00e9 preciso lembrar que a DRU na verdade foi criada como instrumento para evitar que o governo federal dividisse sua arrecada\u00e7\u00e3o com Estados e Munic\u00edpios, o que \u00e9 uma obriga\u00e7\u00e3o no caso de impostos, mas n\u00e3o no caso de contribui\u00e7\u00f5es sociais (que por sua vez, s\u00f3 poderiam ser usadas na Seguridade).\u00a0 Desvincul\u00e1-las da Seguridade foi a solu\u00e7\u00e3o, permitindo o aumento de al\u00edquotas e da base de tributa\u00e7\u00e3o, mas ampliando a arrecada\u00e7\u00e3o somente do governo federal.<\/em><\/p>\n Simplificadamente, isso quer dizer que, ainda que a DRU n\u00e3o tenha a import\u00e2ncia que teve no passado, encerr\u00e1-la retiraria uma flexibilidade que prejudicaria ao longo do ano a execu\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas e investimentos da Uni\u00e3o em \u00e1reas como educa\u00e7\u00e3o, ci\u00eancia & tecnologia, cultura, defesa nacional, energia, meio ambiente, habita\u00e7\u00e3o, saneamento, seguran\u00e7a p\u00fablica, transportes, etc.<\/em><\/p>\n Evidentemente essa l\u00f3gica tamb\u00e9m n\u00e3o pode ficar clara.<\/em><\/p>\n Por isso, omita as consequ\u00eancias de acabar com a DRU. Outra op\u00e7\u00e3o, mais desonesta, \u00e9 dizer que a DRU paga juros da d\u00edvida p\u00fablica, ainda que isso seja n\u00e3o seja verdade.2<\/sup><\/em><\/p>\n Infelizmente, voc\u00ea ainda tem um problema: mesmo que voc\u00ea considere a DRU como uma receita da Seguridade, o d\u00e9ficit teima em existir, e \u00e9 de cerca de R$ 165 bilh\u00f5es. Passe para a manobra (3)<\/em><\/p>\n \u00a0<\/em><\/p>\n 3. Suma com as aposentadorias e pens\u00f5es de servidores p\u00fablicos, dizendo que n\u00e3o fazer isso \u00e9 inconstitucional. <\/em><\/strong><\/p>\n Agora retire do Or\u00e7amento da Seguridade Social<\/u> o Plano de Seguridade Social<\/u> do servidor, isto \u00e9, as aposentadorias e pens\u00f5es dos funcion\u00e1rios p\u00fablicos. Este sistema arrecada bem menos do que gasta, e por isso excluir ele da Seguridade vai afetar pouco a receita, mas vai diminuir bastante a despesa. <\/em><\/p>\n Al\u00e9m de provocar um super\u00e1vit, essa exclus\u00e3o evita questionamentos sobre vantagens deste sistema que ainda existem em rela\u00e7\u00e3o ao Regime Geral, como o direito \u00e0 paridade (o direito de receber do contribuinte um aumento acima da infla\u00e7\u00e3o que ele mesmo jamais vai receber) e o direito \u00e0 integralidade (o direito de receber o maior sal\u00e1rio da carreira sem ter contribu\u00eddo para isso). <\/em><\/p>\n Essas vantagens podem ser percebidas como privil\u00e9gios, afinal trata-se, dentre os grandes grupos de despesa da Uni\u00e3o, do que mais concentra renda. Portanto, \u00e9 estrat\u00e9gico que essas despesas n\u00e3o se misturem com as despesas dos mais pobres<\/span> da Seguridade. N\u00e3o diga nada sobre como financiar estes benef\u00edcios.<\/em><\/p>\n Voc\u00ea pode apelar novamente ao \u201cconstituinte origin\u00e1rio\u201d, alegando que ele n\u00e3o queria que esta despesa fosse considerada da Seguridade porque a Constitui\u00e7\u00e3o trata de servidores p\u00fablicos no cap\u00edtulo \u201cDa Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica\u201d e n\u00e3o no cap\u00edtulo \u201cDa Seguridade Social\u201d. <\/em><\/p>\n A l\u00f3gica \u00e9 fr\u00e1gil: a aposentadoria de um auditor fiscal de uma prefeitura que n\u00e3o possua regime pr\u00f3prio \u00e9 feita pelo INSS e entra na conta da Seguridade, mas a aposentadoria de um auditor fiscal da Receita Federal n\u00e3o entraria. J\u00e1 o regime de previd\u00eancia complementar pertence na Constitui\u00e7\u00e3o ao cap\u00edtulo \u201cDa Seguridade Social\u201d e, nessa l\u00f3gica, a aposentadoria de um fundo privado deveria entrar na conta. <\/em><\/p>\n Releve: a quem questionar este argumento topogr\u00e1fico, diga que n\u00e3o fazer esta manobra \u00e9 in-cons-ti-tu-ci-o-nal. <\/em><\/p>\n Seu problema foi resolvido: foi criado o super\u00e1vit. Pode preparar um v\u00eddeo para espalhar no Whatsapp.<\/em><\/p>\n Entretanto, h\u00e1 um pequeno complicador. As tr\u00eas manobras resultam em super\u00e1vit apenas at\u00e9 2015. Mesmo com os procedimentos aqui elencados, o teimoso d\u00e9ficit surge em 2016. V\u00e1 para o passo (4).<\/em><\/p>\n \u00a0<\/em><\/p>\n 4. Esconda o resultado desta conta para 2016 e para os pr\u00f3ximos anos. <\/em><\/strong><\/p>\n N\u00e3o importa que estejamos em 2017 e que a reforma da Previd\u00eancia trate do futuro do pa\u00eds, especialmente das pr\u00f3ximas d\u00e9cadas, e n\u00e3o do passado. \u00c9 somente com dados desatualizados que voc\u00ea pode dizer que existe super\u00e1vit.<\/em><\/p>\n ***<\/p>\n Ironias \u00e0 parte, o debate sobre financiamento da Seguridade Social poderia ser pertinente e saud\u00e1vel. O d\u00e9ficit \u00e9 um indicador sujeito a reflex\u00f5es, como \u00e9 o PIB de um pa\u00eds (que diz pouco sobre sua qualidade de vida), o peso de uma pessoa (que diz pouco sobre as condi\u00e7\u00f5es de suas art\u00e9rias) e o n\u00famero de gols em uma partida de futebol (que n\u00e3o revela necessariamente quem jogou melhor).<\/p>\n O d\u00e9ficit financeiro da Previd\u00eancia diz pouco sobre seu equil\u00edbrio ou desequil\u00edbrio atuarial. Em especial, o d\u00e9ficit financeiro, isoladamente, \u00e9 alheio ao debate sobre qual deve ser a participa\u00e7\u00e3o do Estado de um pa\u00eds t\u00e3o desigual em financiar grupos que s\u00e3o subsidiados na Previd\u00eancia (como vem sendo discutido neste blog).<\/p>\n Todavia, infelizmente esta bem-vinda discuss\u00e3o deu lugar a uma rudimentar teoria da conspira\u00e7\u00e3o de que sucessivos governos enganam a sociedade e desviam recursos da Previd\u00eancia, negando a necessidade de mudan\u00e7as em uma quest\u00e3o estrat\u00e9gica para o pa\u00eds. Esta ret\u00f3rica alimenta a desinforma\u00e7\u00e3o no debate nacional, a indigna\u00e7\u00e3o das fam\u00edlias brasileiras e provocou recentemente at\u00e9 mesmo uma antol\u00f3gica decis\u00e3o judicial censurando os dados previdenci\u00e1rios do pa\u00eds3<\/sup>.<\/p>\n Os motivos das entidades que difundem esta tese permanecem pouco claros. O inc\u00f4modo sil\u00eancio sobre o resultado de sua metodologia para 2016, negativo em R$ 39 bilh\u00f5es pela estimativa da Institui\u00e7\u00e3o Fiscal Independente ou R$ 46 bilh\u00f5es pela estimativa do governo, sugere que o objetivo desses grupos de interesse pode n\u00e3o ser exatamente o de contribuir para a discuss\u00e3o. \u00a0O argumento de que a Previd\u00eancia n\u00e3o tem d\u00e9ficit, cujo corol\u00e1rio \u00e9 de que a Previd\u00eancia tem super\u00e1vit, \u00e9 sustentado por premissas question\u00e1veis que n\u00e3o s\u00e3o expostas de maneira transparente \u00e0 sociedade (ou que n\u00e3o aparecem nos v\u00eddeos do Whatsapp<\/em>). Com um pouco de bom humor, foram essas premissas que buscamos discutir neste texto.<\/p>\n _______________<\/p>\n 1<\/sup>\u00a0Cuja ess\u00eancia n\u00e3o s\u00e3o despesas de car\u00e1ter continuado, como benef\u00edcios previdenci\u00e1rios e assistenciais. <\/p>\n Download<\/strong><\/p>\n
\n2<\/sup>\u00a0Este discurso \u00e9 remanescente da \u00e9poca em que a Uni\u00e3o produzia super\u00e1vits prim\u00e1rios, isto \u00e9, usava a arrecada\u00e7\u00e3o de tributos para pagar a d\u00edvida p\u00fablica. O \u00faltimo ano em que isso aconteceu foi 2013 [supondo que o super\u00e1vit prim\u00e1rio oficial n\u00e3o foi maquiado), podendo acontecer de novo ao redor de 2020 \u2013 especialmente caso uma reforma da Previd\u00eancia seja aprovada.
\n3<\/sup>\u00a0http:\/\/portal.trf1.jus.br\/sjdf\/comunicacao-social\/imprensa\/noticias\/justica-federal-defere-em-parte-liminar-da-fenajufe-para-que-a-uniao-comprove-dados-sobre-deficit-na-previdencia-social.htm<\/a>.<\/p>\n