{"id":2868,"date":"2016-09-29T09:34:23","date_gmt":"2016-09-29T12:34:23","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2868"},"modified":"2016-10-06T09:34:19","modified_gmt":"2016-10-06T12:34:19","slug":"a-pec-do-limite-dos-gastos-e-a-protecao-aos-mais-pobres","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2868","title":{"rendered":"A PEC do limite dos gastos e a prote\u00e7\u00e3o aos mais pobres"},"content":{"rendered":"
Entre 1997 e 2015, a despesa prim\u00e1ria (despesa total menos juros da d\u00edvida) anual do Governo Central triplicou em termos reais. Isso equivale a um crescimento m\u00e9dio de 6,2% ao ano acima da infla\u00e7\u00e3o. Se a despesa continuar a crescer nesse ritmo, n\u00e3o haver\u00e1 dinheiro para pag\u00e1-la.<\/p>\n
Com despesa crescente, o governo precisou extrair mais dinheiro da sociedade. A carga tribut\u00e1ria subiu fortemente, chegando a 32,7% em 2015, valor muito acima da m\u00e9dia de pa\u00edses emergentes. Mas n\u00e3o se pode continuar aumentando a carga tribut\u00e1ria indefinidamente. Os impostos j\u00e1 sobrecarregam as empresas e as fam\u00edlias.<\/p>\n
Arrecada\u00e7\u00e3o estagnada e despesa crescendo resultam em d\u00e9ficits prim\u00e1rios maiores a cada ano, chegando a R$ 170 bilh\u00f5es (2,7% do PIB) em 2016.Em m\u00e1 situa\u00e7\u00e3o financeira, o governo acaba tendo que pagar juros mais altos, pois o seu risco de default<\/em> aumenta. D\u00e9ficits prim\u00e1rios e juros mais altos aceleram o crescimento da d\u00edvida bruta, que disparou de 53,8% do PIB para 69,5% em apenas dois anos.<\/p>\n Quando as empresas percebem que o governo est\u00e1 em dificuldade financeira, passam a temer aumentos abruptos de carga tribut\u00e1ria, acelera\u00e7\u00e3o da infla\u00e7\u00e3o e instabilidade pol\u00edtica. As ag\u00eancias de avalia\u00e7\u00e3o de risco rebaixam a nota de cr\u00e9dito do governo. Nesse cen\u00e1rio de perda da confian\u00e7a no futuro de seus neg\u00f3cios, as empresas, num primeiro momento, evitaminvestir e posteriormente passam a demitir. Instala-se a recess\u00e3o.<\/p>\n O crescimento mais baixo prejudica a receita do governo, agravando o quadro fiscal. Entra-se em um ciclo vicioso: o desequil\u00edbrio fiscal derruba a economia, e a queda da economia piora a situa\u00e7\u00e3o fiscal. \u00a0Estamos em situa\u00e7\u00e3o dif\u00edcil: n\u00e3o h\u00e1 como financiar o crescimento real de 6% ao ano dos gastos p\u00fablicos e a economia j\u00e1 acumula queda do PIB de 7% em dois anos.<\/p>\n \u00c9 nesse contexto que se est\u00e1 propondo a PEC 241\/2016, que estipula limite para o crescimento da despesa prim\u00e1ria. A regra \u00e9 simples: se em um determinado ano a infla\u00e7\u00e3o<\/strong> for, por exemplo, de 5%, no ano seguinte o gasto prim\u00e1rio da Uni\u00e3o s\u00f3 poder\u00e1 crescer, no m\u00e1ximo, 5%.<\/p>\n A aprova\u00e7\u00e3o da PECatuar\u00e1 na causa fundamental do problema fiscal (o crescimento acelerado do gasto),sinalizando para a sociedade que o desajuste fiscal ser\u00e1 resolvido. Haver\u00e1 aumento da confian\u00e7a das empresas, que retomar\u00e3o os investimentos, gerando crescimento econ\u00f4mico. As receitas p\u00fablicas reagir\u00e3o, iniciando o processo de ajuste fiscal.<\/p>\n Ao mesmo tempo, o Tesouro Nacional precisar\u00e1 de menos empr\u00e9stimos para financiar um d\u00e9ficit decrescente. Sobrar\u00e3o mais recursos no mercado para financiar o investimento privado, o que levar\u00e1 \u00e0 queda da taxa de juros, que impulsionar\u00e1 o investimento e o crescimento.Juros mais baixos v\u00e3o desacelerar o crescimento da d\u00edvida p\u00fablica. Tamb\u00e9m aumentar\u00e3o a viabilidade dos investimentos privados em concess\u00f5es de infraestrutura, reduzindo a necessidade de subs\u00eddios credit\u00edcios do governo aos concession\u00e1rios, o que contribui tanto para o crescimento quanto para o ajuste fiscal.<\/p>\n A ideia deconter o crescimento da despesagera o temor de que pol\u00edticas sociais sejam afetadas, prejudicando os mais pobres. Na verdade, a popula\u00e7\u00e3o de baixa renda ser\u00e1 benefici\u00e1ria do ajuste. Estamos com doze milh\u00f5es de desempregados, que dependem da recupera\u00e7\u00e3o da economia para voltar \u00e0 ativa. Os pobres s\u00e3o os maiores prejudicados pelo desemprego recorde. Segundo o IPEA, em 2014, a taxa de desemprego era de 20% para os trabalhadores situados entre os 10% mais pobres, enquanto a taxa era de apenas 2% entre os 10% mais ricos. Al\u00e9m disso, os pobres n\u00e3o t\u00eam poupan\u00e7a acumulada para enfrentar o per\u00edodo de desemprego, geralmente n\u00e3o t\u00eam parentes ricos para lhes emprestar dinheiro e seu acesso ao cr\u00e9dito banc\u00e1rio \u00e9 limitado e caro.<\/p>\n A mais importante pol\u00edtica social \u00e9 a recupera\u00e7\u00e3o da economia e do emprego.Adicione-sea queda da infla\u00e7\u00e3o que advir\u00e1 do ajuste fiscal. Os pobres s\u00e3o os mais prejudicados pela carestia.<\/p>\n Os mais pobres tamb\u00e9m ganhar\u00e3o com a PEC porque hoje n\u00e3o s\u00e3o os maiores benefici\u00e1rios do gasto p\u00fablico. O or\u00e7amentotem gordas dota\u00e7\u00f5es que beneficiam estratos sociais mais altos. Controlando-se a expans\u00e3o desses gastos, restar\u00e3o mais recursos para financiar programas que efetivamente atendem os pobres.<\/p>\n A queda da despesa com juros tamb\u00e9m favorecer\u00e1 os pobres. Os juros s\u00e3o pagos a fam\u00edlias de maior renda, que s\u00e3o aquelas que disp\u00f5em de reservas financeiras aplicadas em t\u00edtulos p\u00fablicos. Menor pagamento de juros resulta em redu\u00e7\u00e3o do super\u00e1vit prim\u00e1rio necess\u00e1rio para manter a d\u00edvida sob controle, permitindo, mais adiante, a expans\u00e3o de programas sociais. Ademais, ao facilitar as concess\u00f5es de infraestrutura, a queda dos juros permitir\u00e1 a expans\u00e3o do saneamento b\u00e1sico e dos transportes coletivos.<\/p>\n H\u00e1, tamb\u00e9m, no or\u00e7amento, perda de recursos por inefici\u00eancia. Esse custo n\u00e3o \u00e9 desprez\u00edvel. Por exemplo, entre 2004 e 2014, o Minist\u00e9rio da Educa\u00e7\u00e3o aumentou seus gastos, em termos reais, em 285%, mas isso n\u00e3o parece ter se refletido em melhoria significativa no aprendizado, em especial dos alunos do ensino m\u00e9dio, cujo \u00cdndice de Desenvolvimento da Educa\u00e7\u00e3o B\u00e1sica mant\u00e9m-se em 3,7 quando, pela meta estabelecida, j\u00e1 deveria ter chegado a 5,2. A fixa\u00e7\u00e3o de um teto de gastos induzir\u00e1 a administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica, sujeita a maior controle do gasto, a buscar efici\u00eancia, beneficiando a todos. O Minist\u00e9rio da Sa\u00fade j\u00e1 deu a largada: com medidas gerenciais e renegocia\u00e7\u00f5es de contrato reduziu seu gasto anual em mais de R$ 1 bilh\u00e3o.<\/p>\n A PEC tamb\u00e9m tem sido questionada ao propor mudan\u00e7a na vincula\u00e7\u00e3o de recursos da sa\u00fade e da educa\u00e7\u00e3o. A proposta \u00e9 que o gasto m\u00ednimo (o piso) nesses setores deixe de ser calculado com base na receita do governo, passando a ser corrigido pela infla\u00e7\u00e3o. H\u00e1 o argumento equivocado de que a receita crescer\u00e1 mais r\u00e1pido que a infla\u00e7\u00e3o, de modo que a troca do indexador levaria a perda de recursos.<\/p>\n \u00c9 incorretocomparar os cen\u00e1rios \u201ccom aprova\u00e7\u00e3o da PEC\u201d e \u201csem aprova\u00e7\u00e3o da PEC\u201d supondo que o crescimento econ\u00f4mico e o desempenho da receita ser\u00e3o iguais nos dois casos. Sem a aprova\u00e7\u00e3o da PEC e, portanto, mantendo-se a atual regra de corre\u00e7\u00e3o do gasto m\u00ednimo em sa\u00fade e educa\u00e7\u00e3o, o crescimento econ\u00f4mico e da receita ser\u00e3o muito baixos, implicando baixa corre\u00e7\u00e3o da despesa m\u00ednima.Quando o PIB cai, como est\u00e1 ocorrendo agora, a corre\u00e7\u00e3o pela receita \u00e9 uma op\u00e7\u00e3o pior. Pelos dados dos \u00faltimos anos, a corre\u00e7\u00e3o pela infla\u00e7\u00e3o geraria valores maiores que a indexa\u00e7\u00e3o \u00e0 receita desde o exerc\u00edcio de 2013. O crit\u00e9rio proposto na PEC protege a sa\u00fade e a educa\u00e7\u00e3o durante as crises.<\/p>\n \u00c9 preciso computar o aumento de demanda porservi\u00e7os p\u00fablicos gerado pela deteriora\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica. Pesquisa recente da CNI apurou que, em 2016, 34% dos entrevistados pararam de pagar planos de sa\u00fade e 14% transferiram os filhos da escola privada para a p\u00fablica. Se n\u00e3o houver a aprova\u00e7\u00e3o da PEC e a recupera\u00e7\u00e3o da economia, mesmo que seja destinada uma dota\u00e7\u00e3o maior para sa\u00fade e educa\u00e7\u00e3o, haver\u00e1 press\u00e3o de demanda, prejudicando os usu\u00e1rios.<\/p>\n Deve-se considerar o estrago que a deteriora\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica gera na escolaridade dos mais pobres. Entre 2015 e 2016 a taxa de desemprego para jovens entre 14 e 17 anos, apurada pelo IBGE, subiu de 24% para 39%, refletindo um quadro de abandono dos estudos em busca de emprego. Essa \u00e9 uma perda para a educa\u00e7\u00e3o que independe de haver mais verbas destinadas para o setor.<\/p>\n \u00c9 essencial lembrar que a PEC deixa fora do limite de gastos as transfer\u00eancias federais para o FUNDEB, que financia a educa\u00e7\u00e3o b\u00e1sica, mais importante etapa educacional no fortalecimento do capital humano dos mais pobres. E a complementa\u00e7\u00e3o da Uni\u00e3o vai justamente para os estados mais pobres.<\/p>\n Nada impede que o Congresso decida alocar recursos para sa\u00fade e educa\u00e7\u00e3o acima do m\u00ednimo (como est\u00e1 sendo feito no or\u00e7amento de 2017), desde que reduza despesas em outras \u00e1reas, para respeitar o teto de gasto. Esse \u00e9 um ponto que ilustra outra virtude da PEC. Ela induz o Congresso e a sociedade a definir prioridades. N\u00e3o ser\u00e1 mais poss\u00edvel adotar a pr\u00e1tica atual de superestimar receitas para incluir o m\u00e1ximo poss\u00edvel de despesas no or\u00e7amento. O Congresso recobrar\u00e1 o seu papel de f\u00f3rum de discuss\u00e3o das prioridades nacionais.<\/p>\n Ao tornar mais forte a restri\u00e7\u00e3o ao crescimento do gasto, a PEC induzir\u00e1 a recupera\u00e7\u00e3o da economia e do emprego, beneficiar\u00e1 a popula\u00e7\u00e3o mais pobre, criar\u00e1 restri\u00e7\u00f5es \u00e0 obten\u00e7\u00e3o de privil\u00e9gios a grupos de renda alta; estimular\u00e1 a racionaliza\u00e7\u00e3o e a efici\u00eancia dos programas p\u00fablicos; permitir\u00e1 o planejamento fiscal de longo prazo. Essa medida \u00e9 apenas a primeira pe\u00e7a da reforma do gasto p\u00fablico, que ter\u00e1 segmento como a reforma previdenci\u00e1ria. Sem conter os gastos ser\u00e1 dif\u00edcil superar o atual cen\u00e1rio de deteriora\u00e7\u00e3o das contas p\u00fablicas, baixo crescimento e empobrecimento.<\/p>\n <\/p>\n (Este texto \u00e9 uma reprodu\u00e7\u00e3o de artigo publicado originalmente na Folha de S\u00e3o Paulo em 25\/09\/2016.)<\/em><\/p>\n <\/p>\n Download:<\/strong><\/p>\n