{"id":2614,"date":"2015-09-28T09:07:29","date_gmt":"2015-09-28T12:07:29","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2614"},"modified":"2015-10-01T09:56:20","modified_gmt":"2015-10-01T12:56:20","slug":"os-desafios-para-sair-da-crise","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2614","title":{"rendered":"Os desafios para sair da crise"},"content":{"rendered":"

O Brasil enfrenta uma grave crise econ\u00f4mica, refletida no recente rebaixamento de sua nota de cr\u00e9dito. A progressiva desacelera\u00e7\u00e3o da economia nos \u00faltimos quatro anos se transformou em uma profunda recess\u00e3o. Desde 2011 interrompeu-se a redu\u00e7\u00e3o na desigualdade de renda e a melhoria na qualidade de vida das fam\u00edlias mais pobres, observados durante a d\u00e9cada de 2000. A piora da economia amea\u00e7a reverter os avan\u00e7os sociais dos \u00faltimos 20 anos.<\/p>\n

A crise econ\u00f4mica tem como contraparte a crise pol\u00edtica. Diversos projetos aprovados no Congresso minaram o ajuste fiscal. Os severos problemas financeiros e criminais nas\u00a0 empresas estatais adicionam inj\u00faria ao grave momento do pa\u00eds.<\/p>\n

Para al\u00e9m dos problemas fiscais de curto prazo, agravados pela gest\u00e3o da pol\u00edtica econ\u00f4mica nos \u00faltimos anos, o Brasil tem um problema estrutural de crescimento das despesas p\u00fablicas e de estagna\u00e7\u00e3o da produtividade. Se estas quest\u00f5es n\u00e3o forem resolvidas, n\u00e3o haver\u00e1 como retomar o crescimento em bases sustent\u00e1veis.<\/p>\n

Os problemas que o Brasil enfrenta hoje decorrem da incapacidade do pa\u00eds de reconhecer seus limites e de fazer escolhas, buscando acomodar as demandas dos diferentes grupos sociais que, quando agregadas, ultrapassam os recursos p\u00fablicos dispon\u00edveis. Agravando o quadro, as regras existentes conduzem a um crescimento das despesas p\u00fablicas maior que o crescimento da renda nacional no longo prazo.<\/p>\n

A quest\u00e3o central para o pa\u00eds n\u00e3o \u00e9 um eventual ajuste fiscal de curto prazo. Se a trajet\u00f3ria de aumento das despesas n\u00e3o for revertida e a produtividade n\u00e3o aumentar, teremos uma economia com baixo crescimento, recorrente press\u00e3o inflacion\u00e1ria, juros elevados e a necessidade de aumento cont\u00ednuo da carga tribut\u00e1ria para evitar a insolv\u00eancia no pagamento da d\u00edvida p\u00fablica. Essa trajet\u00f3ria \u00e9 insustent\u00e1vel.<\/p>\n

Este artigo prop\u00f5e medidas voltadas para a supera\u00e7\u00e3o do impasse econ\u00f4mico, estando organizado em dois blocos: sustentabilidade fiscal e aumento da produtividade.<\/p>\n

I – Sustentabilidade Fiscal<\/strong><\/p>\n

A crise fiscal n\u00e3o \u00e9 recente nem passageira. Desde 1991, as despesas p\u00fablicas t\u00eam crescido mais do que o PIB, passando de 11% para 19% do PIB em 2014, sendo que mais de dois ter\u00e7os deste crescimento deveu-se ao aumento das despesas da previd\u00eancia e assist\u00eancia social (ver Gr\u00e1fico 1).<\/p>\n

Gr\u00e1fico 1. Despesas prim\u00e1rias da Uni\u00e3o (% do PIB)<\/em><\/p>\n

\"img_2614_1\"<\/a><\/p>\n

Essa trajet\u00f3ria \u00e9 agravada pelo aumento, em per\u00edodos de crescimento econ\u00f4mico, de despesas vinculadas \u00e0 receita, como sa\u00fade e educa\u00e7\u00e3o, que n\u00e3o podem ser ajustadas em per\u00edodos de desacelera\u00e7\u00e3o. O mesmo ocorre com os gastos com pessoal: a contrata\u00e7\u00e3o de funcion\u00e1rios e os aumentos de sal\u00e1rios em per\u00edodos de expans\u00e3o n\u00e3o t\u00eam como contrapartida a sua redu\u00e7\u00e3o em momentos de crise. Atualmente cerca de 90% do or\u00e7amento federal n\u00e3o pode ser ajustado em decorr\u00eancia de restri\u00e7\u00f5es legais (ver Tabela 1).<\/p>\n

Tabela 1. Principais despesas r\u00edgidas do or\u00e7amento federal<\/em><\/p>\n

\"img_2614_2\"<\/a><\/p>\n

A situa\u00e7\u00e3o \u00e9 semelhante nos Estados e Munic\u00edpios. De cada R$ 100,00 arrecadados de ICMS em um Estado t\u00edpico, R$ 62,50 j\u00e1 est\u00e3o vinculados a alguma despesa e, do que resta, a maior parte destina-se a despesas de pessoal.<\/p>\n

O ajuste das contas p\u00fablicas em per\u00edodos de retra\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica acaba inevitavelmente sendo feito por aumento de tributos e corte dos investimentos. De 1991 a 2014, a carga tribut\u00e1ria brasileira passou de 24% para 34% do PIB (Gr\u00e1fico 2), sendo entre 5 a 15 pontos percentuais superior \u00e0 da maioria dos pa\u00edses emergentes.<\/p>\n

Na d\u00e9cada de 2000, a arrecada\u00e7\u00e3o tribut\u00e1ria teve um crescimento excepcional sobretudo em decorr\u00eancia da alta do pre\u00e7o das commodities<\/em> e do processo de formaliza\u00e7\u00e3o do mercado de trabalho, o que permitiu acomodar a expans\u00e3o das despesas. Esse ciclo, por\u00e9m, encerrou-se.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 2. Carga tribut\u00e1ria (% do PIB)<\/em><\/p>\n

\"img_2614_3\"<\/a><\/p>\n

Parte do aumento das despesas nos \u00faltimos anos beneficiou a popula\u00e7\u00e3o de menor renda, como \u00e9 o caso do Bolsa Fam\u00edlia e da universaliza\u00e7\u00e3o do acesso \u00e0 educa\u00e7\u00e3o fundamental. Por\u00e9m, muitos dos benef\u00edcios concedidos pelo setor p\u00fablico, e ampliados nos \u00faltimos anos, s\u00e3o destinados a grupos com renda entre os 10% mais ricos, agravando a desigualdade ao inv\u00e9s de reduzi-la, al\u00e9m de serem insustent\u00e1veis no longo prazo. Esse \u00e9 o caso das aposentadorias precoces para pessoas com pouco mais de 50 anos de idade, que beneficia a classe m\u00e9dia alta urbana, e do cr\u00e9dito subsidiado a empresas selecionadas. Gasta-se com benef\u00edcios individuais e relegam-se as pol\u00edticas que geram benef\u00edcio coletivo, como \u00e9 o caso do investimento em infraestrutura, que n\u00e3o ultrapassa 2% do PIB.<\/p>\n

O ajuste das contas p\u00fablicas requer que a sua gest\u00e3o seja compat\u00edvel com o crescimento do pa\u00eds, com um n\u00edvel aceit\u00e1vel para a carga tribut\u00e1ria e a sustentabilidade da rela\u00e7\u00e3o d\u00edvida\/PIB, o que implica: (i) reduzir a rigidez e o car\u00e1ter pr\u00f3-c\u00edclico das despesas p\u00fablicas; (ii) rever as regras de concess\u00e3o de benef\u00edcios previdenci\u00e1rios e assistenciais; (iii) refor\u00e7ar as regras e institui\u00e7\u00f5es de responsabilidade fiscal.<\/p>\n

Redu\u00e7\u00e3o da rigidez e do car\u00e1ter pr\u00f3-c\u00edclico do gasto<\/strong><\/p>\n

As regras de vincula\u00e7\u00e3o do gasto devem ser reformuladas de modo a permitir que parte das receitas auferidas em per\u00edodos de crescimento seja poupada para financiar as despesas nos momentos de retra\u00e7\u00e3o. As vincula\u00e7\u00f5es de receita poderiam ser calculadas tendo por base a receita m\u00e9dia de v\u00e1rios anos, permitindo diluir as flutua\u00e7\u00f5es c\u00edclicas, ou, ainda, substitu\u00eddas por um crit\u00e9rio de valor m\u00ednimo, como o gasto do ano anterior, corrigido pela infla\u00e7\u00e3o. A meta de resultado prim\u00e1rio para a Uni\u00e3o deveria ser ajustada pelo ciclo econ\u00f4mico, enquanto, para os Estados e Munic\u00edpios, deveria ser exigida uma amortiza\u00e7\u00e3o maior da d\u00edvida na fase de crescimento, de forma a permitir o aumento da d\u00edvida em per\u00edodos de desacelera\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Previd\u00eancia e assist\u00eancia<\/strong><\/p>\n

As despesas com benef\u00edcios previdenci\u00e1rios e assistenciais correspondem a mais da metade das despesas prim\u00e1rias federais, com uma trajet\u00f3ria de crescimento insustent\u00e1vel nos pr\u00f3ximos anos, em decorr\u00eancia do envelhecimento da popula\u00e7\u00e3o e do aumento real do sal\u00e1rio m\u00ednimo.<\/p>\n

Para reverter esta trajet\u00f3ria \u00e9 preciso, em primeiro lugar, substituir progressivamente o atual regime de aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o (no qual os homens se aposentam em m\u00e9dia com 55 anos e as mulheres com 52 anos) por um regime em que se exija uma idade m\u00ednima de aposentadoria, a exemplo do que fazem os demais pa\u00edses (ver Tabela 2).<\/p>\n

Tabela 2. Idade de aposentadoria em pa\u00edses selecionados<\/em><\/p>\n

\"img_2614_4\"<\/a><\/p>\n

Em segundo lugar, \u00e9 preciso completar a mudan\u00e7a do regime de pens\u00f5es por morte, iniciada este ano, estabelecendo que as pens\u00f5es devem ser reduzidas \u00e0 medida que diminua o n\u00famero de pessoas dependentes da pens\u00e3o, seguindo o padr\u00e3o internacional.<\/p>\n

Por fim, deve-se estabelecer uma distin\u00e7\u00e3o entre os benef\u00edcios previdenci\u00e1rios \u2013 cujo valor deve ser proporcional \u00e0s contribui\u00e7\u00f5es realizadas \u2013 e os assistenciais, que devem ser desvinculados do sal\u00e1rio m\u00ednimo e concedidos para pessoas com idade mais elevada que a da aposentadoria por contribui\u00e7\u00e3o. N\u00e3o se deve conceder benef\u00edcios assistenciais equivalentes ou melhores que os benef\u00edcios previdenci\u00e1rios, sob pena de desestimular a contribui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

O Brasil pode garantir renda m\u00ednima aos idosos, incluindo quem n\u00e3o pode contribuir para a previd\u00eancia, mas n\u00e3o deve conceder benef\u00edcios assistenciais cujo custo \u00e9 insustent\u00e1vel no longo prazo. N\u00e3o se trata de revogar direitos adquiridos nem de fazer uma transi\u00e7\u00e3o precipitada, mas sim de corrigir distor\u00e7\u00f5es que t\u00eam um elevado custo fiscal.<\/p>\n

Regras e institui\u00e7\u00f5es de responsabilidade fiscal<\/strong><\/p>\n

Depois de 15 anos da sua promulga\u00e7\u00e3o, ainda n\u00e3o foram regulamentados ou postos em pr\u00e1tica dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), como, por exemplo, o art. 17, que estabelece a exig\u00eancia de fontes de financiamento adequadas como pr\u00e9-condi\u00e7\u00e3o \u00e0 cria\u00e7\u00e3o de novas despesas obrigat\u00f3rias de car\u00e1ter continuado. Nos \u00faltimos anos, diversas medidas com impacto fiscal no longo prazo foram tomadas sem a contrapartida de recursos \u2013 como, por exemplo a aprova\u00e7\u00e3o pelo Congresso da regra 85\/95 para a previd\u00eancia ou a amplia\u00e7\u00e3o de cr\u00e9ditos do BNDES, cujos subs\u00eddios dever\u00e3o custar R$ 184 bilh\u00f5es ao Tesouro nas pr\u00f3ximas d\u00e9cadas.<\/p>\n

Deve-se, igualmente, implantar o Conselho de Gest\u00e3o Fiscal (CGF) com um n\u00famero menor de conselheiros que o previsto na LRF, para torn\u00e1-lo operacional. O CGF tem como objetivo padronizar os crit\u00e9rios de contabilidade p\u00fablica para os diversos entes da Federa\u00e7\u00e3o. Se j\u00e1 estivesse em funcionamento, teria evitado diversas manobras cont\u00e1beis que distorceram a an\u00e1lise das contas p\u00fablicas, tanto \u00a0da Uni\u00e3o (como no uso de bancos p\u00fablicos para financiar o Tesouro), quanto dos Estados e Munic\u00edpios (via oculta\u00e7\u00e3o de despesa de pessoal \u00a0ou c\u00e1lculos criativos do resultado prim\u00e1rio).<\/p>\n

Cabe rever a legisla\u00e7\u00e3o que regula o processo or\u00e7ament\u00e1rio, hoje consolidada na Lei n\u00ba 4.320\/1964, aperfei\u00e7oando, sobretudo, os m\u00e9todos de estima\u00e7\u00e3o da receita, usualmente superestimada, e das regras de execu\u00e7\u00e3o da despesa \u2013 geradora recorrente de crescentes restos a pagar. Adicionalmente, deve-se criar uma entidade fiscal independente \u2013 como existe em v\u00e1rios pa\u00edses \u2013 com a atribui\u00e7\u00e3o de fazer proje\u00e7\u00f5es de receitas, despesas e d\u00edvida p\u00fablica, e avaliar tanto a consist\u00eancia fiscal do or\u00e7amento, quanto das pol\u00edticas p\u00fablicas que exijam elevados gastos por muitos anos.<\/p>\n

Os limites de despesa de pessoal e endividamento para Estados e Munic\u00edpios deveriam ser revistos, de modo a torn\u00e1-los mais compat\u00edveis com a trajet\u00f3ria de longo prazo das contas p\u00fablicas, e menos determinados pelo comportamento de curto prazo da arrecada\u00e7\u00e3o. Al\u00e9m disso, deveria ser institu\u00eddo um limite para o endividamento da Uni\u00e3o.<\/p>\n

Por fim, caberia regulamentar o direito de greve no setor p\u00fablico, previsto na Constitui\u00e7\u00e3o. A estabilidade no emprego e a n\u00e3o responsabiliza\u00e7\u00e3o por greves abusivas ou pela interrup\u00e7\u00e3o inclusive de servi\u00e7os essenciais tem resultado em longas e sucessivas paralisa\u00e7\u00f5es, permitindo aumentos reais de remunera\u00e7\u00e3o incompat\u00edveis com a realidade fiscal e com as remunera\u00e7\u00f5es praticadas no setor privado e em pa\u00edses com grau semelhante de desenvolvimento.<\/p>\n

II – Aumento da produtividade<\/strong><\/p>\n

A produtividade da economia brasileira estagnou ap\u00f3s 2010, depois de uma d\u00e9cada com crescimento semelhante ao observado nas principais economias. O pior desempenho externo contribuiu para a nossa desacelera\u00e7\u00e3o. Entretanto, o retrocesso observado no Brasil, significativamente maior do que nos demais emergentes, decorre igualmente de causas dom\u00e9sticas.<\/p>\n

A complexidade do sistema tribut\u00e1rio \u2013 caracterizado pela multiplicidade de regras e benef\u00edcios concedidos discricionariamente \u2013 resulta em uma organiza\u00e7\u00e3o ineficiente da produ\u00e7\u00e3o, em alto custo de cumprimento da lei para as empresas e em impressionante volume de lit\u00edgio tribut\u00e1rio.<\/p>\n

O crescimento tamb\u00e9m vem sendo prejudicado por pol\u00edticas de prote\u00e7\u00e3o setorial, favorecendo empresas ou setores selecionados, quase sempre sem metas de desempenho, e escassa avalia\u00e7\u00e3o do custo de oportunidade dos recursos alocados. Esses benef\u00edcios \u2013 como a concess\u00e3o de empr\u00e9stimos subsidiados, reserva de mercado, e incentivos tribut\u00e1rios \u2013 destinam recursos a setores ineficientes ou que n\u00e3o precisam de prote\u00e7\u00e3o p\u00fablica, prejudicando a produtividade dos setores \u00e0 frente na cadeia produtiva. As regras de conte\u00fado nacional que protegem a ind\u00fastria naval, por exemplo, implicam maiores custos para a produ\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo.<\/p>\n

As pol\u00edticas de prote\u00e7\u00e3o setorial podem ser eficazes em casos espec\u00edficos, desde que resultem em ganhos sustent\u00e1veis de produtividade, e n\u00e3o apenas permitam a sobreviv\u00eancia de empresas ineficientes.<\/p>\n

O excesso de regula\u00e7\u00e3o e os elevados custos de contrata\u00e7\u00e3o e demiss\u00e3o de trabalhadores induzem uma organiza\u00e7\u00e3o pouco eficiente das empresas e prejudicam a produtividade. Paradoxalmente, a legisla\u00e7\u00e3o e o ativismo do judici\u00e1rio, que intencionam proteger o trabalhador, terminam por prejudicar a gera\u00e7\u00e3o de empregos de maior qualidade e estimular o comportamento oportunista, de empresas e trabalhadores, que resulta em informalidade, alta rotatividade e baixa produtividade.<\/p>\n

A produtividade do trabalho \u00e9, adicionalmente, prejudicada pela baixa qualidade da educa\u00e7\u00e3o. O gasto do Governo Federal em educa\u00e7\u00e3o cresceu 285% acima da infla\u00e7\u00e3o entre 2004 e 2014, mas n\u00e3o foi acompanhado pelo aumento dos indicadores de aprendizado, o que sugere a necessidade de melhora na gest\u00e3o e na dissemina\u00e7\u00e3o das melhores pr\u00e1ticas de ensino.<\/p>\n

Por fim, o crescimento da produtividade \u00e9 prejudicado pela infraestrutura deficiente e onerosa para seus usu\u00e1rios. Os problemas decorrem do baixo investimento p\u00fablico, da falta de planejamento adequado assim como da regula\u00e7\u00e3o ineficaz, caracterizada por ag\u00eancias reguladoras enfraquecidas e sem governan\u00e7a adequada que permita uma negocia\u00e7\u00e3o mais eficaz dos conflitos e maior previsibilidade para a execu\u00e7\u00e3o dos projetos.<\/p>\n

A agenda para a melhora da produtividade \u00e9 extensa. Neste artigo, concentramo-nos em tr\u00eas linhas de a\u00e7\u00e3o: (i) transpar\u00eancia e governan\u00e7a, (ii) competi\u00e7\u00e3o, e (iii) simplifica\u00e7\u00e3o e isonomia.<\/p>\n

Transpar\u00eancia e governan\u00e7a<\/strong><\/p>\n

As defici\u00eancias de governan\u00e7a e a falta de transpar\u00eancia do poder p\u00fablico contribuem para a inefici\u00eancia do pa\u00eds, al\u00e9m de aumentar o custo das pol\u00edticas p\u00fablicas. Para superar estas defici\u00eancias, sugerimos um conjunto de iniciativas.<\/p>\n

Em primeiro lugar, toda pol\u00edtica p\u00fablica deveria estar submetida \u00e0 avalia\u00e7\u00e3o de resultados, que ampliaria o debate democr\u00e1tico sobre suas prioridades e seus custos, e deveria ser extensiva a todos os destinos de recursos p\u00fablicos: programas previstos no or\u00e7amento, benef\u00edcios tribut\u00e1rios, concess\u00e3o de cr\u00e9ditos subsidiados por bancos p\u00fablicos e pol\u00edticas de prote\u00e7\u00e3o setorial.<\/p>\n

O debate democr\u00e1tico, fortalecido por an\u00e1lises sobre os custos envolvidos, os grupos beneficiados e o impacto social e econ\u00f4mico das pol\u00edticas p\u00fablicas, colaboraria para a escolha das pol\u00edticas a serem mantidas e as que devem ser reformuladas. Essa an\u00e1lise deve incluir os impactos sobre os demais setores produtivos e o eventual uso alternativo dos recursos p\u00fablicos. As pol\u00edticas devem possuir metas claras de desempenho e avalia\u00e7\u00e3o de resultados transparentes, de prefer\u00eancia por institui\u00e7\u00f5es que sejam independentes do gestor p\u00fablico respons\u00e1vel pela sua execu\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

No caso de pol\u00edticas de prote\u00e7\u00e3o setorial, regras cr\u00edveis devem garantir a progressiva redu\u00e7\u00e3o da prote\u00e7\u00e3o, seja porque a pol\u00edtica foi bem-sucedida, e a prote\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 mais necess\u00e1ria, seja pelo seu fracasso, o que significa que o pa\u00eds pode se tornar mais rico se deixar a livre aloca\u00e7\u00e3o de mercado destinar os recursos para outros setores.<\/p>\n

Em segundo lugar, \u00e9 preciso rever a estrutura de governan\u00e7a das empresas estatais, que t\u00eam sido utilizadas como instrumentos de interven\u00e7\u00e3o discricion\u00e1ria. A cria\u00e7\u00e3o de um marco legal e a ado\u00e7\u00e3o de padr\u00f5es de governan\u00e7a que explicitem o custo de a\u00e7\u00f5es espec\u00edficas e os limites da atua\u00e7\u00e3o das empresas estatais seria uma importante contribui\u00e7\u00e3o para a melhoria do ambiente de neg\u00f3cios no pa\u00eds.\u00a0 \u00a0Al\u00e9m disso, devem ser definidos crit\u00e9rios mais restritos para a composi\u00e7\u00e3o da diretoria e do conselho de administra\u00e7\u00e3o. N\u00e3o deveria ser permitida indica\u00e7\u00e3o de Ministros ou Secret\u00e1rios de governo como conselheiros, mesmo no caso de vagas cab\u00edveis ao acionista controlador (Estado), em decorr\u00eancia de poss\u00edveis conflitos de interesse.<\/p>\n

Como princ\u00edpio geral, a Lei das SA (Lei 6.404 de 1976) deveria ser fortalecida para as empresas controladas pelo Estado. No entanto, v\u00e1rios dos projetos de lei em discuss\u00e3o sobre o tema tentam criar um marco detalhado, sobrepondo-se \u00e0 Lei das SA e gerando inseguran\u00e7a jur\u00eddica pelo eventual conflito de dispositivos das diferentes leis.<\/p>\n

De modo semelhante, deve-se rever a governan\u00e7a dos fundos de previd\u00eancia de servidores p\u00fablicos e de funcion\u00e1rios de estatais, limitando-se a indica\u00e7\u00e3o de conselheiros e dirigentes por parte do governo. Deve-se ressaltar que, nesses casos, n\u00e3o se trata de recursos p\u00fablicos, mas sim dos participantes, e que, portanto, n\u00e3o deveriam ser aplicados com outros objetivos que n\u00e3o o de garantir um retorno seguro para os benefici\u00e1rios.<\/p>\n

Em terceiro lugar, deve-se fortalecer a governan\u00e7a das ag\u00eancias reguladoras, refor\u00e7ando a seguran\u00e7a jur\u00eddica e a ado\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas com objetivos de longo prazo, protegendo-as dos interesses oportunistas. Quanto maior a seguran\u00e7a sobre o ambiente regulat\u00f3rio, menor o pr\u00eamio de risco requerido e menor o custo do investimento para a sociedade. Os diretores das ag\u00eancias devem ser independentes e qualificados tecnicamente. Contratos de gest\u00e3o, com metas de desempenho, que reflitam as prioridades da pol\u00edtica p\u00fablica, permitem a avalia\u00e7\u00e3o dos resultados e a substitui\u00e7\u00e3o dos diretores em caso de fracasso.<\/p>\n

Por fim, deve-se melhorar a transpar\u00eancia e a governan\u00e7a de entidades p\u00fablicas e quase p\u00fablicas, que operam com recursos compulsoriamente arrecadados da sociedade, como o FGTS, o FAT, e o Sistema S, al\u00e9m dos sindicatos de trabalhadores e patronais, que atualmente n\u00e3o s\u00e3o obrigados a publicar balan\u00e7os sobre a utiliza\u00e7\u00e3o dos recursos recebidos. A abertura dos dados sobre o montante de recursos recebidos, os programas em que s\u00e3o alocados e os resultados obtidos colaborariam para o debate sobre a sua efic\u00e1cia e a delibera\u00e7\u00e3o democr\u00e1tica sobre a utiliza\u00e7\u00e3o dos recursos da sociedade.<\/p>\n

Competi\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n

Existe uma vasta literatura acad\u00eamica documentando a relev\u00e2ncia de um ambiente favor\u00e1vel \u00e0 competi\u00e7\u00e3o para o crescimento da produtividade. No caso do Brasil, diversos trabalhos estimam o efeito positivo da abertura comercial dos anos 1990 sobre o aumento da produtividade, assim como o impacto negativo das pol\u00edticas de prote\u00e7\u00e3o adotadas desde meados da d\u00e9cada passada.<\/p>\n

\u00c9 preciso abrir mais a economia, se poss\u00edvel no \u00e2mbito de acordos bilaterais ou multilaterais. A redu\u00e7\u00e3o de tarifas de importa\u00e7\u00e3o pode ser feita de forma progressiva, permitindo-se o ajuste das empresas locais. Isso permitiria o maior acesso a insumos e bens de capital mais eficientes, aumentando a produtividade, estimulando o aumento do investimento e a expans\u00e3o da produ\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Deve-se, igualmente, rever toda a estrutura de reservas de mercado, que prejudicam a concorr\u00eancia e a expans\u00e3o da produ\u00e7\u00e3o. A n\u00e3o ser em situa\u00e7\u00f5es excepcionais, e que precisam ser demonstradas, a prote\u00e7\u00e3o a empresas dom\u00e9sticas \u2013 como a obrigatoriedade de a Petrobras ser operadora \u00fanica e ter participa\u00e7\u00e3o m\u00ednima de 30% nos campos do pr\u00e9-sal e a prefer\u00eancia concedida a empresas nacionais nas licita\u00e7\u00f5es p\u00fablicas \u2013 tem impactos negativos sobre os pre\u00e7os e a produtividade, beneficiando apenas grupos espec\u00edficos, em detrimento do interesse geral.<\/p>\n

Simplifica\u00e7\u00e3o e isonomia<\/strong><\/p>\n

A complexidade, inefici\u00eancia e ambiguidade do sistema tribut\u00e1rio brasileiro t\u00eam consequ\u00eancias negativas sobre a produtividade e o crescimento. As regras existentes permitem que empresas ou produtos semelhantes sejam tributados desigualmente, induzindo uma organiza\u00e7\u00e3o ineficiente do setor produtivo. Al\u00e9m disso, a multiplicidade de regras coexiste com incerteza sobre as regras aplic\u00e1veis, resultando em imenso contencioso tribut\u00e1rio e em elevado custo de observ\u00e2ncia da lei pelas empresas.<\/p>\n

Da\u00ed a necessidade de se buscar simplifica\u00e7\u00e3o e isonomia, sendo propostas tr\u00eas mudan\u00e7as nesta dire\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

A primeira diz respeito \u00e0 tributa\u00e7\u00e3o de bens e servi\u00e7os. A maioria dos pa\u00edses adota um \u00fanico imposto sobre o valor adicionado (IVA), com base ampla, uma ou poucas al\u00edquotas e possibilidade de dedu\u00e7\u00e3o do imposto incidente em todas as aquisi\u00e7\u00f5es das empresas. J\u00e1 o Brasil possui uma multiplicidade de tributos (ICMS, IPI, PIS\/Cofins e ISS), com bases fragmentadas, legisla\u00e7\u00e3o complexa, restri\u00e7\u00f5es ao cr\u00e9dito tribut\u00e1rio e uma profus\u00e3o de al\u00edquotas e regimes especiais.<\/p>\n

Deve-se ter como meta simplificar e aproximar os tributos sobre bens e servi\u00e7os do modelo do IVA, substituindo os atuais por um ou, no m\u00e1ximo, dois tributos sobre o valor adicionado (um federal e outro subnacional, cobrado no destino), al\u00e9m de um tributo seletivo (sobre fumo, bebidas etc.). As propostas do Governo Federal de reforma do PIS\/Cofins e de disciplinamento da guerra fiscal dos Estados apontam na dire\u00e7\u00e3o correta, mas s\u00e3o t\u00edmidas frente aos desafios da melhora da tributa\u00e7\u00e3o indireta no pa\u00eds.<\/p>\n

Um segundo foco de aten\u00e7\u00e3o s\u00e3o os v\u00e1rios regimes simplificados de tributa\u00e7\u00e3o, como o Lucro Presumido e o SIMPLES. Esses regimes geram distor\u00e7\u00f5es importantes, decorrentes da base inadequada de tributa\u00e7\u00e3o (o faturamento), do alto limite de enquadramento (cerca de US$ 1 milh\u00e3o por ano no SIMPLES, contra um valor entre US$ 50 mil e 150 mil nos demais pa\u00edses), e do enorme diferencial de tributa\u00e7\u00e3o relativamente \u00e0s grandes empresas. A consequ\u00eancia \u00e9 um sistema que estimula a abertura de pequenos neg\u00f3cios, mas impede o seu crescimento.<\/p>\n

\u00c9 preciso rever completamente o modelo de tributa\u00e7\u00e3o simplificada no Brasil, e n\u00e3o apenas fazer ajustes no SIMPLES. N\u00e3o se trata de aumentar o custo tribut\u00e1rio dos neg\u00f3cios efetivamente pequenos, mas sim de criar um modelo que trate de forma semelhante os semelhantes, que estimule a formaliza\u00e7\u00e3o do trabalho qualquer que seja o porte da empresa, e que favore\u00e7a o crescimento das empresas.<\/p>\n

Por fim, deve-se rever a distor\u00e7\u00e3o na tributa\u00e7\u00e3o da renda pessoal decorrente da forma como \u00e9 recebida. Isto ocorre, por exemplo, na distribui\u00e7\u00e3o de lucros pelas empresas do SIMPLES e do Lucro Presumido, que s\u00e3o isentos na pessoa f\u00edsica. A Tabela 3 mostra como os regimes simplificados podem gerar enormes distor\u00e7\u00f5es na tributa\u00e7\u00e3o da remunera\u00e7\u00e3o de um profissional, a qual pode variar de 40% do rendimento para um trabalhador formal a menos de 10% para o s\u00f3cio de uma empresa do SIMPLES.<\/p>\n

Tabela 3. Exemplo de incid\u00eancia tribut\u00e1ria\u00a0para um advogado com renda bruta de R$ 30 mil\/m\u00eas<\/em><\/p>\n

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Medidas que estabele\u00e7am a isonomia na tributa\u00e7\u00e3o, al\u00e9m socialmente justas, contribuiriam para reduzir as distor\u00e7\u00f5es decorrentes da multiplicidade de regimes tribut\u00e1rios. Deve-se, no entanto, evitar tributar duas vezes a mesma renda, deduzindo-se da base tribut\u00e1ria dos rendimentos pessoais os impostos pagos pelas empresas.<\/p>\n

A grave crise fiscal reflete o crescimento dos gastos p\u00fablicos acima da gera\u00e7\u00e3o de renda, fruto de um conflito entre diversos grupos sociais que buscam, via Estado, a apropria\u00e7\u00e3o de parcela maior da renda. A interven\u00e7\u00e3o p\u00fablica mal focada, a prote\u00e7\u00e3o de interesses privados espec\u00edficos e um dos piores sistemas tribut\u00e1rio do mundo prejudicaram a produtividade e o crescimento. Os indicadores sociais, depois de uma d\u00e9cada de avan\u00e7o, estagnaram ou retrocederam nos \u00faltimos anos.<\/p>\n

A boa gest\u00e3o p\u00fablica requer disciplina fiscal, transpar\u00eancia e a avalia\u00e7\u00e3o dos resultados sobre os benef\u00edcios concedidos. Dessa forma, pode-se deliberar sobre as escolhas p\u00fablicas, as pol\u00edticas a serem preservadas e as que devem ser revistas. A prote\u00e7\u00e3o dos grupos sociais mais fr\u00e1geis \u00e9 importante, mas precisa caber nas possibilidades do pa\u00eds. A transfer\u00eancia de renda para os mais ricos \u00e9 injustific\u00e1vel.<\/p>\n

A crise atual imp\u00f5e escolhas dif\u00edceis. Posterg\u00e1-las apenas tornar\u00e1 ainda mais custoso o ajuste das contas p\u00fablicas. A alternativa ao ajuste \u00e9 o agravamento da crise e o retrocesso econ\u00f4mico.<\/p>\n

Artigo publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, edi\u00e7\u00e3o de 13\/9\/2015<\/em><\/p>\n

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