{"id":2829,"date":"2016-08-08T09:39:26","date_gmt":"2016-08-08T12:39:26","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2829"},"modified":"2016-08-08T09:39:26","modified_gmt":"2016-08-08T12:39:26","slug":"cumpra-se","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2829","title":{"rendered":"Cumpra-se"},"content":{"rendered":"

O governo interino editou a Medida Provis\u00f3ria no<\/sup> 739, uma esp\u00e9cie de \u201cpr\u00e9-reforma\u201d da Previd\u00eancia, destinada a reduzir em pelo menos R$ 6 bilh\u00f5es por ano, por meio de medidas administrativas, o pagamento de aux\u00edlio-doen\u00e7a e aposentadoria por invalidez para quem\u00a0 n\u00e3o se encontraria incapacitado para o trabalho.<\/p>\n

Pode-se dizer que a MP simultaneamente:<\/p>\n

    \n
  1. faz parte do esfor\u00e7o de ajuste fiscal, sendo um dos frutos baixos da \u00e1rvore, ao n\u00e3o exigir aumento de tributos ou a repactua\u00e7\u00e3o com o Congresso de novas regras para benef\u00edcios;<\/li>\n
  2. prepara o terreno para a terceira reforma da Previd\u00eancia, ao apresentar \u00e0 sociedade que pagamentos indevidos est\u00e3o sendo revistos antes de medidas mais impopulares serem tomadas; e<\/li>\n
  3. tenta responder aos efeitos da judicializa\u00e7\u00e3o da Previd\u00eancia<\/strong>, tema introduzido neste texto.<\/li>\n<\/ol>\n

    O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), maior litigante da Justi\u00e7a Federal, j\u00e1 teria 10% de seus benef\u00edcios sendo pagos por decis\u00e3o judicial, segundo a Associa\u00e7\u00e3o Nacional dos M\u00e9dicos Peritos (ANMP). Isso seria equivalente a cerca de 3 milh\u00f5es de benef\u00edcios pagos por m\u00eas. Entre os benef\u00edcios mais concedidos por decis\u00e3o judicial1<\/sup>, al\u00e9m dos objetos da MP 739\/2016 (aux\u00edlio-doen\u00e7a e aposentadoria por invalidez), est\u00e3o a aposentadoria rural (a Justi\u00e7a pode aceitar provas alternativas de comprova\u00e7\u00e3o do tempo de trabalho no campo) e o Benef\u00edcio de Presta\u00e7\u00e3o Continuada (a Justi\u00e7a pode reavaliar a incapacidade de quem alega defici\u00eancia ou modificar o crit\u00e9rio\u00a0 usado para aferir pobreza \u2013 o que j\u00e1 foi discutido no blog<\/a>). A judicializa\u00e7\u00e3o atinge milhares de casos individuais, mas tamb\u00e9m dezenas de a\u00e7\u00f5es civis p\u00fablicas propostas principalmente pelo Minist\u00e9rio P\u00fablico em diferentes regi\u00f5es do pa\u00eds.<\/p>\n

    Aux\u00edlio-doen\u00e7a e aposentadoria por invalidez<\/strong><\/p>\n

    A exposi\u00e7\u00e3o de motivos da MP 739 aponta que as despesas com aux\u00edlio-doen\u00e7a cresceram 85% em apenas 10 anos, atingindo R$ 23,2 bilh\u00f5es em 2015. Em especial, chama a aten\u00e7\u00e3o a quantidade de benef\u00edcios sendo pagos h\u00e1 mais de 2 anos: quase 850 mil, mais da metade de todos os benef\u00edcios. Apenas nesses casos a despesa total por ano \u00e9 de R$ 13 bilh\u00f5es2<\/sup>, \u00a0ou \u00a0o equivalente a dois ter\u00e7os das despesas com o Minha Casa Minha Vida em 2015.\u00a0 Por que tantas pessoas recebem um benef\u00edcio provis\u00f3rio por tanto tempo?<\/p>\n

    Al\u00e9m da cr\u00f4nica dificuldade do INSS de realizar per\u00edcias m\u00e9dicas e de reabilitar os segurados3<\/sup>, a judicializa\u00e7\u00e3o desempenha um papel. \u00a0Nos casos individuais, o Judici\u00e1rio pode discordar da per\u00edcia do INSS que n\u00e3o considerava algu\u00e9m incapacitado, e conceder o benef\u00edcio. Tamb\u00e9m s\u00e3o muitos os casos em que a Justi\u00e7a at\u00e9 mesmo expande a lista de doen\u00e7as que, independentemente de contribui\u00e7\u00e3o, d\u00e3o direito \u00e0 aposentadoria por invalidez e ao aux\u00edlio-doen\u00e7a. Os peritos previdenci\u00e1rios se queixam que o Judici\u00e1rio n\u00e3o teria a expertise<\/em> necess\u00e1ria para tomar tais decis\u00f5es. Por sua vez, o INSS n\u00e3o tem tido capacidade de deslocar peritos para participar de audi\u00eancias na Justi\u00e7a: casos em que h\u00e1 participa\u00e7\u00e3o do perito do INSS tendem a ter decis\u00f5es mais favor\u00e1veis ao \u00f3rg\u00e3o.<\/p>\n

    J\u00e1 nas a\u00e7\u00f5es civis p\u00fablicas a Justi\u00e7a tem obrigado o INSS a conceder automaticamente o aux\u00edlio-doen\u00e7a, aposentadoria por invalidez e o BPC da pessoa com defici\u00eancia se a per\u00edcia n\u00e3o puder ser realizada em um determinado prazo. Note que, tamb\u00e9m nesse caso, a dificuldade da Previd\u00eancia com a m\u00e3o de obra pericial tem um papel fundamental.<\/p>\n

    Entretanto, como esse prazo m\u00e1ximo para que a per\u00edcia seja feita n\u00e3o est\u00e1 previsto em lei, as a\u00e7\u00f5es civis p\u00fablicas tamb\u00e9m tem o efeito adverso de adicionar mais complexidade \u00e0 opera\u00e7\u00e3o do INSS, um \u00f3rg\u00e3o nacional com a miss\u00e3o de administrar a segunda maior folha de pagamento do mundo. Nas ag\u00eancias de Roraima, a\u00e7\u00e3o civil p\u00fablica determina que per\u00edcia deve ser feita em no m\u00e1ximo 30 dias ou os benef\u00edcios devem ser automaticamente concedidos, prazo que \u00e9 de 45 dias nas ag\u00eancias Rio Grande do Sul, Paran\u00e1, Santa Catarina e Maranh\u00e3o.<\/p>\n

    Os problemas com per\u00edcias e a judicializa\u00e7\u00e3o se relacionariam com os R$ 13 bi pagos por ano a quem recebe o aux\u00edlio-doen\u00e7a por mais de 2 anos.<\/p>\n

    Por isso, a MP 739 prop\u00f5e que o aux\u00edlio-doen\u00e7a concedido judicialmente tenha uma estimativa de quando o pagamento dever\u00e1 ser cessado (j\u00e1 h\u00e1 recomenda\u00e7\u00e3o do Conselho Nacional de Justi\u00e7a (CNJ) no mesmo sentido). Caso n\u00e3o haja a previs\u00e3o sobre a recupera\u00e7\u00e3o do benefici\u00e1rio, ele ser\u00e1 interrompido ap\u00f3s quatro meses. Prev\u00ea ainda que a qualquer momento quem recebe aux\u00edlio-doen\u00e7a e aposentadoria por invalidez por determina\u00e7\u00e3o judicial poder\u00e1 ser reavaliado.<\/p>\n

    (Do lado administrativo, a MP prev\u00ea um b\u00f4nus por per\u00edcia para os m\u00e9dicos do INSS, na tentativa de manter os m\u00e9dicos no quadro e efetivamente<\/em> trabalhando nas ag\u00eancias. Nesse sentido, o ano passado foi marcado por uma malsucedida tentativa de terceirizar as per\u00edcias no \u00e2mbito da MP 664<\/a> (para o setor privado e o SUS) e por uma longa greve da categoria).<\/p>\n

    O governo pretende, com a Medida Provis\u00f3ria, reduzir em cerca de R$ 6 bilh\u00f5es os benef\u00edcios pagos a quem n\u00e3o est\u00e1 incapacitado, ou mesmo quem de fato continua trabalhando. O grosso da redu\u00e7\u00e3o deve ser no aux\u00edlio-doen\u00e7a e, residualmente, na aposentadoria por invalidez. Grupos contr\u00e1rios receiam que a MP prejudique subgrupos com incapacidade menos evidente, como pessoas com transtornos psiqui\u00e1tricos, e anunciam inten\u00e7\u00e3o de recorrer a cortes internacionais4<\/sup>.<\/p>\n

    Benef\u00edcio de Presta\u00e7\u00e3o Continuada<\/strong><\/p>\n

    O BPC<\/a>, operado pelo INSS, \u00e9 objeto residual da MP 739, mas \u00e9 alvo de intensa judicializa\u00e7\u00e3o. Previsto na Constitui\u00e7\u00e3o, trata-se de benef\u00edcio assistencial destinado ao idoso ou deficiente pobre. A Lei Org\u00e2nica de Assist\u00eancia Social (LOAS), que concretizou o benef\u00edcio, considera como crit\u00e9rio de pobreza para recebimento do benef\u00edcio a renda per capita<\/em> familiar abaixo de um quarto de sal\u00e1rio m\u00ednimo. Ou seja, em valores de 2016, a renda per capita <\/em>de at\u00e9 R$ 220 na fam\u00edlia do idoso ou deficiente pobre daria direito ao recebimento do benef\u00edcio no valor de R$ 880.<\/p>\n

    Note que h\u00e1 uma enorme discrep\u00e2ncia em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 linha de corte e ao valor do benef\u00edcio em rela\u00e7\u00e3o aos crit\u00e9rios do Bolsa Fam\u00edlia (renda per capita<\/em> de at\u00e9 R$ 85 para um benef\u00edcio de R$ 85, ou renda per capita<\/em> de at\u00e9 R$ 170, se houver crian\u00e7as para um benef\u00edcio de R$ 39). Assim, o crit\u00e9rio de pobreza do BPC pode ser quase 3 vezes maior do que o do \u201cfamigerado\u201d Bolsa Fam\u00edlia, para um benef\u00edcio 22 vezes maior de acordo com a legisla\u00e7\u00e3o<\/em>.\u00a0 Mesmo assim, o crit\u00e9rio de pobreza do BPC \u00e9 considerado inadequado, e \u00e9 o principal tema das a\u00e7\u00f5es judiciais<\/em> que tratam do benef\u00edcio.<\/p>\n

    Existem no Brasil dezenas de a\u00e7\u00f5es civis p\u00fablicas em rela\u00e7\u00e3o ao BPC. No que tange ao crit\u00e9rio de pobreza, elas dividem-se em dois tipos: i<\/em>) as que excluem do c\u00e1lculo da renda per capita <\/em>a renda recebida a t\u00edtulo de BPC por outra pessoa da fam\u00edlia ou at\u00e9 mesmo a aposentadoria ou pens\u00e3o (de um sal\u00e1rio m\u00ednimo); e ii<\/em>) as que avaliam a pobreza subjetivamente ou que desconsideram no c\u00e1lculo despesas essenciais, notadamente com medicamentos.<\/p>\n

    O Minist\u00e9rio do Desenvolvimento Social e Agr\u00e1rio (MDSA, 2016) aponta que contribuiu para essa tend\u00eancia a previs\u00e3o do Estatuto do Idoso (Lei no<\/sup> 10.741, de 1\u00ba de outubro de 2003) de desconsiderar no c\u00e1lculo da renda o BPC recebido por outro idoso da fam\u00edlia, entendimento que foi sucessivamente expandido pelo Judici\u00e1rio (ex: desconsiderar o BPC da pessoa com defici\u00eancia, aposentadorias e pens\u00f5es).<\/p>\n

    As a\u00e7\u00f5es tamb\u00e9m ganharam f\u00f4lego com um importante julgado recente do Supremo Tribunal Federal (STF)5<\/sup>, discutido previamente no blog<\/a>, que reviu o posicionamento da corte e ampliou o crit\u00e9rio da pobreza para recebimento do BPC de um quarto do sal\u00e1rio m\u00ednimo como renda per capita<\/em> para meio sal\u00e1rio m\u00ednimo (ou de R$ 220 para R$ 440 em 2016).<\/p>\n

    Al\u00e9m da \u00f3bvia iniquidade e dificuldades administrativas causadas por essa s\u00e9rie de decis\u00f5es serem descoordenadas e aplicadas em regi\u00f5es diferentes do pa\u00eds, o atropelo dos crit\u00e9rios pactuados pelo Executivo e o Legislativo causam distor\u00e7\u00f5es impressionantes. Se uma decis\u00e3o individual est\u00e1 guiada por boas inten\u00e7\u00f5es e pode ter custos baixos, o seu ac\u00famulo vai exatamente \u00e0 dire\u00e7\u00e3o contr\u00e1ria a pretendida, retirando recursos dos que mais precisam.<\/p>\n

    Conjugando os crit\u00e9rios dessas decis\u00f5es, podemos, ilustrativamente, analisar as distor\u00e7\u00f5es em quatro fam\u00edlias fict\u00edcias de tr\u00eas pessoas. Uma primeira fam\u00edlia tem dois aposentados que ganham o sal\u00e1rio m\u00ednimo, de R$ 880, vivendo com um deficiente com renda de R$ 1320 (total R$ 3080). Essa fam\u00edlia n\u00e3o seria considerada pobre pela legisla\u00e7\u00e3o, mas seria pelos crit\u00e9rios do Judici\u00e1rio apresentados acima. Ela teria o direito de receber o BPC, no valor de R$ 880, totalizando uma renda de R$ 3960 (ou R$ 1320 per capita<\/em>).<\/p>\n

    Suponha uma segunda fam\u00edlia, tamb\u00e9m com tr\u00eas pessoas: um deficiente sem renda, um desempregado sem renda e algu\u00e9m recebendo um sal\u00e1rio de R$ 1321. Ela n\u00e3o se enquadra nos crit\u00e9rios de pobreza definidos pelo legislador ou pelo Judici\u00e1rio e sequer receberia o benef\u00edcio. A renda dessa segunda fam\u00edlia fica sendo 3 vezes menor do que a da primeira, porque o Judici\u00e1rio decidiu que o dinheiro recebido a t\u00edtulo de aposentadoria n\u00e3o \u00e9 renda para a defini\u00e7\u00e3o de pobreza, o que permitiu aquela fam\u00edlia receber al\u00e9m desses proventos, tamb\u00e9m o benef\u00edcio assistencial para o deficiente.<\/p>\n

    Ainda ilustrativamente, considere outra fam\u00edlia de tr\u00eas pessoas com renda total de apenas R$ 511.\u00a0 Elas n\u00e3o t\u00eam direito nem ao BPC nem ao Bolsa Fam\u00edlia, se n\u00e3o houver no grupo familiar idoso, deficiente ou crian\u00e7a. Esta \u00e9 uma fam\u00edlia significativamente mais pobre, com capacidade muito menor de judicializar a quest\u00e3o. Assim, a primeira fam\u00edlia de tr\u00eas pessoas, com renda de R$ 3080, pode receber mais R$ 880 pelo entendimento do Judici\u00e1rio, mas a terceira fam\u00edlia com renda de R$ 511, sequer pode receber os R$ 85 do benef\u00edcio b\u00e1sico do Bolsa Fam\u00edlia. A diferen\u00e7a da renda per capita<\/em> ser\u00e1 de 8 vezes, por distor\u00e7\u00f5es, cumulativamente, das leis que regem o Bolsa Fam\u00edlia e o BPC, e da interven\u00e7\u00e3o do Judici\u00e1rio.<\/p>\n

    Partindo desde \u00faltimo exemplo, podemos chegar a uma quarta fam\u00edlia: se uma das pessoas do terceiro exemplo fosse uma crian\u00e7a (ex: uma m\u00e3e desempregada, um pai com sal\u00e1rio de R$ 511 e um filho de at\u00e9 15 anos), a fam\u00edlia poderia receber o benef\u00edcio vari\u00e1vel de R$ 39 do Bolsa Fam\u00edlia. Este \u00e9 o aux\u00edlio que esta crian\u00e7a pobre poder\u00e1 receber, ainda significativamente abaixo dos R$ 880 que a primeira fam\u00edlia, com renda de mais de R$ 3 mil, teria direito. (Cabe observar que os valores usados aqui para o Bolsa Fam\u00edlia j\u00e1 contam com o controverso reajuste dado pelo presidente interino Michel Temer).<\/p>\n

    Os casos s\u00e3o ilustrativos e aned\u00f3ticos. Por\u00e9m, j\u00e1 fica claro que: i<\/em>) benef\u00edcios direcionados a crian\u00e7as pobres t\u00eam menor chance de serem, e n\u00e3o s\u00e3o, judicializados; e ii<\/em>) os benef\u00edcios recebidos por este grupo possuem valores muito menores e par\u00e2metros mais duros para o recebimento. O mais grave \u00e9 um terceiro ponto: \u00e9 justamente nas fam\u00edlias com crian\u00e7as que a pobreza se concentra no Brasil.<\/p>\n

    Camarano et al<\/em>. (2014) mostram que, no estrato de renda mais pobre, um ter\u00e7o dos indiv\u00edduos s\u00e3o crian\u00e7as, mas apenas 6% tem mais de 60 anos. Por sua vez, no estrato de renda mais alto, somente cerca de 10% s\u00e3o crian\u00e7as6<\/sup>. A discrep\u00e2ncia na legisla\u00e7\u00e3o e nas decis\u00f5es judiciais em rela\u00e7\u00e3o aos benef\u00edcios voltados para crian\u00e7as e para idosos n\u00e3o seria um problema se fosse comum uma configura\u00e7\u00e3o familiar em que idosos vivessem com crian\u00e7as.Entretanto, o que ocorre no Brasil \u00e9 exatamente o oposto. Tafner, Botelho e Erbisti (2015) mostram que, no caso de benef\u00edcios previdenci\u00e1rios, 88% dos idosos benefici\u00e1rios n\u00e3o possuem crian\u00e7as ou jovens abaixo de 15 anos em sua fam\u00edlia. Apenas 3,5% possuem pelo menos duas crian\u00e7as.<\/p>\n

    Tafner (2006) mostra ainda que este fato (a pobreza no Brasil ser desproporcionalmente concentrada nas crian\u00e7as em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s outras faixas et\u00e1rias) quase n\u00e3o encontra paralelo no resto do mundo. Seria razo\u00e1vel, por \u00f3bvias diferen\u00e7as no padr\u00e3o de consumo, que houvesse distin\u00e7\u00e3o nos benef\u00edcios direcionados a estes dois grupos demogr\u00e1ficos, mas est\u00e1 claro que a magnitude da discrep\u00e2ncia acumulada pela legisla\u00e7\u00e3o e pelo Judici\u00e1rio \u00e9 preocupante.<\/p>\n

    Ainda, os gastos pr\u00f3-crian\u00e7as t\u00eam evidentemente um potencial maior para transformar o futuro, estando cada vez mais claro o seu importante papel n\u00e3o s\u00f3 em combater a pobreza, mas tamb\u00e9m a desigualdade e em aprimorar o crescimento da produtividade da economia. Esta \u00e9 em especial uma bandeira do Pr\u00eamio Nobel James Heckman, que defende que pol\u00edticas para este grupo beneficiam n\u00e3o s\u00f3 as crian\u00e7as, mas a sociedade como um todo7<\/sup>8<\/sup>.<\/p>\n

    No Brasil, este grupo vulner\u00e1vel est\u00e1 desamparado por essas decis\u00f5es e n\u00e3o tem quase nenhuma capacidade de judicializar a quest\u00e3o: crian\u00e7as n\u00e3o contratam advogados ou batem nas portas da Defensoria P\u00fablica, e seus pais, que recebem os benef\u00edcios voltados a ela, s\u00e3o pouco estimados pela sociedade (nas \u00faltimas elei\u00e7\u00f5es apenas 40% da popula\u00e7\u00e3o era a favor do programa9<\/sup>).<\/p>\n

    S\u00f3 que este n\u00e3o \u00e9 o \u00fanico problema: o foco dos tr\u00eas Poderes nas transfer\u00eancias para grupos mais velhos drena quantidade significativa de recursos, sufocando a\u00e7\u00f5es que beneficiam este grupo, como o investimento em saneamento b\u00e1sico, creches e educa\u00e7\u00e3o b\u00e1sica (al\u00e9m de transfer\u00eancias diretas como o pr\u00f3prio Bolsa Fam\u00edlia). Segundo a ANMP, em 2015 o INSS pagava R$ 20 bilh\u00f5es em benef\u00edcios decididos judicialmente. No total do or\u00e7amento, o Brasil j\u00e1 gasta 54% apenas com benef\u00edcios previdenci\u00e1rios e o BPC.<\/p>\n

    Este \u00e9 um debate dif\u00edcil: \u00e9 evidente que os entusiastas da judicializa\u00e7\u00e3o est\u00e3o bem intencionados e que os crit\u00e9rios legais para concess\u00e3o dos benef\u00edcios s\u00e3o discut\u00edveis. Entretanto, a invas\u00e3o da compet\u00eancia do Executivo e do Legislativo (mais bem posicionados para avaliar a quest\u00e3o) e a expressiva quantidade de decis\u00f5es concedendo benef\u00edcios sem fonte de custeio podem n\u00e3o ser a melhor maneira de erradicar a pobreza no Brasil, reduzir as desigualdades e promover o crescimento da renda.<\/p>\n

    \u00c9 poss\u00edvel que o governo lance m\u00e3o de medidas administrativas para identificar pagamentos indevidos do BPC a quem n\u00e3o se enquadraria nos crit\u00e9rios de renda, bem como \u00e9 prov\u00e1vel que o benef\u00edcio seja inclu\u00eddo na reforma da Previd\u00eancia (transformando o valor recebido proporcional \u00e0s contribui\u00e7\u00f5es do benefici\u00e1rio ao INSS). No entanto, \u00e9 incerta a maneira que a judicializa\u00e7\u00e3o do benef\u00edcio vai evoluir nos pr\u00f3ximos anos: eventuais mudan\u00e7as legislativas v\u00e3o dirimir ou estimular a judicializa\u00e7\u00e3o? Hoje, de cada 4 BPC concedidos, 1 j\u00e1 seria por decis\u00e3o judicial10<\/sup>11<\/sup>. No total de benef\u00edcios mantidos, a estat\u00edstica varia de 28% no benef\u00edcio da pessoa com defici\u00eancia em Alagoas a 1% no do idoso no Amazonas, segundo o MDSA.<\/p>\n

    Outras a\u00e7\u00f5es civis p\u00fablicas<\/strong><\/p>\n

    Al\u00e9m das dezenas de a\u00e7\u00f5es civis p\u00fablicas sobre a concess\u00e3o autom\u00e1tica do aux\u00edlio-doen\u00e7a e aposentadoria por invalidez e os crit\u00e9rios do BPC, outros casos aned\u00f3ticos de judicializa\u00e7\u00e3o da Previd\u00eancia por este instrumento incluem:<\/p>\n