{"id":2645,"date":"2015-10-21T10:55:47","date_gmt":"2015-10-21T13:55:47","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2645"},"modified":"2015-10-22T14:26:18","modified_gmt":"2015-10-22T17:26:18","slug":"em-tempos-de-impeachment-e-golpismo-o-que-e-verdade-e-o-que-e-mentira","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2645","title":{"rendered":"Em tempos de impeachment e \u201cgolpismo\u201d, o que \u00e9 verdade e o que \u00e9 mentira?"},"content":{"rendered":"

A conjuntura atual \u00e9 conturbada. A economia vai mal, a pol\u00edtica nem se fala. Em tempos de crise fiscal e instabilidade no Congresso, propagam-se fal\u00e1cias e teorias descabidas acerca do futuro do pa\u00eds. H\u00e1 quem clame por mudan\u00e7a e quem brade \u201cgolpismo\u201d.<\/p>\n

Mas, afinal, quem assume em caso de queda da presidente da Rep\u00fablica? Por quais meios ela pode ser destitu\u00edda? \u00c9 real a possibilidade de um impeachment? E a cassa\u00e7\u00e3o pelo TSE? Quais os riscos que o desenrolar de tal processo poderia trazer para o pa\u00eds? Qual o papel do povo brasileiro e como a opini\u00e3o p\u00fablica influencia no processo?<\/p>\n

A seguir, tentarei responder a cada uma dessas quest\u00f5es.<\/p>\n

Hip\u00f3tese 1: Impeachment <\/strong><\/p>\n

As buscas no Google combinando as express\u00f5es \u201cimpeachment\u201d e \u201cquem assume\u201d cresceram cerca de 350% neste ano. As pesquisas sobre o vice-presidente, Michel Temer, tamb\u00e9m dispararam, demonstrando que h\u00e1 grande interesse p\u00fablico acerca do tema. No entanto, o que \u00e9 verdade e o que \u00e9 mentira?<\/p>\n

Em primeiro lugar, cabe esclarecer que o impeachment consiste em processo instaurado com base em den\u00fancia de crime de responsabilidade contra certas autoridades, como o presidente da Rep\u00fablica, o vice-presidente,\u00a0ou os Ministros do Supremo Tribunal Federal.<\/p>\n

Especificamente no caso do presidente da Rep\u00fablica, o art. 85 da Constitui\u00e7\u00e3o Federal de 1988 define que s\u00e3o crimes de responsabilidade os atos que atentem contra a Constitui\u00e7\u00e3o e, especialmente, contra: a exist\u00eancia da Uni\u00e3o; o livre exerc\u00edcio do Poder Legislativo, do Poder Judici\u00e1rio, do Minist\u00e9rio P\u00fablico e dos Poderes constitucionais das unidades da Federa\u00e7\u00e3o; o exerc\u00edcio dos direitos pol\u00edticos, individuais e sociais; a seguran\u00e7a interna do Pa\u00eds; a probidade na administra\u00e7\u00e3o; a lei or\u00e7ament\u00e1ria; e o cumprimento das leis e das decis\u00f5es judiciais.<\/p>\n

Ademais, o par\u00e1grafo \u00fanico do art. 85 afirma que os crimes supracitados ser\u00e3o definidos em lei especial, que tamb\u00e9m estabelecer\u00e1 o processo de julgamento. Essa norma j\u00e1 existe, \u00e9 a Lei n\u00ba 1.079, de 10 de abril de 1950, que define in\u00fameras hip\u00f3teses, amplas e gen\u00e9ricas, de crimes de responsabilidade, como, por exemplo, \u201cinfringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei or\u00e7ament\u00e1ria\u201d, \u201cpermitir, de forma expressa ou t\u00e1cita, a infra\u00e7\u00e3o de lei federal de ordem p\u00fablica\u201d ou mesmo \u201cproceder de modo incompat\u00edvel com a dignidade, a honra e o decoro do cargo\u201d.<\/p>\n

Ora, resta claro que tanto a Constitui\u00e7\u00e3o quanto a Lei n\u00ba 1.079, de 1950, deixaram significativo espa\u00e7o para interpreta\u00e7\u00f5es acerca do que se enquadra no conceito de crime de responsabilidade. Assim, a perda de apoio pol\u00edtico e social certamente facilita a deflagra\u00e7\u00e3o do processo, uma vez que, conforme acima exemplificado, n\u00e3o \u00e9 dif\u00edcil, ao contr\u00e1rio do que muitos propagam, encontrar uma justificativa jur\u00eddica v\u00e1lida para abertura do processo.<\/p>\n

At\u00e9 porque, quanto a isso, a\u00a0Constitui\u00e7\u00e3o e a Lei permitem que qualquer cidad\u00e3o fa\u00e7a a den\u00fancia contra o presidente da Rep\u00fablica por crime de responsabilidade perante a C\u00e2mara dos Deputados, \u00e0 qual caber\u00e1 a admiss\u00e3o da acusa\u00e7\u00e3o e a consequente abertura do processo de impeachment mediante voto de dois ter\u00e7os de seus membros, ou seja, 342 deputados federais dos 513 existentes (Constitui\u00e7\u00e3o Federal, art. 51, I). N\u00e3o h\u00e1 demais exig\u00eancias. A Lei permite, em seu art. 16, at\u00e9 mesmo que os documentos comprobat\u00f3rios da den\u00fancia n\u00e3o sejam apresentados inicialmente, exigindo apenas a indica\u00e7\u00e3o do local onde estes possam ser encontrados futuramente.<\/p>\n

Portanto, caso a C\u00e2mara considere que as artimanhas utilizadas pelo Tesouro Nacional \u2013 com consentimento da presid\u00eancia da Rep\u00fablica, para artificialmente inflar os cofres p\u00fablicos, mediante atraso no repasse de bilh\u00f5es aos bancos p\u00fablicos nos \u00faltimos anos \u2013 se enquadram em qualquer um dos itens da Lei n\u00ba 1.079, de 1950, que definem os crimes de responsabilidade, haver\u00e1 justificativa jur\u00eddica mais que v\u00e1lida para in\u00edcio do processo, desde que seja obtido o qu\u00f3rum de dois ter\u00e7os naquela Casa. At\u00e9 porque, conforme acima exposto, diante da vastid\u00e3o conceitual deixada pelo legislador constitucional e infraconstitucional, a decis\u00e3o de se enquadrar uma pr\u00e1tica como crime de responsabilidade \u00e9, acima de tudo, pol\u00edtica.<\/p>\n

Ou seja, as \u201cpedaladas\u201d podem, sim, configurar subs\u00eddios mais que suficientes para abertura de um processo de impeachment. Acerca do tema, vale destacar que cabe ao Tribunal de Contas da Uni\u00e3o (TCU) apenas apreciar anualmente as contas do presidente da Rep\u00fablica, mediante a emiss\u00e3o de parecer pr\u00e9vio, conforme ocorreu recentemente, quando o \u00f3rg\u00e3o, em vota\u00e7\u00e3o un\u00e2nime, ofereceu parecer orientando pela rejei\u00e7\u00e3o das contas. Pronto, o TCU n\u00e3o tem mais nenhum papel direto no julgamento das contas presidenciais, que dever\u00e1 ser feito pelo Congresso, conforme inciso IX do art. 49 da Constitui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

No entanto, ao contr\u00e1rio do que se propaga, a rejei\u00e7\u00e3o das contas, que sequer exige qu\u00f3rum qualificado, n\u00e3o deflagra a abertura do processo de impeachment. Apenas pode servir de justificativa para a abertura de um processo, que s\u00f3 ser\u00e1 instaurado, n\u00e3o custa repetir, com aprova\u00e7\u00e3o de dois ter\u00e7os da C\u00e2mara. Ademais, n\u00e3o necessariamente o Congresso precisa rejeitar as contas da presidente para que existam subs\u00eddios para um impeachment. A abertura de um processo e a eventual cassa\u00e7\u00e3o do mandato presidencial s\u00e3o atribui\u00e7\u00f5es do Poder Legislativo que n\u00e3o est\u00e3o obrigatoriamente interligadas a tal rejei\u00e7\u00e3o. Conforme anteriormente exposto, se os deputados federais considerarem que as pedaladas fiscais ou quaisquer outros atos do governo s\u00e3o contr\u00e1rios, por exemplo, \u00e0 dignidade, \u00e0 honra e ao decoro do cargo de presidente da Rep\u00fablica, pode ser deflagrado o impeachment, conforme item 7 do art. 9\u00ba da Lei n\u00ba 1.079, de 1950.<\/p>\n

A partir da\u00ed, \u00e9 com o Senado. Se a C\u00e2mara oficializar a acusa\u00e7\u00e3o ao chefe do Poder Executivo, este ser\u00e1 suspenso das suas fun\u00e7\u00f5es (e ter\u00e1 metade de sua remunera\u00e7\u00e3o cortada) imediatamente ap\u00f3s a instaura\u00e7\u00e3o do processo pelo Senado1<\/sup>. No caso de crime de responsabilidade quem decide \u00e9 o Senado. O \u00fanico papel do Supremo Tribunal Federal (STF) \u00e9 ceder seu presidente, que presidir\u00e1 o julgamento do acusado. Entretanto, quem condena s\u00e3o os senadores, mediante voto de dois ter\u00e7os de seus membros, ou seja, 54. Em caso de condena\u00e7\u00e3o, a presidente da Rep\u00fablica ficar\u00e1 oito anos impossibilitada de exercer qualquer exerc\u00edcio de fun\u00e7\u00e3o p\u00fablica2<\/sup>. N\u00e3o poder\u00e1 nem mesmo realizar concurso p\u00fablico. E isso sem preju\u00edzo das demais san\u00e7\u00f5es judiciais cab\u00edveis. 3<\/sup><\/p>\n

O rito previsto na Lei de Crime de Responsabilidade e na Constitui\u00e7\u00e3o \u00e9 esse. Exig\u00eancias extras, como as definidas pelo presidente da C\u00e2mara, Eduardo Cunha, que estabelecem, por exemplo, a forma\u00e7\u00e3o de uma comiss\u00e3o especial para analisar previamente o pedido de impeachment, s\u00e3o determina\u00e7\u00f5es processuais previstas no art. 218 do Regimento Interno da C\u00e2mara dos Deputados, que \u00e9 uma resolu\u00e7\u00e3o e, portanto, tamb\u00e9m \u00e9 norma prim\u00e1ria, hierarquicamente no mesmo n\u00edvel que qualquer lei ordin\u00e1ria ou complementar. A diferen\u00e7a \u00e9 apenas que, precipuamente, uma resolu\u00e7\u00e3o disciplina assuntos pol\u00edticos e administrativos internos da respectiva Casa Legislativa. Dessa forma, a decis\u00e3o liminar do STF de suspender tais ritos aparentemente invadem assuntos interna corporis <\/em>do Legislativo e exaltam um excesso de intervencionismo do Judici\u00e1rio. A C\u00e2mara n\u00e3o est\u00e1 descumprindo o ordenamento jur\u00eddico. As exig\u00eancias legais e constitucionais, como o qu\u00f3rum de dois ter\u00e7os para a abertura do processo, continuar\u00e3o tendo de ser atendidas. A Casa apenas regulamentou, de forma legal, o rito da mat\u00e9ria antes da vota\u00e7\u00e3o de m\u00e9rito, o que acontece tamb\u00e9m, por exemplo, com as Medidas Provis\u00f3rias, regulamentadas pela Resolu\u00e7\u00e3o n\u00ba 1, de 2002-Congresso.<\/p>\n

Mas, ap\u00f3s todo o rito processual ter sido cumprido, se realmente ocorrer a perda do mandato, quem assume? O art. 79 da Constitui\u00e7\u00e3o afirma que \u00e9 o vice-presidente da Rep\u00fablica, a quem caber\u00e1 completar o tempo de mandato do impeachmado.<\/p>\n

Por\u00e9m, no caso de cassa\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m do vice, o presidente da C\u00e2mara dos Deputados n\u00e3o se torna presidente da Rep\u00fablica. O que ocorre \u00e9 que o art. 80 da Carta Magna diz que, em caso de impedimento ou vac\u00e2ncia do presidente e do vice, ser\u00e3o sucessivamente chamados ao exerc\u00edcio da presid\u00eancia o presidente da C\u00e2mara dos Deputados, o do Senado e o do Supremo Tribunal Federal. Mas esse exerc\u00edcio \u00e9 apenas tempor\u00e1rio. Se realmente houver vac\u00e2ncia dos cargos de presidente e vice-presidente da Rep\u00fablica, h\u00e1 realiza\u00e7\u00e3o de novas elei\u00e7\u00f5es, conforme art. 81 da Constitui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Nesse caso, se as vac\u00e2ncias ocorrerem nos dois primeiros anos do mandato, ou seja, at\u00e9 o fim de 2016 se considerarmos o mandato presidencial em curso, haver\u00e1 novas elei\u00e7\u00f5es diretas para presidente e vice, noventa dias ap\u00f3s a abertura da \u00faltima vaga; por\u00e9m, se as vac\u00e2ncias se derem nos dois \u00faltimos anos (2017-2018), as elei\u00e7\u00f5es para ambos os cargos ser\u00e3o indiretas, ou seja, n\u00e3o ser\u00e3o os cidad\u00e3os que votar\u00e3o, mas os parlamentares que comp\u00f5em o Congresso, e ocorrer\u00e3o dentro de trinta dias ap\u00f3s a \u00faltima vac\u00e2ncia. Por fim, sobre o tema, vale ressaltar que os eleitos, em quaisquer das hip\u00f3teses analisadas, n\u00e3o ser\u00e3o empossados para um novo mandato de quatro anos, mas apenas para governar durante o tempo que faltava para que os impeachmados cumprissem seus mandatos. \u00c9 o chamado \u201cmandato-tamp\u00e3o\u201d.<\/p>\n

HIP\u00d3tese 2: Cassa\u00e7\u00e3o do mandato pelo TSE <\/strong><\/p>\n

Quem nunca recebeu uma corrente de Whatsapp <\/em>ou Facebook <\/em>conclamando o povo brasileiro a votar nulo nas elei\u00e7\u00f5es, pois, caso mais da metade da popula\u00e7\u00e3o assim o fizesse, n\u00e3o haveria eleitos e teria de ser convocado um novo pleito. Lembram-se disso? Pois \u00e9, podem esquecer de uma vez por todas.<\/p>\n

A confus\u00e3o se d\u00e1 devido ao art. 224 do C\u00f3digo Eleitoral afirmar que, se a nulidade atingir mais da metade dos votos do pa\u00eds nas elei\u00e7\u00f5es presidenciais, estaduais ou municipais, julgar-se-\u00e3o prejudicadas as demais vota\u00e7\u00f5es e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) marcar\u00e1 dia para nova elei\u00e7\u00e3o. Todavia, essa nulidade a que se refere nossa legisla\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 o voto nulo ou em branco, os quais sequer entram no c\u00f4mputo dos votos totais ou para determina\u00e7\u00e3o do quociente eleitoral. Eles s\u00e3o simplesmente ignorados, como se nunca tivessem existido. Portanto, ao contr\u00e1rio do que as citadas correntes dizem, em tese, se o Pa\u00eds inteiro votar nulo ou em branco e apenas uma pessoa votar em um candidato, este ser\u00e1 eleito, sem necessidade de novas elei\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

Essa nulidade a que diz respeito o art. 224 supracitado tem grande relev\u00e2ncia para nosso estudo. Ela se refere \u00e0 constata\u00e7\u00e3o de alguma fraude no processo eleitoral, como, por exemplo, compra de votos ou recebimento de recursos ilegais durante a campanha. Em tais hip\u00f3teses, a Lei \u00e9 clara ao afirmar que dever\u00e3o ser convocadas novas elei\u00e7\u00f5es se a nulidade abarcar mais de 50% dos votos.<\/p>\n

Entretanto, o TSE considera que esse dispositivo se aplica para candidatos eleitos em primeiro turno4<\/sup>, uma vez que, em tal caso, a decreta\u00e7\u00e3o, pela Justi\u00e7a Eleitoral, da nulidade dos votos do candidato vencedor j\u00e1 significa que houve a nulidade de mais da metade dos votos v\u00e1lidos. Em raz\u00e3o do sil\u00eancio normativo acerca de quando a nulidade englobar menos de 50% dos votos v\u00e1lidos no primeiro turno, ou seja, quando o candidato tiver sido eleito no segundo turno, o TSE vinha aplicando o entendimento de que o segundo mais votado deveria assumir, se este tivesse maioria absoluta dos votos em primeiro turno, ap\u00f3s se considerar a exclus\u00e3o dos votos anulados do universo dos votos v\u00e1lidos; ou, caso o segundo mais votado n\u00e3o tivesse obtido maioria absoluta ap\u00f3s as anula\u00e7\u00f5es, o entendimento de que deveria haver um novo segundo turno entre os dois candidatos mais votados no primeiro, exclu\u00eddo o cassado5<\/sup>.<\/p>\n

Alguns Governadores estaduais devem seus mandatos a tal decis\u00e3o. No ano de 2009, o TSE decidiu cassar os diplomas do governador do Maranh\u00e3o, Jackson Lago, e de seu vice, Luiz Carlos Porto, acusados de terem comprado votos e abusado do poder econ\u00f4mico durante a campanha eleitoral. Concomitantemente, foi decido que a segunda colocada nas elei\u00e7\u00f5es, Roseana Sarney deveria ser empossada, juntamente de seu vice, Jo\u00e3o Alberto, uma vez que, ap\u00f3s exclus\u00e3o dos votos nulos de Jackson Lago, ela tinha maioria absoluta dos votos v\u00e1lidos no primeiro turno. O mesmo ocorreu na Para\u00edba, tamb\u00e9m em 2009, quando o mandato do ent\u00e3o governador, C\u00e1ssio Cunha Lima, foi cassado pela Justi\u00e7a Eleitoral, que deu posse ao segundo colocado, Jos\u00e9 Maranh\u00e3o.<\/p>\n

Outro exemplo \u00e9 o do ex-governador do Tocantins, Marcelo Miranda, e de seu vice, Paulo Sidnei, que haviam sido eleitos em primeiro turno nas elei\u00e7\u00f5es de 2006, mas tiveram seus mandatos cassados em 2009, por abuso de poder pol\u00edtico. Conforme o entendimento da Justi\u00e7a Eleitoral supracitado, o segundo colocado geral n\u00e3o assumiu, j\u00e1 que houve nulidade de mais da metade dos votos v\u00e1lidos, uma vez que Marcelo Miranda tinha sido eleito em primeiro turno, ou seja, com mais de 50% dos votos v\u00e1lidos. Assim, foi realizada nova elei\u00e7\u00e3o, que foi indireta, realizada pela Assembleia Legislativa do Tocantins, j\u00e1 que faltavam menos de dois anos para o t\u00e9rmino do mandato do cassado.<\/p>\n

Ocorre que o TSE atualmente investiga, em quatro processos distintos, a entrada de doa\u00e7\u00f5es ilegais \u00e0 campanha do PT na elei\u00e7\u00e3o presidencial de 2014. Nesse caso, havendo declara\u00e7\u00e3o de nulidade dos votos dados \u00e0 presidente Dilma Rousseff e a consequente perda de mandato, diferentemente dos casos de crime de responsabilidade, n\u00e3o h\u00e1 que se falar em autoriza\u00e7\u00e3o de abertura de processo pela C\u00e2mara ou em julgamento pelo Senado, tudo se resolve no \u00e2mbito do Poder Judici\u00e1rio. Ademais, uma vez que a presidente n\u00e3o obteve mais de 50% dos votos v\u00e1lidos em primeiro turno e, considerando que o candidato A\u00e9cio Neves teria a maioria absoluta votos j\u00e1 em primeiro turno se os votos direcionados \u00e0 candidata do PT fossem anulados (Dilma obteve 41,59% e A\u00e9cio 33,55% dos votos v\u00e1lidos em primeiro turno. Logo, excluindo-se o percentual da presidente, A\u00e9cio teria 57,43% dos votos v\u00e1lidos), levando em considera\u00e7\u00e3o a supracitada jurisprud\u00eancia do TSE, este poderia ser empossado sem a realiza\u00e7\u00e3o de novas elei\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

No entanto, cumpre informar que a Lei n\u00ba 13.165, de 29 de setembro de 2015, acrescentou \u00a7 3\u00ba ao art. 224 do C\u00f3digo Eleitoral, para impedir que o entendimento do TSE acima explanado continuasse a se propagar. De acordo com o novo par\u00e1grafo, a decis\u00e3o da Justi\u00e7a Eleitoral que implique no indeferimento do registro, na cassa\u00e7\u00e3o do diploma ou na perda do mandato de candidato eleito em pleito majorit\u00e1rio acarreta, ap\u00f3s o tr\u00e2nsito em julgado, a realiza\u00e7\u00e3o de novas elei\u00e7\u00f5es, independentemente do n\u00famero de votos anulados, afastando, assim, casos similares aos anteriormente examinados.<\/p>\n

Por\u00e9m, especificamente em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s \u00faltimas elei\u00e7\u00f5es presidenciais, tal dispositivo poderia ser in\u00f3cuo, pois foi aprovado apenas em 2015. \u00c0 primeira vista, o par\u00e1grafo acrescido ao C\u00f3digo n\u00e3o modifica o processo eleitoral propriamente dito, devendo, portanto, ser aplicado de imediato, o que impediria a posse de A\u00e9cio em caso de cassa\u00e7\u00e3o da presidente pela Justi\u00e7a Eleitoral. Todavia, caso o STF decida que ocorreu, sim, altera\u00e7\u00e3o do processo eleitoral, a mudan\u00e7a ter\u00e1 de respeitar o princ\u00edpio da anterioridade eleitoral, o qual, nos termos do art. 16 da Constitui\u00e7\u00e3o, define que a lei que alterar o processo eleitoral entrar\u00e1 em vigor na data de sua publica\u00e7\u00e3o, n\u00e3o se aplicando \u00e0 elei\u00e7\u00e3o que ocorra at\u00e9 um ano da data de sua vig\u00eancia. Nesse sentido, n\u00e3o custa lembrar que a decis\u00e3o acerca da aplica\u00e7\u00e3o ou n\u00e3o do princ\u00edpio da anterioridade eleitoral costuma ser controversa e pol\u00eamica. Recentemente, o STF decidiu que a Lei da Ficha Limpa alterava, sim, o processo eleitoral e, consequentemente, n\u00e3o poderia ser aplicada \u00e0s elei\u00e7\u00f5es do ano de sua publica\u00e7\u00e3o, 2010. O detalhe \u00e9 que o STF s\u00f3 tomou essa decis\u00e3o ap\u00f3s a nomea\u00e7\u00e3o do Ministro Luiz Fux, que desempatou a vota\u00e7\u00e3o (que foi de seis a cinco), a favor do respeito ao princ\u00edpio da anterioridade. Logo, fica claro que existem diverg\u00eancias de interpreta\u00e7\u00e3o entre os Ministros do Supremo acerca do que altera, ou n\u00e3o, o processo eleitoral.<\/p>\n

Portanto, existe um problema de complexidade jur\u00eddica que permite que o TSE tente aplicar a jurisprud\u00eancia anterior ou altere seu entendimento, j\u00e1 absorvendo a mudan\u00e7a legislativa realizada, o que seria o mais prudente. Se o TSE tentar manter o seu entendimento em situa\u00e7\u00f5es de cassa\u00e7\u00e3o similares, antes da altera\u00e7\u00e3o do C\u00f3digo Eleitoral, o caso dever\u00e1 ser decidido pelo STF.<\/p>\n

No caso de cassa\u00e7\u00e3o do mandato, novamente, n\u00e3o h\u00e1 assun\u00e7\u00e3o definitiva ao poder do presidente da C\u00e2mara ou de qualquer outro. Se cassados os mandatos tanto da presidente quanto de seu vice, dever\u00e1 haver a convoca\u00e7\u00e3o de novas elei\u00e7\u00f5es, diretas ou indiretas, dependendo de a cassa\u00e7\u00e3o se efetivar nos dois primeiros ou nos dois \u00faltimos anos do mandato; ou a posse do segundo colocado, Senador A\u00e9cio Neves, juntamente de seu candidato a vice, Senador Aloysio Nunes. Qual entendimento ir\u00e1 prevalecer depender\u00e1 da decis\u00e3o do TSE acerca da aplica\u00e7\u00e3o, ou n\u00e3o, da jurisprud\u00eancia at\u00e9 ent\u00e3o utilizada pelo Tribunal, e da decis\u00e3o do STF, sobre a validade do princ\u00edpio da anterioridade eleitoral para o caso.<\/p>\n

Desfecho<\/strong><\/p>\n

Seja qual for o desfecho desse imbr\u00f3glio, o pa\u00eds sair\u00e1 indiscutivelmente deteriorado da atual crise pol\u00edtica e se encontrar\u00e1 em um horizonte ainda mais incerto. A defini\u00e7\u00e3o do que se qualifica como crime de responsabilidade, em raz\u00e3o da amplitude do ordenamento jur\u00eddico aplic\u00e1vel e do poder decis\u00f3rio do Poder Legislativo na quest\u00e3o, tem um vi\u00e9s pol\u00edtico muito significativo. Ademais, caso o TSE venha a optar por manter a jurisprud\u00eancia at\u00e9 ent\u00e3o utilizada e d\u00ea posse ao segundo mais votado nas elei\u00e7\u00f5es de 2014, estar\u00e1 ignorando uma mudan\u00e7a legislativa recente e legitimando um governo que, de fato, n\u00e3o foi eleito pela maioria dos brasileiros, o que abriria caminho para uma agrura pol\u00edtica sem precedentes.<\/p>\n

Portanto, uma vez que o Legislativo costuma se guiar pelo \u201cclamor das ruas\u201d e o TSE n\u00e3o tem uma linha de atua\u00e7\u00e3o absolutamente definida em caso de cassa\u00e7\u00e3o do mandato presidencial, a manifesta\u00e7\u00e3o popular ter\u00e1 papel important\u00edssimo na defini\u00e7\u00e3o dos rumos do pa\u00eds, tanto na potencial deflagra\u00e7\u00e3o de um processo de impeachment quanto nas ila\u00e7\u00f5es posteriores, no caso de uma condena\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Apesar de, \u00e0 primeira vista, poder parecer sedutora a ideia de simplesmente se derrubar o governo atual e se buscar uma nova ordem neste momento de crise pol\u00edtica, econ\u00f4mica e social, os cidad\u00e3os p\u00e1trios precisam refletir e avaliar as repercuss\u00f5es de um poss\u00edvel impeachment. Precisamos assumir nossa responsabilidade como eleitores. Entender o relevante papel social que existe no voto e que a cr\u00edtica deve tamb\u00e9m ser pr\u00e9via a este e n\u00e3o apenas posterior. N\u00e3o podemos apenas culpar presidentes e parlamentares e solicitar a queda destes quando n\u00e3o mais estiverem satisfazendo os nossos pr\u00f3prios desejos ego\u00edstas. Ao contr\u00e1rio, nos cabe assumir que eles s\u00e3o, sim, reflexo e representantes de seus eleitores, por mais que a nossa tend\u00eancia seja imediatamente a de negar tal realidade perturbadora. Afinal, foram eleitos com milhares, ou milh\u00f5es, de votos. Obviamente, n\u00e3o deve preponderar a irresponsabilidade de quem seja culpado pelo cometimento de crimes, mas deve existir uma an\u00e1lise s\u00e9ria e meticulosa do que \u00e9 culpa de fato e do que \u00e9 impaci\u00eancia, egocentrismo e sede de benef\u00edcios individuais em detrimento do bem comum.<\/p>\n

O Brasil tem apenas 27 anos de democracia. Nesse intervalo, foram quatro presidentes eleitos por voto popular, direta e democraticamente: Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Luiz In\u00e1cio Lula da Silva e Dilma Rousseff. O primeiro foi deposto por corrup\u00e7\u00e3o em 1992. Os outros dois sofreram amea\u00e7as de cassa\u00e7\u00e3o: FHC sofreu 17 den\u00fancias solicitando o seu impeachment e perdeu grande parte do apoio popular durante o seu segundo mandato quando fez reformas duras, mas necess\u00e1rias; j\u00e1 Lula recebeu 34 den\u00fancias, especialmente durante o \u201cmensal\u00e3o\u201d, em 2005. Assim, caso confirmado o impeachment de Dilma, esta seria a deposi\u00e7\u00e3o do segundo presidente da Rep\u00fablica \u2013 entre quatro, em um curt\u00edssimo intervalo de tempo, principalmente se ponderado perante o par\u00e2metro de tempo da Hist\u00f3ria.<\/p>\n

A mensagem que isso transmite \u00e9 a de uma democracia ainda pouco consolidada. Composta por pol\u00edticos impossibilitados de governar a m\u00e9dio e longo prazo, seja por erros pr\u00f3prios ou pelas exig\u00eancias individualistas de uma popula\u00e7\u00e3o extremamente impaciente, incapaz de arcar com as consequ\u00eancias de um governo eleito democraticamente que n\u00e3o mais a agrada e que, por isso, pressiona seus governantes a agirem pensando apenas em aumentar sua popularidade no curto prazo para garantir a vit\u00f3ria nas pr\u00f3ximas elei\u00e7\u00f5es. Ou seja, h\u00e1 problemas nas expectativas, nos incentivos e nas a\u00e7\u00f5es tanto dos representantes quanto dos representados.<\/p>\n

Conclus\u00e3o<\/strong><\/p>\n

Diante de todo o exposto, \u00e9 poss\u00edvel concluirmos que:<\/p>\n

1) O impeachment \u00e9 uma op\u00e7\u00e3o vi\u00e1vel, resguardada constitucional e legalmente. Para se deflagrar o processo, basta que dois ter\u00e7os dos deputados federais decidam que algum ato da presidente da Rep\u00fablica se enquadra em alguma das vastas hip\u00f3teses de crime de responsabilidade. Ap\u00f3s deflagra\u00e7\u00e3o do processo, caber\u00e1 ao Senado julgar a presidente, necessitando de voto de dois ter\u00e7os de seus membros para confirmar a condena\u00e7\u00e3o. Se o impeachment se efetivar, o vice deve assumir. Caso este tamb\u00e9m seja impeachmado, dever\u00e3o ser convocadas novas elei\u00e7\u00f5es diretas, se o processo finalizar nos primeiros dois anos do mandato presidencial (at\u00e9 o final de 2016), ou indiretas, se o processo finalizar nos dois \u00faltimos anos (a partir de 2017). O presidente da C\u00e2mara dos Deputados n\u00e3o \u00e9 sucessor definitivo do presidente da Rep\u00fablica;<\/p>\n

2) A cassa\u00e7\u00e3o do mandato da presidente e do vice-presidente da Rep\u00fablica pelo TSE tamb\u00e9m \u00e9 uma op\u00e7\u00e3o juridicamente v\u00e1lida. Caso o Tribunal decida que houve abuso de poder econ\u00f4mico, compra de votos, recebimento de recursos il\u00edcitos ou quaisquer outras ilegalidades durante a campanha, poder\u00e1 declarar a nulidade dos votos. Se tal hip\u00f3tese se confirmar, o TSE ter\u00e1 de decidir se convoca novas elei\u00e7\u00f5es, adotando o novo dispositivo inclu\u00eddo no C\u00f3digo Eleitoral neste ano de 2015, ou se tenta invocar a anterioridade eleitoral e mant\u00e9m a jurisprud\u00eancia at\u00e9 ent\u00e3o utilizada e d\u00e1 posse ao segundo mais votado, Senador A\u00e9cio Neves. Se prevalecer o \u00faltimo entendimento por parte do TSE, a decis\u00e3o final acerca do tema, ap\u00f3s recurso, caber\u00e1 ao STF;<\/p>\n

3) Uma vez que a previs\u00e3o de impeachment \u00e9 constitucional, legal e s\u00f3 ocorrer\u00e1 se houver apoio da maior parte da popula\u00e7\u00e3o, em raz\u00e3o desta conduzir as a\u00e7\u00f5es dos parlamentares, n\u00e3o h\u00e1 que se falar em \u201cgolpismo\u201d. O tratamento legal e constitucional pouco objetivo acerca do crime de responsabilidade e do processo de impeachment deixa a cargo do Legislativo definir quando deve ocorrer a cassa\u00e7\u00e3o de um mandato presidencial, se tornando um equivalente manco, por\u00e9m semelhante, ao voto de desconfian\u00e7a, ou censura, previsto em regimes parlamentaristas, o que deixa o regime presidencialista nacional mais flex\u00edvel e \u00e1gil para responder \u00e0 opini\u00e3o p\u00fablica. Ocorre que os congressistas s\u00e3o guiados pela vontade do povo, que, muitas vezes, como nos mostra a Hist\u00f3ria, \u00e9 inconsequente e autocentrada. Logo, o pa\u00eds ter\u00e1 sua democracia e suas institui\u00e7\u00f5es pol\u00edticas cada vez mais fortalecidas \u00e0 medida que sua popula\u00e7\u00e3o passar a ser mais cr\u00edtica, tanto em rela\u00e7\u00e3o aos atos de seus governantes quanto aos seus pr\u00f3prios.<\/p>\n

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1<\/sup> Lei n\u00ba 1.079, de 1950, art. 23, \u00a7 5\u00ba.<\/p>\n

2<\/sup> A Lei, em seu art. 2\u00ba, fala em cinco anos. No entanto, esse trecho foi revogado pela Constitui\u00e7\u00e3o Federal\u00a0de 1988, que, no par\u00e1grafo \u00fanico de seu art. 52, afirmou que o impedimento \u00e9 de oito anos.<\/p>\n

3<\/sup>\u00a0Constitui\u00e7\u00e3o, art. 52, par\u00e1grafo \u00fanico, e Lei n\u00ba 1.079, de 1950, art. 80, par\u00e1grafo \u00fanico.<\/p>\n

4<\/sup> Ac\u00f3rd\u00e3o 21.320, relator Min. Luiz Carlos Madeira, 09. 11.2004.<\/p>\n

5<\/sup> Consulta 1.657\/PI, relator Mln. Eliana Calmon, 19.12.2008.<\/p>\n

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