{"id":2726,"date":"2016-02-22T09:44:56","date_gmt":"2016-02-22T12:44:56","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2726"},"modified":"2016-02-22T09:44:57","modified_gmt":"2016-02-22T12:44:57","slug":"como-explicar-a-atual-crise-de-representatividade","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2726","title":{"rendered":"Como explicar a atual crise de representatividade?"},"content":{"rendered":"

O sistema de governo do Brasil p\u00f3s-Constitui\u00e7\u00e3o de 1988 foi arquitetado para combinar o presidencialismo com o pluripartidarismo, o que veio a ser intitulado por S\u00e9rgio Abranches de presidencialismo de coaliz\u00e3o (ABRANCHES, 1988). Em face dessa combina\u00e7\u00e3o, o alcance de maiorias est\u00e1veis no Parlamento seria extremamente dif\u00edcil e custoso. Outrossim, a desvincula\u00e7\u00e3o entre elei\u00e7\u00f5es presidenciais e parlamentares possibilitaria a estrutura\u00e7\u00e3o de um sistema representativo de origens distintas, necessitando, consequentemente, da forma\u00e7\u00e3o de coaliz\u00f5es para alcan\u00e7ar a governabilidade, articuladas por meio da troca de cargos no governo e de emendas parlamentares por apoio pol\u00edtico na aprova\u00e7\u00e3o de projetos legislativos de interesse nacional encabe\u00e7ados pelo Executivo (ABRANCHES, 1988).\u00a0 Para que o Presidente n\u00e3o sucumbisse \u00e0 barganha dos parlamentares, foram dados a ele muitos poderes constitucionais, ao ponto de alguns defenderem a preponder\u00e2ncia do Poder Executivo no quadro de separa\u00e7\u00e3o de Poderes.<\/p>\n

S\u00e9rgio Abranches (1988) acreditava que esse sistema estava fadado ao insucesso, por essa extrema dificuldade de formar maiorias est\u00e1veis. Em primeiro lugar, porque o comportamento irrespons\u00e1vel dos parlamentares geraria poucos incentivos para que eles cooperassem com o Presidente, assim como esse se isolaria do apoio do Parlamento, por crer no grande poder popular nele depositado. Em segundo lugar, a disciplina partid\u00e1ria n\u00e3o seria eficaz, j\u00e1 que a legisla\u00e7\u00e3o eleitoral brasileira conteria fortes incentivos para o comportamento individualista dos parlamentares (maximiza\u00e7\u00e3o das suas chances de reelei\u00e7\u00e3o). Em terceiro lugar, uma coaliz\u00e3o partid\u00e1ria careceria da principal arma que garante seu funcionamento no parlamentarismo: a amea\u00e7a de dissolu\u00e7\u00e3o. Enfim, haveria uma pol\u00edtica de oposi\u00e7\u00e3o cega, que relutaria muito em fazer qualquer coisa que poderia ajudar o governo a ser bem-sucedido.<\/p>\n

Em contraposi\u00e7\u00e3o a essas ideias, Fernando Limongi e Argelina Figueiredo (1998) defendem que o presidencialismo de coaliz\u00e3o n\u00e3o leva necessariamente \u00e0 ingovernabilidade e \u00e0 paralisia. Isso porque, no Brasil, esse sistema encontraria estabilidade e sucesso na governabilidade, por meio da interdepend\u00eancia entre a preponder\u00e2ncia legislativa do Executivo,do padr\u00e3o centralizado de trabalhos legislativos e a da disciplina partid\u00e1ria. Sua teoria foi corroborada por dados de 1988 a 1995, o que tamb\u00e9m se observou de forma clara no governo dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz In\u00e1cio Lula da Silva (ALSTON, MUELLER, 2010).<\/p>\n

Contudo, no decorrer dos mandatos da presidente Dilma Rousseff, essa capacidade de estruturar as coaliz\u00f5es foi se reduzindo e as caracter\u00edsticas autodestrutivas do presidencialismo de coaliz\u00e3o, narradas por Abranches, v\u00eam se sobressaindo. O alto grau de heterogeneidade ideol\u00f3gica e o fracionamento pol\u00edtico-partid\u00e1rio decorrentes da prolifera\u00e7\u00e3o de partidos, a alta propens\u00e3o de conflitos de interesse em raz\u00e3o das clivagens sociais, a tradi\u00e7\u00e3o presidencialista e proporcional, o insuficiente quadro institucional para resolu\u00e7\u00e3o de conflitos somado \u00e0 inexist\u00eancia de mecanismos institucionais de destitui\u00e7\u00e3o de governos ileg\u00edtimos s\u00e3o alguns dos fatores do atual sistema pol\u00edtico-partid\u00e1rio que se conjugam para desencadear a atual crise (VICTOR, 2015).<\/p>\n

Al\u00e9m disso, o sistema proporcional para elei\u00e7\u00e3o dos deputados incentiva o aumento vertiginoso de partidos acompanhado pela forma\u00e7\u00e3o de coliga\u00e7\u00f5es sem similaridades ideol\u00f3gicas; o modelo de lista aberta gera maior tend\u00eancia de personifica\u00e7\u00e3o do voto, enfraquecendo os partidos e convolando-se em competi\u00e7\u00e3o intrapartid\u00e1ria, al\u00e9m de \u201cpuxar\u201d candidatos com perfil oposto ao desejado pelo eleitor (\u201cefeito Tiririca\u201d); a representa\u00e7\u00e3o desproporcional entre os estados na C\u00e2mara dos Deputados e o grande n\u00famero de cadeiras por estado despolitizam o eleitorado, aumentam os esfor\u00e7os de personifica\u00e7\u00e3o e diminuem o controle partid\u00e1rio; o fim da verticaliza\u00e7\u00e3o produz incongru\u00eancias ideol\u00f3gicas dentro da l\u00f3gica do federalismo; enfim, campanhas altamente individualistas incentivam a diferencia\u00e7\u00e3o, que muitas vezes \u00e9 alcan\u00e7ada por meio de troca de interesses particulares e clientelismo, expandindo a influ\u00eancia do poder econ\u00f4mico (VICTOR, 2015).<\/p>\n

Alguns estudiosos sugerem que deveria ser implantado no Pa\u00eds o sistema parlamentarista multipartid\u00e1rio, pelo fato de gerar institui\u00e7\u00f5es mais duradouras e eficazes, uma vez que parceiros menores s\u00e3o membros institucionais, negociando minist\u00e9rios, o que permite que haja maiores incentivos para cooperar. Por outro lado, quando o Presidente perde sua base de apoio, pode ocorrer a queda do gabinete (chefe de governo) por voto de desconfian\u00e7a do Parlamento, o que gera maior responsabilidade por parte do Chefe do Executivo. A dificuldade de destituir governos sem governabilidade no presidencialismo gera altos custos pol\u00edticos, econ\u00f4micos e sociais pelo seu prolongamento. A quest\u00e3o sobre a implanta\u00e7\u00e3o do parlamentarismo no Brasil sempre retorna ao debate em momentos de vis\u00edvel crise do presidencialismo, mas n\u00e3o se pode calcular a instabilidade que aquele sistema pode gerar se seus institutos forem mal utilizados por um Parlamento imaturo institucionalmente.<\/p>\n

Passa-se de um presidencialismo de coaliza\u00e7\u00e3o para o de coopta\u00e7\u00e3o (PESS\u00d4A, 2015), em que as coaliz\u00f5es s\u00e3o formadas sem prop\u00f3sitos ideol\u00f3gicos, mas apenas para manter o poder. Os acordos firmados perdem ao longo do tempo seus objetivos de governabilidade, desdobrando-se em esquemas de corrup\u00e7\u00e3o como o \u201cMensal\u00e3o\u201d ou o \u201cPetrol\u00e3o\u201d, que apenas garantem uma recompensa pol\u00edtica em troca de apoio \u00e0 base governista. O combate a mecanismos legais de coopta\u00e7\u00e3o de parlamentares, como as emendas individuais e a distribui\u00e7\u00e3o dos cargos no governo, apenas asseveram o uso de mecanismos ileg\u00edtimos, como a corrup\u00e7\u00e3o (MENDES, DIAS, 2014). A excessiva fragmenta\u00e7\u00e3o pol\u00edtico-partid\u00e1ria somente torna mais custosa essa barganha, sobretudo em governos em que n\u00e3o se desenvolvem atitudes de lideran\u00e7a suficientes para centralizar esfor\u00e7os em prol de objetivos nacionais.<\/p>\n

A crise de representatividade \u00e9 grave. A reforma pol\u00edtica exigida para superar tal crise parece estar acima da capacidade e da vontade das lideran\u00e7as pol\u00edticas. N\u00e3o parece haver ambiente para algum tipo de acordo social que viabilize tal reforma. A crise econ\u00f4mica piora a situa\u00e7\u00e3o ao agravar os conflitos.<\/p>\n

Ospartidos pol\u00edticos precisam retomar a sua proemin\u00eancia na condu\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica brasileira, porque hoje est\u00e3o sendo conduzidos meramente por fatores externos, como a crise econ\u00f4mica e os esc\u00e2ndalos de corrup\u00e7\u00e3o da \u201clava-jato\u201d. Enquanto isso n\u00e3o ocorre e a reforma pol\u00edtica \u00e9 feita marginalmente para perpetuar interesses eleitorais dos seus autores, o sentimento de conex\u00e3o dos cidad\u00e3os com seus representantes diminui cada vez mais, instalando um v\u00e1cuo representativo que, caso n\u00e3o seja ocupado pelas institui\u00e7\u00f5es leg\u00edtimas, passa a ser alvo do Poder Judici\u00e1rio, da\u00ed o avan\u00e7o da judicializa\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica.<\/p>\n

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Refer\u00eancias bibliogr\u00e1ficas<\/strong><\/p>\n

ABRANCHES, S\u00e9rgio H. H. de. Presidencialismo de coaliz\u00e3o: o dilema institucional brasileiro. Revista de Ci\u00eancias Sociais, Rio de Janeiro. Vol. 31, n. 1, 1988, p. 5 a 34.<\/p>\n

\u00ad\u00ad\u00ad\u00ad\u00adALSTON, Lee J.; MELO, Marcus Andr\u00e9; MUELLER, Bernardo; PEREIRA, Carlos. <\/em>The Predatory or Virtuous Choices Governors Make: The Roles of Checks and Balances and Political Competition<\/em>.LASA. 2010.<\/p>\n

LIMONGI, F.; FIGUEIREDO, A. Bases Institucionais do Presidencialismo de Coaliz\u00e3o. Lua Nova. S\u00e3o Paulo, n\u00ba 44, p. 82-106, 1998.<\/p>\n

MENDES, Marcos J.; DIAS, Fernando A. C. A PEC do or\u00e7amento impositivo. Textos para discuss\u00e3o 149 do Senado Federal. Brasi\u0301lia: Nu\u0301cleo de Estudos e Pesquisas\/CONLEG\/Senado, 2014. Dispon\u00edvel em: <http:\/\/www12.senado.leg.br\/publicacoes\/estudos-legislativos\/tipos-de-estudos\/textos-para-discussao\/td-149-a-pec-do-orcamento-impositivo<\/a>> . Acesso em 9\/12\/2015.<\/p>\n

MERTON, Roberth K. Social Theory and Social Structure. Nova Iorque:\u00a0Free Press, 1968.<\/p>\n

PESS\u00d4A, Samuel. Presidencialismo de coaliz\u00e3o ou de coopta\u00e7\u00e3o? Conjuntura Econ\u00f4mica \u2013 Ponto de Vista. Vol. 69, n.1, jan 2015. Dispon\u00edvel em: http:\/\/portalibre.fgv.br\/main.jsp?lumPageId=4028818B37A00A200137A4099DA13ADA&contentId=8A7C82C54ADE6252014ADFA107E05EFF<\/a> .<\/p>\n

VICTOR, S\u00e9rgio Ant\u00f4nio Ferreira. Presidencialismo de Coaliz\u00e3o: exame do atual sistema de governo brasileiro. Ed. 1. S\u00e3o Paulo: Saraiva, 2015.<\/p>\n

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