{"id":2761,"date":"2016-03-24T09:48:32","date_gmt":"2016-03-24T12:48:32","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2761"},"modified":"2016-03-24T09:48:32","modified_gmt":"2016-03-24T12:48:32","slug":"por-que-o-fator-previdenciario-nao-adia-as-aposentadorias","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2761","title":{"rendered":"Por que o fator previdenci\u00e1rio n\u00e3o adia as aposentadorias?"},"content":{"rendered":"

Em 2002, o israelense Daniel Kahneman foi o primeiro psic\u00f3logo a receber o pr\u00eamio Nobel em Economia, por \u201cintegrar insights da psicologia \u00e0 ci\u00eancia econ\u00f4mica<\/em>\u201d1<\/sup>. Kahneman, \u00e9 a principal refer\u00eancia do campo conhecido como \u201cEconomia Comportamental\u201d, \u00e1rea \u201cproveniente da incorpora\u00e7\u00e3o, pela economia, de desenvolvimentos te\u00f3ricos e descobertas emp\u00edricas no campo da psicologia\u201d<\/em>2<\/sup>. O enfoque da economia comportamental vai ao sentido de aprimorar a concep\u00e7\u00e3o do ser humano tido como \u201cexcessivamente\u201d racional na teoria econ\u00f4mica tradicional, concep\u00e7\u00e3o que \u00e9 pejorativamente conhecida como \u201chomo economicus<\/em>\u201d.<\/p>\n

Mais recentemente, a economia comportamental saiu da academia e chegou aos governos, orientando em muitos pa\u00edses a implanta\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas p\u00fablicas (conforme discutido no blog aqui<\/a>).\u00a0 Uma quest\u00e3o que \u00e9 especialmente relevante para a economia comportamental \u00e9 a aposentadoria. Segundo Sunstein (2013):<\/p>\n

de acordo com a teoria econ\u00f4mica padr\u00e3o, as pessoas ir\u00e3o considerar tanto o curto prazo quanto o longo prazo. N\u00f3s temos em conta as incertezas; n\u00f3s sabemos que o futuro \u00e9 imprevis\u00edvel e que grandes mudan\u00e7as podem acontecer.<\/p>\n

No entanto, o que se verifica frequentemente segundo Sunstein (2013) s\u00e3o escolhas por op\u00e7\u00f5es com \u201cbenef\u00edcios l\u00edquidos de curto prazo e custos l\u00edquidos de longo prazo<\/em>\u201d. Segundo o autor, decis\u00f5es \u201cm\u00edopes\u201d e curtoprazistas ocorrem em parte porque as pessoas simplesmente n\u00e3o conseguem considerar interesses futuros como sendo de fato seus.<\/p>\n

Por sua vez, Hershfield et. al (2011) realizaram experimento usando \u201crealidade virtual imersiva\u201d3<\/sup>, em que parte dos participantes eram inseridos em um avatar, uma representa\u00e7\u00e3o visual de seus corpos e rostos no futuro: observou-se que aqueles que se \u201cvisualizaram\u201d no futuro exibiram tend\u00eancia maior de aceitar recompensas financeiras posteriores ao inv\u00e9s de recompensas imediatas. Os pesquisadores defendem que a dificuldade de os indiv\u00edduos se visualizarem aposentados seria respons\u00e1vel por uma crise de poupan\u00e7a para aposentadoria nos Estados Unidos, relacionada \u00e0 inclina\u00e7\u00e3o das pessoas de colocar maior peso na gratifica\u00e7\u00e3o de curto prazo em rela\u00e7\u00e3o aos ganhos de longo prazo.<\/p>\n

Ariely (2008) avalia ser uma fraqueza humana comum ceder a \u201cimpulsos\u201d durante a consecu\u00e7\u00e3o de objetivos de longo prazo, dificuldade que estaria na raiz de problemas t\u00e3o diversos quanto se manter em uma dieta ou conseguir uma aposentadoria satisfat\u00f3ria. O fracasso \u2014 repetidamente \u2014 em alcan\u00e7ar esses objetivos seria a fonte de boa parte da \u201cmis\u00e9ria\u201d humana: \u201ctemos problemas com autocontrole, relacionados \u00e0 gratifica\u00e7\u00e3o imediata e (gratifica\u00e7\u00e3o) postergada<\/em>\u201d.<\/p>\n

Decis\u00f5es como a da aposentadoria parecem ser de interesse especial para a economia comportamental por envolver uma das quest\u00f5es que mais lhe \u00e9 cara: a distribui\u00e7\u00e3o de ganhos e perdas de uma decis\u00e3o no curto e no longo prazo. Ariely (2008), que observa que a decis\u00e3o de aposentadoria \u00e9 sens\u00edvel no mundo todo, contrasta a abordagem da economia comportamental com a da teoria econ\u00f4mica tradicional nesta quest\u00e3o. Na concep\u00e7\u00e3o tradicional, um benef\u00edcio de aposentadoria insatisfat\u00f3rio seria decorrente de decis\u00f5es racionais de um indiv\u00edduo, o que teria de pressupor que \u201cn\u00e3o ligamos para o futuro, (…) aguardamos experenciar a pobreza quando aposentados, (…) esperamos que nossos filhos cuidem de n\u00f3s, (…) ou temos esperan\u00e7a de ganhar na loteria<\/em>\u201d. A provoca\u00e7\u00e3o evidencia que a racionalidade como concebida na teoria econ\u00f4mica tradicional, embora extremamente \u00fatil para v\u00e1rias abordagens, n\u00e3o parece se adequar a (m\u00e1s) decis\u00f5es de aposentadoria.<\/p>\n

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A aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o no Brasil e a economia comportamental<\/strong><\/p>\n

A escolha de quando se aposentar no Brasil pode estar especialmente sujeita aos vieses que a economia comportamental diagnostica, por conta da exist\u00eancia do benef\u00edcio de aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o (ATC), sem idade m\u00ednima. Este tipo de aposentadoria do Regime Geral de Previd\u00eancia Social \u00e9 a principal modalidade de aposentadoria da classe m\u00e9dia no pa\u00eds (exclu\u00eddos os servidores p\u00fablicos). N\u00e3o havendo um limite m\u00ednimo de idade obrigat\u00f3rio na aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o, os trabalhadores t\u00eam uma amplitude de tempo ainda maior para decidir quando devem parar de trabalhar.<\/p>\n

Este espa\u00e7o de tempo abre um leque de escolhas tamb\u00e9m por conta da exist\u00eancia do fator previdenci\u00e1rio<\/strong>: criado para contornar a amea\u00e7a \u00e0 sustentabilidade da Previd\u00eancia Social devido \u00e0 aus\u00eancia da idade m\u00ednima, o fator calcula o benef\u00edcio da aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o de acordo com a expectativa de sobrevida do segurado (quanto maior, menor o benef\u00edcio) e com o pr\u00f3prio tempo de contribui\u00e7\u00e3o (quanto maior, maior o benef\u00edcio). Assim, cumpridos os requisitos de 35 anos de tempo de contribui\u00e7\u00e3o para homens e 30 para mulheres, o trabalhador pode continuar trabalhando ou, a qualquer tempo, pedir a aposentadoria. Ainda, \u00e9 poss\u00edvel que o trabalhador opte pelas duas coisas: continuar trabalhando e receber a aposentadoria \u2014 o que n\u00e3o \u00e9 proibido e de fato \u00e9 muito comum.<\/p>\n

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A decis\u00e3o de se aposentar na teoria econ\u00f4mica tradicional<\/strong><\/p>\n

A teoria econ\u00f4mica tradicional, baseada na j\u00e1 discutida no\u00e7\u00e3o de racionalidade, teve dificuldade em lidar satisfatoriamente com o problema da decis\u00e3o da aposentadoria. Em verdade, a percep\u00e7\u00e3o da import\u00e2ncia de itens como a educa\u00e7\u00e3o previdenci\u00e1ria para os cidad\u00e3os precede a ascens\u00e3o da pr\u00f3pria economia comportamental4<\/sup>. Este campo se mostrou relevante mais por identificar com clareza \u2014 empiricamente\u00a0 \u2014\u00a0 os vieses que afetam decis\u00f5es como esta e por sua prescri\u00e7\u00e3o de instrumentos (como os nudges<\/em>, discutidos aqui<\/a>), e n\u00e3o por reconhecer pioneiramente que, na pr\u00e1tica, decis\u00f5es sobre aposentadoria n\u00e3o s\u00e3o completamente racionais (na acep\u00e7\u00e3o da teoria econ\u00f4mica).<\/p>\n

Por exemplo, Tafner, Botelho e Erbisti (2015) argumentam que a pr\u00f3pria interven\u00e7\u00e3o dos governos em prover previd\u00eancia p\u00fablica, de uma maneira mais ampla, j\u00e1 se basearia no diagn\u00f3stico de alguma defici\u00eancia. Os autores enfatizam defici\u00eancias de informa\u00e7\u00e3o e de capacidade de decis\u00e3o neste processo. Diz Oliveira (1982 apud TAFNER, BOTELHO e ERBISTI 2015):<\/p>\n

A decis\u00e3o de quanto, quando e como poupar (…) de modo a garantir um fluxo de rendas suficientes durante o per\u00edodo de inatividade \u00e9, certamente, muito complexa. O indiv\u00edduo deveria ter dispon\u00edvel um conjunto de informa\u00e7\u00f5es extremamente amplo e preciso sobre seus futuros riscos.<\/p>\n

Oliveira inclui entre esses riscos poss\u00edveis doen\u00e7as, suas dura\u00e7\u00f5es e custos, bem como as expectativas de vida do segurado e de seus dependentes \u201cMesmo que essas informa\u00e7\u00f5es fossem dispon\u00edveis, a an\u00e1lise (…) seria tarefa \u00e1rdua para uma equipe de atu\u00e1rios e de analistas de investimento\u201d.<\/em><\/p>\n

No entanto, a abordagem tradicional da \u201ceconomia da aposentadoria\u201d se baseia na racionalidade de um agente. Leonesio (1996) descreve estes modelos como partindo de modelos de escolha entre trabalho e lazer, onde se incluiria tamb\u00e9m a decis\u00e3o de aposentadoria: \u201ctodos (s\u00e3o) partes de um problema mais geral de decidir como usar o tempo<\/em>\u201d. Em geral, estes modelos partiriam da no\u00e7\u00e3o de que um indiv\u00edduo tomaria uma decis\u00e3o racional maximizando sua \u201csatisfa\u00e7\u00e3o\u201d (fun\u00e7\u00e3o utilidade), baseada em quantidades de consumo, lazer e em sua \u201ctaxa de prefer\u00eancia temporal\u201d (que pondera o valor dessas vari\u00e1veis no presente e no futuro). Este processo de maximiza\u00e7\u00e3o se sujeitaria a uma restri\u00e7\u00e3o or\u00e7ament\u00e1ria tamb\u00e9m intertemporal. Com base nesses par\u00e2metros, o indiv\u00edduo tomaria a decis\u00e3o \u00f3tima referente ao n\u00famero de anos que deve trabalhar e quanto deve poupar ao longo de sua vida laboral. Ao leitor interessado em conhecer mais sobre os modelos de aposentadoria na teoria econ\u00f4mica tradicional, consultar Nery (2016).<\/p>\n

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A decis\u00e3o de se aposentar na economia comportamental<\/strong><\/p>\n

De acordo com as pesquisas da ci\u00eancia comportamental, decis\u00f5es como a da aposentadoria poderiam sofrer variadas influ\u00eancias n\u00e3o captadas pela teoria tradicional. Entre essas influ\u00eancias, se encontram heur\u00edsticas<\/em>, \u201cregras de bolso\u201d que simplificam a tomada de decis\u00f5es complexas, e vieses cognitivos<\/em>, os erros sistem\u00e1ticos de decis\u00e3o resultantes do uso de heur\u00edsticas5<\/sup>.<\/p>\n

Cabe notar que essas influ\u00eancias e conceitos discutidos pela economia comportamental, que se contrap\u00f5em a modelos mais formalizados, como os citados anteriormente, e que ser\u00e3o apresentadas nesta subse\u00e7\u00e3o, se aplicam de maneira ampla ao problema de aposentadoria e de forma\u00e7\u00e3o de poupan\u00e7a como um todo, e n\u00e3o especificamente apenas ao caso brasileiro.<\/p>\n

Conceitos destacados para a economia comportamental para melhor compreender problemas com as decis\u00f5es de aposentadoria e poupan\u00e7a incluem:<\/p>\n