{"id":2922,"date":"2016-12-05T11:18:21","date_gmt":"2016-12-05T14:18:21","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2922"},"modified":"2016-12-05T11:18:21","modified_gmt":"2016-12-05T14:18:21","slug":"o-que-sao-margens-de-preferencia-e-como-elas-afetam-as-compras-publicas","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2922","title":{"rendered":"O que s\u00e3o margens de prefer\u00eancia e como elas afetam as compras p\u00fablicas?"},"content":{"rendered":"

Introdu\u00e7\u00e3o \/ Resumo Executivo<\/strong><\/p>\n

Margens de prefer\u00eancia s\u00e3o vantagens dadas a certas classes de fornecedores em processos de compra (procurement<\/em>) de bens ou servi\u00e7os. O exemplo mais comum s\u00e3o prefer\u00eancias que v\u00e1rios governos d\u00e3o a fornecedores nacionais. A margem de prefer\u00eancia \u00e9 o quanto o pre\u00e7o do fornecedor preferido pode exceder o de outros competidores e ainda assim ser selecionado.<\/p>\n

A pr\u00e1tica \u00e9 bastante disseminada em v\u00e1rias partes do mundo. Isso n\u00e3o prova, no entanto, que \u00e9 desej\u00e1vel ou ben\u00e9fica. Em realidade, o contr\u00e1rio parece ser um corol\u00e1rio quase imediato do reconhecimento generalizado de que livre com\u00e9rcio \u00e9 prefer\u00edvel. Como discutiremos abaixo, margens de prefer\u00eancia em compras p\u00fablicas parecem causar ainda mais problemas e ser pior para a sociedade que uma simples medida protecionista.<\/p>\n

Por outro lado, como tamb\u00e9m discutimos abaixo, n\u00e3o resta d\u00favida de que os produtores locais agraciados com tais medidas s\u00e3o beneficiados e t\u00eam todo interesse em manter ou criar tal pol\u00edtica.Assim, a prolifera\u00e7\u00e3o da medida em escala mundial, se prova algo, \u00e9 apenas que h\u00e1 grupos de interesse em todas as partes, capazes de influenciar governos ao ponto de criar tais mecanismos.<\/p>\n

Neste documento analisamos os custos e benef\u00edcios para a sociedade brasileira da pol\u00edtica de conceder margens de prefer\u00eancias nas compras p\u00fablicas para alguns setores da ind\u00fastria nacional. Deve-se destacar que h\u00e1 uma mir\u00edade de aspectos e quest\u00f5es a considerar, o que exige uma an\u00e1lise estruturada. Sem ela, pode-se facilmente perder-se em v\u00e1rios detalhes, dar maior valor a uma ou outra considera\u00e7\u00e3o e chegar a conclus\u00f5es pouco \u00fateis.1<\/sup><\/p>\n

Dividimos a an\u00e1lise que segue em efeitos de curto e de longo prazo. No curto prazo, consideramos os seguintes aspectos: pre\u00e7o de compra, efici\u00eancia econ\u00f4mica, processos decis\u00f3rio e administrativo, efeitos econ\u00f4micos e incentivos criados. No longo prazo, consideramos o efeito na din\u00e2mica dos setores beneficiados e no resto da economia. A perspectiva da pol\u00edtica como instrumento de pol\u00edtica industrial \u00e9 considerada tanto no curto quanto no longo prazo. Conclu\u00edmos que se h\u00e1 a possibilidade de algum benef\u00edcio no curto prazo no aspecto da redu\u00e7\u00e3o de pre\u00e7os pagos, todos os outros aspectos s\u00e3o claramente negativos. A avalia\u00e7\u00e3o global \u00e9, portanto, bastante clara: o programa \u00e9 indesej\u00e1vel e deve ser terminado o quanto antes.<\/p>\n

1. Teoria econ\u00f4mica e literatura<\/strong><\/p>\n

Antes de iniciar propriamente a avalia\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica de margens de prefer\u00eancia, conv\u00e9m tecer alguns coment\u00e1rios sobre a teoria econ\u00f4mica que embasa a an\u00e1lise que segue, assim como um breve repasse do que a literatura diz a respeito.<\/p>\n

Compras p\u00fablicas \u00e9 um exemplo que se conhece internacionalmente por procurement<\/em>, que por sua vez \u00e9 estudado em economia na literatura de Teoria de Leil\u00f5es. Em Teoria de Leil\u00f5es, dois objetivos principais s\u00e3o sempre levados em conta: receita<\/em> e efici\u00eancia<\/em>. Veja-se Krishna (2002).<\/p>\n

A maximiza\u00e7\u00e3o da receita por parte do leiloeiro corresponde, em procedimentos de compra (procurement<\/em>), \u00e0 minimiza\u00e7\u00e3o do valor de compra. Este objetivo foi estudado por Myerson (1981), em artigo cl\u00e1ssico. As ideias desenvolvidas por Myerson foram particularizadas para o caso de compras p\u00fablicas por McAfee; McMillan (1989). Eles observaram que se um concorrente estrangeiro tiver distribui\u00e7\u00e3o de probabilidade de custos superior \u00e0 de um fornecedor local, ent\u00e3o conferir margens de prefer\u00eancia ao competidor local pode reduzir a esperan\u00e7a do valor pago. O n\u00edvel \u00f3timo da margem depende essencialmente das distribui\u00e7\u00f5es de probabilidade dos custos das duas empresas concorrentes, a estrangeira e a nacional.<\/p>\n

A outra considera\u00e7\u00e3o central para a Teoria de Leil\u00f5es \u00e9 a efici\u00eancia econ\u00f4mica. No caso de compras, temos efici\u00eancia quando os fornecedores com os menores custos s\u00e3o selecionados. A import\u00e2ncia disso \u00e9 que aloca\u00e7\u00f5es (sele\u00e7\u00e3o de fornecedores neste caso) que n\u00e3o sejam eficientes podem ser sempre melhoradas, gerando ganhos para a sociedade como um todo. Se um fornecedor de menor custo deixa de ser selecionado em favor de outro de maior custo, pode-se gerar um ganho social igual \u00e0 diferen\u00e7a de custos entre esses dois fornecedores, mudando-se o vencedor. Obviamente a identidade de quem se apropria desse ganho social depende das circunst\u00e2ncias.<\/p>\n

Branco (1994) adapta o estudo de McAfee e McMillan para levar em conta a efici\u00eancia, isto \u00e9, ele busca maximizar o bem-estar social dom\u00e9stico, que leva em conta os lucros da firma nacional, mas ignora os lucros da firma estrangeira. Como o bem-estar trata diferentemente as duas firmas, surge espa\u00e7o para um tratamento diferenciado da firma nacional, ou seja, a concess\u00e3o de uma margem de prefer\u00eancia.<\/p>\n

Athey et al. (2013) estudam restri\u00e7\u00f5es na venda de madeira a pequenas empresas. Eles concluem que h\u00e1 perdas tanto de receita quanto de efici\u00eancia. Corns; Schotter (1999)apresentam evid\u00eancia experimental de que margens de prefer\u00eancia podem melhorar a receita. Krasnokutskaya; Seim (2011) estudam leil\u00f5es de constru\u00e7\u00e3o de estradas nos Estados Unidos que incorporam margens de prefer\u00eancia. Eles concluem que a introdu\u00e7\u00e3o de uma margem pode ser ben\u00e9fica para a receita.<\/p>\n

Deve-se notar que, com exce\u00e7\u00e3o de Branco (1994), os estudos acima focam apenas na quest\u00e3o da receita. Mesmo este adota um ponto de vista restrito. Como discutiremos abaixo, quando a efici\u00eancia \u00e9 desprezada podem aparecer distor\u00e7\u00f5es importantes e significativas.<\/p>\n

De foram mais relevante, todas essas considera\u00e7\u00f5es s\u00e3o de curto prazo. Em particular, n\u00e3o se aborda o aspecto din\u00e2mico dessa pol\u00edtica, deixando-se de lado um componente bastante importante da an\u00e1lise. No que se segue, procuramos suprir em parte esta defici\u00eancia.<\/p>\n

 <\/p>\n

2. Efeitos de curto prazo<\/strong><\/p>\n

Dividimos nossa an\u00e1lise em efeitos de curto e de longo prazo. No curto prazo, consideramos os seguintes aspectos:<\/p>\n

    \n
  1. pre\u00e7o de compra (receita), isto \u00e9, o impacto da pol\u00edtica sobre o valor pago pela administra\u00e7\u00e3o na aquisi\u00e7\u00e3o dos itens sujeitos \u00e0 pol\u00edtica;<\/li>\n
  2. efici\u00eancia econ\u00f4mica, ou seja, a considera\u00e7\u00e3o se o procedimento seleciona o participante com menor custo;<\/li>\n
  3. processo decis\u00f3rio, que envolve o esfor\u00e7o dos gestores p\u00fablicos para definir quais os setores que ser\u00e3o agraciados com as medidas, bem como as margens que ser\u00e3o aplicadas;<\/li>\n
  4. processo administrativo, abrangendo o esfor\u00e7o de implementa\u00e7\u00e3o do programa nas compras p\u00fablicas: tanto a sistematiza\u00e7\u00e3o e divulga\u00e7\u00e3o das regras para participantes, como sua implementa\u00e7\u00e3o, verifica\u00e7\u00e3o de documentos, aplica\u00e7\u00e3o e posterior avalia\u00e7\u00e3o;<\/li>\n
  5. incentivos criados com tal tipo de programa, principalmente de valoriza\u00e7\u00e3o da atividade de lobby por amplia\u00e7\u00e3o do programa para maior n\u00famero de setores;<\/li>\n
  6. efeitos para os produtores beneficiados, tanto no que diz respeito de aumento de neg\u00f3cios quanto prote\u00e7\u00e3o contra a concorr\u00eancia;<\/li>\n
  7. efeitos no resto da economia, envolvendo a\u00ed n\u00e3o apenas as outras ind\u00fastrias, mas tamb\u00e9m os contribuintes.<\/li>\n<\/ol>\n

    A seguir discutimos cada um desses aspectos em mais detalhes.<\/p>\n

    2.1. Impacto nos valores de compra<\/strong><\/p>\n

    Conforme discutido na se\u00e7\u00e3o 1 acima, h\u00e1 possibilidade de que margens de prefer\u00eancia melhorem a receita esperada para o leiloeiro. No caso de compras p\u00fablicas, isto significa reduzir a expectativa de pagamento por parte da administra\u00e7\u00e3o. Isto \u00e9 uma consequ\u00eancia quase direta do resultado fundamental de Myerson (1981), que mostrou que em situa\u00e7\u00f5es de assimetria, \u00e9 \u00f3timo tratar diferentemente os competidores. Isso for\u00e7a que participantes com maiores vantagens abram m\u00e3o de uma parte de seus lucros esperados pela amea\u00e7a do leiloeiro de vender\/comprar de outros participantes ou n\u00e3o transacionar de forma alguma. Obviamente, tais regras podem causar inefici\u00eancias, mas este aspecto \u00e9 ignorado na abordagem de Myerson (1981).<\/p>\n

    Deve-se notar, no entanto, que as margens \u00f3timas s\u00e3o definidas as partir das distribui\u00e7\u00f5es de probabilidade dos custos dos participantes. Tais distribui\u00e7\u00f5es s\u00e3o assumidas de conhecimento comum entre os participantes e o leiloeiro. Assim, em tese, para estimar o n\u00edvel \u00f3timo da margem de prefer\u00eancia, seria necess\u00e1rio ter um conhecimento das distribui\u00e7\u00f5es de custos dos diversos participantes t\u00e3o bom quanto o deles mesmos. Se houver discrep\u00e2ncia entre a distribui\u00e7\u00e3o vista pelo leiloeiro e os participantes, a metodologia j\u00e1 come\u00e7a a apresentar problemas.<\/p>\n

    Adicionalmente, deve-se observar que a vantagem em realizar as margens depende do c\u00e1lculo certeiro das margens corretas. Se tais margens n\u00e3o s\u00e3o bem calculadas, pode-se muito bem piorar o valor esperado de compra com respeito \u00e0 n\u00e3o interven\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

    Esses dois aspectos \u2013 a dificuldade de calcular corretamente a margem de prefer\u00eancia e a import\u00e2ncia de calcul\u00e1-la bem \u2013 levam a duvidar da import\u00e2ncia dos ganhos mesmo neste aspecto.<\/p>\n

     <\/p>\n

    2.2.Efici\u00eancia econ\u00f4mica<\/strong><\/p>\n

    Em processos de compra, a efici\u00eancia econ\u00f4mica requer que se selecione o fornecedor\u00a0 com menor custo de fabrica\u00e7\u00e3o ou fornecimento. Devemos frisar que falamos aqui de custo e n\u00e3o pre\u00e7o. A efici\u00eancia n\u00e3o leva em conta o pre\u00e7o, uma vez que o fornecedor com o menor custo n\u00e3o necessariamente oferece o menor pre\u00e7o. A discrep\u00e2ncia pode ser substancial. Assim, enquanto o primeiro objetivo central da teoria de leil\u00f5es (receita) leva em conta os pre\u00e7os, o segundo (efici\u00eancia) foca-se nos custos.Como comentamos acima, os dois objetivos podem estar em conflito.<\/p>\n

    \u00c0 primeira vista, o mais importante parece ser o pre\u00e7o, j\u00e1 que define o valor que troca de m\u00e3os. No entanto, afastar-se da efici\u00eancia pode criar distor\u00e7\u00f5es. A mais \u00f3bvia dela \u00e9 a seguinte. Suponha que um fornecedor com menor custo deixe de ser selecionado consistentemente, por exemplo por ser estrangeiro e n\u00e3o ter acesso a margens de prefer\u00eancia. Como o ganhador gasta mais para produzir o item do que o competidor mencionado, estar\u00e1 em seu interesse comprar o item deste, ao inv\u00e9s de produzi-lo. Se por alguma raz\u00e3o este produtor n\u00e3o queira faz\u00ea-lo, uma outra empresa local ver\u00e1 a oportunidade de cadastrar-se como produtor local com direito \u00e0s margens de prefer\u00eancia, em seguida importar o produto a um menor custo, participar do processo de compra e vencer com um lucro.<\/p>\n

    Em outras palavras, a inefici\u00eancia, por sua pr\u00f3pria defini\u00e7\u00e3o, cria a oportunidade de mudan\u00e7as alocativas com ganhos. Empresas que estejam dispostas a maquiar produtos dessa forma sempre poder\u00e3o tirar proveito do mecanismo. Para evitar isso, \u00e9 necess\u00e1rio um complicado e custoso processo de verifica\u00e7\u00e3o que apenas introduz custos em todo o o processo de compra.<\/p>\n

     <\/p>\n

    2.3. Processo decis\u00f3rio<\/strong><\/p>\n

    Os tomadores de decis\u00e3o no governo t\u00eam de empregar substanciais recursos, n\u00e3o apenas de tempo, mas tamb\u00e9m monet\u00e1rios, para levar \u00e0 frente um programa de margens de prefer\u00eancia. Em primeiro lugar, exige-se um processo para decidir criar ou n\u00e3o o programa. Em seguida, deve-se avaliar se este tem cumprido ou n\u00e3o seus objetivos. Para isso, o gestor p\u00fablico contratar\u00e1 consultorias e estudos, e empregar\u00e1 seu tempo analisando os dados e pesando argumentos para tomar uma decis\u00e3o criteriosa.<\/p>\n

    Mas isso \u00e9 apenas o aspecto menos importante e substancial desses custos. Uma vez decidida a cria\u00e7\u00e3o ou manuten\u00e7\u00e3o do programa, os valores das margens de prefer\u00eancia devem ser definidos. Em geral, tais margens devem ser espec\u00edficas para cada setor, j\u00e1 que a distribui\u00e7\u00e3o de custos \u00e9 diferente.2<\/sup> A defini\u00e7\u00e3o dessas margens \u00e9 extremante dif\u00edcil e complicada. O esfor\u00e7o para tentar defini-las de uma forma \u00f3tima \u2013 mesmo que o objetivo seja apenas pol\u00edtica industrial, que discutiremos abaixo, ao inv\u00e9s de minimiza\u00e7\u00e3o de custos de compra \u2013 \u00e9 dantesco.<\/p>\n

    Tomadas as decis\u00f5es e definidas as margens, o envolvimento da administra\u00e7\u00e3o com tal programa est\u00e1, no entanto, apenas come\u00e7ando. Por qu\u00ea? Simplesmente porque outros setores, observando as vantagens que seus pares conseguiram, ir\u00e3o se apresentar na sequ\u00eancia como merecedores de margens similares. Todo o trabalho ent\u00e3o recome\u00e7a, sendo que, a cada ano, novos setores fazem esfor\u00e7o de lobby<\/em> para serem agraciados. A hist\u00f3ria dos decretos no Brasil, com a expans\u00e3o dos setores beneficiados, \u00e9 apenas uma ilustra\u00e7\u00e3o dessa ciranda que nunca para, enquanto n\u00e3o incluir todos os setores em que haja uma m\u00ednima amea\u00e7a cr\u00edvel de competi\u00e7\u00e3o por parte de fornecedores internacionais.<\/p>\n

     <\/p>\n

    2.4. Processo administrativo<\/strong><\/p>\n

    Al\u00e9m do esfor\u00e7o de tomada de decis\u00e3o por parte de gestores, a administra\u00e7\u00e3o de um programa como o de margens de prefer\u00eancia exige o emprego de recursos e homens-hora dos funcion\u00e1rios p\u00fablicos.<\/p>\n

    Em primeiro lugar, ser\u00e1 necess\u00e1rio detalhar e especificar as regras e condi\u00e7\u00f5es de participa\u00e7\u00e3o em cada setor. Dever\u00e3o ser criados procedimentos administrativos para que os interessados possam pleitear as vantagens. Os processos dever\u00e3o ser verificados e aprovados. Em particular, com a evolu\u00e7\u00e3o da complexidade, ser\u00e1 exigida cada vez maior quantidade de requisitos, para evitar as \u201cfraudes\u201d descritas acima, isto \u00e9, que os produtos sejam realmente fabricados nacionalmente e n\u00e3o maquiados como nacionais.<\/p>\n

    Dever\u00e3o ser modificados softwares se o processo \u00e9 eletr\u00f4nico. Dever\u00e3o ser promovidos treinamentos para os agentes administrativos envolvidos no procedimento. Tais agentes depois dever\u00e3o empregar tempo respondendo aos questionamentos das empresas interessadas, bem como auxiliando-as a preencher os requisitos necess\u00e1rios. Dever\u00e3o ser definidos procedimentos de contesta\u00e7\u00e3o e verifica\u00e7\u00e3o de conflitos. Ap\u00f3s os processos, os \u00f3rg\u00e3os de controle dever\u00e3o verificar se tudo seguiu normas adequadas.<\/p>\n

    Tudo isso n\u00e3o menciona ainda a possibilidade de questionamentos por parte de empresas que foram preteridas. Elas podem oferecer questionamento administrativo, judicial e, em casos extremos, chegar at\u00e9 a fazer reclama\u00e7\u00f5es em \u00f3rg\u00e3os internacionais. Se tal possibilidade parece remota neste momento \u00e9 provavelmente pelos baixos valores envolvidos. Se empresas estrangeiras detectarem que h\u00e1 valores substanciais sendo perdidos, eles podem come\u00e7ar a contestar v\u00e1rias fases do processo administrativo, adicionando custos e complexidades a todo o processo.<\/p>\n

     <\/p>\n

    2.5. Efeitos para os produtores beneficiados<\/strong><\/p>\n

    Entende-se um programa de margem de prefer\u00eancia se insira numa pol\u00edtica industrial mais ampla, que beneficie ou d\u00ea condi\u00e7\u00f5es de que a ind\u00fastria se desenvolva. Analisamos os aspectos de mais longo prazo relacionado a esse tipo de pol\u00edtica na pr\u00f3xima se\u00e7\u00e3o. Aqui estamos interessados em aspectos de mais curto prazo.<\/p>\n

    Podemos considerar duas situa\u00e7\u00f5es excludentes: 1) a empresa (ou ind\u00fastria) n\u00e3o necessita das margens de prefer\u00eancia para sobreviver; ou 2) sem as margens de prefer\u00eancia, a empresa n\u00e3o consegue sobreviver.<\/p>\n

    No primeiro caso, em que ela pode sobreviver sem o programa, seja atrav\u00e9s de vendas a terceiros ou mesmo fornecendo ao governo, a introdu\u00e7\u00e3o do programa s\u00f3 pode ser justificada com o objetivo de minimiza\u00e7\u00e3o de pre\u00e7os discutido acima. Na verdade, se as empresas locais podem sobreviver sem o programa isso significa que provavelmente teriam vantagens de custo. Neste caso, para atingir o objetivo de minimiza\u00e7\u00e3o de custo de aquisi\u00e7\u00e3o para a administra\u00e7\u00e3o (pre\u00e7os), o programa deveria ser ao rev\u00e9s, isto \u00e9, deveria dar vantagens aos fornecedores estrangeiros. Isso \u00e9 exatamente o que diz o trabalho seminal de Myerson. As conclus\u00f5es de McAfee e McMillan mencionadas acima usando o trabalho de Myerson apenas se sustentam com a hip\u00f3tese de que os custos das firmas estrangeiros \u00e9 em geral mais baixo. Obviamente dificilmente programas de incentivo dessa forma seriam considerados.<\/p>\n

    No segundo caso, em que a empresa necessita de tais ajudas para sobreviver, ent\u00e3o \u00e9 o caso de se perguntar de se mant\u00ea-la viva \u00e9 realmente um objetivo digno de ser perseguido. No entanto, isso toca aspectos de mais longo prazo que discutiremos abaixo. Nesta se\u00e7\u00e3o vamos assumir que, por qualquer raz\u00e3o, o governo tem leg\u00edtimo interesse em proteger e manter saud\u00e1vel tal setor. Neste caso a pergunta que se pode fazer \u00e9 se h\u00e1 alternativas para isso, ou seja, se ao inv\u00e9s de conceder margens de prefer\u00eancia, h\u00e1 algum outro incentivo que a administra\u00e7\u00e3o possa conceder que atinja o mesmo objetivo.<\/p>\n

    A resposta a esta pergunta \u00e9 \u00f3bvia: \u00e9 claro que \u00e9 poss\u00edvel dar outros incentivos, talvez menos problem\u00e1ticos que as margens de prefer\u00eancia para alcan\u00e7ar esse assumido objetivo de manter o setor em atividade. Basta que se aprove uma desonera\u00e7\u00e3o tribut\u00e1ria para tal setor. Obviamente n\u00e3o estamos advogando pelo uso desse instrumento, at\u00e9 porque n\u00e3o concordo com a hip\u00f3tese. Mas assumindo-a, essa seria uma alternativa melhor, menos problem\u00e1tica. E deve-se observar que \u00e9 uma pr\u00e1tica que se tornou, infelizmente, muito disseminada no pa\u00eds.<\/p>\n

     <\/p>\n

    2.6. Efeitos no resto da economia<\/strong><\/p>\n

    Enquanto \u00e9 de pequena express\u00e3o, um programa de margens de prefer\u00eancia tem efeitos modestos no resto da economia. Um dos mais \u00f3bvios, por\u00e9m, \u00e9 o custo total do programa para os contribuintes, somados a\u00ed os custos administrativos e gerenciais mencionados acima, al\u00e9m do efeito n\u00e3o claro sobre os custos espec\u00edficos de aquisi\u00e7\u00e3o para a administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica (como discutimos acima, este \u00faltimo efeito pode ser positivo ou negativo).<\/p>\n

    Em rela\u00e7\u00e3o ao setor produtivo em geral, o efeito pode ser o de prolongamento de empresas invi\u00e1veis, de forma negativa para a economia. De fato, se o programa permite manter empresas ativas que deveriam ser terminadas por inefici\u00eancia, isso impede que os recursos de capital e trabalho usados por tal empresa sejam liberados para outras atividades mais eficientes. Assim, reduz-se o potencial de ganhos na economia.<\/p>\n

    Outro efeito, talvez mais importante, \u00e9 o convite a que os demais produtores tamb\u00e9m busquem vantagens similares. Mas isso j\u00e1 nos leva ao pr\u00f3ximo t\u00f3pico.<\/p>\n

     <\/p>\n

    2.7. Incentivos criados<\/strong><\/p>\n

    Uma pol\u00edtica de margens de prefer\u00eancia cria uma s\u00e9rie de incentivos negativos. O primeiro deles \u00e9 o incentivo para que empresas e associa\u00e7\u00f5es contratem lobistas para n\u00e3o apenas manter os programas, mas para expandi-los, se istofor poss\u00edvel. As empresas que n\u00e3o est\u00e3o contempladas ainda, ao ver a manuten\u00e7\u00e3o do programa, t\u00eam incentivos para buscar receber vantagens similares. Uma vez que a administra\u00e7\u00e3o se mostra suscet\u00edvel ao esfor\u00e7o de lobby<\/em> relacionado a conseguir vantagens de qualquer tipo, s\u00f3 convidar\u00e1 novos e mais demandantes esfor\u00e7os desse sentido.<\/p>\n

    Desse processo surgem naturalmente uma s\u00e9rie de \u201cocupa\u00e7\u00f5es\u201d indesej\u00e1veis: os que se especializam em convencer os tomadores de decis\u00e3o que a ind\u00fastria X precisa de margens de prefer\u00eancia; os que se especializam em preencher os formul\u00e1rios e conseguir a vantagem da margem de prefer\u00eancia, e finalmente os que decidem importar os produtos, maqui\u00e1-los como nacionais e revend\u00ea-los para o governo com margens de prefer\u00eancia. A cria\u00e7\u00e3o de tais \u201cocupa\u00e7\u00f5es\u201d, no entanto, \u00e9 altamente ineficiente.<\/p>\n

    Todo o processo cria um incentivo bastante perverso para empres\u00e1rios. Ao inv\u00e9s de se focar em reduzir custos, que \u00e9 o que se deve esperar de empres\u00e1rios, eles passam a ficar preocupados em influenciar a administra\u00e7\u00e3o para criar-lhes vantagens.<\/p>\n

    O efeito desse incentivo \u00e9 bastante negativo. Ao inv\u00e9s de beneficiar empres\u00e1rios que sejam competentes em aumentar efici\u00eancia e reduzir custos de produ\u00e7\u00e3o, premia-se agentes que s\u00e3o h\u00e1beis em influenciar politicamente tomadores de decis\u00e3o. Este \u00e9 mais um lament\u00e1vel efeito de manter tais programas.<\/p>\n

     <\/p>\n

    3. Efeitos a longo prazo<\/strong><\/p>\n

    Na se\u00e7\u00e3o anterior discutimos os aspectos de curto prazo das margens de prefer\u00eancia. Agora queremos discutir brevemente os efeitos de longo prazo. Naturalmente esta discuss\u00e3o toca pol\u00edticas industriais de uma forma mais geral, mas evitaremos este assunto mais amplo tanto quanto poss\u00edvel, porque vai al\u00e9m do objetivo desta nota.<\/p>\n

    Provavelmente a principal motiva\u00e7\u00e3o para o favorecimento de uma determinada ind\u00fastria ou empresa por margens de prefer\u00eancia apoia-se na esperan\u00e7a de que tal ind\u00fastria seja capaz, atrav\u00e9s de learning-by-doing<\/em>, reduzir seus custos e chegar a ser capaz de competir de igual para igual com empresas estrangeiras. Em v\u00e1rias ind\u00fastrias, \u00e9 uma realidade que custos caem \u00e0 medida que as empresas produzem mais, adquirem maior experi\u00eancia e otimizam seus processos produtivos, introduzindo inova\u00e7\u00f5es e melhorias. Assim, \u00e9 plaus\u00edvel pensar que uma ind\u00fastria ou empresa que tenha uma desvantagem inicial de custos possa depois recuperar-se e tornar-se competitiva. Nesta situa\u00e7\u00e3o, prossegue o racioc\u00ednio, os aux\u00edlios podem ser retirados e as empresas podem seguir competindo por si s\u00f3.<\/p>\n

    A realidade, por\u00e9m, \u00e9 bem diferente. Raramente vantagens concedidas em determinado momento s\u00e3o retiradas ou canceladas. Isso ocorre mesmo que sua premissa se verifique, isto \u00e9, mesmo que as empresas tenham de fato se tornado eficientes para competir. A raz\u00e3o para isso \u00e9 bastante f\u00e1cil de entender: manter os benef\u00edcios representam lucros para tais empresas e se elas foram hab\u00e9is politicamente para criar os programas em primeiro lugar, certamente ter\u00e3o ainda maior habilidade e influ\u00eancia pol\u00edtica para mant\u00ea-lo. Assim, em qualquer parte do mundo, observa-se que uma vez dada uma vantagem \u00e9 quase imposs\u00edvel cancel\u00e1-la.<\/p>\n

    Conv\u00e9m discutir tamb\u00e9m a conveni\u00eancia de sustentar competidores dessa forma. Se eles s\u00e3o capazes de se desenvolver por conta pr\u00f3pria, \u00e9 melhor que assim o fa\u00e7am. Se n\u00e3o s\u00e3o, dar-lhes suporte pode ser contraproducente. De fato, direcionar para uma ind\u00fastria recursos (trabalho e capital) que poderiam ser melhor empregados em outras atividades produtivas \u00e9 distorcer aloca\u00e7\u00f5es com a consequente perda de efici\u00eancia econ\u00f4mica e desacelera\u00e7\u00e3o do crescimento.<\/p>\n

     <\/p>\n

    4. Conclus\u00e3o<\/strong><\/p>\n

    Como observamos nesta an\u00e1lise, os custos e efeitos negativos associados a programas de margens de prefer\u00eancia s\u00e3o bastante claros. Os benef\u00edcios parecem muito pouco relevantes e s\u00e3o incertos.<\/p>\n

    Levando-se em conta todos os aspectos levantados, tanto de curto prazo quanto de longo prazo, chegamos \u00e0 conclus\u00e3o que \u00e9 melhor terminar tais programas, t\u00e3o r\u00e1pido quanto poss\u00edvel.<\/p>\n

     <\/p>\n

    Bibliografia<\/strong><\/p>\n

    ATHEY, S.; COEY, D.; LEVIN, J. Set-Asides and Subsidies in Auctions. American Economic Journal: Microeconomics<\/strong>, v. 5, n. 1, p. 1\u201327, 2013.<\/p>\n

    BRANCO, F. Favoring domestic firms in procurement contracts. Journal of International Economics<\/strong>, v. 37, n. 1-2, p. 65\u201380, 1994.<\/p>\n

    CORNS, A.; SCHOTTER, A. Can affirmative action be cost effective? An experimental examination of price-preference auctions. The American Economic Review<\/strong>, 1999.<\/p>\n

    KRASNOKUTSKAYA, E.; SEIM, K. Bid preference programs and participation in highway procurement auctions. The American Economic Review<\/strong>, 2011.<\/p>\n

    KRISHNA, V. Auction Theory<\/strong>. Academic Press, 2002.<\/p>\n

    MCAFEE, R. P.; MCMILLAN, J. Government procurement and international trade. Journal of International Economics<\/strong>, v. 26, n. 3-4, p. 291\u2013308, 1989.<\/p>\n

    MYERSON, R. B. Optimal Auction Design. Mathematics of Operations Research<\/strong>, v. 6, n. 1, p. 58\u201373, 1981. INFORMS.<\/p>\n

    _______________<\/p>\n

    1<\/sup> A an\u00e1lise desenvolvida nesta nota n\u00e3o incorpora avalia\u00e7\u00f5es num\u00e9ricas dos programas. Estas s\u00e3o \u00fateis e relevantes, mas apenas depois de se ter hierarquizado quais s\u00e3o os fatores fundamentais. A an\u00e1lise \u00e9, no entanto, t\u00e3o clara, que n\u00e3o parece restar d\u00favida da conclus\u00e3o, quaisquer que sejam os dados reais.<\/p>\n

    2<\/sup> Nesse ponto, os Estados Unidos adotam uma margem uniforme de 6%, sendo 12% para pequenas empresas. Isso simplifica o processo decis\u00f3rio, mas tamb\u00e9m desconecta as margens com qualquer tentativa de realmente minimizar valores de compra.<\/p>\n

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