{"id":2897,"date":"2016-10-24T10:39:30","date_gmt":"2016-10-24T13:39:30","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2897"},"modified":"2016-10-25T08:31:12","modified_gmt":"2016-10-25T11:31:12","slug":"porque-tributar-o-consumo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2897","title":{"rendered":"Por que tributar o consumo?"},"content":{"rendered":"

1. Resumo<\/strong><\/p>\n

A tributa\u00e7\u00e3o do consumo tem seu lugar no sistema tribut\u00e1rio, em import\u00e2ncia nada inferior \u00e0 do Imposto de Renda. A alegada superioridade distributiva do imposto de renda repousa em argumentos fr\u00e1geis. O Imposto de Consumo permite melhor blindagem contra privil\u00e9gios que o Imposto de Renda, al\u00e9m de apresentar qualidades econ\u00f4mico-sociais dif\u00edceis de encontrar em qualquer outro imposto.<\/p>\n

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2. Introdu\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n

H\u00e1 quem diga que no Brasil andamos mal ao tributar o consumo e que, para sermos justos, dever\u00edamos tributar mais a renda, ali\u00e1s como o fazem os pa\u00edses do Norte maravilha. \u201cDiferentemente do que ocorre nas economias desenvolvidas, entretanto, a carga brasileira \u00e9 concentrada em tributos indiretos e regressivos, n\u00e3o em tributos diretos e progressivos\u201d.<\/em><\/p>\n

H\u00e1 quem diga que os impostos sobre o consumo s\u00e3o por defini\u00e7\u00e3o regressivos (pois os pobres consomem por\u00e7\u00e3o maior de sua renda do que os ricos) e que por isso esses impostos deveriam ser reduzidos, aumentando-se reciprocamente os impostos sobre a renda. \u201cImpostos indiretos s\u00e3o reconhecidamente regressivos, porque suaincid\u00eancia n\u00e3o tem como refer\u00eancia a renda do consumidor, mas apenas o seu consumo\u201d. <\/em><\/p>\n

H\u00e1 quem diga que n\u00e3o somente os impostos sobre a renda deveriam ser maiores como deveriam ser mais progressivos, elevando-se as al\u00edquotas para os rendimentos elevados. \u201cUm sistema de tributa\u00e7\u00e3o sobre a renda mais progressivo atenuaria as desigualdades distributivas\u201d. \u201cSugere-se uma quarta al\u00edquota, de 35%, igual \u00e0 al\u00edquota superior da Argentina, e outra de 45%\u201d.<\/em><\/p>\n

S\u00e3o ideias antigas, persistentes, simples e persuasivas. Mas equivocadas.<\/p>\n

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3. Tributa\u00e7\u00e3o do Consumo e da Renda<\/strong><\/p>\n

Tributar o consumo n\u00e3o \u00e9 diferente de tributar a renda.<\/strong> S\u00e3o duas formas de aplicar impostos sobre a mesma realidade. AuferirRenda <\/em>\u00e9 adquirir meios, Consumo <\/em>\u00e9 a utiliza\u00e7\u00e3o dessa renda. Em cada ano, a Renda (R) corresponde ao Consumo (C) mais a Poupan\u00e7a (P) l\u00edquida: R = C + P. Num modelo simples de vida econ\u00f4mica, no primeiro per\u00edodo (Juventude) as pessoas nem obt\u00eam renda nem poupam (R = P = zero) e o Consumo \u00e9 custeado por pais ou respons\u00e1veis. No segundo per\u00edodo (Vida adulta), a Renda excede o Consumo e P \u00e9 positiva. No terceiro per\u00edodo (Velhice), a Poupan\u00e7a tende a ser negativa j\u00e1 que a Renda \u00e9 inferior ao Consumo. Considerando o ciclo de vida inteiro e abstraindo de heran\u00e7a, Renda e Consumo se equivalem. Durante a vida, a poupan\u00e7a passa de positiva a negativa, cumprindo seu papel de transferir meios para o futuro.<\/p>\n

Que dizer da heran\u00e7a deixada pela pessoa ao falecer?<\/strong> Heran\u00e7a \u00e9 a diferen\u00e7a positiva entre Renda e Consumo durante a vida. \u00c9 o consumo post mortem<\/em>… Quando h\u00e1 heran\u00e7a, o equil\u00edbrio na tributa\u00e7\u00e3o entre os dois fluxos (Renda e Consumo) se estabelece atrav\u00e9s de tributa\u00e7\u00e3o da Sucess\u00e3o (que tem natureza de Estoque) por imposto separado. A tributa\u00e7\u00e3o de heran\u00e7as e doa\u00e7\u00f5es \u00e9 complementar \u00e0 tributa\u00e7\u00e3o de renda e consumo.1<\/sup><\/p>\n

Concentrar o estudo de progressividade\/regressividade na vida adulta – como acontece – oferece uma vis\u00e3o incompleta.<\/strong> Em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 Renda obtida, na Vida adulta a tributa\u00e7\u00e3o da Renda \u00e9 mais pesada que a do Consumo, e na Velhice a tributa\u00e7\u00e3o do Consumo \u00e9 mais importante que a da Renda. Considerando toda a extens\u00e3o da vida, Renda e Consumo s\u00e3o duas faces da mesma moeda.<\/p>\n

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4. Tributando o Consumo, sem Pedir Desculpas<\/strong><\/p>\n

A ojeriza contra a tributa\u00e7\u00e3o do consumo n\u00e3o se justifica.<\/strong> Primeiro, porque no ciclo de vida como um todo a tributa\u00e7\u00e3o do Consumo n\u00e3o \u00e9 nem progressiva nem regressiva: ela \u00e9 proporcional. Proporcional ao Consumo e, como demonstrado acima, tamb\u00e9m proporcional \u00e0 Renda de toda a vida. Segundo, porque a Renda pode ser vista como compensa\u00e7\u00e3o pela contribui\u00e7\u00e3o que a pessoa faz para o produto econ\u00f4mico social (sal\u00e1rio que recebe pelo trabalho, lucro que recebe por tomar riscos, aluguel ou royalties que usufrui por oferecer seu im\u00f3vel ou bem intang\u00edvel ao uso por outrem etc.), enquanto que o Consumo corresponde ao que a pessoa retirou desse produto coletivo para seu desfrute pessoal. As bases filos\u00f3ficas da tributa\u00e7\u00e3o do Consumo n\u00e3o s\u00e3o menos s\u00f3lidas que a da tributa\u00e7\u00e3o da Renda.2<\/sup> E a tributa\u00e7\u00e3o da Renda apresenta tantas oportunidades de evas\u00e3o que a ilus\u00f3ria sensa\u00e7\u00e3o de justi\u00e7a que inspira desaparece na pr\u00e1tica.3<\/sup><\/p>\n

O Estado moderno precisa tributar tanto a Renda quanto o Consumo. <\/strong>Toda base tribut\u00e1ria (renda, consumo, propriedade, transa\u00e7\u00f5es financeiras etc.) tem suas limita\u00e7\u00f5es, riscos de evas\u00e3o, efeitos econ\u00f4micos indesej\u00e1veis. Tiv\u00e9ssemos apenas um tributo (a quimera do imposto \u00fanico), aquele que lograsse evadir esse imposto estaria livre de qualquer tributa\u00e7\u00e3o. E o tributo \u00fanico teria al\u00edquota(s) t\u00e3o elevada(s) que tornaria altamente compensadora a busca de isen\u00e7\u00f5es. Tamb\u00e9m tornaria irresist\u00edvel a sonega\u00e7\u00e3o.4<\/sup> A pr\u00e1tica tem demonstrado que Renda e Consumo s\u00e3o as duas grandes colunas da tributa\u00e7\u00e3o moderna.5<\/sup><\/p>\n

A tributa\u00e7\u00e3o do Consumo pode ser progressiva–mas isso n\u00e3o seria uma boa ideia.<\/strong> Para tributar o Consumo de forma progressiva, basta deduzir, da Renda declarada anualmente, o montante de Poupan\u00e7a l\u00edquida realizada no ano (se a poupan\u00e7a tiver sido negativa, seria adicionada \u00e0 renda). Depois disso, a tabela de al\u00edquotas progressivas poderia ser aplicada normalmente.6<\/sup> Este modelo, entretanto, apresenta obje\u00e7\u00f5es muito grandes do ponto de vista distributivo a menos que seja acompanhado de tributa\u00e7\u00e3o elevad\u00edssima sobre a heran\u00e7a como proposto por Stuart Mill. Al\u00e9m disso, o imposto de consumo progressivo seria um pesadelo do ponto de vista operacional: (1) teria que ser cobrado anualmente (imposto progressivo mensal n\u00e3o funcionaria); (2) quando cessasse de auferir Renda, o contribuinte teria que ser tributado sobre a diminui\u00e7\u00e3o do valor de seus ativos, o que elevaria a complexidade; e (3) operacionalmente o tributo (sobre renda consumida) seria muito semelhante ao atual imposto de Renda (que tributa a renda adquirida), o que poderia gerar a percep\u00e7\u00e3o de dupla tributa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

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5. Escolhendo Bases Tribut\u00e1rias<\/strong><\/p>\n

A tributa\u00e7\u00e3o do Consumo pode ser aplicada mais generalizadamente que a da Renda.<\/strong> Hoje, um ministro de tribunal superior pode, contra a mais simples l\u00f3gica, decretar que certas verbas recebidas por magistrados t\u00eam car\u00e1ter indenizat\u00f3rio, portanto est\u00e3o livres do Imposto de Renda. Mas n\u00e3o tem poder para ditar que os bens consumidos pelos benefici\u00e1rios com tais verbas estejam livres da tributa\u00e7\u00e3o sobre o Consumo. A impessoalidade da tributa\u00e7\u00e3o do Consumo torna-a mais robusta contra a incessante busca de privil\u00e9gios para certas categorias econ\u00f4micas.7<\/sup><\/p>\n

No Brasil, uma grande mudan\u00e7a de bases de Consumo para Renda poderia ser desastrosa para Estados e Munic\u00edpios.<\/strong> Significaria encolher ICMS e ISS, impostos que s\u00e3o a espinha dorsal das finan\u00e7as estaduais e municipais, e aumentar a receita do Imposto de Renda, que \u00e9 apenas compartilhada com as entidades federativas subnacionais. A mudan\u00e7a colocaria em xeque a autonomia fiscal dos Estados, que depende crucialmente da receita do ICMS.<\/p>\n

Tributar o Consumo n\u00e3o \u00e9 tributar a Produ\u00e7\u00e3o<\/strong>. A base da tributa\u00e7\u00e3o do Consumo \u00e9 a Produ\u00e7\u00e3o consumida acrescida da Importa\u00e7\u00e3o para consumo. N\u00e3o pode ela portanto alcan\u00e7ar bens de capital, nem exporta\u00e7\u00f5es, nem vendas entre unidades produtivas, nem ter car\u00e1ter cumulativo. A n\u00e3o cumulatividade se garante pelo cr\u00e9dito do imposto pago nas vendas intermedi\u00e1rias (antes da entrega para consumo). A n\u00e3o onera\u00e7\u00e3o de bens de capital e exporta\u00e7\u00f5es para o exterior se materializa pela pronta devolu\u00e7\u00e3o de cr\u00e9ditos acumulados por exportadores.<\/p>\n

A tributa\u00e7\u00e3o da Produ\u00e7\u00e3o provoca danos \u00e0 economia: menos produtividade, menos competitividade.<\/strong> A viola\u00e7\u00e3o dos princ\u00edpios mencionados no par\u00e1grafo anterior, os abusos da chamada \u201csubstitui\u00e7\u00e3o tribut\u00e1ria\u201d (em que o imposto \u00e9 cobrado em car\u00e1ter final, fora do mecanismo de cr\u00e9dito, na etapa de produ\u00e7\u00e3o ou importa\u00e7\u00e3o), a tributa\u00e7\u00e3o de exporta\u00e7\u00f5es para outros Estados, a inexist\u00eancia de cr\u00e9dito rec\u00edproco entre o ICMS e o ISS e a concorr\u00eancia de impostos estaduais e federais sobre a mesma base resultam em perda de transpar\u00eancia, complexidade, inseguran\u00e7a jur\u00eddica, custos maiores da produ\u00e7\u00e3o nacional e efeitos econ\u00f4micos indesej\u00e1veis tais como a integra\u00e7\u00e3o vertical8<\/sup> e a perda de competitividade.<\/p>\n

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6. Conclus\u00f5es<\/strong><\/p>\n

O imposto sobre o Consumo pode ser simples, geral e livre de privil\u00e9gios.<\/strong> Embora recolhido pelos provedores de bens e servi\u00e7os, um imposto de Consumo \u00e9 suportado por indiv\u00edduos e fam\u00edlias. Aplica-se igualmente a todos os setores econ\u00f4micos, e cada empresa \u00e9 mera intermedi\u00e1ria entre Consumidor e Governo. N\u00e3o existe \u201ccarga tribut\u00e1ria setorial\u201d nem existem raz\u00f5es para incentivos fiscais setoriais ou de outra ordem. O imposto pode ser simples de calcular, pagar e controlar tanto pelos agentes econ\u00f4micos como pelo Fisco.<\/p>\n

Para substituir os complexos tributos sobre bens e servi\u00e7os, o CCiF prop\u00f5e uma nova estrutura de tributa\u00e7\u00e3o do Consumo.<\/strong>\u00a0 A estrutura proposta pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) est\u00e1 baseada nos elevados princ\u00edpios constitucionais da Simplicidade, Transpar\u00eancia, Neutralidade, Efici\u00eancia e Equidade e contempla as qualidades apontadas no par\u00e1grafo anterior. Um imposto (ou contribui\u00e7\u00e3o) geral sobre o consumo poderia substituir as contribui\u00e7\u00f5es PIS, Cofinse parte do IPI. Enquanto um imposto geral sobre o consumo, de receita compartilhada entre estados e munic\u00edpios, poderia substituir os arcaicos ICMS e ISS.<\/p>\n

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1<\/sup> A an\u00e1lise se torna algo mais complexa quando a pessoa que deixou heran\u00e7a tamb\u00e9m recebeu heran\u00e7a ou legado da gera\u00e7\u00e3o anterior ou doa\u00e7\u00e3o da gera\u00e7\u00e3o corrente. Assunto para outra nota.<\/p>\n

2<\/sup>\u201c… the Equality of Imposition consisteth rather in the Equality of that which is consumed, than of the riches of the persons that consume the same. For what reason is there, that he that laboureth much, and sparing the fruits of his labour, consumeth little, should be more charged than he that, living idly, getteth little and spendeth all he gets; seeing the one hath no more protection from the Common-wealth than the other? But when the impositions are laid upon those things which men consume, every man payeth equally for what he useth; nor is the Common-wealth defrauded by the luxurious waste of private men.\u201d Thomas Hobbes, Leviathan<\/em>, cap. 30.<\/p>\n

3<\/sup> \u201cIt is to be feared, therefore, that the fairness which belongs to the principle of an income tax, cannot be made to attach to it in practice: and that this tax, while apparently the most just of all modes of raising a revenue, is in effect more unjust than many others which are prima facie<\/em> more objectionable. \u201d(J.S.Mill, Principles of Political Economy<\/em>, 1848, V.3.18).<\/p>\n

4<\/sup> Na Fran\u00e7a, a gabelle<\/em> sobre o sal era t\u00e3o onerosa que aqueles apanhados sonegando tinham seus ossos quebrados na roda. Essas puni\u00e7\u00f5es contribu\u00edram para a Revolu\u00e7\u00e3o Francesa.<\/p>\n

5<\/sup> O enunciado acima n\u00e3o est\u00e1 a sugerir que n\u00e3o haja espa\u00e7o para ampliar a tributa\u00e7\u00e3o da renda. Diz apenas que se for esse o caso, deve ser ampliada a base do Imposto de Renda em seus pr\u00f3prios m\u00e9ritos, n\u00e3o em substitui\u00e7\u00e3o \u00e0 tributa\u00e7\u00e3o do Consumo.<\/p>\n

6<\/sup> Este modelo, discutido por John Stuart Mill (op. cit.) e proposto por Nicholas Kaldor (An Expenditure Tax<\/em>, 1955), <\/em>foi aplicado durante certo tempo na \u00cdndia, no Paquist\u00e3o e no Sri Lanka.<\/p>\n

7<\/sup> A Constitui\u00e7\u00e3o de 1946 assegurava imunidade de Imposto de Renda para jornalistas, professores e magistrados (al\u00e9m do grosso dos subs\u00eddios parlamentares).<\/p>\n

8<\/sup> A integra\u00e7\u00e3o vertical induzida pelo imposto consiste em a empresa produzir,ela mesma, componentes que seria mais econ\u00f4mico comprar de outras empresas.<\/p>\n

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