{"id":2969,"date":"2017-03-08T15:34:42","date_gmt":"2017-03-08T18:34:42","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2969"},"modified":"2017-03-08T16:37:37","modified_gmt":"2017-03-08T19:37:37","slug":"contra-a-retorica-antirreforma","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2969","title":{"rendered":"Contra a ret\u00f3rica antirreforma"},"content":{"rendered":"
O envio da Reforma Previdenci\u00e1ria (Proposta de Emenda Constitucional 287) ao Congresso traz a p\u00fablico alguns argumentos da ret\u00f3rica antirreforma, \u00e0 qual estaremos muito expostos a partir de agora. Embora os argumentos possam variar nas especificidades, temos poucas linhas gerais, que descrevo a seguir.<\/p>\n
O argumento do inimigo comum<\/strong>. O primeiro argumento antirreforma \u00e9 que a Reforma Previdenci\u00e1ria \u00e9 de interesse de um \u201cinimigo comum\u201d. O objetivo \u00e9 ter a maior base poss\u00edvel de oposi\u00e7\u00e3o. Para isso, quem utiliza esse argumento busca um inimigo a um s\u00f3 tempo pequeno em n\u00famero, poderoso e distante. Os banqueiros s\u00e3o sempre um forte candidato a \u201cinimigo comum\u201d: s\u00e3o poucos, poderosos e a maioria de n\u00f3s nunca p\u00f4s o olho em um. Se eles \u00e9 que est\u00e3o por tr\u00e1s da reforma, ela \u00e9 ruim.Outro candidato natural \u00e9 uma minoria de endinheirados. At\u00e9 h\u00e1 pouco, certos \u201cc\u00edrculos progressistas\u201d bradavam contra o \u201c1% mais rico\u201d. Como os \u201cc\u00edrculos progressistas\u201ddescobriram ser parte do 1% mais rico, elegeu-se agora o 0,1% mais rico como \u201cinimigo comum\u201d. O \u201cinimigo comum\u201d \u00e9 um ser maquiav\u00e9lico por tr\u00e1s da Reforma; ele \u00e9 que deveria pagar pelas dificuldades pelas quais passa o pa\u00eds, ao inv\u00e9s de\u201cpenalizarmos os trabalhadores mais pobres\u201d com uma reforma que \u201crestringe direitos\u201d.<\/p>\n No caso da Reforma Previdenci\u00e1ria, esquece-se convenientemente que os n\u00edveis de despesa com benef\u00edcios previdenci\u00e1rios no Brasil (mais de 13% do PIB) s\u00e3o incompat\u00edveis com a situa\u00e7\u00e3o demogr\u00e1fica do Pa\u00eds, limitam a realiza\u00e7\u00e3o de outros imperativos sociais (como aumentar os gastos com o SUS ou com o Bolsa Fam\u00edlia) e n\u00e3o s\u00e3o sequer redistributivos.<\/p>\n O argumento da injusti\u00e7a<\/strong>. O segundo grande argumento contra a Reforma busca encontrar casos espec\u00edficos nos quais a Reforma seriaexcessivamente dura. A partir dessa \u201cinjusti\u00e7a\u201d, faz-se a generaliza\u00e7\u00e3o: a Reforma como um todo \u00e9 conden\u00e1vel. O exemplo t\u00edpico \u00e9 a afirma\u00e7\u00e3o de que o trabalhador pobre come\u00e7a a trabalhar cedo e ser\u00e1 prejudicado com o fim da aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o. Esquece-se, convenientemente, que as idades m\u00e9dias de aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o s\u00e3o de 52 anos (mulheres) e 55 anos (homens) e que s\u00f3 se aposenta nessas idades pessoas que tiveram, no m\u00e1ximo,raros momentos na informalidade ou no desemprego. Essas pessoas certamente n\u00e3o s\u00e3o pobres. Os brasileiros pobres t\u00eam dificuldade de acumular tempo de contribui\u00e7\u00e3o em empregos formais. Quando conseguem se aposentar, o fazem por idade, aos 65 anos. Ou seja, os pobres j\u00e1 t\u00eam idade m\u00ednima.<\/p>\n Outro exemplo t\u00edpico do argumento da \u201cinjusti\u00e7a\u201d \u00e9 sugerir que as mulheres concentram os afazeres dom\u00e9sticos e, portanto, devem continuar a se aposentar cinco anos antes. Isso faz sentido? N\u00e3o, obviamente. O modelo previdenci\u00e1rio brasileiro sequer considera o trabalho informal nos crit\u00e9rios de aposentadoria. Milh\u00f5es de trabalhadoras informais, majoritariamente pobres, n\u00e3o podem bater \u00e0 porta da Previd\u00eancia para pedir benef\u00edcios em caso de doen\u00e7a, acidente de trabalhoou outro evento que as impe\u00e7a de trabalhar. Elas s\u00e3o exclu\u00eddas. Porque a previd\u00eancia, nesse contexto, deveria concedercinco anos a menos de idade e tempo de contribui\u00e7\u00e3o para trabalhadoras inclu\u00eddas no regime previdenci\u00e1rio? Das duas, uma: ou reformamos por completo a Previd\u00eancia, adotando um modelo universal que pague um benef\u00edcio b\u00e1sico (e n\u00e3o mais do que isso) para todos, independentemente de contribui\u00e7\u00e3o (o modelo beveridgiano); ou mantemos o regime contributivo atual (bismarckiano) mas, nesse caso, nada mais justo do que unificara idade para homens e mulheres.O que n\u00e3o d\u00e1 \u00e9 defender que apenas as mulheres inclu\u00eddas trabalhem menos cinco anos enquanto pobres, exclu\u00eddos e exclu\u00eddas, n\u00e3o tenham sequer direito \u00e0 cobertura previdenci\u00e1ria.<\/p>\n O argumento do \u2018se n\u00e3o for para todos, n\u00e3o pode ser para ningu\u00e9m\u2019<\/strong>. O terceiro argumento tenta demonstrar que existem pessoas ou grupos que n\u00e3o s\u00e3o atingidos pela reforma, o que invalida toda a proposta. O exemplo mais \u00f3bvio desse argumento \u00e9 a exce\u00e7\u00e3o que infelizmente foi feita \u00e0s For\u00e7as Armadas e que tem servido de combust\u00edvel para toda sorte de pirotecnia antirreforma. Esquece-se, convenientemente, que esta \u00e9 a mais abrangente proposta de Reforma Previdenci\u00e1ria j\u00e1 feita, a que mais aproxima servidores p\u00fablicos de trabalhadores da iniciativa privada, que reduz as taxas de reposi\u00e7\u00e3o dos maiores rendimentos (o que \u00e9 necess\u00e1rio) e mant\u00e9m altas as taxas de reposi\u00e7\u00e3o dos trabalhadores mais pobres (o que \u00e9 justo).<\/p>\n O argumento da ilegitimidade<\/strong>. O quarto argumento \u00e9 o de que o Governo \u00e9 ileg\u00edtimo e, portanto, tamb\u00e9m \u00e9 a reforma.A Reforma Previdenci\u00e1ria precisaria passar por um amplo debate envolvendo v\u00e1rios setores da sociedade e que tal processo teria que ser liderado por um governo eleito. Se o argumento for levado seriamente, talvez tiv\u00e9ssemos que recuar no tempo e exigir que Itamar Franco n\u00e3o enviasse ao Congresso a Medida Provis\u00f3ria que instituiu o Plano Real, j\u00e1 que n\u00e3o havia liderado sua chapa na elei\u00e7\u00e3o presidencial de 1989 e, portanto,n\u00e3o teria legitimidade para p\u00f4r fim \u00e0 hiperinfla\u00e7\u00e3o. Esquece-se, al\u00e9m disso, que tentativas de fazer um \u201camplo debate\u201d em torno do tema (como o F\u00f3rum Nacional da Previd\u00eancia Social de 2007) fracassaram miseravelmente e que \u201camplo acordo\u201d pressup\u00f5e agentes dispostos a entrar em acordo \u2013 o que, lamentavelmente, n\u00e3o tem sido o caso das Centrais Sindicais. Em suma, nem toda medida liderada por um Presidente que assumiu depois de um processo de impeachment \u00e9 necessariamente ruim; nem todo \u201camplo debate social\u201d produz resultados minimamente satisfat\u00f3rios.<\/p>\n Praticamente todos os argumentos antirreformas\u00e3o variantes dessa ret\u00f3rica. Frequentemente s\u00e3o vocalizados por grupos para os quais a Reforma Previdenci\u00e1ria representa o fim de privil\u00e9gios. Os pobres e os injusti\u00e7ados s\u00f3 parecem ter uma fun\u00e7\u00e3o: servir de elemento ret\u00f3rico que justifique que tudo permane\u00e7a como est\u00e1. N\u00e3o deixa de ser triste, em um dos pa\u00edses mais desiguais do mundo, defender os mais pobres como estrat\u00e9gia para manter o status quo<\/em>.<\/p>\n \u00a0<\/em><\/p>\n Originalmente publicado em edi\u00e7\u00e3o do Valor Econ\u00f4mico, de 21 de dezembro de 2016<\/em>.<\/em><\/p>\n <\/p>\n Download<\/strong><\/p>\n