{"id":2851,"date":"2016-09-12T11:01:09","date_gmt":"2016-09-12T14:01:09","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2851"},"modified":"2016-09-18T21:24:42","modified_gmt":"2016-09-19T00:24:42","slug":"porque-lula-palocci-meirelles-funcionou-e-dilma-levy-tombini-nao","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2851","title":{"rendered":"Porque Lula-Palocci-Meirelles funcionou e Dilma-Levy-Tombini n\u00e3o?"},"content":{"rendered":"
Infla\u00e7\u00e3o anual de 12,53%, taxa de juros SELIC de 25% ao ano, taxa de c\u00e2mbio de 3,53 reais por cada d\u00f3lar americano, escassas reservas internacionais de apenas 38 bilh\u00f5es de d\u00f3lares, risco-Brasil a 1446 pontos1<\/sup>. Essa era a assustadora situa\u00e7\u00e3o do Brasil quando Lula assumiu a presid\u00eancia do pa\u00eds pela primeira vez, em primeiro de janeiro de 2003. Diante da delicada situa\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica, Lula delegou ao Ministro da Fazenda Antonio Palocci (pol\u00edtica fiscal) e ao Presidente do Banco Central Henrique Meirelles (pol\u00edtica monet\u00e1ria) a dif\u00edcil miss\u00e3o de reganhar a confian\u00e7a dos mercados nacionais e internacionais bem como do cidad\u00e3o brasileiro. A miss\u00e3o foi cumprida a contento. O pa\u00eds terminou o ano com uma infla\u00e7\u00e3o anual menor de 9,3%, taxa de juros SELIC de 16,5%, taxa de c\u00e2mbio a 2,89 por d\u00f3lar americano, reservas internacionais de quase 50 bilh\u00f5es de d\u00f3lares e um risco pa\u00eds bem mais favor\u00e1vel de 463 pontos.<\/p>\n Em 1\u00ba de janeiro de 2015, quando Dilma tomou posse em seu segundo mandato de presidente, o pa\u00eds se encontrava em uma situa\u00e7\u00e3o comparavelmente delicada, ainda que aparentemente melhor. Infla\u00e7\u00e3o anual de 6,41%, taxa de juros SELIC de 11,75% ao ano, taxa de c\u00e2mbio de 2,65 por d\u00f3lar, reservas internacionais de US$364 bilh\u00f5es, risco Brasil de 259 pontos acima da taxa b\u00e1sica americana. Tornava-se premente ao governo Dilma recuperar a confian\u00e7a dos mercados e dos cidad\u00e3os. Para tanto, convocou para o Minist\u00e9rio da Fazenda Joaquim Levy, que fora secret\u00e1rio do Tesouro Nacional na administra\u00e7\u00e3o Lula justamente quando Palocci era Ministro da Fazenda e manteve no Banco Central o presidente Alexandre Tombini. No entanto, desta vez a miss\u00e3o n\u00e3o foi cumprida como se pensava. Ao final do ano, a infla\u00e7\u00e3o havia subido para 10,67% juntamente com a taxa de juros SELIC, que estava em 14,25%, o c\u00e2mbio se desvalorizara, com 1 d\u00f3lar valendo 3,90 reais, as reservas internacionais haviam baixado para 356 bilh\u00f5es de d\u00f3lares, e o risco Brasil subira para 523 pontos. Joaquim Levy pediu demiss\u00e3o de seu cargo de ministro da Fazenda em 21 de dezembro de 2015. Desde ent\u00e3o, a situa\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica do pa\u00eds continuou piorando, o que resultou no \u201cimpeachment\u201d da ex-presidente Dilma Rousseff em 31 de agosto de 2016.<\/p>\n Para melhor entender porque a nomea\u00e7\u00e3o de Levy para o Minist\u00e9rio da Fazenda n\u00e3o gerou os resultados esperados, lan\u00e7aremos m\u00e3o da Economia da Informa\u00e7\u00e3o que, segundo Stiglitz (2000), \u201cNo campo da economia, \u00e9 a mais importante ruptura com o passado, que abre grande \u00e1reas para trabalhos futuros\u201d.<\/p>\n A Economia da Informa\u00e7\u00e3o introduz no modelo econ\u00f4mico cl\u00e1ssico, a ideia de que alguns agentes possuem informa\u00e7\u00e3o que lhes \u00e9 privada, portanto, n\u00e3o observada pelos demais agentes. Essa informa\u00e7\u00e3o, no entanto, pode ser muito importante para a situa\u00e7\u00e3o que se busca analisar. Por exemplo, um propriet\u00e1rio de um carro conhece melhor o estado do motor desse carro que um comprador interessado em negociar o autom\u00f3vel (Akerlof, 1970). Um trabalhador tem melhor informa\u00e7\u00e3o sobre sua pr\u00f3pria compet\u00eancia para um of\u00edcio do que a empresa que est\u00e1 considerando contrat\u00e1-lo (Spence, 1973). Um motorista tem melhor informa\u00e7\u00e3o sobre sua capacidade de conduzir um carro do que uma empresa que deseja lhe vender um seguro (Stiglitz, 1976)2<\/sup>.<\/p>\n Em todos esses casos, a assimetria de informa\u00e7\u00e3o pode causar resultados econ\u00f4micos muito indesejados. Por exemplo, o comprador de carro, por n\u00e3o conhecer sua verdadeira qualidade, pode querer pagar somente um pre\u00e7o baixo por ele, fazendo com que aqueles propriet\u00e1rios que sabem que seus carros s\u00e3o de qualidade, prefiram n\u00e3o os vender. Uma empresa, n\u00e3o conhecendo a qualidade dos candidatos ao emprego, pode decidir oferecer sal\u00e1rios muito baixos, fazendo com que os melhores candidatos n\u00e3o aceitem trabalhar para ela.<\/p>\n De forma a evitar essas situa\u00e7\u00f5es de equil\u00edbrios ruins, o agente que det\u00e9m a informa\u00e7\u00e3o pode achar melhor convencer o outro de suas qualidades, de forma a garantir um equil\u00edbrio mais favor\u00e1vel, como por exemplo, a venda do carro por um bom pre\u00e7o ou a contrata\u00e7\u00e3o de um empregado por um melhor sal\u00e1rio. Esse \u201cconvencimento\u201d \u00e9 feito por meio da sinaliza\u00e7\u00e3o. A sinaliza\u00e7\u00e3o, portanto, \u00e9 um mecanismo de transmiss\u00e3o de informa\u00e7\u00e3o para convencer um agente desinformado de que ele deve tomar uma decis\u00e3o melhor para o agente informado. No entanto, esse mecanismo tem que ser cr\u00edvel, para que o agente desinformado aceite mudar sua atitude. Por exemplo, n\u00e3o basta o propriet\u00e1rio de um carro usado de boa qualidade dizer \u201cEsse carro \u00e9 muito bom!\u201d para convencer o comprador. Mas pode oferecer um seguro ao comprador, de forma que se o carro estragar no per\u00edodo de um ano ele cobrir\u00e1 todos os custos do reparo. Essa estrat\u00e9gia \u00e9 cr\u00edvel porque o propriet\u00e1rio de um carro de m\u00e1 qualidade n\u00e3o ofereceria um tal seguro, pois sabe que as chances de ter que realmente pagar pelo conserto do carro s\u00e3o muito elevadas. Analogamente, um agente pode decidir se educar muito, com p\u00f3s-gradua\u00e7\u00e3o em universidades muito boas e exigentes, para sinalizar que ele \u00e9 muito produtivo e, assim, ser contratado por um sal\u00e1rio mais alto.<\/p>\n Conforme fica claro nos exemplos, para que a sinaliza\u00e7\u00e3o seja cr\u00edvel, ela deve envolver um custo para o agente que sinaliza, mesmo que seja um custo probabil\u00edstico. Por exemplo, se acontecer qualquer problema com o motor do carro, o propriet\u00e1rio que ofereceu o seguro ter\u00e1 que cobrir seus custos de reparo. Analogamente, o agente que estuda muito, dever\u00e1 pagar os custos financeiros e pessoais (tempo dedicado ao estudo, estresse com provas, etc.) desse estudo.<\/p>\n Na pol\u00edtica n\u00e3o \u00e9 diferente e Lula teve que arcar com alto custo para sinalizar. De fato, Lula delegou integralmente a pol\u00edtica fiscal a Palocci e a monet\u00e1ria a Meirelles, que adotaram pol\u00edticas ortodoxas de conten\u00e7\u00e3o de gastos e eleva\u00e7\u00e3o de juros. Em consequ\u00eancia, Lula foi muito criticados pela ala mais radical do PT, que considerou a pol\u00edtica de direita e lhe fazia forte oposi\u00e7\u00e3o. Em 14 de dezembro de 2003, o diret\u00f3rio nacional do Partido dos Trabalhadores decidiu expulsar do partido a senadora Heloisa Helena (acusada de votar 19 vezes contra os interesses do partido naquele ano) e os deputados federais Luciana Genro, Jo\u00e3o “Bab\u00e1” Batista Ara\u00fajo e Jo\u00e3o Fontes (Vann, 2003). Lula assumiu esse custo e conseguiu sinalizar seriedade \u00e0 sociedade, que respondeu com um longo ciclo de estabilidade e crescimento, que durou at\u00e9 a crise financeira internacional de 2008 (Bugarin & Carvalho, 2006).<\/p>\n No caso de Dilma, houve tamb\u00e9m muita rea\u00e7\u00e3o do PT \u00e0 nomea\u00e7\u00e3o de Levy, que fora presidente do Bradesco Asset Management<\/em> e era considerado de direita para grande n\u00famero de esquerdistas, que chegaram a invadir o Minist\u00e9rio da Fazenda em setembro de 2015 (Estad\u00e3o, 2015). No entanto, seu discurso de controle do gasto p\u00fablico n\u00e3o foi suficiente para reverter a desconfian\u00e7a no governo Dilma.<\/p>\n A quest\u00e3o que se coloca \u00e9, ent\u00e3o: Porque Dilma n\u00e3o conseguiu sinalizar? Neste curto texto tenho espa\u00e7o para apresentar apenas duas explica\u00e7\u00f5es simples, mas, espero, contundentes.<\/p>\n Em primeiro lugar, Lula deu total autonomia \u00e0 sua equipe econ\u00f4mica, que se mostrou coesa: \u201cMeu n\u00edvel de conservantismo \u00e9 igual ao de Palocci\u201d, teria dito Meirelles \u00e0 imprensa no dia 25 de dezembro de 2002 (Vann, 2002).\u00a0 J\u00e1 Dilma fez quest\u00e3o de anunciar sua equipe econ\u00f4mica conjuntamente, incluindo Joaquim Levy na Fazenda, Nelson Barbosa no Planejamento e Alexandre Tombini no Banco Central. Como Barbosa havia sido secret\u00e1rio-executivo do Minist\u00e9rio da Fazenda de 2011 a 2013, estava claramente associado \u00e0 pol\u00edtica heterodoxa do Ministro Mantega, que estava sendo substitu\u00eddo. Ademais, a manuten\u00e7\u00e3o do presidente do Banco Central, que n\u00e3o havia controlado a infla\u00e7\u00e3o no pa\u00eds, enviava uma sinaliza\u00e7\u00e3o confusa aos mercados. Parecia que a presidente Dilma buscava, por um lado, uma pol\u00edtica fiscal ortodoxa ao nomear Levy, mas tamb\u00e9m parecia que manteria fora de controle os gastos, com Barbosa no Planejamento, e a infla\u00e7\u00e3o, com Tombini no BACEN. Tornava-se, pois, desde o an\u00fancio da equipe, praticamente imposs\u00edvel sinalizar uma mudan\u00e7a de rumo com apenas 1\/3 da equipe verdadeiramente renovada.<\/p>\n Em segundo lugar, e esse \u00e9 o argumento mais simples e contundente, ao assumir seu primeiro mandato, a capacidade de Lula como condutor-mor da na\u00e7\u00e3o n\u00e3o era conhecida. Portanto, havia espa\u00e7o para que ele sinalizasse aos mercados sua seriedade quanto \u00e0s pol\u00edticas fiscais e monet\u00e1rias. J\u00e1 no caso de Dilma, em 2015 ela inaugurava seu segundo mandato, de forma que todos j\u00e1 a conheciam. Portanto, em janeiro de 2015 n\u00e3o havia informa\u00e7\u00e3o privada que a presidente Dilma pudesse sinalizar aos mercados, pois todos j\u00e1 haviam assistido \u00e0 condu\u00e7\u00e3o da economia em seu primeiro mandato. Destarte, n\u00e3o havia como aplicar o mecanismo de sinaliza\u00e7\u00e3o nesse contexto e, naturalmente, a nova equipe econ\u00f4mica n\u00e3o conseguiu reverter as expectativas negativas do mercado, resultando, infelizmente, na pior recess\u00e3o que o pa\u00eds j\u00e1 viveu desde a grande depress\u00e3o dos anos 1930.<\/p>\n <\/p>\n Refer\u00eancias:<\/strong><\/p>\n Akerlof, G. (1970). The Market for \u201cLemons\u201d: Quality Uncertainty and the Market Mechanism. The Quarterly Journal of Economics 84(3): 488-500.<\/p>\n Bugarin, M.; Carvalho, F. (2006). Heterogeneity of Central Bankers and Inflationary Pressure. InsperWorkingPaper 075\/2006. Acess\u00edvel em: https:\/\/core.ac.uk\/download\/pdf\/6228749.pdf<\/a><\/p>\n Estad\u00e3o (2015). PT defende Dilma, mas critica Levy em SP. 26\/9\/2015. Acess\u00edvel em: http:\/\/politica.estadao.com.br\/noticias\/geral,-pt-defende-dilma–mas-critica-levy-em-sp,1769619<\/a><\/p>\n Spence, M. (1973). Job Market Signaling. The Quarterly Journal of Economics 87(3): 355-374.<\/p>\n Stiglitz, J. (1976). Equilibrium in Competitive Insurance Markets: An Essay on the Economics of Imperfect Information.<\/p>\n Stiglitz, J.\u00a0 (2000). The Contributions of the Economics of Information to Twentieth Century Economics, The Quarterly Journal of Economics 115(4): 1441-1478.<\/p>\n Vann, B. (2002). Brasil: as nomea\u00e7\u00f5es de Lula apontam para mais rigorosa austeridade. World Socialist Web, 31\/12\/2002. Acess\u00edvel em: https:\/\/www.wsws.org\/pt\/2002\/dec2002\/por1-d31.shtml<\/a><\/p>\n