{"id":2637,"date":"2015-10-13T09:27:40","date_gmt":"2015-10-13T12:27:40","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2637"},"modified":"2015-10-13T09:29:06","modified_gmt":"2015-10-13T12:29:06","slug":"o-que-a-economia-comportamental-tem-a-dizer-sobre-a-morte-do-pequeno-aylan","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2637","title":{"rendered":"O que a economia comportamental tem a dizer sobre a morte do pequeno Aylan?"},"content":{"rendered":"
Todos n\u00f3s somos expostos, com mais frequ\u00eancia do que gostar\u00edamos, a imagens de pessoas mortas em genoc\u00eddios, guerras, em fugas por ref\u00fagio, em ataques terroristas e noutros cen\u00e1rios de morte ou assassinatos coletivos. Estas imagens s\u00e3o terr\u00edveis com dezenas, centenas ou milhares de mortos, muitas vezes, amontoados. Sentimo-nos mal. Contudo, a verdade \u00e9 que, apesar do sofrimento, rapidamente recuperamos desse sentimento e, na maioria das vezes, pouco falamos sobre o assunto. A not\u00edcia corre na imprensa e pelas redes sociais, cria-se, de alguma forma, uma certa interpela\u00e7\u00e3o coletiva mas, logo depois, voltamos a ver principalmente fotos de pratos de comida e selfies<\/em> no Facebook.<\/p>\n Nos \u00faltimos dias, temos sido quotidianamente informados sobre um conjunto de mortes ocorridas durante o percurso de fuga de refugiados que, desesperadamente, tentam entrar no continente europeu. No in\u00edcio, as not\u00edcias eram tipicamente aquelas a que estamos habituados, ligadas a mortes coletivas como, por exemplo, o caso das dezenas de refugiados que morreram asfixiados dentro de um cami\u00e3o na \u00c1ustria. A maioria de n\u00f3s ficou triste, \u00e9 claro. E seguimos o roteiro, mais uma vez: sentimo-nos tristes por alguns momentos, tivemos alguma vontade potencial para ajudar, sentimo-nos tentados a doar algum dinheiro, mas, passadas algumas horas, come\u00e7amos a esquecer o assunto. Era, afinal, mais um caso tr\u00e1gico com muitos mortos, sem nomes e sem hist\u00f3rias espec\u00edficas. Neste tipo de caso pensamos mais no n\u00famero de mortos do que nas v\u00edtimas propriamente ditas.<\/p>\n De um dia para o outro, no entanto, houve uma reviravolta no sentimento das pessoas sobre a trag\u00e9dia e o sofrimento dos refugiados. As doa\u00e7\u00f5es aumentaram vertiginosamente, as ofertas para receber refugiados cresceram como nunca, os pol\u00edticos mostraram-se mais diligentes, e, de modo geral, a popula\u00e7\u00e3o tornou-se mais desperta para o problema e mais conectada afetivamente com a situa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Esta mudan\u00e7a dr\u00e1stica ocorreu por causa da triste hist\u00f3ria da crian\u00e7a que morreu afogada durante a busca por ref\u00fagio. Esta crian\u00e7a foi identificada como sendo o menino Aylan, que tinha 3 anos, vestia uma camisa\u00a0 vermelha e cal\u00e7\u00f5es azuis, que morreu afogado e foi encontrado e fotografado numa posi\u00e7\u00e3o de submiss\u00e3o ao seu sofrimento. Depois, soubemos que o irm\u00e3o e a m\u00e3e tinham, tamb\u00e9m, morrido nas mesmas condi\u00e7\u00f5es, mas o certo \u00e9 que nos interessamos muito menos por eles.<\/p>\n O leitor poder\u00e1 pensar que me encaminho para criticar a nossa \u201chipocrisia\u201d e a nossa suposta suscetibilidade a sermos manipulados pela imprensa. Afinal, nos \u00faltimos anos, temos sido bombardeados por imagens de milhares de pessoas mortas em situa\u00e7\u00f5es muito semelhantes, mas nunca antes mobilizamos tantos esfor\u00e7os como agora, depois do caso Aylan. Mas n\u00e3o, n\u00e3o pretendo acusar ningu\u00e9m de nada.<\/p>\n O que pretendo dizer \u00e9 que esta situa\u00e7\u00e3o pode ser explicada pela ci\u00eancia e pela economia comportamental atrav\u00e9s do \u201cEfeito da V\u00edtima Identific\u00e1vel\u201d, fen\u00f4meno descrito na \u00faltima d\u00e9cada por alguns cientistas e economistas comportamentais, como, por exemplo, pelos professores americanos Paul Slovic, George Lowenstein, Deborah Small e pela professora israelense Tehila Kogut. Os estudos sobre este efeito t\u00eam revelado uma grande assimetria na nossa tend\u00eancia para ajudar em casos de v\u00edtimas coletivas e em casos de v\u00edtimas identificadas. A trag\u00e9dia recente \u00e9 exemplar neste sentido. Lemos e fomos confrontados com imagens de dezenas e centenas de refugiados mortos, mas parece que acordamos para o assunto apenas depois do caso Aylan. Inequivocamente, a probabilidade de agirmos e de ajudarmos de alguma forma aumentou depois de termos tido acesso \u00e0 hist\u00f3ria de Aylan, cujas imagens correram o mundo, de modo viral.<\/p>\n O Efeito da V\u00edtima Identific\u00e1vel mostra-nos claramente como agimos nestas situa\u00e7\u00f5es. Tentando evidenciar o efeito de um ponto de vista cient\u00edfico, nas experi\u00eancias mais conhecidas, os participantes s\u00e3o separados em dois grupos diferentes e s\u00e3o desafiados a responder sobre situa\u00e7\u00f5es ligeiramente diferentes. Um dos grupos l\u00ea a hist\u00f3ria de milhares de crian\u00e7as que est\u00e3o em situa\u00e7\u00e3o de risco num pa\u00eds muito pobre e, logo a seguir, os participantes s\u00e3o questionados sobre quanto estariam dispostos a doar para ajudar. O outro grupo l\u00ea a hist\u00f3ria de uma crian\u00e7a identificada que est\u00e1 em situa\u00e7\u00e3o de risco no mesmo pa\u00eds e, logo a seguir, os participantes, tamb\u00e9m, s\u00e3o questionados sobre quanto estariam dispostos a doar para ajudar. Qual seria o resultado esperado? A maior parte das pessoas diria que, seguindo a cren\u00e7a de que somos agentes racionais, os participantes do grupo com milhares de v\u00edtimas doariam substancialmente mais do que os participantes do grupo com a v\u00edtima \u00fanica. No limite, poder-se-ia dizer que o valor da doa\u00e7\u00e3o seria o mesmo, pois as pessoas podem ter um valor para doa\u00e7\u00e3o e, quer seja para uma ou mil crian\u00e7as, doar\u00e3o o mesmo, pois \u00e9 o que t\u00eam dispon\u00edvel.<\/p>\n Contudo, o curioso \u00e9 que as coisas n\u00e3o ocorrem nada assim. Os participantes do grupo com os milhares de v\u00edtimas doam a metade<\/em> do valor dos participantes do grupo com a v\u00edtima \u00fanica e identificada. Para um adepto da cren\u00e7a de que os agentes econ\u00f4micos s\u00e3o racionais, este comportamento n\u00e3o faz sentido. No entanto, este \u00e9 o comportamento que sistem\u00e1tica e previsivelmente exibimos. Temos a clara tend\u00eancia para nos ligarmos afetivamente a casos \u00fanicos e identificados de modo substancialmente mais forte, do que a casos de trag\u00e9dias coletivas, com milhares de v\u00edtimas. Este efeito pode explicar a nossa passividade em casos de genoc\u00eddios e a nossa dilig\u00eancia em casos de uma v\u00edtima identificada na mesma condi\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Temos que ter consci\u00eancia que o Efeito da V\u00edtima Identific\u00e1vel pode ser utilizado para mobilizar as pessoas para boas ou m\u00e1s causas. Contudo, assumindo que os cientistas e economistas comportamentais seguem imperativos \u00e9ticos, podemos afirmar que este efeito abre um conjunto enorme de possibilidades para fazer o Bem. Algumas ONGs, por exemplo, j\u00e1 est\u00e3o conscientes disso e identificam o benefici\u00e1rio da doa\u00e7\u00e3o, aumentando, assim, as suas receitas e a dimens\u00e3o dos recursos afetos \u00e0s causas que representam.<\/p>\n O potencial de aplica\u00e7\u00e3o deste efeito \u00e9 grande. Podemos influenciar as decis\u00f5es das pessoas de modo muito eficaz, por exemplo, mudando a perspetiva do problema, identificando um sujeito do conjunto de v\u00edtimas ou benefici\u00e1rios. No caso espec\u00edfico dos refugiados, podemos aproveitar a onda para estabelecer compromisso mais fortes entre Estados e pessoas, enquanto durar o \u201cefeito Aylan\u201d. Obviamente, n\u00e3o podemos correr o risco da banaliza\u00e7\u00e3o, mas seria importante que a imprensa fosse sensibilizada para as possibilidades do efeito e, com mais frequ\u00eancia e de forma respons\u00e1vel, se interessasse por casos \u00fanicos e identificasse as v\u00edtimas. No fundo, que contasse uma hist\u00f3ria com a qual o p\u00fablico se pudesse identificar afetivamente e agir.<\/p>\n Deste modo, talvez consegu\u00edssemos criar e desenvolver uma percep\u00e7\u00e3o do sofrimento coletivo mais adequada e mais realista, criando condi\u00e7\u00f5es para uma a\u00e7\u00e3o, individual e coletiva, mais eficaz e mais consciente.<\/p>\n <\/p>\n Download:<\/strong><\/p>\n