{"id":2780,"date":"2016-05-23T09:55:33","date_gmt":"2016-05-23T12:55:33","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2780"},"modified":"2016-05-23T09:55:33","modified_gmt":"2016-05-23T12:55:33","slug":"a-coisa-mais-inesperada-que-acontece-a-um-pais","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2780","title":{"rendered":"A coisa mais inesperada que acontece a um pa\u00eds"},"content":{"rendered":"

O que t\u00eam em comum apenas Brasil, S\u00edria, Ir\u00e3, Iraque, S\u00e9rvia, I\u00eamen, Egito, Bahrein, Ar\u00e1bia Saudita, Arg\u00e9lia, Hungria, Equador e Luxemburgo? S\u00e3o os \u00fanicos pa\u00edses do mundo que n\u00e3o possuem idade m\u00ednima para aposentadoria. O caso brasileiro \u00e9 praticamente excepcional. Os pa\u00edses europeus ou ocidentais que n\u00e3o optaram pela idade m\u00ednima exigem tempo de contribui\u00e7\u00e3o muito maior, chegando a 45 anos inclusive para mulheres. Exig\u00eancias menores existem somente nos referidos pa\u00edses do Oriente M\u00e9dio e norte da \u00c1frica \u2014 alguns em guerra \u2014, em que a previd\u00eancia \u00e9 quase uma fic\u00e7\u00e3o e est\u00e1 dispon\u00edvel para poucos trabalhadores. A exclus\u00e3o de boa parte da popula\u00e7\u00e3o, junto com a expectativa de vida menor,explica as regras mais brandas. Com uma cobertura baix\u00edssima, as despesas previdenci\u00e1rias chegam a somar somente 1% do PIB na Ar\u00e1bia Saudita.<\/p>\n

Nesta compara\u00e7\u00e3o, h\u00e1 uma exce\u00e7\u00e3o. A aus\u00eancia de idade m\u00ednima, com exig\u00eancia de tempo de contribui\u00e7\u00e3o menor que a brasileira, e em uma previd\u00eancia que de fato existe, \u00e9 realidade no Gr\u00e3o-Ducado de Luxemburgo. Com um territ\u00f3rio menor do que qualquer um dos mais de 5.500 munic\u00edpios do Brasil, o Gr\u00e3o-Ducado \u00e9 o segundo pa\u00eds mais rico do planeta\u00a0per capita<\/em>.\u00a0 Ainda assim, as regras generosas s\u00f3 valem para um benef\u00edcio b\u00e1sico, bem abaixo da renda do pa\u00eds.<\/p>\n

\u00c9 claro que regras previdenci\u00e1rias internacionais n\u00e3o devem ser simplesmente importadas, sem que se observem as particularidades do Brasil. No entanto, a excepcionalidade do pa\u00eds nesta quest\u00e3o, destoando n\u00e3o s\u00f3 de pa\u00edses ricos, mas inclusive de pa\u00edses em desenvolvimento, sugere a insustentabilidade da aus\u00eancia de idade m\u00ednima.<\/p>\n

Rejeitada no Congresso nos anos 90, a idade m\u00ednima para a aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o vinha sendo sugerida desde o in\u00edcio do ano pelo governo, quando a Presidente Dilma afirmava que a Previd\u00eancia era \u201ca quest\u00e3o mais importante para o pa\u00eds\u201d. O discurso foi mantido pelo governo interino, e \u00e9 prov\u00e1vel que a idade m\u00ednima integre uma inevit\u00e1vel nova reforma da Previd\u00eancia, ocorra ela agora ou nos pr\u00f3ximos anos. Em verdade, a aus\u00eancia dessa regra n\u00e3o \u00e9 exce\u00e7\u00e3o somente na compara\u00e7\u00e3o internacional, mas at\u00e9 na hist\u00f3ria brasileira. Ela vigorou at\u00e9 1962, quando foi suprimida no governo Jo\u00e3o Goulart, mas sem que tenhamos ficado ricos como o Gr\u00e3o-Ducado de Luxemburgo.<\/p>\n

A idade m\u00ednima, cada vez maior em v\u00e1rios pa\u00edses, \u00e9 a regra por conta do envelhecimento populacional, que n\u00e3o \u00e9 exclusivo do Brasil (embora seja muito veloz por aqui). Ganhos expressivos na expectativa de sobrevida dos idosos, conjugados com quedas acentuadas na natalidade, ocorreram no mundo todo\u2014 seja em pa\u00edses desenvolvidos ou em pa\u00edses pobres. \u00a0Dem\u00f3grafos consideram a fecundidade baixa \u201cum aspecto estrutural das sociedades p\u00f3s-modernas\u201d. A exce\u00e7\u00e3o \u00e9 a \u00c1frica subsaariana, cujos pa\u00edses n\u00e3o participam deste processo: ao fim do s\u00e9culo, sete pa\u00edses de l\u00e1 ter\u00e3o popula\u00e7\u00e3o maior do que a nossa (hoje, nenhum tem).<\/p>\n

No restante do mundo, a demografia tem dado ensejo a ondas de reformas previdenci\u00e1rias. As leis nacionais t\u00eam sido seguidamente repactuadas: a frequ\u00eancia de altera\u00e7\u00f5es em legisla\u00e7\u00f5es na \u00e1rea previdenci\u00e1ria possivelmente n\u00e3o tem paralelo com outro campo. Dentre centenas de leis previdenci\u00e1rias nacionais em vigor hoje, poucas s\u00e3o anteriores aos anos 90. Nos \u00faltimos anos, na esteira da crise internacional, dezenas de reformas foram feitas. Em 2011, no auge da crise da d\u00edvida europeia, foram promulgadas n\u00e3o menos do que 25 novas leis nacionais de previd\u00eancia.<\/p>\n

O aspecto estrutural do problema levou muitos pa\u00edses a buscar solu\u00e7\u00f5es de Estado. Na Espanha, a reforma foi chamada de \u201cpacto\u201d: um acordo multipartid\u00e1rio foi feito, buscando inclusive evitar a explora\u00e7\u00e3o pol\u00edtico-eleitoral da mat\u00e9ria, sendo o Pacto de Toledo renovado sucessivas vezes. Na Su\u00e9cia, os l\u00edderes da oposi\u00e7\u00e3o foram chamados para integrar a comiss\u00e3o respons\u00e1vel por uma ampla e ousada reforma. No Jap\u00e3o, h\u00e1 obriga\u00e7\u00e3o legal da previd\u00eancia ser reformada a cada cinco anos.<\/p>\n

Outros pa\u00edses, tamb\u00e9m mais maduros do ponto de vista demogr\u00e1fico, n\u00e3o escaparam de fazer sucessivas reformas em governos de matizes ideol\u00f3gicos diferentes. A oposi\u00e7\u00e3o podia assumir, mas a agenda continuava. Na Fran\u00e7a, It\u00e1lia e Reino Unido, em graus variados, reformas tiveram de ser feitas seguidamente em um pequeno intervalo de tempo, por governos sucessivos de direita e de esquerda. Na ditadura chinesa, a demografia levou em 2015 ao fim da pol\u00edtica do filho \u00fanico.<\/p>\n

No Brasil, a idade m\u00ednima tem esbarrado em um argumento principal: o de que prejudicaria os mais pobres, porque eles come\u00e7am a trabalhar mais cedo. Eles satisfariam primeiro os crit\u00e9rios de 35\/30 anos e teriam de esperar anos para receber a mesma aposentadoria de quem come\u00e7ou mais tarde. O argumento merece maior reflex\u00e3o porque, na pr\u00e1tica, os mais pobres j\u00e1 tem idade m\u00ednima para se aposentar.<\/p>\n

Em verdade, a idade m\u00ednima n\u00e3o existe no Regime Geral apenas para a aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o. A maioria dos aposentados se aposenta por idade, aos 65 anos (homens) ou 60 (mulheres). S\u00e3o os trabalhadores que n\u00e3o obtiveram inser\u00e7\u00e3o cont\u00ednua no mercado de trabalho formal, e, portanto, os 35\/30 anos de contribui\u00e7\u00e3o. S\u00e3o os menos escolarizados, das ocupa\u00e7\u00f5es menos produtivas e das regi\u00f5es mais pobres do pa\u00eds. Ficaram mais suscet\u00edveis ao desemprego e \u00e0 informalidade, e suas carteiras n\u00e3o foram assinadas por tr\u00eas d\u00e9cadas continuamente. Em geral, recebem um sal\u00e1rio m\u00ednimo como aposentadoria.<\/p>\n

H\u00e1 ainda aqueles que n\u00e3o conseguiram sequer o tempo de contributivo para esta aposentadoria mais b\u00e1sica, restando para eles chamar de aposentadoria o que \u00e9 na verdade um benef\u00edcio assistencial (o BPC-LOAS, com idade m\u00ednima de 65 anos at\u00e9 para mulheres).<\/p>\n

Assim, uma \u201cidade m\u00ednima\u201d j\u00e1 existe atualmente principalmente nas regi\u00f5es mais pobres do pa\u00eds. A aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o (sem idade m\u00ednima) predomina no Centro-Sul do nosso Gr\u00e3o-Ducado: ela \u00e9 23% dos benef\u00edcios pagos no Rio Grande do Sul, mas apenas 7% no Rio Grande do Norte. No conjunto da popula\u00e7\u00e3o, a aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o paga em m\u00e9dia R$ 1.600 per capita<\/em> em S\u00e3o Paulo, mas somente R$ 150 no Maranh\u00e3o (e menos ainda em quatro estados do Norte).<\/p>\n

De fato, \u00e9 correto e justo que um benef\u00edcio que exige mais e maiores contribui\u00e7\u00f5es pague mais (como a aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 aposentadoria por idade). Entretanto,\u00e9 discut\u00edvel a apropria\u00e7\u00e3o, no debate, do perfil do benefici\u00e1rio mais pobre pelos que representam benefici\u00e1rios mais bem posicionados na distribui\u00e7\u00e3o de renda. N\u00e3o se pode rejeitar o advento da idade m\u00ednima por ser ela prejudicial aos mais pobres se para os mais pobres ela j\u00e1 existe.<\/p>\n

A mudan\u00e7a demogr\u00e1fica \u00e9 um grande desafio. A popula\u00e7\u00e3o em idade ativa est\u00e1 se reduzindo significativamente em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 popula\u00e7\u00e3o dependente, e chegar\u00e1 a 1 idoso para cada 3 habitantes. Este ser\u00e1 um processo cont\u00ednuo: n\u00e3o amanheceremos um determinado dia no futuro com um grave problema na Previd\u00eancia para resolver, porque ele vai chegar paulatinamente (se j\u00e1 n\u00e3o chegou).<\/p>\n

\u201cA\u00a0velhice\u00a0\u00e9 a mais\u00a0inesperada\u00a0de todas as coisas que acontecem a um homem\u201d, disse Tr\u00f3tski. O envelhecimento parece chegar tamb\u00e9m para todos os pa\u00edses. N\u00e3o podemos negar que chegar\u00e1 aqui, mas n\u00e3o de maneira inesperada. A idade m\u00ednima dever\u00e1 ser parte da adapta\u00e7\u00e3o. At\u00e9 mesmo no Gr\u00e3o-Ducado do Brasil.<\/p>\n

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Vers\u00e3o resumida deste texto foi publicada no jornal O Estado de S\u00e3o Paulo, edi\u00e7\u00e3o de 19\/05\/2016.<\/em><\/p>\n

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