{"id":2617,"date":"2015-09-30T09:37:43","date_gmt":"2015-09-30T12:37:43","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2617"},"modified":"2015-09-30T09:37:43","modified_gmt":"2015-09-30T12:37:43","slug":"podemos-justificar-o-fies-com-base-nas-falhas-do-mercado-de-credito","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2617","title":{"rendered":"Podemos justificar o Fies com base nas falhas do mercado de cr\u00e9dito?"},"content":{"rendered":"

A teoria econ\u00f4mica tradicional nos ensina que um ambiente perfeitamente competitivo e sem falhas de mercado gera uma situa\u00e7\u00e3o eficiente, definida como aquela em que n\u00e3o se pode melhorar a situa\u00e7\u00e3o de um agente econ\u00f4mico sem piorar a de outro (ou, no jarg\u00e3o econ\u00f4mico, um \u00f3timo de Pareto). O fato de os mercados competitivos e sem falhas de mercado gerarem uma situa\u00e7\u00e3o eficiente \u00e9 uma vis\u00e3o idealizada do sistema. Na realidade, entretanto, os pressupostos de concorr\u00eancia perfeita e aus\u00eancia de falhas de mercado s\u00e3o frequentemente violados na vida real, o que impede que ocorra uma aloca\u00e7\u00e3o que seja \u00f3tima de Pareto (sobre \u201cfalhas de mercado\u201d ver, neste site, o texto \u201cPor que o Governo deve Interferir na Economia?<\/a>\u201d).<\/p>\n

Neste artigo iremos discutir algumas dessas falhas no mercado de cr\u00e9dito, que impedem (ou dificultam) o atingimento de uma aloca\u00e7\u00e3o que seja Pareto-eficiente. A principal falha em quest\u00e3o \u00e9 a assimetria de informa\u00e7\u00f5es, ou seja, o emprestador n\u00e3o conhece bem as caracter\u00edsticas do potencial tomador de empr\u00e9stimo.<\/p>\n

A assimetria informacional pode ser vista sob duas perspectivas: sele\u00e7\u00e3o adversa\u00a0 e risco moral.<\/p>\n

O fen\u00f4meno da sele\u00e7\u00e3o adversa acontece porque os bancos n\u00e3o t\u00eam pleno conhecimento da capacidade de pagamento dos tomadores. Por exemplo, duas pessoas f\u00edsicas, que trabalham em uma mesma empresa e ocupam cargos semelhantes. Uma pode estar em vias de ser demitida e outra n\u00e3o. Ambos os funcion\u00e1rios conhecem (ou, pelo menos, t\u00eam uma no\u00e7\u00e3o razo\u00e1vel) de sua probabilidade de ser demitido, mas o banco n\u00e3o tem acesso a essa informa\u00e7\u00e3o e por isso n\u00e3o t\u00eam como selecionar o indiv\u00edduo que ter\u00e1 maior capacidade de pagamento de um empr\u00e9stimo no futuro pr\u00f3ximo. Podemos tamb\u00e9m utilizar um exemplo de dois microempres\u00e1rios, suponhamos duas padarias. Uma \u00e9 reconhecida em seu bairro pela boa qualidade do p\u00e3o que produz, a outra n\u00e3o: a boa padaria tem melhores perspectivas financeiras futuras, mas o banco n\u00e3o det\u00e9m essa informa\u00e7\u00e3o. O mesmo racioc\u00ednio \u00e9 v\u00e1lido para grandes empresas. A empresa conhece melhor que o banco emprestador os lan\u00e7amentos que pretende fazer nos pr\u00f3ximos anos ou a chance de ser bem sucedida em uma negocia\u00e7\u00e3o envolvendo a transfer\u00eancia de terrenos para a constru\u00e7\u00e3o da planta industrial.<\/p>\n

O problema de sele\u00e7\u00e3o adversa surge, portanto, da incapacidade de o banco conhecer bem o tomador do empr\u00e9stimo. J\u00e1 o risco moral, a segunda forma de assimetria de informa\u00e7\u00f5es que estamos analisando, deriva do fato de o tomador do empr\u00e9stimo passar a se comportar de forma diferente \u2013 e mais arriscada \u2013 justamente porque conseguiu o empr\u00e9stimo. Express\u00f5es como \u201cmuito grande para quebrar\u201d refletem uma situa\u00e7\u00e3o de livro-texto de risco moral. O tomador sabe que, se quebrar, poder\u00e1 criar uma cadeia de defaults<\/em>, com consequ\u00eancias desastrosas para a economia. Como o nome sugere, o risco moral nesse caso \u00e9 mais alto para grandes tomadores, sejam pa\u00edses ou grandes corpora\u00e7\u00f5es. Os bancos, cientes de que o n\u00e3o pagamento da d\u00edvida por parte desses tomadores pode gerar forte preju\u00edzo, acabam se sentindo obrigados a renegociar as condi\u00e7\u00f5es do financiamento.<\/p>\n

Mas o risco moral tamb\u00e9m envolve pequenos tomadores. Por exemplo, uma empresa est\u00e1 endividada e se defronta com duas alternativas de investimento. Uma pouco arriscada, mas com retorno baixo, e outra muito arriscada, mas com retorno elevado. Se utilizasse o capital pr\u00f3prio, a empresa poderia optar pela estrat\u00e9gia menos arriscada. Mas, se o capital \u00e9 de terceiros, ela pode optar pelo investimento mais arriscado pois, se ganhar, paga o empr\u00e9stimo e obt\u00e9m um lucro elevado, se perder, perde os recursos de outrem, que eventualmente ser\u00e3o cobrados em ju\u00edzo, mas n\u00e3o necessariamente pagos ou pagos com defasagem e de forma parcial, conforme decis\u00e3o judicial.<\/p>\n

Seja qual for a causa da informa\u00e7\u00e3o assim\u00e9trica, se sele\u00e7\u00e3o adversa ou risco moral, n\u00e3o h\u00e1 como um banco discriminar cada tomador, cobrando-lhe a taxa de juros de acordo com o risco espec\u00edfico que esse tomador traz. Sem conhecer bem o cliente, resta ao banco fixar a taxa de juros em conformidade com um risco m\u00e9dio, esperado para aquele tipo de cliente. Isso faz com que bons pagadores, que mereceriam pagar juros mais baixos, sejam onerados mais fortemente. Dependendo de qu\u00e3o elevado for esse custo extra, o bom pagador pode desistir de contrair o empr\u00e9stimo. No limite, o mercado de cr\u00e9dito ficaria s\u00f3 com os maus pagadores, que seriam aqueles dispostos a pagar taxas mais altas, pois j\u00e1 t\u00eam em mente que n\u00e3o v\u00e3o pagar o empr\u00e9stimo tomado. Mas essa n\u00e3o seria uma situa\u00e7\u00e3o de equil\u00edbrio, pois, se h\u00e1 somente maus pagadores, a taxa de juros deveria refletir o risco m\u00e1ximo. No limite, se h\u00e1 somente \u201cmaus pagadores\u201d para os quais o credor n\u00e3o consegue recuperar nada do valor emprestado, ent\u00e3o a taxa de juros deveria ser infinita, e o mercado de cr\u00e9dito deixaria de existir1<\/sup>. De uma forma geral, contudo, o mercado encontra uma taxa de juros de equil\u00edbrio, em que o pr\u00eamio de risco exigido pelo credor n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o elevado a ponto de afugentar os bons pagadores do mercado.<\/p>\n

Como resolver os problemas da sele\u00e7\u00e3o adversa e do risco moral? No caso da sele\u00e7\u00e3o adversa, um passo inicial \u00e9 tentar conhecer melhor o cliente. No caso de pessoas f\u00edsicas, os tomadores preenchem cadastros em que suas diversas caracter\u00edsticas \u2013 estado civil, posi\u00e7\u00e3o na ocupa\u00e7\u00e3o, tempo na atividade, tamanho da fam\u00edlia, idade, etc \u2013 s\u00e3o avaliadas e permitem ao credor inferir o risco de cr\u00e9dito associado \u00e0quele indiv\u00edduo. Para firmas, os credores podem analisar balan\u00e7os e contar com an\u00e1lises setoriais. Quanto maior for o tomador, maior ser\u00e1 o interesse do credor para analisar em profundidade as caracter\u00edsticas de quem est\u00e1 demandando cr\u00e9dito.<\/p>\n

Pesquisas cadastrais e outras formas de an\u00e1lise do tomador contribuem para reduzir, por\u00e9m n\u00e3o eliminar o problema da sele\u00e7\u00e3o adversa. Em primeiro lugar, porque h\u00e1 um trade-off<\/em>. Informa\u00e7\u00e3o custa dinheiro, portanto, h\u00e1 um limite de recursos que o credor est\u00e1 disposto a despender para obt\u00ea-las. A partir de determinado n\u00edvel, \u00e9 mais eficiente manter-se desinformado.<\/p>\n

Em segundo lugar, porque a habilidade de pagamento de um tomador depende de uma s\u00e9rie de fatores n\u00e3o mensur\u00e1veis, que dificilmente s\u00e3o capturados em question\u00e1rios. Anteriormente demos alguns exemplos de tais fatores, como a probabilidade de perder o emprego, a qualidade do produto ou a perspectiva de novos lan\u00e7amentos.<\/p>\n

Diante da incapacidade de resolver o problema de assimetria de informa\u00e7\u00f5es, a solu\u00e7\u00e3o para os credores vem com a exig\u00eancia de garantias. As institui\u00e7\u00f5es financeiras passam a solicitar, na maioria dos tipos de empr\u00e9stimos, garantias para uma futura perda da capacidade de pagamento dos tomadores. Quanto mais s\u00f3lida for a garantia, menor ser\u00e1 a taxa de juros cobrada.<\/p>\n

Esse procedimento, aliado a outros como securitiza\u00e7\u00e3o da d\u00edvida, cria mecanismos de prote\u00e7\u00e3o para o credor. Via de regra, \u00e9 solicitado do tomador de empr\u00e9stimo de 100% a 200% de garantias sobre o valor financiado. Se o empr\u00e9stimo \u00e9 para a aquisi\u00e7\u00e3o de um bem, normalmente este pr\u00f3prio bem \u00e9 a garantia, como exemplo a compra de um autom\u00f3vel, que, se n\u00e3o for pago, \u00e9 incorporado ao patrim\u00f4nio do credor.<\/p>\n

A garantia para um empr\u00e9stimo tomado pode ser pessoal ou real. Na garantia pessoal, um garantidor se comprometer\u00e1 em arcar com a d\u00edvida, caso o devedor principal n\u00e3o o fa\u00e7a. S\u00e3o exemplos de garantia pessoal: aval e fian\u00e7a. Na garantia real, o devedor apresenta um bem que poder\u00e1 ser vendido pelo credor caso haja o inadimplemento da d\u00edvida. S\u00e3o exemplos de garantia real: penhor, hipoteca, anticrese e aliena\u00e7\u00e3o fiduci\u00e1ria.<\/p>\n

A quest\u00e3o que se coloca \u00e9: o mercado \u00e9 capaz de encontrar solu\u00e7\u00f5es pareto-eficientes para resolver o problema da assimetria de informa\u00e7\u00f5es? A resposta \u00e9 negativa. Se a solu\u00e7\u00e3o via mercado envolve algum tipo de garantia, aqueles indiv\u00edduos ou empresa que s\u00e3o potencialmente bom pagadores podem ficar sem cr\u00e9dito se n\u00e3o dispuserem de garantias suficientes.<\/p>\n

Por isso, o Governo muitas vezes entra para oferecer cr\u00e9dito sem a exig\u00eancia de garantias ou com garantias menores do que as que seriam pedidas pelo mercado. Isso seria uma t\u00edpica interven\u00e7\u00e3o p\u00fablica para corrigir uma falha de mercado: a incapacidade do mercado privado de conceder cr\u00e9dito para bom pagador que n\u00e3o disponha de garantias para oferecer. Vamos analisar, como exemplo, o problema do cr\u00e9dito estudantil.<\/p>\n

V\u00e1rios pa\u00edses adotam programas de cr\u00e9dito subsidiado para estudantes que, por estarem em uma fase da vida em que n\u00e3o produzem renda, ou t\u00eam empregos de tempo parcial, n\u00e3o contam com garantias a oferecer. Ademais, tendo em vista que a eleva\u00e7\u00e3o do capital humano decorrente dos estudos elevar\u00e1 a renda futura do indiv\u00edduo, sup\u00f5e-se que ele ser\u00e1 capaz de, no futuro, pagar o empr\u00e9stimo que financiar\u00e1 seus estudos.<\/p>\n

No Brasil, o FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) concede cr\u00e9dito estudantil em condi\u00e7\u00f5es bastante privilegiadas. At\u00e9 2015, a taxa de juros era de 3,4% a.a, com per\u00edodo de car\u00eancia de 18 meses ap\u00f3s a conclus\u00e3o do curso e o per\u00edodo de amortiza\u00e7\u00e3o era de tr\u00eas vezes o per\u00edodo de dura\u00e7\u00e3o regular do curso, acrescido de doze meses. A partir do segundo semestre de 2015, a taxa de juros subiu para 6,5% ao ano. Mesmo essa taxa \u00e9 extremamente baixa se considerada a taxa Selic, atualmente em mais de 14% a.a. e a infla\u00e7\u00e3o, que nos \u00faltimos anos t\u00eam se situado em torno de 6% anuais, sendo que, em 2015, provavelmente ultrapassar\u00e1 os 9%.<\/p>\n

A quest\u00e3o que se coloca \u00e9, com base nas falhas de mercado, justifica-se a concess\u00e3o de cr\u00e9dito subsidiado para a educa\u00e7\u00e3o superior? Usualmente os estudantes s\u00e3o jovens e n\u00e3o possuem ativos para oferecer como garantia. A \u00fanica garantia que poderiam oferecer \u00e9 o pr\u00f3prio trabalho (futuro). V\u00e1rios pa\u00edses (incluindo o Brasil), entretanto, imp\u00f5em restri\u00e7\u00f5es legais para o indiv\u00edduo comprometer parte da renda futura para pagamento de d\u00edvidas. Al\u00e9m de restri\u00e7\u00f5es legais, comprometer a renda futura pode gerar incentivos incorretos, por quest\u00f5es de risco moral: o indiv\u00edduo tender\u00e1 a preferir ocupa\u00e7\u00f5es por conta pr\u00f3pria ou outras em que a verifica\u00e7\u00e3o da renda \u00e9 mais dif\u00edcil de ser verificada.<\/p>\n

Diante das restri\u00e7\u00f5es institucionais e do risco moral, \u00e9 justific\u00e1vel criar programas de cr\u00e9dito educativo? Que caracter\u00edsticas do mercado de educa\u00e7\u00e3o o tornariam diferente do mercado de cr\u00e9dito para adquirir outros bens ou servi\u00e7os? Nos outros mercados, de venda de sapatos, m\u00f3veis ou pacotes tur\u00edsticos tamb\u00e9m h\u00e1 assimetria de informa\u00e7\u00f5es. Por que, via de regra, n\u00e3o se advogam interven\u00e7\u00f5es governamentais no mercado de m\u00f3veis e utens\u00edlios dom\u00e9sticos, por exemplo2<\/sup>?<\/p>\n

H\u00e1 algumas respostas para isso. Em primeiro lugar, o risco de cr\u00e9dito pode ser excessivamente alto para o financiamento estudantil (aus\u00eancia de garantias, longo prazo para pagamento, dificuldade de conhecer melhor o tomador), a ponto de inviabilizar o mercado. No caso dos m\u00f3veis, o conjunto de tomadores de cr\u00e9dito \u00e9 formado por indiv\u00edduos sobre os quais \u00e9 poss\u00edvel inferir com maior acur\u00e1cia a probabilidade de default<\/em>. S\u00e3o pessoas j\u00e1 inseridas no mercado de trabalho, que j\u00e1 possuem alguns bens, j\u00e1 h\u00e1 um hist\u00f3rico de adimpl\u00eancia, etc. Ou seja, a assimetria de informa\u00e7\u00e3o \u00e9 substancialmente menor para os demais mercados, tornando mais prov\u00e1vel haver uma taxa de juros que o equilibre.<\/p>\n

Em segundo lugar, observe-se que a interfer\u00eancia governamental n\u00e3o contribui para reduzir o risco. O que a interfer\u00eancia do governo consegue fazer, no m\u00e1ximo, \u00e9 transferir o risco, do pool <\/em>de tomadores para outrem (mais especificamente, para os contribuintes de uma forma geral). No caso do mercado de m\u00f3veis de nosso exemplo, \u00e9 dif\u00edcil encontrar justificativa para transferir para o contribuinte a responsabilidade pelo pagamento do risco de cr\u00e9dito.<\/p>\n

J\u00e1 para a educa\u00e7\u00e3o, argumentos baseados em igualdade de oportunidades e externalidades positivas geradas pela educa\u00e7\u00e3o podem ser facilmente utilizados.<\/p>\n

Desse racioc\u00ednio, temos a terceira justificativa para a cria\u00e7\u00e3o de programas de cr\u00e9dito educativo. O mercado financeiro pode ser pouco competitivo, levando a uma taxa de juros muito alta. Em pa\u00edses com forte concentra\u00e7\u00e3o de renda, como o Brasil, a educa\u00e7\u00e3o tende a oferecer uma taxa de retorno muito mais elevada do que a taxa b\u00e1sica da economia. Se o mercado financeiro for pouco competitivo, os estudantes estariam dispostos a pagar at\u00e9 o limite do retorno obtido com a educa\u00e7\u00e3o. Nesse caso, contudo, todo o incremento de renda que obteriam em fun\u00e7\u00e3o de fazer um curso superior seria apropriado pelo sistema financeiro. O governo, ao oferecer cr\u00e9dito subsidiado (digamos, cobrando taxa de juros igual \u00e0 Selic), est\u00e1, em verdade, dando ao estudante o valor presente correspondente \u00e0 diferen\u00e7a entre o retorno que obt\u00e9m com os anos a mais de estudo e a taxa Selic. Novamente, argumentos de igualdade de oportunidade podem justificar essa pol\u00edtica.<\/p>\n

Observe-se que essa pol\u00edtica n\u00e3o sai de gra\u00e7a para o contribuinte. Quanto maior for o volume de cr\u00e9dito subsidiado, maior o endividamento do governo e, portanto, maior dever\u00e1 ser a taxa Selic. Na pr\u00e1tica, o impacto sobre a taxa Selic deve ser marginal, mas como esse impacto incide sobre toda a d\u00edvida p\u00fablica, o valor do subs\u00eddio pode n\u00e3o ser t\u00e3o insignificante. Mesmo assim, a sociedade pode estar disposta a pag\u00e1-lo, em nome da igualdade de oportunidades e do aumento do capital humano, que aumentar\u00e1 a produtividade futura da economia.<\/p>\n

Em quarto lugar, tomar empr\u00e9stimos envolve riscos. Um tomador mais avesso ao risco pode optar por n\u00e3o se financiar (e n\u00e3o estudar), mesmo que seja, potencialmente, um excelente aluno. Mais uma vez, pode-se utilizar o argumento de igualdade de oportunidades: avers\u00e3o ao risco \u00e9 uma boa justificativa para negar a algu\u00e9m o acesso \u00e0 universidade?<\/p>\n

Pode-se, portanto, construir argumentos defendendo a interven\u00e7\u00e3o governamental no mercado de cr\u00e9dito educativo. A quest\u00e3o seguinte \u00e9: uma vez garantida a oferta de cr\u00e9dito, qual deve ser a taxa de juros? Cabe pensar em subs\u00eddio? Deve-se embutir um pr\u00eamio pelo risco?<\/p>\n

Se pensarmos exclusivamente sobre a quest\u00e3o do cr\u00e9dito, o ponto de partida deve ser a taxa b\u00e1sica de juros da economia. Se o retorno privado do investimento em educa\u00e7\u00e3o for inferior ao da taxa b\u00e1sica de juros da economia, ent\u00e3o n\u00e3o deveria haver financiamento. Essa conclus\u00e3o pode ser alterada caso se entenda que a educa\u00e7\u00e3o superior gera externalidades suficientemente elevadas, de forma que o retorno social da educa\u00e7\u00e3o seja superior \u00e0 taxa de juros da economia, ainda que o retorno privado seja menor. \u00c9 reconhecido que educa\u00e7\u00e3o traz externalidades, embora elas sejam mais elevadas para os n\u00edveis iniciais de ensino, enquanto o cr\u00e9dito educativo concentra-se no ensino superior.<\/p>\n

O subs\u00eddio atual do Fies (mensurado como a diferen\u00e7a entre a taxa Selic e a taxa de juros cobrada dos participantes do programa), em torno de 8% ao ano, parece ser bastante elevado, muito acima do que seria justific\u00e1vel pelas externalidades3<\/sup>. \u00c9 claro que n\u00e3o se pode descartar a exist\u00eancia de externalidades significativas, mas, diante da magnitude dos valores, entendemos que o subs\u00eddio n\u00e3o deveria ser concedido sem um estudo mais aprofundado sobre a relev\u00e2ncia das externalidades geradas.<\/p>\n

N\u00e3o se pode tamb\u00e9m descartar a possibilidade de se fixarem taxas diferenciadas, com custo mais baixo para cursos em que, por alguma idiossincrasia qualquer, gere mais externalidades do que outros. Alternativamente, pode n\u00e3o ser necess\u00e1rio conceder subs\u00eddios para cursos que geram alto retorno privado, mesmo que gerem externalidades relevantes. Nesse caso, a demanda pelos cursos seria relativamente inel\u00e1stica aos subs\u00eddios.<\/p>\n

Partindo da Selic como base, a segunda quest\u00e3o que se coloca \u00e9 o pr\u00eamio de risco. Quem deve pagar pelo risco, o tomador do empr\u00e9stimo ou o contribuinte? Para responder a essa pergunta, devemos dividir o risco em dois grupos: os riscos idiossincr\u00e1ticos e os n\u00e3o idiossincr\u00e1ticos.<\/p>\n

Os riscos n\u00e3o idiossincr\u00e1ticos s\u00e3o aqueles que s\u00e3o comuns a todos os tomadores de cr\u00e9dito e est\u00e3o fora do controle do indiv\u00edduo. Por exemplo, o estudante pode vir a falecer antes de poder pagar o empr\u00e9stimo. A economia pode entrar em colapso durante o per\u00edodo de amortiza\u00e7\u00e3o. A profiss\u00e3o associada \u00e0 forma\u00e7\u00e3o escolhida pode se tornar obsoleta. Do ponto de vista social, o custo do financiamento deve ser entendido como o custo da taxa b\u00e1sica da economia acrescido do risco n\u00e3o idiossincr\u00e1tico. Por esse motivo, s\u00e3o os estudantes que deveriam pagar por esse risco. Do contr\u00e1rio, a sociedade estaria financiando uma atividade que, do ponto de vista social, traria menos retorno do que o valor investido.<\/p>\n

Em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 aloca\u00e7\u00e3o dos riscos idiossincr\u00e1ticos, a resposta depender\u00e1 das prefer\u00eancias da sociedade. Riscos idiossincr\u00e1ticos s\u00e3o aqueles que decorrem da capacidade de o indiv\u00edduo pagar o empr\u00e9stimo em decorr\u00eancia de caracter\u00edsticas pessoais. Essas caracter\u00edsticas envolvem habilidades natas e adquiridas, atitudes em rela\u00e7\u00e3o ao trabalho, disposi\u00e7\u00e3o para honrar compromissos, etc.<\/p>\n

A forma mais simples de entender como se processaria o pagamento pelos riscos \u00e9 imaginar que h\u00e1 um fundo, que faz um chamamento de recursos sempre que uma presta\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 paga. Os recursos desse fundo podem ser aportados pelos tomadores ou pelo Tesouro. No primeiro caso, dizemos que o risco idiossincr\u00e1tico \u00e9 pago pelos participantes do Fies. No segundo caso, pelos contribuintes. Conforme explicamos anteriormente, se os riscos forem n\u00e3o idiossincr\u00e1ticos, entendemos que s\u00e3o os participantes do Fies que devem fazer os aportes necess\u00e1rios. E para os riscos idiossincr\u00e1ticos?<\/p>\n

Para facilitar a resposta a essa pergunta, podemos reformul\u00e1-la da seguinte forma: quem deve pagar pelo mau pagador, o bom pagador ou o contribuinte?<\/p>\n

A resposta pode n\u00e3o ser simples. Suponhamos que a sociedade seja dividida entre pobres e ricos, sendo que somente esses \u00faltimos pagariam impostos. Os pobres n\u00e3o teriam acesso \u00e0 universidade se n\u00e3o dispuserem de cr\u00e9dito educativo. \u00c9 justo exigir do pobre bom pagador que arque com os custos do pobre que n\u00e3o \u00e9 bom pagador? Por outro lado, \u00e9 justo exigir dos ricos que paguem os custos do pobre que n\u00e3o \u00e9 bom pagador?<\/p>\n

\u00c9 bom lembrar que, dado o ambiente de informa\u00e7\u00e3o incompleta, necessariamente algu\u00e9m arcar\u00e1 com os custos do pobre mau pagador. No exemplo dado, n\u00e3o necessariamente \u00e9 melhor que os ricos paguem. Por exemplo, os impostos j\u00e1 podem estar sendo utilizados para pagamento de outros programas sociais considerados mais priorit\u00e1rios, como apoio \u00e0 educa\u00e7\u00e3o b\u00e1sica ou transfer\u00eancias de renda. O pobre bom pagador pode ter, inclusive, j\u00e1 se beneficiado de um desses programas.<\/p>\n

N\u00e3o \u00e9 nosso objetivo sugerir quem deve arcar com o risco idiossincr\u00e1tico. Mas deveria haver transpar\u00eancia em rela\u00e7\u00e3o a isso. Em dezembro de 2014, o banco Morgan Stanley divulgou relat\u00f3rio afirmando que a inadimpl\u00eancia do Fies estava em torno de 10%, mas poderia chegar a 27% em 20174<\/sup>. O governo contestou os n\u00fameros e afirmou que a inadimpl\u00eancia estava em torno de 3% ou 4%5<\/sup>. Independentemente dos n\u00fameros exatos, \u00e9 importante avaliar melhor qual o n\u00edvel de inadimpl\u00eancia do Fies e como ele deve ser alocado. Tamb\u00e9m entendemos que, independentemente de como \u00e9 feita a aloca\u00e7\u00e3o de riscos, o subs\u00eddio embutido nas taxas de financiamento do Fies nos parece excessivamente generoso. Certamente os 6,5% ao ano atualmente cobrados s\u00e3o muito inferiores \u00e0 taxa Selic esperada para a m\u00e9dia dos pr\u00f3ximos 10 ou 15 anos (prazo de dura\u00e7\u00e3o dos contratos) ajustada pelo risco n\u00e3o idiossincr\u00e1tico.<\/p>\n

Por fim, h\u00e1 que se considerar quem efetivamente se beneficia do subs\u00eddio credit\u00edcio. Um programa que ofere\u00e7a um grande volume de cr\u00e9dito elevar\u00e1 a demanda por cr\u00e9dito educativo e, consequentemente, por matr\u00edculas em universidades privadas. Esse aumento de demanda pode resultar em eleva\u00e7\u00e3o dos valores reais das mensalidades. O resultado seria a apropria\u00e7\u00e3o, pelas escolas privadas, do subs\u00eddio credit\u00edcio, via mensalidades mais elevadas. O forte aumento das cota\u00e7\u00f5es em bolsa dos principais grupos empresariais ao longo da primeira fase do Fies, e o desabamento dessas cota\u00e7\u00f5es quando dos cortes or\u00e7ament\u00e1rios implementados em 2014-15, indica que a possibilidade de captura do subs\u00eddio pelas escolas n\u00e3o \u00e9 mera especula\u00e7\u00e3o intelectual. Assim, um programa de cr\u00e9dito educativo deve se preocupar, tamb\u00e9m, em n\u00e3o adquirir dimens\u00f5es que afetem os pre\u00e7os praticados no mercado de educa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

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1<\/sup>A situa\u00e7\u00e3o de default<\/em> total \u00e9 extrema. Muitas vezes o mau pagador \u00e9 somente aquele que atrasa as presta\u00e7\u00f5es ou que renegocia os d\u00e9bitos, permitindo que o credor recupere parte substancial do capital empatado.<\/p>\n

2<\/sup>Em verdade, o Programa Minha Casa Melhor, extinto no final de 2014, financiava, a juros subsidiados, itens de mobili\u00e1rio e eletroeletr\u00f4nicos. Poucos analistas, contudo, consideram que aquele programa era justific\u00e1vel.<\/p>\n

3<\/sup> Em verdade, o c\u00e1lculo correto do subs\u00eddio deveria considerar a diferen\u00e7a entre os 6,5% a.a. que o Fies cobra e a taxa Selic durante toda a vig\u00eancia do contrato, e n\u00e3o somente o valor atual. Ainda que o subs\u00eddio possa a vir cair no futuro, \u00e9 pouco prov\u00e1vel que a taxa Selic fique abaixo de 6,5% ao ano nos pr\u00f3ximos dez anos.<\/p>\n

4<\/sup> Vide reportagem sobre o tema em: http:\/\/zh.clicrbs.com.br\/rs\/noticias\/noticia\/2014\/12\/uma-sombra-sobre-o-fies-banco-afirma-que-inadimplentes-aumentaram-mas-mec-contesta-4671429.html<\/a> .<\/p>\n

5<\/sup> Vide reportagem: http:\/\/educacao.uol.com.br\/noticias\/agencia-estado\/2014\/09\/26\/mec-rejeita-hipotese-de-alta-inadimplencia-no-fies.htm<\/a><\/p>\n

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