{"id":2906,"date":"2016-11-03T11:22:04","date_gmt":"2016-11-03T14:22:04","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2906"},"modified":"2016-11-03T11:22:04","modified_gmt":"2016-11-03T14:22:04","slug":"teoria-dos-contratos-incentivos-e-o-premio-nobel-de-economia-de-2016-contribuicoes-de-bengt-holmstrom-e-oliver-hart","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2906","title":{"rendered":"Teoria dos Contratos, incentivos e o Pr\u00eamio Nobel de Economia de 2016: Contribui\u00e7\u00f5es de Bengt Holmstr\u00f6m e Oliver Hart"},"content":{"rendered":"

Diz a lenda que o Bar Beirute, inaugurado em Bras\u00edlia em 1966, se encontrava \u00e0 beira da fal\u00eancia no ano de 1970. Quando seus propriet\u00e1rios Youssef Sarkis Maaraouri e Youssef Sarkis Kaawai consideravam fechar as portas do estabelecimento, dois gar\u00e7ons cearenses que l\u00e1 trabalhavam, Bart\u00f4 e Chico, teriam convencido os donos a lhes vender o neg\u00f3cio, que hoje \u00e9 considerado um dos restaurantes mais tradicionais da cidade…<\/p>\n

H\u00e1 alguns anos, ao concluir uma aula no Departamento de Economia da UnB, uma aluna me abordou com um grupo de colegas dizendo: \u201cProfessor, estamos estudando em grupo para o concurso ANPEC [para ingresso na p\u00f3s-gradua\u00e7\u00e3o em Economia] e queremos sua ajuda!\u201d Pensei, naturalmente, se tratar de refer\u00eancias bibliogr\u00e1ficas. A preocupa\u00e7\u00e3o, no entanto, era outra. \u201cSabemos da import\u00e2ncia da regularidade no estudo. Mesmo assim, tememos que, na aus\u00eancia de um mecanismo forte, uma doen\u00e7a, ou o cansa\u00e7o ou mesmo a pregui\u00e7a,qualquer um desses fatores nos leve a faltar, comprometendo o sucesso de nosso projeto…\u201d<\/p>\n

A Teoria dos Contratos, que ganhou destaque esta semana com o an\u00fancio do Pr\u00eamio Nobel 2016 para o professor finland\u00eas Bengt Holmstr\u00f6m e o professor ingl\u00eas Oliver Hart, apresenta uma poss\u00edvel explica\u00e7\u00e3o para a mudan\u00e7a \u2013 de fracasso para sucesso \u2013 na trajet\u00f3ria do Beirute, e para a origem dos problemas que afligiam a aluna. Trata-se do modelo b\u00e1sico de Economia da Informa\u00e7\u00e3o e Incentivos conhecido com o modelo \u201cPrincipal-Agente\u201d1<\/sup>ou \u201cModelo de Delega\u00e7\u00e3o Monitorada\u201de sua varia\u00e7\u00e3o aplicada \u00e0s organiza\u00e7\u00f5es do tipo \u201cParceria\u201d, como ser\u00e1 discutido no final desta nota.<\/p>\n

O modelo Principal-Agente ou Modelo de Delega\u00e7\u00e3o Monitorada estabelece que grande parte das rela\u00e7\u00f5es entre indiv\u00edduos e institui\u00e7\u00f5es segue um formato comum em que um ente, chamado de Principal ou Superior, deseja que outro ente, chamado de Agente, realize adequadamente uma tarefa. A execu\u00e7\u00e3o dessa tarefa, tipicamente, envolve custos para o Agente.Para induzir o Agente a realizar a tarefa, o Superior disp\u00f5e de um mecanismo de compensa\u00e7\u00e3o. Por exemplo, um diretor de uma escola (o Superior), deseja que o professor (o Agente) se esforce para proferir boas aulas, estimular os alunos a estudar, elaborar provas capazes de bem avaliar o desempenho dos alunos etc. Como mecanismos de compensa\u00e7\u00e3o, disp\u00f5e do sal\u00e1rio, da progress\u00e3o na carreira, do prest\u00edgio na escola etc. O fruto da negocia\u00e7\u00e3o entre o Superior e o Agente \u00e9 chamado de \u201ccontrato\u201d que, segundo o Business Dictionary<\/em>, consiste de \u201cum acordo volunt\u00e1rio e juridicamente vinculante entre dois ou mais agentes econ\u00f4micos\u201d2<\/sup>.<\/p>\n

\u00c9 f\u00e1cil ver que qualquer rela\u00e7\u00e3o de trabalho3<\/sup> pode ser interpretada sob a \u00f3tica do Modelo de Delega\u00e7\u00e3o Monitorada, em que o patr\u00e3o \u00e9 o Superior e o empregado \u00e9 o Agente. Esse modelo, no entanto, \u00e9 muito mais abrangente e pode ser usado para se analisar um sem-n\u00famero de outras situa\u00e7\u00f5es, como, por exemplo, a rela\u00e7\u00e3o entre uma empresa de seguros de carro (Superior) e o segurado (Agente). Nesse caso, o Superior quer que, em primeiro lugar, o Agente compre seu seguro e, em segundo lugar, que dirija cuidadosamente, de forma a minimizar, na medida do poss\u00edvel, as chances de ter que cobrir os custos de um acidente. O mecanismo de compensa\u00e7\u00e3o envolve o pr\u00f3prio custo do seguro, mas tamb\u00e9m a fixa\u00e7\u00e3o de uma franquia4<\/sup>, a cargo do segurado, em caso de acidente. Pode ainda ser usado para se interpretar a rela\u00e7\u00e3o entre eleitores (os \u201cSuperiores\u201d) e seu presidente eleito (Agente), que desejam garantir que o presidente seja honesto e se dedique ao melhor interesse da sociedade. Nesse caso o mecanismo de compensa\u00e7\u00e3o \u00e9 a reelei\u00e7\u00e3o ou, mais genericamente, o sucesso na carreira pol\u00edtica.<\/p>\n

Bengt Holmstr\u00f6m e Oliver Hart foram instrumentais no desenvolvimento da Teoria dos Contratos, que pode ser definida como a an\u00e1lise sistem\u00e1tica do Modelo de Delega\u00e7\u00e3o Monitorada, com vistas a entender essas rela\u00e7\u00f5es hier\u00e1rquicas entre agentes econ\u00f4micos, bem como a sugerir quais regras e institui\u00e7\u00f5es podem garantir um resultado mais ben\u00e9fico para todos os envolvidos. Na linguagem usada pelos economistas, busca-se aproximar ao m\u00e1ximo a \u201cefici\u00eancia de Pareto\u201d.<\/p>\n

Em sua tese de doutorado5<\/sup> submetida \u00e0 Universidade de Stanford em 1977 Holmstr\u00f6m evidencia o papel fundamental da assimetria de informa\u00e7\u00e3o. De fato, caso o Superior pudesse observar todas as a\u00e7\u00f5es do Agente, ele poderia propor um contrato que compensasse o Agente apenas se ele escolhesse as a\u00e7\u00f5es desejadas. Se a compensa\u00e7\u00e3o fosse adequada, ent\u00e3o o Agente aceitaria a proposta do Superior e executaria exatamente as a\u00e7\u00f5es acordadas, de forma a garantir o recebimento da compensa\u00e7\u00e3o. Portanto, o problema de delega\u00e7\u00e3o seria facilmente resolvido.<\/p>\n

Suponha agora que o Superior n\u00e3o consiga observar a a\u00e7\u00e3o do Agente. Suponha ainda que a a\u00e7\u00e3o que o Superior deseja ser executada envolva um elevado custo para o Agente. Ent\u00e3o est\u00e1 criado um conflito de interesses que pode fazer com que o Agente opte por uma a\u00e7\u00e3o distinta. No exemplo do diretor de escola e do professor, caso a \u00fanica compensa\u00e7\u00e3o que o professor receba seja seu sal\u00e1rio e este independa da qualidade de suas aulas, \u00e9 prov\u00e1vel que o professor prefira n\u00e3o se esfor\u00e7ar no preparo did\u00e1tico, se isso lhe for custoso. Em geral, Holmstr\u00f6m e demais pesquisadores da \u00e1rea mostraram que \u00e9 necess\u00e1rio que a compensa\u00e7\u00e3o esteja atrelada a alguma medida de desempenho para que o Agente escolha a a\u00e7\u00e3o que o Superior deseja. Por exemplo, se o sal\u00e1rio do professor estiver condicionado a alguma medida de aprendizado da turma, como o resultado do ENEM ou outro teste padronizado aplicado por terceiros, ent\u00e3o \u00e9 mais prov\u00e1vel que o professor se dedique para garantir a transmiss\u00e3o de seu conhecimento.<\/p>\n

Esse achado explica porque em muitas profiss\u00f5es em que o sucesso depende muito da dedica\u00e7\u00e3o do Agente, como em vendas, os sal\u00e1rios (compensa\u00e7\u00e3o) tendem a depender do resultado observado (montante de vendas, a medida de desempenho).<\/p>\n

Mais ainda, Holmstr\u00f6m mostrou que simples medidas de desempenho baseadas em resultados s\u00e3o, em geral imperfeitas.Isso ocorre porque, tipicamente, o resultado \u00e9 um sinal imperfeito da escolha do agente. Considere o caso de um vendedor em uma loja, por exemplo. Ele pode se dedicar para convencer os clientes potenciais, tendo sucesso moderado, enquanto um colega pouco dedicado pode ter a sorte de, sem esfor\u00e7o algum, receber um rico cliente procurando por um artigo espec\u00edfico car\u00edssimo.<\/p>\n

Um exemplo mais sofisticado pode ser o desempenho de um pol\u00edtico que assume a presid\u00eancia de um pa\u00eds produtor de commodities<\/em> que se encontra com uma estrutura macroecon\u00f4mica consolidada, pol\u00edtica fiscal sob controle, pol\u00edtica monet\u00e1ria atuante, e em um per\u00edodo de grande expans\u00e3o da economia mundial. Esse presidente ver\u00e1 as reservas internacionais e o n\u00edvel de confian\u00e7a do pa\u00eds aumentarem ao longo de seu mandato, mesmo que n\u00e3o tome as melhores decis\u00f5es para o pa\u00eds, podendo inclusive ser reeleito, uma vez que os eleitores observam o crescimento econ\u00f4mico (resultado) sem separar o que deve ser atribu\u00eddo ao esfor\u00e7o do presidente daquilo que deve ser atribu\u00eddo a vari\u00e1veis externas \u00e0 sua conduta.<\/p>\n

O contr\u00e1rio pode tamb\u00e9m ocorrer, ou seja, um empregado dedicado, mas sem sucesso de vendas devido a uma crise econ\u00f4mica, por exemplo,pode receber uma baixa remunera\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Aqui um paralelo pode ser feito \u00e0 situa\u00e7\u00e3o de pais que gostariam que seus filhos estudassem. O certo seria recompens\u00e1-los pelo esfor\u00e7o dedicado ao estudo. Como esse esfor\u00e7o n\u00e3o \u00e9 claramente observado, terminam recompensando-o pelo resultado nas provas: se boas forem as notas, s\u00e3o louvados e, se forem baixas, s\u00e3o criticados, ainda que as cr\u00edticas possam ser injustas. O mesmo acontece com qualquer sistema de men\u00e7\u00f5es em universidades, que tende a medir o desempenho em provas (observ\u00e1vel) no lugar do esfor\u00e7o do aluno (n\u00e3o-observ\u00e1vel).<\/p>\n

Ainda assim, a compensa\u00e7\u00e3o contingente ao desempenho observado gera um equil\u00edbrio do tipo \u201csegundo-melhor\u201d (second best<\/em>), que \u00e9 uma aproxima\u00e7\u00e3o fact\u00edvel do resultado eficiente que teria sido obtido caso a informa\u00e7\u00e3o sobre a a\u00e7\u00e3o do Agente fosse de conhecimento p\u00fablico.<\/p>\n

Em trabalho derivado de sua tese de doutorado, Holmstr\u00f6m (1979)6<\/sup> chama a aten\u00e7\u00e3o para o fato de que, apesar de a a\u00e7\u00e3o n\u00e3o ser observada, se existirem outras vari\u00e1veismelhor correlacionadas com a a\u00e7\u00e3o que possam ser medidas, ent\u00e3o o uso dessas vari\u00e1veis pode ajudar a aperfei\u00e7oar o mecanismo de compensa\u00e7\u00e3o, tornando o resultado ainda mais pr\u00f3ximo do eficiente. Trata-se do \u201cPrinc\u00edpio do Conte\u00fado Informativo\u201d (Informativeness Principle<\/em>), que estabelece que a informa\u00e7\u00e3o relevante dispon\u00edvel, e apenas essa informa\u00e7\u00e3o, deva ser utilizada no desenho dos contratos de forma a melhorar os resultados.<\/p>\n

Considere os dois exemplos discutidos acima. Existe, no com\u00e9rcio, uma regularidade conhecida como sazonalidade, que faz com que as vendas variem naturalmente ao longo do ano. Por exemplo, h\u00e1 muito mais vendas de brinquedos em dezembro, devido ao Natal, do que em janeiro. N\u00e3o se deve, portanto, punir um vendedor por uma redu\u00e7\u00e3o (dentro de padr\u00f5es naturais) nesse m\u00eas de in\u00edcio de ano.<\/p>\n

Analogamente, \u00e9 poss\u00edvel se observar as vendas de commodities<\/em> de um pa\u00eds, bem como o crescimento econ\u00f4mico mundial. Portanto, n\u00e3o se deve considerar m\u00e9rito pessoal de nosso presidente fict\u00edcio um bom resultado nas exporta\u00e7\u00f5es se todos os demais pa\u00edses em condi\u00e7\u00f5es compar\u00e1veis tamb\u00e9m tiverem resultados semelhantes. Um exemplo extremo dessa situa\u00e7\u00e3o s\u00e3o os pa\u00edses que dependem quase que exclusivamente da exporta\u00e7\u00e3o do petr\u00f3leo, como a Venezuela, que pode passar de um per\u00edodo de extrema opul\u00eancia para um de extrema pen\u00faria com as varia\u00e7\u00f5es do pre\u00e7o internacional do petr\u00f3leo, sem qualquer influ\u00eancia das a\u00e7\u00f5es do presidente.Nesse caso, a a\u00e7\u00e3o do presidente (Agente) a ser considerada pelos eleitores (Superiores) n\u00e3o deve ser o montante arrecadado com exporta\u00e7\u00f5es, mas sim, por exemplo, a capacidade de criar um fundo de estabiliza\u00e7\u00e3o nos momentos de alta do pre\u00e7o do petr\u00f3leo e usar esse fundo nos per\u00edodos de baixa desse pre\u00e7o.<\/p>\n

Uma famosa aplica\u00e7\u00e3o para o mundo corporativo do Princ\u00edpio do Conte\u00fado Informativo \u00e9 que n\u00e3o se deve remunerar um alto executivo de uma empresa por lucros oriundos da sorte, alheios aos seus esfor\u00e7os, por exemplo.<\/p>\n

Al\u00e9m da superioridade do sal\u00e1rio condicional ao desempenho, a Teoria dos Contratos permite entender e desenhar melhores contratos em v\u00e1rias outras situa\u00e7\u00f5es. Por exemplo, uma carreira mais verticalizada, com benef\u00edcios mais claros quando se \u00e9 promovido, estimula o desempenho (com vistas \u00e0 promo\u00e7\u00e3o) mais do que uma carreira mais horizontalizada em que h\u00e1 pouco ganho quando se \u00e9 promovido.\u00a0 Este pesquisador se encontra atualmente em est\u00e1gio p\u00f3s-doutoral no Jap\u00e3o e ouviu de v\u00e1rios colegas professores de universidades p\u00fablicas a manifesta\u00e7\u00e3o de que teriam pouco interesse na promo\u00e7\u00e3o \u00e0 posi\u00e7\u00e3o de professor titular pelo simples fato de que o aumento salarial \u00e9 muito pequeno, enquanto as responsabilidades, em termos de participa\u00e7\u00e3o na administra\u00e7\u00e3o universit\u00e1ria, crescem muito.<\/p>\n

At\u00e9 agora foi discutida a contribui\u00e7\u00e3o da Teoria dos Contratos no sentido de melhor entender os contratos existentes e tamb\u00e9m no sentido de ajudar a desenhar contratos mais eficientes em ambientes em que h\u00e1 informa\u00e7\u00e3o assim\u00e9trica entre o Superior e o Agente. H\u00e1 ainda uma outra importante caracter\u00edstica do mundo real que afeta a qualidade dos contratos, que \u00e9 o fato de o mundo ser por demais complexo para que todos poss\u00edveis desdobramentos de um contrato possam ser previstos. Isso levou a academia \u00e0 modelagem dos \u201ccontratos incompletos\u201d (incomplete contracts<\/em>), que faz uso de sofisticado instrumental matem\u00e1tico para incorporar o fato de existirem situa\u00e7\u00f5es imprevis\u00edveis no momento em que se desenha um contrato. Oliver Hart \u00e9 considerado um dos principais motores do desenvolvimento dessa \u00e1rea de pesquisa. A teoria chama a aten\u00e7\u00e3o, por um lado, para a necessidade de se prever quem ter\u00e1 o poder de decis\u00e3o em uma disputa oriunda dessas situa\u00e7\u00f5es imprevis\u00edveis e, por outro lado, para a grande for\u00e7a que ganha o ente que resulta deter o poder de decis\u00e3o nessas situa\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

Uma aplica\u00e7\u00e3o dessa teoria diz respeito \u00e0 estrutura \u00f3tima da firma. Uma estrutura verticalizada, em que a firma adquire firmas menores que eram suas fornecedoras, garante o direito de decis\u00e3o para a firma adquirente, afirmando sua preponder\u00e2ncia. Por outro lado, \u00e9 poss\u00edvel que essa integra\u00e7\u00e3o traga consigo problemas de incentivos inexistentes anteriormente, uma vez que antes da aquisi\u00e7\u00e3o as duas firmas interagiam por meio do mercado, que criava incentivos para que a fornecedora buscasse a efici\u00eancia por conta pr\u00f3pria. Uma vez adquirida pela firma maior, os propriet\u00e1rios da antiga fornecedora se tornam funcion\u00e1rios e, a menos que sejam criados novos esquemas de compensa\u00e7\u00e3o adequados para contrabalan\u00e7ar a perda dos incentivos \u00e0 efici\u00eancia que eram gerados pelo mercado, poder\u00e1 haver redu\u00e7\u00e3o de dedica\u00e7\u00e3o por parte dos novos funcion\u00e1rios.<\/p>\n

Esta quest\u00e3o nos leva de volta \u00e0 discuss\u00e3o sobre o Bar Beirute.\u00a0 A presente nota n\u00e3o tem a pretens\u00e3o de dar uma resposta inquestion\u00e1vel \u00e0 pergunta inicial. A Teoria dos Contratos sugeriria, no entanto, que at\u00e9 1970 Bart\u00f4 e Chico eram empregados da empresa, sendo necess\u00e1rio a constru\u00e7\u00e3o dos incentivos adequados \u00e0 sua atua\u00e7\u00e3o \u00f3tima, uma vez que o principal benefici\u00e1rio de seu trabalho eram os propriet\u00e1rios. Na aus\u00eancia de um bom desenho de incentivos, a empresa caminharia para a inefici\u00eancia, reduzindo seus lucros. Com a aquisi\u00e7\u00e3o do empreendimento, os antigos funcion\u00e1rios se tornaram donos do neg\u00f3cio e, portanto, benefici\u00e1rios integrais de seus ganhos l\u00edquidos. Assim, aumentou sobremaneira o incentivo \u00e0 efici\u00eancia, com a feliz consequ\u00eancia observada. Trata-se de um resultado cl\u00e1ssico bastante conhecido e ensinado em Teoria dos Contratos: Se voc\u00ea quiser garantir um n\u00edvel de esfor\u00e7o \u00f3timo de seu Agente, venda a ele (os direitos sobre) o neg\u00f3cio por um pre\u00e7o fixo e deixe que ele escolha o n\u00edvel de esfor\u00e7o. Como, uma vez feito o pagamento, todo o benef\u00edcio passa a ser do Agente, este escolher\u00e1, naturalmente, o n\u00edvel eficiente de esfor\u00e7o!<\/p>\n

E quanto ao estudo para o exame ANPEC de minha aluna e seu grupo? Trata-se tamb\u00e9m de uma estrutura amplamente estudada por Bengt Holmstr\u00f6m que se chama \u201cparceria\u201d (partnership<\/em>) em que n\u00e3o existe um Superior e sim v\u00e1rios Agentes que geram um resultado conjunto por meio de seus esfor\u00e7os individuais. No caso dos estudantes, o esfor\u00e7o era participar religiosamente das reuni\u00f5es de estudo e o resultado conjunto era o melhor preparo de todos os membros do grupo para o exame. Observa-se a mesma estrutura quando um grupo de alunos deve elaborar em conjunto um trabalho final de uma disciplina. Firmas com v\u00e1rios s\u00f3cios, como \u00e9 comum em pequenas empresas, especialmente no ramo de servi\u00e7os, tamb\u00e9m apresentam estrutura semelhante. Holmstr\u00f6m (1982)7<\/sup> mostra claramente a impossibilidade de se chegar at\u00e9 mesmo ao \u201csecond-best<\/em>\u201d nessa estrutura, devido \u00e0 aus\u00eancia de um Superior. A explica\u00e7\u00e3o \u00e9 simples, e est\u00e1 associada \u00e0 dificuldade de se impor uma penaliza\u00e7\u00e3o quando a a\u00e7\u00e3o \u00f3tima (n\u00e3o observada) n\u00e3o for tomada por algum dos membros.<\/p>\n

Bugarin (2015)8<\/sup> mostra que, quando a parceria necessita de um investimento, ent\u00e3o o provedor do recurso pode assinar um contrato que lhe d\u00e1 o direito de propriedade sobre a produ\u00e7\u00e3o da parceria, sendo que ele dever\u00e1 redistribuir essa produ\u00e7\u00e3o \u00e0 parceria se esta gerar o resultado eficiente e, caso contr\u00e1rio, ficar\u00e1 com esse retorno para si. Dessa forma, o investidor se tornar\u00e1 um Superior para a parceria e se retornar\u00e1 \u00e0 solu\u00e7\u00e3o conhecida. No entanto, caso n\u00e3o exista necessidade de aporte de capital, essa solu\u00e7\u00e3o n\u00e3o pode ser aplicada. No caso do grupo de estudo, claramente n\u00e3o havia um Superior. O grupo de alunos chegou a pensar em implementar o seguinte mecanismo: Toda semana cada membro do grupo depositaria um montante na conta deste professor, montante esse que seria devolvido caso todos estivessem presentes a todas as reuni\u00f5es de estudo. Caso qualquer um dos membros faltasse, o professor doaria o recurso a terceiros. Dessa forma, este professor desempenharia o papel do Superior ou, na linguagem de Holmstr\u00f6m (1982), o papel de um \u201cbudget-breaking Principal<\/em>\u201d. \u00a0Esse mecanismo, no entanto, se mostrou de dif\u00edcil implanta\u00e7\u00e3o e nem chegou a ser usado, conforme previa a teoria, pois n\u00e3o havia um Superior \u201cnatural\u201d, como no caso do investidor9<\/sup>.<\/p>\n

Felizmente, a aluna n\u00e3o dependia da efici\u00eancia dessa parceria: Seu brilhantismo a colocou entre as melhores classificadas no concurso ANPEC. A aluna fez mestrado em um dos melhores programas do Brasil, doutorado nos Estados Unidos e hoje segue firme carreira acad\u00eamica em universidade americana de primeira linha!<\/p>\n

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_______________<\/p>\n

1<\/sup>A tradu\u00e7\u00e3o literal do ingl\u00eas \u201cPrincipal-Agent\u201d \u00e9 aqui mantida por ter se tornado amplamente aceita e ser usada universalmente. No entanto, proponho alternativamente o uso do termo \u201cDelega\u00e7\u00e3o Monitorada\u201d por raz\u00f5es que ficar\u00e3o claras ao longo do texto.<\/p>\n

2<\/sup> Tradu\u00e7\u00e3o livre. Vide http:\/\/www.businessdictionary.com\/definition\/contract.html<\/a><\/p>\n

3<\/sup>At\u00e9 mesmo o trabalho escravo, como pode ser visto em De Castro, Steve, \u201cWrong incentives for growth in the transition from modern slavery to firms and labor markets: Babylon before, Babylon after\u201d, Social & Economic Studies 53(2):75-116, 2004. Vers\u00e3o dispon\u00edvel online: http:\/\/epge.fgv.br\/files\/1049.pdf<\/a><\/p>\n

4<\/sup> A exist\u00eancia da franquia cria, naturalmente, um incentivo adicional para que o segurado se esforce em evitar acidentes.<\/p>\n

5<\/sup> \u201cOn Incentives and Control in Organizations\u201d, Stanford University, 1977.<\/p>\n

6<\/sup>\u201cMoral Hazard and Observability\u201d, The Bell Journal of Economics, 10(1): 74-91, 1979.<\/p>\n

7<\/sup> \u201cMoral hazard in teams\u201d. The Bell Journal of Economics, 13(2): 324\u2013340, 1982.<\/p>\n

8<\/sup> \u201cEfficiency in a Monotonic Partnership with Investment: An Endogenous Implementation of Holmstr\u00f6m\u2019s Principal\u201d. Bulletin of Business and Economics, 4(3): 127-135, 2015.<\/p>\n

9<\/sup> Poder-se-ia, naturalmente, pensar no grupo punindo diretamente o faltante. Nesse caso, o mecanismo funcionaria assim: cada membro depositaria uma quantia em conta do grupo, quantia essa que somente lhe seria devolvida se ele n\u00e3o faltasse. Existem dois problemas com esse mecanismo. Em primeiro lugar, se o valor for muito baixo, o membro n\u00e3o se preocupar\u00e1 em perd\u00ea-lo e o incentivo desaparecer\u00e1. Por outro lado, se for suficientemente elevado, h\u00e1 incentivo para que os pr\u00f3prios membros renegociem (ex-post<\/em>) a puni\u00e7\u00e3o, cada um deles prevendo a possibilidade de ser punido no futuro. Nesse sentido, diz-se na teoria dos contratos que a regra n\u00e3o \u00e9 \u201cdur\u00e1vel\u201d. Vide, a esse respeito, o artigo de Holmstr\u00f6m e Myerson \u201cEfficient and Durable Decision Rules with Incomplete Information\u201d, Econometrica 51(6):1799-1819, 1983.<\/p>\n

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