{"id":2716,"date":"2016-02-01T08:56:08","date_gmt":"2016-02-01T11:56:08","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2716"},"modified":"2016-02-01T09:20:18","modified_gmt":"2016-02-01T12:20:18","slug":"injusto-ineficiente-e-caro","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2716","title":{"rendered":"Injusto, ineficiente e caro"},"content":{"rendered":"
A cidade de Dois Irm\u00e3os das Miss\u00f5es (RS) tem 2,2 mil habitantes e recebe do Fundo de Participa\u00e7\u00e3o dos Munic\u00edpios (FPM) R$ 2,9 mil per capita<\/em>. Como \u00e9 uma cidade pequena, n\u00e3o tem escala para oferecer servi\u00e7os p\u00fablicos diversificados: s\u00e3o poucos os adolescentes para que se abra uma escola de ensino m\u00e9dio, n\u00e3o h\u00e1 doentes graves em quantidade que justifique um hospital para casos complexos. Por isso, boa parte do dinheiro do FPM \u00e9 gasto com a burocracia. S\u00f3 a C\u00e2mara de vereadores consome 10% da receita corrente.<\/p>\n \u00c1guas Lindas de Goi\u00e1s (GO) tem 182 mil habitantes. Fica na periferia de Bras\u00edlia. Sua popula\u00e7\u00e3o cresceu 22% nos \u00faltimos dez anos. H\u00e1 forte necessidade de urbaniza\u00e7\u00e3o, muitas crian\u00e7as em idade escolar, viol\u00eancia e pobreza. Mas o FPM, que coloca muito dinheiro em dois mil munic\u00edpios pequenos, \u00a0destina apenas R$ 334\u00a0per capita\u00a0<\/em>para \u00c1guas Lindas.<\/p>\n Isso \u00e9 injusto: o dinheiro n\u00e3o vai para onde \u00e9 mais necess\u00e1rio. \u00c9 ineficiente, pois h\u00e1 desperd\u00edcionos munic\u00edpios pequenos, al\u00e9m de estimular os munic\u00edpios grandes a se dividirem. \u00c9 caro: o FPM transferido aos munic\u00edpios com menos de dez mil habitantes somou R$ 14 bilh\u00f5es em 2014.<\/p>\n Xavier \u00e9 eletricista. Trabalha como aut\u00f4nomo e est\u00e1 registrado como Microempreendedor Individual. Para uma renda mensal de R$ 3 mil, desembolsa R$ 44,40 em tributos. Joaquim realiza o mesmo trabalho e tem a mesma renda de Xavier. Em vez de aut\u00f4nomo, trabalha em uma empresa formal de reparos dom\u00e9sticos. A carga de tributos que incide sobre ele\u00e9 mais de sete vezes superior \u00e0 paga por Xavier: R$330,00.<\/p>\n A empresa em que Joaquim trabalha tem muitos clientes, o que aumenta a escala de produ\u00e7\u00e3o, reduz o peso dos custos fixos e permite otimizar o uso do tempo e a distribui\u00e7\u00e3o \u00a0geogr\u00e1fica dos profissionais. Al\u00e9m disso, promove treinamentos regulares, introduz novos m\u00e9todos de trabalho, tem equipamentos modernos, realiza tarefas complexas em equipe.<\/p>\n J\u00e1 o aut\u00f4nomo Xavier passa o dia com um celular no bolso e sua malinha de ferramentas. N\u00e3o se atualiza, n\u00e3o tem equipe e, volta e meia, fica sem servi\u00e7o,porque n\u00e3o conta com um pool<\/em> de clientes como o da empresa onde trabalha Joaquim.<\/p>\n Logo, o trabalho de Joaquim \u00e9 mais eficiente que o de Xavier. Mas o peso dos tributos faz com que a renda l\u00edquida de Xavier seja 10,7% maior que a de Joaquim. Isso \u00e9 injusto e ineficiente. E tamb\u00e9m \u00e9 caro: a ren\u00fancia de receita dos regimes especiais de tributa\u00e7\u00e3o (Simples e MEI) somou R$ 62,4 bilh\u00f5es em 2014.<\/p>\n Sebasti\u00e3o e Ant\u00f4nio trabalham em empregos que pagam sal\u00e1rio m\u00ednimo. Sebasti\u00e3o contribui mensalmente para o INSS, o que vai lhe garantir uma aposentadoria, no valor de um sal\u00e1rio m\u00ednimo, a partir dos 65 anos de idade. Ant\u00f4nio n\u00e3o contribui com um centavo para o INSS ao longo de toda sua vida profissional. Por\u00e9m, aos 65 anos poder\u00e1 receber um Benef\u00edcio de Presta\u00e7\u00e3o Continuada (BPC), tamb\u00e9m no valor de um sal\u00e1rio m\u00ednimo. Isso \u00e9 injusto: os benef\u00edcios assistenciais s\u00e3o importantes para amparar os mais necessitados, mas n\u00e3o podem ter o mesmo valor do que se paga a quem contribuiu. \u00c9 ineficiente, pois desestimula a forma\u00e7\u00e3o de poupan\u00e7a previdenci\u00e1ria. \u00c9 caro: a despesa com BPC para idosos em 2014 foi de R$\u00a0 17 bilh\u00f5es.<\/p>\n Jandira recebe uma aposentadoria mensal de R$ 10 mil. Deveria pagar R$ 1,9 mil de Imposto de Renda. Por\u00e9m est\u00e1 isenta de tal pagamento, porque tem uma doen\u00e7a card\u00edaca. A Lei n\u00ba 7.713\/1988 concede isen\u00e7\u00e3o de IR \u00e0s aposentadorias e pens\u00f5es dos portadores de cardiopatia grave e outras 15\u00a0 enfermidades, bem como a mol\u00e9stias de origem profissional. No Congresso tramitam 51 projetos para agregar novas doen\u00e7as \u00e0 lista atual.<\/p>\n Com o dinheiro que n\u00e3o gastou com Imposto de Renda, Jandira decidiu comprar um carro novo. E vai ser beneficiada de novo, porque a isen\u00e7\u00e3o se reproduz nas legisla\u00e7\u00f5es de IPI, ICMS e IPVA sobre ve\u00edculos, abarcando 37 doen\u00e7as, que v\u00e3o de \u201cformigamento\u201da \u201cautismo\u201d.<\/p>\n N\u00e3o \u00e9 simples conseguir a isen\u00e7\u00e3o. Afinal, o Estado quer se prevenir contra aproveitadores, e exige v\u00e1rios atestados. A\u00ed entra em cena o despachante Odair, cujo trabalho \u00e9 \u201cagilizar\u201d a concess\u00e3o do benef\u00edcio. Diversos funcion\u00e1rios p\u00fablicos s\u00e3o alocados para conferir os documentos.<\/p>\n Palmira \u00e9 pobre e tem doen\u00e7a de chagas. Sua renda est\u00e1 fora da faixa de pagamento de Imposto de Renda, e ela jamais ter\u00e1 dinheiro para comprar um carro zero. Palmira e seu cora\u00e7\u00e3o inchado v\u00e3o de \u00f4nibus para a fila do SUS.<\/p>\n Isso \u00e9 injusto, porque o Imposto de Renda incide sobre os 10% mais ricos da sociedade. Qualquer isen\u00e7\u00e3o ou dedu\u00e7\u00e3o beneficia apenas os mais ricos. \u00c9 caro: as isen\u00e7\u00f5es e dedu\u00e7\u00f5es do IR (todas, n\u00e3o s\u00f3 as relativas a doen\u00e7as) representam perda de arrecada\u00e7\u00e3o de R$ 34,3 bilh\u00f5es. \u00c9 ineficiente, porque Odair e os servidores alocados para cuidar da papelada poderiam usar seu tempo em atividade mais \u00fatil.<\/p>\n H\u00e1 muito que reformar nos programas p\u00fablicos para torn\u00e1-los mais justos, eficientes e baratos. \u00c9 um erro deixar de faz\u00ea-lo por temer prejudicar os mais pobres. Os benefici\u00e1rios de cada um dos programas tortos aproveitam-se dessa fal\u00e1cia para bloquear o desmonte de seus privil\u00e9gios. A fun\u00e7\u00e3o primordial do Estado brasileiro n\u00e3o tem sido prestar servi\u00e7os p\u00fablicos ou socorrer os mais pobres, mas sim garantir benef\u00edcios obtidos por alguns grupos \u00e0s expensas do resto da sociedade e das gera\u00e7\u00f5es futuras. Ganha quem tem o lobby<\/em> mais organizado. Isso trava o crescimento da economia e prejudica a todos. Apenas umas gotas desse oceano de benef\u00edcios respingam para os mais pobres. E esses ainda pagam parte da conta sob a forma de infla\u00e7\u00e3o e impostos altos, baixa cria\u00e7\u00e3o de empregos e juros elevados. A alternativa \u00e0s reformas \u00e9 a estagna\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica e a consolida\u00e7\u00e3o da desigualdade extrema que sempre caracterizou o Brasil.<\/p>\n <\/p>\n Texto originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo no dia 22\/1\/2016.<\/em><\/p>\n <\/p>\n Download:<\/strong><\/p>\n