{"id":2964,"date":"2017-03-06T15:09:10","date_gmt":"2017-03-06T18:09:10","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2964"},"modified":"2017-03-08T15:38:33","modified_gmt":"2017-03-08T18:38:33","slug":"o-que-te-contaram-errado-sobre-a-reforma-da-previdencia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2964","title":{"rendered":"O que te contaram errado sobre a reforma da Previd\u00eancia"},"content":{"rendered":"

A reforma da Previd\u00eancia atinge quase todas as fam\u00edlias brasileiras, direta ou indiretamente. Seus benef\u00edcios s\u00e3o invis\u00edveis, mas as perdas que ela gera s\u00e3o bem palp\u00e1veis, sendo natural que provoque rejei\u00e7\u00e3o. Entretanto, existe muita contrainforma\u00e7\u00e3o na rede e, infelizmente, at\u00e9 em grandes jornais. Apresentamos as principais controv\u00e9rsias brevemente neste texto.<\/p>\n

Mito: O brasileiro vai trabalhar at\u00e9 morrer, j\u00e1 que em Estados pobres a expectativa de vida \u00e9 somente de 66 anos.<\/strong><\/p>\n

\u00c9 um grave equ\u00edvoco usar neste debate a expectativa de vida ao nascer<\/em>. Este indicador \u00e9, grosso modo, a idade m\u00e9dia com que as pessoas falecem no Brasil. Ele \u00e9 muito influenciado, para baixo, pela mortalidade infantil e pela morte de jovens por causas externas, como no tr\u00e2nsito e em homic\u00eddios. \u00c9 por isso que em Estados pobres a expectativa de vida ao nascer \u00e9 t\u00e3o baixa.<\/p>\n

Para a Previd\u00eancia, o que importa \u00e9 a expectativa de vida n\u00e3o no nascimento, mas na idade da aposentadoria. Este indicador tamb\u00e9m \u00e9 muitas vezes no debate chamado de \u201cexpectativa de sobrevida\u201d.\u00a0 Aos 65 anos, a expectativa de sobrevida do brasileiro \u00e9, hoje, de mais 18 anos, totalizando 83 anos e meio<\/strong>. A boa not\u00edcia: esta expectativa vem aumentando e varia pouco pelo pa\u00eds (\u00e9 de cerca de 84 anos no Sul, 82 e meio no Nordeste). Se de fato os aposentados morressem em m\u00e9dia com 66 anos, seria um absurdo a reforma da Previd\u00eancia.<\/p>\n

Mito: Uma idade m\u00ednima prejudica o trabalhador mais pobre, porque ele come\u00e7ou a trabalhar cedo e teria que esperar anos para se aposentar.<\/strong><\/p>\n

\u00c9 muito justa a preocupa\u00e7\u00e3o com o trabalhador pobre. No entanto, precisa ficar claro que ele j\u00e1 se aposenta com uma idade m\u00ednima. O Brasil \u00e9 imensamente desigual, como \u00e9 desigual o acesso \u00e0 aposentadoria. Existe uma aposentadoria mais voltada para a classe m\u00e9dia e alta, onde n\u00e3o existe idade m\u00ednima, e outras voltadas para o trabalhador pobre, com idade m\u00ednima.<\/p>\n

A reforma da Previd\u00eancia cria uma idade m\u00ednima para a aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o, aquele benef\u00edcio que o homem recebe com 35 anos de contribui\u00e7\u00e3o, e a mulher com 30. Este benef\u00edcio quase n\u00e3o \u00e9 pago aos pobres, justamente porque conseguir d\u00e9cadas de emprego com carteira assinada \u00e9 muito dif\u00edcil para eles. Por isso, a aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o \u00e9 a aposentadoria dos mais escolarizados e das regi\u00f5es mais ricas do Brasil. Homens s\u00e3o seus principais benefici\u00e1rios.<\/p>\n

O trabalhador pobre, penalizado pelo desemprego e pela informalidade, pode at\u00e9 trabalhar 35 anos, mas geralmente sem carteira assinada por todo o per\u00edodo. Ele recorre a outros benef\u00edcios em que j\u00e1 existe idade m\u00ednima, mas que exigem menor tempo de contribui\u00e7\u00e3o (15 anos). \u00c9 o caso da aposentadoria por idade urbana (65 anos para homens, 60 para mulheres) e rural (60 para homem, 55 para mulheres). Muitos trabalhadores se \u201caposentam\u201d tamb\u00e9m pelo Benef\u00edcio de Presta\u00e7\u00e3o Continuada (BPC), um benef\u00edcio assistencial, que acaba sendo usado para quem n\u00e3o conseguiu 15 anos de contribui\u00e7\u00e3o, e s\u00f3 \u00e9 pago aos 65 anos (homem ou mulher). Mulheres s\u00e3o as principais benefici\u00e1rias.<\/p>\n

Por isso, a preocupa\u00e7\u00e3o com acesso \u00e0 aposentadoria do trabalhador pobre n\u00e3o \u00e9 com a idade m\u00ednima para a aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o, que afeta apenas os mais bem remunerados, seja da iniciativa privada ou do servi\u00e7o p\u00fablico. A preocupa\u00e7\u00e3o deve ser com a eleva\u00e7\u00e3o do tempo m\u00ednimo de contribui\u00e7\u00e3o, de 15 para 25 anos (com transi\u00e7\u00e3o), e com a eleva\u00e7\u00e3o da idade m\u00ednima do BPC, de 65 para 70 anos (com uma transi\u00e7\u00e3o acelerada).<\/p>\n

Mito:O trabalhador precisar\u00e1 de 49 anos de contribui\u00e7\u00e3o para se aposentar com sal\u00e1rio integral.<\/strong><\/p>\n

\u00c0 primeira vista, a frase acima parece verdadeira, tanto que foi amplamente noticiada pelos jornais.\u00a0 De fato, com a reforma, o c\u00e1lculo dos benef\u00edcios seria de 51% da m\u00e9dia, mais 1% por ano de contribui\u00e7\u00e3o, totalizando 49 anos para chegar em 100%. Por que ent\u00e3o isso \u00e9 um mito?<\/p>\n

O Brasil \u00e9 pobre. Apesar de nosso desenho previdenci\u00e1rio ser profundamente desequilibrado, 2\/3 dos benef\u00edcios s\u00e3o de um sal\u00e1rio m\u00ednimo.\u00a0 Ocorre que o sal\u00e1rio m\u00ednimo passou por uma expressiva valoriza\u00e7\u00e3o real, acima da infla\u00e7\u00e3o, desde os anos 90, e especialmente nos governos do PT. Ocorre tamb\u00e9m que no Brasil, ao contr\u00e1rio de outros pa\u00edses, o sal\u00e1rio m\u00ednimo tamb\u00e9m \u00e9 a \u201caposentadoria m\u00ednima\u201d, independentemente do valor contribu\u00eddo. A reforma n\u00e3o alterou isso (vincula\u00e7\u00e3o ao sal\u00e1rio m\u00ednimo).<\/p>\n

Com esta vincula\u00e7\u00e3o, boa parte dos trabalhadores receber\u00e1 a sua m\u00e9dia integral, 100%, apenas com o tempo m\u00ednimo de contribui\u00e7\u00e3o ou, muitas vezes, muito mais do que os pr\u00f3prios 100%. Como o sal\u00e1rio m\u00ednimo cresceu acima da infla\u00e7\u00e3o, o passado do sal\u00e1rio de contribui\u00e7\u00e3o deste trabalhador est\u00e1 abaixo do sal\u00e1rio m\u00ednimo atual<\/em>. Um trabalhador que tenha recebido apenas o sal\u00e1rio m\u00ednimo desde 1995,teria em 2017 uma m\u00e9dia salarial atualizada pela infla\u00e7\u00e3o de R$ 666, bem abaixo da \u201caposentadoria m\u00ednima\u201d de R$ 936 \u2013 o atual valor do sal\u00e1rio m\u00ednimo.<\/p>\n

E o restante dos trabalhadores, que ganha acima de 1 sal\u00e1rio m\u00ednimo? Trabalhar\u00e3o 49 anos para ter o benef\u00edcio integral? Tamb\u00e9m n\u00e3o. O que passou despercebido por parte da opini\u00e3o p\u00fablica \u00e9 que a proposta do governo mant\u00e9m o c\u00e1lculo da m\u00e9dia salarial que existe hoje, que n\u00e3o \u00e9 exatamente uma m\u00e9dia. Neste c\u00e1lculo, s\u00e3o exclu\u00eddos os 20% piores sal\u00e1rios da vida do trabalhador. Por isso, uma aposentadoria com 100% de sua m\u00e9dia salarial pode ser obtida muito antes de 49 anos de contribui\u00e7\u00e3o (por exemplo, com 30 anos de contribui\u00e7\u00e3o). O tempo exato depende da trajet\u00f3ria dos sal\u00e1rios deste trabalhador.<\/p>\n

S\u00f3 realmente teriam que trabalhar 49 anos para conseguir 100% do sal\u00e1rio m\u00e9dio aqueles que ganhavam mais que o sal\u00e1rio m\u00ednimo e receberam sempre mais ou menos o mesmo sal\u00e1rio ao longo de toda vida, sem promo\u00e7\u00f5es, aumentos ou mudan\u00e7as para empregos que paguem melhor. Nestes casos, n\u00e3o faz diferen\u00e7a para o c\u00e1lculo excluir os 20% piores sal\u00e1rios (justamente porque eles s\u00e3o parecidos com os 80% restantes).<\/p>\n

Assim, caso o Congresso opte por manter a f\u00f3rmula de c\u00e1lculo proposta pelo governo, pouqu\u00edssimos trabalhadores teriam que trabalhar tanto para conseguir uma aposentadoria integral. Na verdade, ainda que o trabalhador se aposente aos 65 anos com cerca de 90% de seu rendimento m\u00e9dio, a propor\u00e7\u00e3o entre o valor da aposentadoria\/sal\u00e1rio m\u00e9dio\u00a0(taxa de reposi\u00e7\u00e3o) ser\u00e1 compat\u00edvel com a de outros pa\u00edses, ricos ou emergentes.\u200b<\/p>\n

Mito: A Previd\u00eancia s\u00f3 tem d\u00e9ficit quando olhada separadamente, porque o conjunto da Seguridade \u00e9 superavit\u00e1rio.<\/strong><\/p>\n

O dado apresentado inicialmente pela Associa\u00e7\u00e3o Nacional dos Auditores Fiscais da\u00a0 Receita Federal do Brasil (Anfip) e difundido por diversas fontes, mostrando que a Seguridade Social \u00e9 superavit\u00e1ria, s\u00f3 se mant\u00e9m diante de premissas bastante question\u00e1veis, que n\u00e3o s\u00e3o expostas de maneira transparente em seu discurso.<\/p>\n

O or\u00e7amento da Seguridade Social, que inclui al\u00e9m da Previd\u00eancia, Sa\u00fade e Assist\u00eancia Social, \u00e9 deficit\u00e1rio em cerca de R$ 255 bilh\u00f5es. Para chegar ao \u201csuper\u00e1vit da Anfip\u201d, \u00e9 necess\u00e1rio incorporar como receita a Desvincula\u00e7\u00f5es de Receitas da Uni\u00e3o (DRU), um mecanismo criado para que a Uni\u00e3o n\u00e3o compartilhasse com Estados e Munic\u00edpios um dinheiro que financia outras despesas do governo federal (mas n\u00e3o a d\u00edvida). Entretanto, ainda que consideremos estes recursos como sendo de fato da Seguridade, a conta ainda \u00e9 deficit\u00e1ria em cerca de R$ 165 bilh\u00f5es.<\/p>\n

Se at\u00e9 com a DRU a conta da Seguridade \u00e9 deficit\u00e1ria, como a Anfip chega em um super\u00e1vit? O pulo do gato \u00e9, ao trazer para a conta as receitas e despesas da Seguridade Social<\/em>, excluir o Plano de Seguridade Social<\/em> do Servidor, ou seja, as aposentadorias e pens\u00f5es do funcionalismo. Como este regime \u00e9 extremamente deficit\u00e1rio, retirar suas receitas n\u00e3o afeta muito o lado da arrecada\u00e7\u00e3o, mas retirar suas despesas afeta muito o lado da despesa. Passa a haver ent\u00e3o, para o ano de 2015, um pequeno super\u00e1vit, de R$ 10 bilh\u00f5es.<\/p>\n

Ou seja, mesmo com a DRU, a Seguridade \u00e9 deficit\u00e1ria e s\u00f3 passa a ter super\u00e1vit se os servidores p\u00fablicos forem retirados da conta. \u00c9 essencial compreender que o problema da Previd\u00eancia \u00e9 principalmente devido pelo profundo e veloz processo de envelhecimento da popula\u00e7\u00e3o, ou seja, pelo crescimento da despesa, e n\u00e3o por problemas de lan\u00e7amento cont\u00e1bil.<\/p>\n

Por conta deste crescimento da despesa, e da queda conjuntural da arrecada\u00e7\u00e3o decorrente dos efeitos da recess\u00e3o sobre o mercado de trabalho, at\u00e9 a conta da Anfip passa a ser deficit\u00e1ria em 2016. N\u00e3o por acaso, este dado atualizado n\u00e3o tem sido apresentado no debate.<\/p>\n

Em resumo, mesmo adotando todas as heterodoxas interpreta\u00e7\u00f5es das corpora\u00e7\u00f5es do funcionalismo, a Seguridade Social \u00e9 deficit\u00e1ria at\u00e9 incorporando a DRU como receita. Ela s\u00f3 \u00e9 superavit\u00e1ria quando se exclui as aposentadorias e pens\u00f5es dos pr\u00f3prios servidores. Mesmo assim, a partir de 2016, at\u00e9 com esse truque a Seguridade \u00e9 deficit\u00e1ria.<\/strong><\/p>\n

Considera\u00e7\u00f5es finais<\/strong><\/p>\n

Infelizmente, em um debate t\u00e3o importante para o pa\u00eds, com importantes consequ\u00eancias sobre os objetivos nacionais de crescimento econ\u00f4mico e combate \u00e0s desigualdades, muitas fontes t\u00eam mais desinformado do que informado. Seja por interesses que n\u00e3o s\u00e3o compartilhados pelo conjunto da sociedade (como os de corpora\u00e7\u00f5es do funcionalismo ou das bancas advocat\u00edcias interessadas na ind\u00fastria do lit\u00edgio), seja por descuido, os mitos t\u00eam predominado na opini\u00e3o p\u00fablica. \u00c9 da boa informa\u00e7\u00e3o que a democracia precisa.<\/p>\n

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