{"id":2772,"date":"2016-04-25T11:15:25","date_gmt":"2016-04-25T14:15:25","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2772"},"modified":"2016-04-25T11:15:25","modified_gmt":"2016-04-25T14:15:25","slug":"patentes-merecem-ser-quebradas","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2772","title":{"rendered":"Patentes merecem ser quebradas?"},"content":{"rendered":"

Vimos no texto \u201cPor que proteger a propriedade intelectual?<\/a>\u201d a import\u00e2ncia de se garantir direito de propriedade \u00e0s cria\u00e7\u00f5es intelectuais, assegurando ao criador benef\u00edcios pela utiliza\u00e7\u00e3o de seu trabalho.<\/p>\n

No entanto, o antagonismo de interesses \u00e9 enorme no \u00e2mbito internacional acerca da concep\u00e7\u00e3o das regras de propriedade intelectual. As posi\u00e7\u00f5es ficam entre prote\u00e7\u00e3o estrita da propriedade intelectual, favorecendo unicamente a inova\u00e7\u00e3o, e a constru\u00e7\u00e3o de mecanismos que possibilitem a transfer\u00eancia de tecnologia e o crescimento econ\u00f4mico para as na\u00e7\u00f5es em desenvolvimento.<\/p>\n

Segundo Cooter e Sch\u00e4fer (2012)1<\/sup>, os pa\u00edses ricos, detentores da maior parte das patentes, tendem a defender os direitos de propriedade intelectual de forma estrita, sem exce\u00e7\u00f5es. No entanto, os pa\u00edses em desenvolvimento, na sua maior parte consumidores dessas inven\u00e7\u00f5es, tendem a favorecer a c\u00f3pia ou o uso livre de determinados produtos.<\/p>\n

\u00c9 fato que h\u00e1 uma desigualdade muito grande entre as regi\u00f5es do mundo acerca da produ\u00e7\u00e3o de novos inventos. A tabela a seguir retrata essa disparidade.<\/p>\n

\"img_2772_1\"<\/p>\n

Note que, al\u00e9m do n\u00famero ser muito menor na Am\u00e9rica Latina, \u00c1frica e Oceania, h\u00e1 ainda o problema de que as poucas patentes concedidas n\u00e3o pertencem aos residentes dessas regi\u00f5es, isto \u00e9, as patentes s\u00e3o concedidas a pessoas e empresas estrangeiras.<\/p>\n

Sabe-se que a patente \u00e9 fundamental para garantir novos investimentos em pesquisa e inova\u00e7\u00e3o e, consequentemente, aumento da produtividade e desenvolvimento econ\u00f4mico. Mas ser\u00e1 que o sistema de patentes vigente n\u00e3o perpetua a depend\u00eancia dos pa\u00edses em desenvolvimento em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s na\u00e7\u00f5es mais ricas? Definir a correta calibragem desse dilema \u00e9 um grande desafio.<\/p>\n

As regras existentes hoje s\u00e3o fruto de anos de embates com forte press\u00e3o dos pa\u00edses mais ricos. Elas foram aprovadas em 1994, ao fim da Rodada Uruguai, em que a comunidade internacional assinou o Acordo TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights<\/em>2<\/em><\/sup>), que veio como anexo do texto final do GATT (General Agreement on Trade and Tariffs<\/em>3<\/em><\/sup>).<\/p>\n

Com o Acordo TRIPS, criou-se uma prote\u00e7\u00e3o global aos direitos de propriedade intelectual (patentes, marcas e direitos autorais). Em especial, ressalta-se a concess\u00e3o de patentes, com o gozo dos respectivos direitos, para as inven\u00e7\u00f5es de produtos ou processos de todos os setores tecnol\u00f3gicos e sem discrimina\u00e7\u00e3o quanto ao local de inven\u00e7\u00e3o, desde que sejam novas, envolvam um passo inventivo e sejam pass\u00edveis de aplica\u00e7\u00e3o industrial (art. 27.1, TRIPS4<\/sup>).<\/p>\n

O art. 33 do Acordo traz a previs\u00e3o de que o prazo de vig\u00eancia da prote\u00e7\u00e3o da patente n\u00e3o pode ser inferior a 20 anos5<\/sup> e que, caso haja alguma disputa entre os pa\u00edses signat\u00e1rios do TRIPS acerca de propriedade intelectual e com\u00e9rcio internacional, o lit\u00edgio ser\u00e1 resolvido por \u00f3rg\u00e3o espec\u00edfico da Organiza\u00e7\u00e3o Mundial do Com\u00e9rcio (OMC), o chamado \u00d3rg\u00e3o de Solu\u00e7\u00e3o de Controv\u00e9rsias (OSC).<\/p>\n

Note, no entanto, que a OMC n\u00e3o det\u00e9m poder de pol\u00edcia para aplicar san\u00e7\u00e3o diretamente ao pa\u00eds que tenha descumprido algum acordo internacional. O que acontece na pr\u00e1tica \u00e9 que o pa\u00eds prejudicado ganha direito a promover uma retalia\u00e7\u00e3o, descumprindo alguma regra do sistema multilateral de com\u00e9rcio contra o pa\u00eds originalmente descumpridor (UNCTAD, 20036<\/sup>).<\/p>\n

Com o tempo, v\u00e1rias insatisfa\u00e7\u00f5es e reivindica\u00e7\u00f5es surgiram por parte dos pa\u00edses em desenvolvimento. Isso se refletiu na agenda da Rodada de Doha, iniciada em novembro de 2001, durante a IV Confer\u00eancia Ministerial da OMC.<\/p>\n

Conforme informa\u00e7\u00e3o do Minist\u00e9rio do Desenvolvimento, Ind\u00fastria e Com\u00e9rcio Exterior do Brasil, \u201ca Rodada Doha surge devido ao desbalanceamento entre os interesses dos pa\u00edses em desenvolvimento e os pa\u00edses desenvolvidos durante a Rodada Uruguai, onde novas disciplinas sobre Propriedade Intelectual e Servi\u00e7os foram propostas pelos pa\u00edses desenvolvidos\u201d7<\/sup>.<\/p>\n

O grande motivador dessa tentativa de melhorar o Acordo TRIPS em prol dos pa\u00edses em desenvolvimento veio principalmente pela defesa, por parte desses pa\u00edses, do direito de quebrar patentes de medicamentos para a AIDS e emitir licen\u00e7as compuls\u00f3rias para a produ\u00e7\u00e3o dessas drogas em seus pr\u00f3prios territ\u00f3rios de forma a combater a epidemia do v\u00edrus HIV. (ODELL e SELL, 2003)8<\/sup><\/p>\n

Conforme Bezerra (2010)9<\/sup>, \u201ca denomina\u00e7\u00e3o de quebra de patente significa justamente a desconstitui\u00e7\u00e3o do direito \u00e0 explora\u00e7\u00e3o com exclusividade do bem criado, como resultado da aplica\u00e7\u00e3o do instituto do licenciamento compuls\u00f3rio sobre a patente dos medicamentos, a fim de garantir o atendimento da fun\u00e7\u00e3o social da propriedade e evitar o uso abusivo desses bem. No caso de medicamentos, no que diz respeito \u00e0 propriedade industrial desses produtos, a finalidade social est\u00e1 claramente delineada na promo\u00e7\u00e3o da sa\u00fade, individual ou p\u00fablica, uma vez que tais bens s\u00e3o destinados ao aux\u00edlio do tratamento m\u00e9dico de dados indiv\u00edduos, seja ele curativo, paliativo ou diagn\u00f3stico\u201d.<\/p>\n

O Acordo TRIPS j\u00e1 facultava aos estados-membros estabelecer normas que previssem o uso de objeto de patente sem a autoriza\u00e7\u00e3o de seu titular em circunst\u00e2ncias excepcionais de interesse p\u00fablico (art. 31 do Acordo). No entanto, tal pr\u00e1tica nunca foi bem recebida pelos pa\u00edses desenvolvidos, pois suas empresas farmac\u00eauticas sofreriam grandes perdas financeiras.<\/p>\n

A Lei n\u00ba 9.279, de 1996, que disciplina a concess\u00e3o de patentes no Brasil, j\u00e1 previa a possibilidade de licenciamento compuls\u00f3rio (quebra de patente) por interesse p\u00fablico em seu art. 71, \u201cnos casos de emerg\u00eancia nacional ou interesse p\u00fablico, declarados em ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu licenciado n\u00e3o atenda a essa necessidade\u201d.<\/p>\n

Segundo explica Job (2012)10<\/sup>, os Estados Unidos n\u00e3o concordavam com esse dispositivo legal na lei brasileira, de forma que, em 2001, pediram ao \u00d3rg\u00e3o de Solu\u00e7\u00e3o de Controv\u00e9rsias da OMC o estabelecimento de um painel para discutir o assunto. Em junho do mesmo ano, ap\u00f3s discuss\u00f5es na OMC, a disputa chegou a um fim com a concord\u00e2ncia dos EUA acerca da quebra de patentes pertencentes aos seus laborat\u00f3rios, nas condi\u00e7\u00f5es excepcionadas, desde que avisados previamente.<\/p>\n

O Brasil utilizou efetivamente essa possibilidade em 2007 quando o governo brasileiro decretou o licenciamento compuls\u00f3rio (suspens\u00e3o do direito de exclusividade) do antirretroviral Efavirenz, utilizado no tratamento da AIDS no Sistema \u00danico de Sa\u00fade (SUS). Para fins de compara\u00e7\u00e3o, nesse mesmo ano, o governo brasileiro comprava o Efavirenz a US$1,59 do laborat\u00f3rio norte-americano, detentor da patente. Com a decis\u00e3o da quebra, o Brasil passou a pagar US$0,44 a um laborat\u00f3rio da \u00cdndia11<\/sup>.<\/p>\n

Em 2012, o licenciamento foi renovado por mais cinco anos, conforme Decreto n\u00ba 7.723, de 2012. Segundo o Minist\u00e9rio da Sa\u00fade, hoje a produ\u00e7\u00e3o do medicamento \u00e9 totalmente nacional, os laborat\u00f3rios Farmanguinhos e Lafepe (Laborat\u00f3rio Farmac\u00eautico do Estado de Pernambuco) estabeleceram uma parceira com as empresas privadas Globequ\u00edmica (SP), Crist\u00e1lia (SP) e Nortec (RJ), que formaram um cons\u00f3rcio para produ\u00e7\u00e3o interna do Efavirenz. Para se ter ideia de pre\u00e7os, em 2012, o Minist\u00e9rio da Sa\u00fade contratou 57 milh\u00f5es de comprimidos do rem\u00e9dio pelo valor de R$ 76,9 milh\u00f5es (R$1,35 por comprimido)12<\/sup>.<\/p>\n

As cr\u00edticas ao licenciamento compuls\u00f3rio, vindas dos pa\u00edses desenvolvidos, argumentam que as quebras de patentes, apesar de amenizarem os problemas de sa\u00fade no curto prazo dos cidad\u00e3os dos pa\u00edses em desenvolvimento, contribuem para diminuir os recursos para pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos, prejudicando todos os poss\u00edveis doentes da gera\u00e7\u00e3o seguinte.<\/p>\n

Essas cr\u00edticas t\u00eam fundamento, mas considerando os diversos problemas institucionais do Brasil, incluindo as pol\u00edticas de desenvolvimento industrial, n\u00e3o nos parece que haja solu\u00e7\u00e3o diferente a ser adotada no presente.<\/p>\n

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___________<\/p>\n

1<\/sup> Cooter, R. D.; Sch\u00e4fer, H. B. Solomon\u2019s knot: how law can end the poverty of nations. New Jersey: Princeton University Press, 2012.<\/p>\n

2<\/sup> Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao com\u00e9rcio<\/p>\n

3<\/sup> Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Com\u00e9rcio<\/p>\n

4<\/sup> Article 27 Patentable Subject Matter – 1.\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0Subject to the provisions of paragraphs\u00a02 and 3, patents shall be available for any inventions, whether products or processes, in all fields of technology, provided that they are new, involve an inventive step and are capable of industrial application. Subject to paragraph\u00a04 of Article\u00a065, paragraph\u00a08 of Article\u00a070 and paragraph\u00a03 of this Article, patents shall be available and patent rights enjoyable without discrimination as to the place of invention, the field of technology and whether products are imported or locally produced.<\/p>\n

5<\/sup> Article 33 Term of Protection –\u00a0The term of protection available shall not end before the expiration of a period of twenty years counted from the filing date.<\/p>\n

6<\/sup> Dispon\u00edvel em http:\/\/unctad.org\/pt\/docs\/edmmisc232add11_pt.pdf<\/a><\/p>\n

7<\/sup> http:\/\/www.mdic.gov.br\/sitio\/interna\/interna.php?area=5&menu=373<\/a><\/p>\n

8<\/sup> ODELL, J. S.; SELL, S. K. Reframing the issue: The WTO Coalition on Intellectual Property and Public Health, 2001. Genebra, Conference on Developing Countries and the Trade Negotiation Process, 2003.<\/p>\n

9<\/sup> BEZERRA, M. F. Patente de Medicamentos: quebra de patentes como instrumento de realiza\u00e7\u00e3o de direitos. Curitiba: Juru\u00e1, 2010.<\/p>\n

10<\/sup> JOB, U. S. A prote\u00e7\u00e3o da propriedade intelectual e da sa\u00fade p\u00fablica pela Organiza\u00e7\u00e3o Mundial do Com\u00e9rcio (OMC) e pelo Brasil. Revista de Informa\u00e7\u00e3o Legislativa. Bras\u00edlia: Senado Federal, a. 49, n. 195, jul.\/set. 2012.<\/p>\n

11<\/sup>http:\/\/g1.globo.com\/ciencia-e-saude\/noticia\/2012\/05\/dilma-prorroga-quebra-de-patente-de-remedio-anti-aids.html<\/a><\/p>\n

12<\/sup> http:\/\/www.brasil.gov.br\/saude\/2012\/05\/brasil-renova-licenciamento-compulsorio-de-antirretroviral-usado-no-tratamento-da-aids<\/a><\/p>\n

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