{"id":2585,"date":"2015-08-25T15:12:38","date_gmt":"2015-08-25T18:12:38","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2585"},"modified":"2015-08-25T15:12:38","modified_gmt":"2015-08-25T18:12:38","slug":"por-que-a-economia-brasileira-foi-para-o-buraco","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2585","title":{"rendered":"Por que a economia brasileira foi para o buraco?"},"content":{"rendered":"

At\u00e9 poucos anos atr\u00e1s havia grande otimismo em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 economia brasileira. Chegamos a crescer 7,6% em 2010. Os sal\u00e1rios cresciam, o desemprego ia para zero, a pobreza e a desigualdade caiam. A ascens\u00e3o da classe C era festejada com a amplia\u00e7\u00e3o do consumo. De repente tudo mudou: a economia entrou em recess\u00e3o em meados de 2014. As previs\u00f5es para os pr\u00f3ximos anos, coletadas junto ao mercado pelo Banco Central, s\u00e3o sombrias: uma recess\u00e3o de 2% esse ano e crescimento zero em 2016. E mesmo quando a luz no final do t\u00fanel aparecer, o que se espera s\u00e3o med\u00edocres taxas de crescimento do PIB de, no m\u00e1ximo, 2% ao ano. A taxa de desemprego calculada pelo IBGE n\u00e3o para de subir, passando de 4,3% em dezembro de 2014 para 7,5% em julho de 2015. Os dados sobre o d\u00e9ficit e a d\u00edvida do Governo Federal s\u00f3 mostram deteriora\u00e7\u00e3o: festejados programas de governo, como o Fies e o Pronatec, tiveram que ser encolhidos por falta de dinheiro. A infla\u00e7\u00e3o disparou. Alguns governos estaduais n\u00e3o conseguem sequer pagar o funcionalismo, e est\u00e3o parcelando os contracheques. Afinal, o que aconteceu para que ca\u00edssemos do nirvana para o buraco t\u00e3o rapidamente?<\/p>\n

A crise econ\u00f4mica atual tem causas antigas, que remontam ao in\u00edcio do atual \u00a0per\u00edodo democr\u00e1tico (iniciado em 1985), bem como causas recentes, ligadas a uma pol\u00edtica econ\u00f4mica equivocada e inconsistente, adotada por volta\u00a0 de 2005\/2006 e aprofundada a partir de 2011.<\/p>\n

As causas antigas<\/strong><\/p>\n

Quando o Brasil transitou de um regime ditatorial para uma democracia, em 1985, surgiram fortes press\u00f5es sociais para expans\u00e3o do gasto p\u00fablico. Isso levou ao aumento do d\u00e9ficit p\u00fablico e exigiu a expans\u00e3o da carga tribut\u00e1ria. Esses fatos est\u00e3o na base da nossa crise atual, como veremos a seguir. Vejamos, primeiro, porque o gasto p\u00fablico passou a crescer ap\u00f3s \u00e0 transi\u00e7\u00e3o para a democracia.<\/p>\n

Houve um ac\u00famulo de necessidades sociais n\u00e3o atendidas ao longo dos 21 anos de regime militar. Praticamente n\u00e3o havia pol\u00edticas p\u00fablicas para atendimento aos mais pobres. Os indicadores sociais e educacionais estavam em n\u00edveis africanos.<\/p>\n

Durante a ditadura os governantes n\u00e3o se sentiam premidos a atender a popula\u00e7\u00e3o mais pobre pelo simples fato de que o direito de voto era restrito. Havia elei\u00e7\u00e3o direta apenas para os cargos de senador, deputado e prefeitos de pequenas cidades. Ter uma carreira pol\u00edtica de sucesso em muitos casos n\u00e3o dependia de ter votos. Com a redemocratiza\u00e7\u00e3o e a institui\u00e7\u00e3o de elei\u00e7\u00f5es diretas em todos os n\u00edveis, a sobreviv\u00eancia de um pol\u00edtico no poder passou a depender diretamente do voto.<\/p>\n

Sendo os pobres a maioria do eleitorado (lembrando que at\u00e9 mesmo os analfabetos passaram a ter direito a voto), nada mais natural de que os pol\u00edticos no poder passassem a oferecer pol\u00edticas p\u00fablicas a favor dos mais necessitados. Houve uma explos\u00e3o de pol\u00edticas de assist\u00eancia social, educa\u00e7\u00e3o e sa\u00fade p\u00fablica. Diversos indicadores sociais passaram a melhorar, ainda que muito dessas pol\u00edticas sejam caras e pouco eficientes.<\/p>\n

Ocorre que n\u00e3o apenas os pobres se beneficiaram. A classe m\u00e9dia tamb\u00e9m encontrou maior espa\u00e7o para reivindica\u00e7\u00e3o. Afinal, com a redemocratiza\u00e7\u00e3o recobrou-se o direito de greve e o direito de associa\u00e7\u00e3o em sindicatos e outras institui\u00e7\u00f5es formadas por pessoas com interesses comuns (associa\u00e7\u00f5es de aposentados, de consumidores, de pacientes de doen\u00e7as raras, etc.). Esses grupos passaram a ter grande poder de press\u00e3o para reivindicar pol\u00edticas p\u00fablicas a seu favor.<\/p>\n

Frente ao ganho de poder pol\u00edtico dos pobres e da classe m\u00e9dia, seria de se esperar que os mais ricos perdessem espa\u00e7o no or\u00e7amento p\u00fablico, com o governo direcionando os recursos antes gastos em favor deste para programas voltados aos pobres e \u00e0 classe m\u00e9dia. Mas isso n\u00e3o aconteceu. Os mais ricos tamb\u00e9m ganharam poder de reivindica\u00e7\u00e3o. Afinal, elei\u00e7\u00f5es custam caro, e algu\u00e9m tem que financi\u00e1-las. Por meio do financiamento eleitoral, grandes empresas (em especial aquelas que t\u00eam contrato com o poder p\u00fablico) passaram a garantir o atendimento de seus interesses.<\/p>\n

Ou seja, com a redemocratiza\u00e7\u00e3o, o Estado brasileiro passou a ser pressionado para atender aos pobres, \u00e0 classe m\u00e9dia e aos ricos. Com v\u00e1rios segmentos sociais tendo acesso aos recursos p\u00fablicos, instituiu-se um cen\u00e1rio de forte disputa pelos recursos or\u00e7ament\u00e1rios. Para que isso n\u00e3o resultasse em expans\u00e3o da despesa p\u00fablica, teria sido necess\u00e1rio criar regras eficazes de limita\u00e7\u00e3o do gasto p\u00fablico: um or\u00e7amento consistente, que refletisse a real expectativa de receitas e despesas; limites legais para o d\u00e9ficit p\u00fablico; veda\u00e7\u00e3o ao financiamento do Tesouro pelo Banco Central.<\/p>\n

Essas regras fiscais ou n\u00e3o foram institu\u00eddas, ou foram contornadas. Criaram-se, tamb\u00e9m, regras na dire\u00e7\u00e3o contr\u00e1ria ao controle fiscal. Na nossa fr\u00e1gil democracia, pressionada por diferentes grupos sociais e de interesses, foram sendo constru\u00eddas regras que protegiam a fatia do bolo dos grupos que conseguiam fazer mais press\u00e3o sobre inst\u00e2ncias decis\u00f3rias do poder p\u00fablico. Assim, foram criadas regras que institu\u00edam despesa m\u00ednima para os setores de educa\u00e7\u00e3o e sa\u00fade, regras benevolentes de aposentadoria, cr\u00e9dito subsidiado para grandes empresas por meio de bancos p\u00fablicos, regras de aumento real para o sal\u00e1rio m\u00ednimo, etc.<\/p>\n

Ou seja, em vez de haver regras fiscais que impusessem um limite ao gasto p\u00fablico total e for\u00e7assem os pol\u00edticos a fazer escolhas entre beneficiar o grupo A ou o grupo B, o que se criou foram regras que obrigavam o setor p\u00fablico a beneficiar todo mundo, ao mesmo tempo, o tempo todo. Como bem sabe qualquer pessoa que administra um or\u00e7amento dom\u00e9stico, uma hora a despesa fica maior que a receita e o endividamento explode.<\/p>\n

No caso de governos, ao contr\u00e1rio dos or\u00e7amentos dom\u00e9sticos, h\u00e1 uma sa\u00edda (perigosa) para evitar o endividamento: emitir moeda para pagar a despesa. E foi isso que se fez entre 1985 e 1994. O resultado foi a hiperinfla\u00e7\u00e3o. Como os grupos sociais n\u00e3o conseguiam chegar a um consenso sobre o controle dos gastos p\u00fablicos e como n\u00e3o havia regras fiscais que garantissem um or\u00e7amento equilibrado, a infla\u00e7\u00e3o fazia o servi\u00e7o, corroendo o valor real dos gastos p\u00fablicos e da renda das pessoas.<\/p>\n

O problema \u00e9 que a infla\u00e7\u00e3o tem efeitos perversos: al\u00e9m de incidir mais fortemente sobre os mais pobres (que n\u00e3o t\u00eam acesso a bancos, para proteger seu dinheiro por meio de aplica\u00e7\u00f5es financeiras), ela cria um ambiente de incerteza e inseguran\u00e7a que desestimula o investimento, levando a baixo crescimento econ\u00f4mico. Tivemos uma d\u00e9cada perdida, em que tentamos nos livrar da infla\u00e7\u00e3o. Tent\u00e1vamos faz\u00ea-lo sem abrir m\u00e3o da prodigalidade fiscal. Quer\u00edamos resolver o problema (infla\u00e7\u00e3o) sem extinguir a causa (d\u00e9ficit p\u00fablico).<\/p>\n

O esgotamento fiscal induziu a realiza\u00e7\u00e3o de algumas reformas. A principal delas foi o Programa Nacional de Desestatiza\u00e7\u00e3o, iniciado em 1990, que afastou o setor p\u00fablico da gest\u00e3o de empresas ent\u00e3o deficit\u00e1rias e operadas de forma ineficiente em v\u00e1rios setores, como siderurgia, telefonia e minera\u00e7\u00e3o. Essas empresas funcionavam como um segundo cofre do Tesouro e como ferramenta de pol\u00edtica econ\u00f4mica, muitas vezes sendo induzidas a tomar decis\u00f5es que prejudicavam seu desempenho. Tomavam empr\u00e9stimos no exterior quando era necess\u00e1rio fechar as contas do balan\u00e7o de pagamentos; tinham os pre\u00e7os de seus produtos congelados, para segurar a infla\u00e7\u00e3o; etc.<\/p>\n

Embora importantes, as privatiza\u00e7\u00f5es n\u00e3o foram capazes de mudar o deficit\u00e1rio regime fiscal brasileiro. Passamos quase uma d\u00e9cada, de 1985 a 1994, em que sete planos de estabiliza\u00e7\u00e3o da moeda falharam, porque n\u00e3o conseguiram impor limites ao gasto p\u00fablico. Somente em 1994 tivemos um plano de sucesso. O Plano Real correu o mesmo risco de dar errado, como os seus antecessores, pois n\u00e3o foi acompanhado de medidas para controlar os gastos p\u00fablicos. Mais uma vez os esfor\u00e7os de ajuste fiscal n\u00e3o foram suficientes para equilibrar as contas p\u00fablicas. Destaca-se nesse per\u00edodo a cria\u00e7\u00e3o, em 1994, do Fundo Social de Emerg\u00eancia (posteriormente rebatizado de \u201cDesvincula\u00e7\u00e3o de Receitas da Uni\u00e3o\u201d – DRU), para tornar a despesa or\u00e7ament\u00e1ria menos r\u00edgida e viabilizar a redu\u00e7\u00e3o de despesas obrigat\u00f3rias (Emenda Constitucional de Revis\u00e3o n\u00ba 1, de 1994). Esse \u00e9 o exemplo t\u00edpico de ajuste fiscal limitado, fazendo-se aquilo que as restri\u00e7\u00f5es pol\u00edticas permitiam fazer: ajustes marginais, jamais reformas amplas, que assegurassem o equil\u00edbrio fiscal e a solv\u00eancia de longo prazo das contas p\u00fablicas.<\/p>\n

Novas crises de balan\u00e7o de pagamentos surgiram em 1997 e 1998, nas quais a fr\u00e1gil situa\u00e7\u00e3o fiscal brasileira somou-se ao cont\u00e1gio de crises ocorridas em outros pa\u00edses emergentes. Naquele momento ficou claro que o sucesso da estabiliza\u00e7\u00e3o dependia de mudan\u00e7as profundas no regime fiscal brasileiro. As crises econ\u00f4mica e pol\u00edtica for\u00e7aram os agentes pol\u00edticos a aceitar limita\u00e7\u00f5es fiscais. Ajudou o fato de que um empr\u00e9stimo do FMI ficava condicionado a medidas de ajuste fiscal: se os diversos grupos sociais e pol\u00edticos do pa\u00eds n\u00e3o conseguiam se entender sobre como conter o gasto p\u00fablico, uma imposi\u00e7\u00e3o externa ajudava a formar o consenso.<\/p>\n

O ajuste fiscal \u201cmeia boca\u201d<\/strong><\/p>\n

O pa\u00eds come\u00e7ou, ent\u00e3o, a trilhar um caminho de mais responsabilidade fiscal. Assim, aprovou-se a Lei de Responsabilidade Fiscal no ano 2000. Um pouco antes, entre 1997 e 1998, fez-se uma importante renegocia\u00e7\u00e3o da d\u00edvida dos estados e munic\u00edpios junto ao mercado financeiro. Essa d\u00edvida era impag\u00e1vel e alimentada por d\u00e9ficits cr\u00f4nicos desses governos. O Governo Federal assumiu a d\u00edvida e passou a pag\u00e1-la em dia aos credores privados. Em troca disso, os estados e munic\u00edpios se comprometeram a pagar o d\u00e9bito de forma parcelada ao Governo Federal ao longo de trinta anos. Para conseguir pagar essa d\u00edvida, foram for\u00e7ados a ajustar suas contas. Quem n\u00e3o pagasse em dia, tinha as suas receitas confiscadas pelo Governo Federal. O esquema deu certo, e os estados e munic\u00edpios se ajustaram rapidamente. Pela primeira vez na hist\u00f3ria recente come\u00e7amos a ouvir palavras como \u201cefici\u00eancia\u201d, \u201cgest\u00e3o\u201d e \u201cequil\u00edbrio fiscal\u201d no \u00e2mbito dos governos estaduais e municipais. Tudo isso porque estava fechada a porta ao socorro federal: ou os estados e munic\u00edpios se ajustavam ou quebravam.<\/p>\n

Mais medidas foram tomadas visando ao equil\u00edbrio fiscal. Estabeleceram-se metas de resultado prim\u00e1rio e de redu\u00e7\u00e3o da d\u00edvida nos tr\u00eas n\u00edveis de governo. Pouco depois se prop\u00f4s uma reforma da previd\u00eancia, com foco no regime dos servidores p\u00fablicos (Emenda Constitucional n\u00ba 20\/1998).<\/p>\n

A aprova\u00e7\u00e3o dessas reformas ajudou bastante, mas n\u00e3o alterou o modelo instaurado nos anos 1980: continuava a press\u00e3o por aumento dos gastos p\u00fablicos. A aprova\u00e7\u00e3o de cada reforma representava grande custo pol\u00edtico para o Governo, em especial devido \u00e0 aguerrida resist\u00eancia dos interesses estabelecidos, apoiada pelos partidos de oposi\u00e7\u00e3o da \u00e9poca. N\u00e3o havia nada pr\u00f3ximo a um consenso social em torno da reforma do Estado. Somente a vis\u00e3o da beira do precip\u00edcio, representada pelas amea\u00e7as e concretiza\u00e7\u00f5es de crises cambiais, \u00e9 que davam est\u00edmulo e cacife ao Poder Executivo Federal para propor, e ao Legislativo para aceitar, pequenos avan\u00e7os na agenda de reformas.<\/p>\n

Em fun\u00e7\u00e3o dessa resist\u00eancia, n\u00e3o\u00a0 se reformou a previd\u00eancia do setor privado ou o processo de elabora\u00e7\u00e3o e execu\u00e7\u00e3o do or\u00e7amento federal. Para piorar, foram tomadas medidas fiscais em dire\u00e7\u00e3o contr\u00e1ria, das quais se destacam a acelera\u00e7\u00e3o dos reajustes do sal\u00e1rio m\u00ednimo (que tem grande impacto na despesa da previd\u00eancia) e a vincula\u00e7\u00e3o das despesas em sa\u00fade ao ritmo de crescimento do PIB (Emenda Constitucional n\u00ba 29, de 2000). O apelo eleitoral desse tipo de medida \u00e9 evidente.<\/p>\n

Naquele momento a carga tribut\u00e1ria ainda n\u00e3o era t\u00e3o elevada. Em 1998, por exemplo, estava na casa de 27% do PIB. Por isso, havia espa\u00e7o para fazer o ajuste fiscal via aumento de receitas. E assim se fez, com a cria\u00e7\u00e3o de novos tributos e a majora\u00e7\u00e3o dos antigos, para dar conta do crescimento acelerado da despesa. Para a classe pol\u00edtica era mais f\u00e1cil dispersar o custo entre todos os contribuintes do pa\u00eds, do que comprar brigas com grupos organizados que defendiam seu quinh\u00e3o no or\u00e7amento. Ademais, cada aumento de impostos vinha embalado com uma nobre causa a ser atendida: a CPMF era para financiar a sa\u00fade, o aumento das contribui\u00e7\u00f5es sociais era para financiar as aposentadorias, etc.<\/p>\n

Passamos, ent\u00e3o, de um regime cronicamente inflacion\u00e1rio (devido ao alto d\u00e9ficit p\u00fablico) para um regime de gastos p\u00fablicos altos financiados por alta carga tribut\u00e1ria. J\u00e1 n\u00e3o t\u00ednhamos mais a hiperinfla\u00e7\u00e3o, mas a economia n\u00e3o conseguia crescer, sufocada pela alta carga tribut\u00e1ria.<\/p>\n

Outra caracter\u00edstica do nosso ajuste fiscal foi o radical corte nos investimentos p\u00fablicos. A cria\u00e7\u00e3o de regras de despesas obrigat\u00f3rias em diversos setores, como educa\u00e7\u00e3o, previd\u00eancia e sa\u00fade, n\u00e3o foi acompanhada de regras de despesa m\u00ednima em infraestrutura. Estas ficaram expostas a cortes, para que se pudesse ampliar despesas que beneficiavam diretamente grupos bem organizados. A infraestrutura do pa\u00eds tornou-se cada vez mais prec\u00e1ria, passando a representar um gargalo adicional para o crescimento econ\u00f4mico.<\/p>\n

E o problema n\u00e3o estava s\u00f3 nas contas p\u00fablicas<\/strong><\/p>\n

O fato de a nossa jovem democracia n\u00e3o ter conseguido construir institui\u00e7\u00f5es para conter o poder de influ\u00eancia dos diferentes grupos de interesse (ricos, pobres e de classe m\u00e9dia) sobre as decis\u00f5es p\u00fablicas criou outros problemas al\u00e9m do desequil\u00edbrio fiscal cr\u00f4nico, que passaram a minar a nossa capacidade de crescimento. Assim como reivindicavam gastos p\u00fablicos ou benef\u00edcios tribut\u00e1rios a seu favor, cada um desses grupos organizados tamb\u00e9m lutava por regula\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica que protegesse suas rendas. E isso se fazia \u00e0 custa da efici\u00eancia e competitividade da economia, resultando em menor potencial de crescimento.<\/p>\n

A ind\u00fastria conseguiu influenciar a pol\u00edtica comercial do pa\u00eds, mantendo altas barreiras \u00e0 entrada de produtos estrangeiros. Isso diminuiu a entrada de novas tecnologias no pa\u00eds, reduzindo o ritmo de inova\u00e7\u00e3o e de ganho de produtividade. Ademais, deu sobrevida a empresas ineficientes que, n\u00e3o tendo que competir com estrangeiros, conseguiram se manter vivas. Essas empresas utilizam recursos produtivos (m\u00e3o de obra, capital, financiamentos) que poderiam ser mais bem empregados em empresas mais produtivas, gerando mais renda e produto.<\/p>\n

Os sindicatos de empregados de empresa do setor formal conseguiram manter regras trabalhistas r\u00edgidas, que garantem benef\u00edcios a quem est\u00e1 empregado, mas que induzem as empresas a contratar menos. Assim, tais benef\u00edcios t\u00eam, como contrapartida, perdas para os trabalhadores que n\u00e3o conseguem emprego formal, e se mant\u00eam no setor informal, sem acesso aos benef\u00edcios. Com regras trabalhistas r\u00edgidas, as empresas n\u00e3o t\u00eam flexibilidade para se ajustar a varia\u00e7\u00f5es no ritmo da economia. Muitas, para evitar entrar no radar dos \u00f3rg\u00e3os de fiscaliza\u00e7\u00e3o, optam por se manter pequenas, sem registrar seus trabalhadores. Perde-se oportunidade para que empresas talentosas cres\u00e7am, pois empresas informais n\u00e3o t\u00eam acesso a cr\u00e9dito e t\u00eam poucos incentivos a treinar seus trabalhadores. Mais uma vez, prejudica-se o crescimento econ\u00f4mico.<\/p>\n

Os servidores p\u00fablicos e seus sindicatos, com crescente influ\u00eancia, conseguiram obter ou manter diversos benef\u00edcios para as diferentes categorias, colocando em segundo plano o interesse dos usu\u00e1rios de servi\u00e7os p\u00fablicos. Greves intermin\u00e1veis, nunca punidas com demiss\u00f5es ou desconto de remunera\u00e7\u00e3o, passaram a paralisar escolas, universidades, policiamento, vigil\u00e2ncia sanit\u00e1ria, justi\u00e7a e servi\u00e7os de sa\u00fade. Os servi\u00e7os p\u00fablicos terceirizados, em uma comunh\u00e3o de interesses das empresas concession\u00e1rias e de seus empregados, passaram a paralisar frequentemente os transportes p\u00fablicos, a coleta de lixo e servi\u00e7os funer\u00e1rios.<\/p>\n

A justi\u00e7a morosa sempre beneficiava quem tinha mais tempo e dinheiro para ingressar em ju\u00edzo e manter causas de longa dura\u00e7\u00e3o. O respeito aos contratos, em tal situa\u00e7\u00e3o, fica amea\u00e7ado, o que desestimula investimentos.<\/p>\n

Em fun\u00e7\u00e3o dessas dificuldades, o pa\u00eds navegou, entre 1994 e 2003, com baixa capacidade de crescimento, mas com estabilidade de pre\u00e7os, garantido pelo ajuste fiscal prec\u00e1rio, baseado em aumentos de impostos.<\/p>\n

As sucessivas crises externas, associadas a esse equil\u00edbrio inst\u00e1vel das contas p\u00fablicas, infraestrutura deficiente e regula\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica ineficiente, n\u00e3o abriam muito espa\u00e7o para o crescimento.<\/p>\n

E o ajuste fiscal necess\u00e1rio n\u00e3o se concretizava<\/strong><\/p>\n

Nos primeiros anos do novo s\u00e9culo j\u00e1 estava clara a necessidade de reformas que mudassem o padr\u00e3o de crescimento do gasto p\u00fablico. Proje\u00e7\u00f5es de especialistas em previd\u00eancia social mostravam que os sistemas dos servidores p\u00fablicos e do setor privado estavam em rota de d\u00e9ficit crescente. Os gastos em programas sociais cresciam de forma acelerada. A rigidez da despesa com pessoal, sa\u00fade e educa\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m aumentava. O processo de elabora\u00e7\u00e3o do or\u00e7amento era fr\u00e1gil: as receitas superestimadas, as despesas subestimadas e o controle fiscal feito \u201cna boca do caixa\u201d. Tornou-se lugar comum a frase segundo a qual \u201co or\u00e7amento p\u00fablico, no Brasil, \u00e9 uma pe\u00e7a de fic\u00e7\u00e3o\u201d.<\/p>\n

Ou seja, mais de uma d\u00e9cada atr\u00e1s j\u00e1 era evidente que o regime fiscal brasileiro n\u00e3o seria sustent\u00e1vel no longo prazo. Obviamente, a carga tribut\u00e1ria n\u00e3o poderia crescer para sempre, pois chegaria um momento em que sufocaria os contribuintes e as possibilidades de crescimento econ\u00f4mico e da pr\u00f3pria receita. A cr\u00f4nica falta de investimento em infraestrutura reduzia o potencial de crescimento do PIB e da receita p\u00fablica. Enquanto isso a despesa crescia, sempre a taxas superiores ao PIB, como pode ser visto no gr\u00e1fico abaixo. Em 2001, j\u00e1 havia rompido, no caso espec\u00edfico do governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previd\u00eancia Social), a barreira dos 15% do PIB. Tudo isso projetava um futuro em que a d\u00edvida p\u00fablica cresceria mais que o PIB e, em algum momento, se tornaria impag\u00e1vel.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 1 \u2013 Despesa Prim\u00e1ria do Governo Central: 1997-2014 (% do PIB)<\/strong><\/p>\n

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Chegamos, ent\u00e3o, a 2002 com um regime fiscal capenga e insustent\u00e1vel. A associa\u00e7\u00e3o desse fato com a elei\u00e7\u00e3o de Lula para a Presid\u00eancia da Rep\u00fablica desencadeou um movimento de temor sobre qual seria a pol\u00edtica econ\u00f4mica do PT. O passado recente de oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 Lei de Responsabilidade Fiscal, \u00e0s reformas da previd\u00eancia e a toda e qualquer medida de controle de gastos indicava que se teria um governo populista, que aceleraria o ritmo de deteriora\u00e7\u00e3o das contas p\u00fablicas. Em fun\u00e7\u00e3o desse temor, houve fuga de capitais e, mais uma vez, o pa\u00eds se viu em uma crise de balan\u00e7o de pagamentos, sem d\u00f3lares para pagar os compromissos externos do governo e das empresas privadas. A cota\u00e7\u00e3o do d\u00f3lar ultrapassou a marca dos R$ 4,00 e\u00a0 a infla\u00e7\u00e3o acelerou-se: nos tr\u00eas \u00faltimos meses de 2002 o IPCA acumulou 6,5%, equivalente a uma taxa anualizada de 29%.<\/p>\n

Ao tomar posse em meio a forte crise econ\u00f4mica, o Presidente Lula surpreendeu e adotou um conjunto de medidas de ajuste fiscal que confrontava todo o discurso oposicionista do PT. Mandou para o Congresso e aprovou, ainda que de forma mitigada, uma reforma da previd\u00eancia do setor privado (Emendas Constitucionais n\u00ba 41\/2003 e n\u00ba 47\/2005). Controlou com m\u00e3o de ferro as despesas n\u00e3o obrigat\u00f3rias e os reajustes do funcionalismo p\u00fablico. Manteve a escalada da carga tribut\u00e1ria. Ou seja, intensificou o padr\u00e3o de equil\u00edbrio fiscal do governo anterior: algumas reformas, supress\u00e3o do investimento p\u00fablico e eleva\u00e7\u00e3o da carga tribut\u00e1ria.<\/p>\n

Assim como no caso do Governo FHC, n\u00e3o conseguiu abrir m\u00e3o de pol\u00edticas de alto retorno eleitoral, como os aumentos reais para o sal\u00e1rio m\u00ednimo. Tampouco reformou o fr\u00e1gil processo or\u00e7ament\u00e1rio. O controle da despesa continuava na boca do caixa, a base de \u201cdecretos de contingenciamento\u201d. Obteve-se alguma melhoria na qualidade do gasto p\u00fablico ao se reformar um conjunto de programas sociais, criando-se o Bolsa Fam\u00edlia.<\/p>\n

Outras reformas, fora da \u00e1rea fiscal, foram realizadas com o objetivo de aumentar a efici\u00eancia da economia. Destaquem-se a Lei de Fal\u00eancias, a introdu\u00e7\u00e3o do sistema de cr\u00e9dito consignado e a melhoria das garantias em opera\u00e7\u00e3o de cr\u00e9dito, facilitando a execu\u00e7\u00e3o de garantias. Isso melhorou o ambiente de neg\u00f3cios e estimulou o cr\u00e9dito e o investimento.<\/p>\n

J\u00e1 se come\u00e7ava a discutir o aprofundamento das reformas fiscais, visando zerar o d\u00e9ficit p\u00fablico. A\u00ed veio o Mensal\u00e3o…<\/p>\n

O Mensal\u00e3o e o Man\u00e1 que Caiu do C\u00e9u<\/strong><\/p>\n

Essa orienta\u00e7\u00e3o de pol\u00edtica econ\u00f4mica duraria pouco. Em 2005 estourou o esc\u00e2ndalo do Mensal\u00e3o e a popularidade do Presidente Lula caiu fortemente, amea\u00e7ando a sua reelei\u00e7\u00e3o. Para costurar uma nova rede de apoio pol\u00edtico, o Presidente deu uma guinada na pol\u00edtica fiscal. Os cofres p\u00fablicos foram abertos e generosos aumentos de remunera\u00e7\u00e3o foram concedidos a praticamente todas as carreiras do funcionalismo federal. Foram ampliadas as verbas p\u00fablicas destinadas \u00e0 UNE, aos sindicatos e confedera\u00e7\u00f5es de trabalhadores, \u00e0s universidades, aos estados e munic\u00edpios, \u00e0s emendas parlamentares, \u00e0s campanhas publicit\u00e1rias do governo.<\/p>\n

Tudo indicava que ter\u00edamos uma reca\u00edda fiscal e voltar\u00edamos para o padr\u00e3o de crises c\u00edclicas. Por\u00e9m um fen\u00f4meno externo veio em socorro ao Brasil. O forte crescimento da economia chinesa elevou a demanda por commodities<\/em> no mercado internacional. Os pre\u00e7os de nossos produtos de exporta\u00e7\u00e3o, como min\u00e9rio de ferro e soja, cresceram sobremaneira. Do final de 2002 at\u00e9 o final de 2010 o pre\u00e7o m\u00e9dio das exporta\u00e7\u00f5es brasileiras, em d\u00f3lares, subiu 146%, enquanto o das importa\u00e7\u00f5es cresceu apenas 85%. Um \u201cman\u00e1 vindo dos c\u00e9us\u201d (ou melhor, da China) aumentou fortemente as receitas de exporta\u00e7\u00f5es e barateou as nossas compras de produtos industrializados – produzidos, em sua maioria, na pr\u00f3pria China.<\/p>\n

O Brasil, assim como todos os demais exportadores de commodities<\/em> do mundo e, em especial, da Am\u00e9rica Latina, passou a acumular grandes super\u00e1vits comerciais. As reservas internacionais cresceram. O fantasma da crise cambial foi afastado. O aumento de renda nacional decorrente das exporta\u00e7\u00f5es a pre\u00e7os elevados se traduziu em ganhos de arrecada\u00e7\u00e3o de tributos. A receita do Governo Federal passou a crescer a inacredit\u00e1veis 7% ao ano, em termos reais. O desemprego caiu. A cria\u00e7\u00e3o de regimes tribut\u00e1rios simplificados estimulou a formaliza\u00e7\u00e3o do emprego, o que contribuiu para melhoria das contas da previd\u00eancia.<\/p>\n

Paralelamente, havia um excesso de liquidez no mercado financeiro internacional. Investidores estrangeiros passaram a aplicar seus recursos nos pa\u00edses emergentes. O Brasil, com boas perspectivas econ\u00f4micas e uma taxa de juros atraente, passou a ser destino preferencial. Essa entrada de poupan\u00e7a externa, somada \u00e0s melhorias institucionais no mercado interno de cr\u00e9dito, ajudou na forte expans\u00e3o dos financiamentos de im\u00f3veis e bens de consumo.<\/p>\n

Essa lufada de boas not\u00edcias afastou o inferno astral pol\u00edtico do Presidente Lula, que recobrou a sua popularidade e se reelegeu. O ambiente de bonan\u00e7a abriu espa\u00e7o para que o PT finalmente adotasse os seus ideais hist\u00f3ricos de pol\u00edtica econ\u00f4mica, baseados na cren\u00e7a de que \u00e9 poss\u00edvel estimular o crescimento econ\u00f4mico atrav\u00e9s de um governo grande, que tenha inger\u00eancia nas decis\u00f5es dos agentes privados, para orientar o mercado em dire\u00e7\u00e3o ao crescimento.<\/p>\n

O governo tomou como sendo permanente o ganho de renda proporcionado pelo boom<\/em> de commodities<\/em>. Qualquer pessoa que j\u00e1 gastou trinta segundos olhando um gr\u00e1fico da evolu\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica da cota\u00e7\u00e3o de commodities<\/em> sabe que esse mercado se caracteriza por alternar per\u00edodos de alta e de baixa, com a transi\u00e7\u00e3o de um para outro se dando de forma abrupta. No entanto, a cren\u00e7a era de que a melhoria do quadro econ\u00f4mico era consequ\u00eancia da pol\u00edtica interna, nada tendo a ver com o presente vindo da China. Assim, n\u00e3o havia que temer qualquer revers\u00e3o do quadro externo.<\/p>\n

A ordem, agora, era estimular a economia, acelerando-se o gasto p\u00fablico. Trocou-se a equipe econ\u00f4mica e criou-se, em 2007, o Programa de Acelera\u00e7\u00e3o do Crescimento (PAC), baseado no desarquivamento de projetos de investimento do setor p\u00fablico e de empresas estatais, que passaram a ter prioridade e n\u00e3o seriam contabilizados como despesa p\u00fablica para fins de apura\u00e7\u00e3o do d\u00e9ficit p\u00fablico.<\/p>\n

Esse mecanismo de n\u00e3o contabilizar investimentos como desepesas, para fins de apura\u00e7\u00e3o do d\u00e9ficit p\u00fablico, havia sido institu\u00eddo anteriormente, a partir de um acordo com o FMI. Nesse acordo criou-se o Programa Piloto de Investimentos (PPI), no qual alguns projetos, previamente selecionados com base em sua qualidade e retorno econ\u00f4mico, ganhavam esse privil\u00e9gio. A ideia era que bons projetos de infraestrutura tendem a acelerar o crescimento e, com isso, melhorar as contas fiscais no longo prazo.<\/p>\n

Com o advento do PAC, generalizou-se a pr\u00e1tica de retirar os investimentos do c\u00e1lculo do d\u00e9ficit. N\u00e3o importava se os projetos fossem antigos e de baixa qualidade, tampouco se teriam algum impacto econ\u00f4mico relevante. Subverteu-se, portanto, um mecanismo que, se fosse usado com temperan\u00e7a, poderia ajudar a melhorar a infraestrutura e o crescimento econ\u00f4mico.<\/p>\n

N\u00e3o havia foco, nem prioridade nos investimentos: tudo teria que ser feito ao mesmo tempo. Certamente o Brasil precisava ampliar seus investimentos p\u00fablicos, ap\u00f3s d\u00e9cadas de supress\u00e3o desses gastos em nome do equil\u00edbrio fiscal. Mas faz\u00ea-lo dessa forma dificilmente colaboraria para melhorar a efici\u00eancia da economia.<\/p>\n

Em 2006 o Brasil foi escolhido para ser a sede da Copa do Mundo de 2014. Em 2007 candidatou-se para sediar os jogos Ol\u00edmpicos. Duas empreitadas de vulto, que exigiriam fortes investimentos em arenas esportivas, previs\u00edveis elefantes brancos de alto custo de constru\u00e7\u00e3o e manuten\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

A primeira rodada de aumentos reais de remunera\u00e7\u00e3o dos servidores p\u00fablicos, ocorrida em 2006, desencadeou um movimento de reivindica\u00e7\u00e3o por parte das carreiras inicialmente n\u00e3o contempladas. Houve aumentos generalizados e os servidores nunca ganharam tanto. Em 2007, os gastos prim\u00e1rios do governo central, retratados no gr\u00e1fico 1 acima, j\u00e1 se aproximavam dos 17% do PIB, quase dois pontos percentuais acima do n\u00edvel de 2005. Mas n\u00e3o se via problema nisso, pois a receita estava \u201cbombando\u201d e a carga tribut\u00e1ria, refor\u00e7ada pelos aumentos de impostos do per\u00edodo 2002-2004 e pelo crescimento da base de arrecada\u00e7\u00e3o, j\u00e1 chegava a 33,2% do PIB.<\/p>\n

Os erros de pol\u00edtica econ\u00f4mica que agravaram os problemas estruturais<\/strong><\/p>\n

Em 2008 eclodiu a crise no mercado financeiro norte-americano, com a quebra do banco Lehman Brothers. A atividade econ\u00f4mica mundial caiu fortemente e isso, obviamente, teve consequ\u00eancias sobre o Brasil. No ano de 2009 o PIB brasileiro caiu 0,23%. A equipe econ\u00f4mica decidiu, ent\u00e3o, que precisava fazer uma \u201cpol\u00edtica antic\u00edclica\u201d: aumentar os gastos p\u00fablicos e reduzir tributos para estimular o consumo e reativar a economia.<\/p>\n

Pol\u00edtica antic\u00edclica \u00e9, por defini\u00e7\u00e3o, algo passageiro: expande-se o gasto apenas enquanto a economia est\u00e1 precisando de incentivos. \u00c0 medida que a economia sai da crise, e a capacidade ociosa das ind\u00fastrias diminui, o governo deve retirar os est\u00edmulos.<\/p>\n

Por\u00e9m, a pol\u00edtica antic\u00edclica aqui adotada aumentou gastos dif\u00edceis de reverter posteriormente, como, por exemplo, a remunera\u00e7\u00e3o do funcionalismo e o sal\u00e1rio m\u00ednimo. E as desonera\u00e7\u00f5es tribut\u00e1rias, que poderiam ser revertidas, n\u00e3o o foram em fun\u00e7\u00e3o da press\u00e3o pol\u00edtica de seus benefici\u00e1rios. Tornaram-se, isso sim, definitivas, mediante a edi\u00e7\u00e3o de uma medida provis\u00f3ria posteriormente convertida na Lei n\u00ba 13.043, de 2014.<\/p>\n

J\u00e1 em 2010 a economia apresentava forte crescimento, mas os est\u00edmulos fiscais n\u00e3o foram retirados. Na verdade, o boom<\/em> de commodities<\/em> continuava intenso, pois a China manteve elevado ritmo de crescimento e continuou fortemente compradora no mercado internacional, apesar da crise que afetava os EUA e a Europa.<\/p>\n

A partir de 2011, animado com o elevado crescimento de 2010 (que nada mais foi que a recupera\u00e7\u00e3o da queda de 2009 e n\u00e3o o pren\u00fancio de um novo patamar de crescimento), a pol\u00edtica antic\u00edclica transmutou-se em um conjunto de medidas que veio a ser batizado de \u201cNova Matriz Econ\u00f4mica\u201d.<\/p>\n

Essa \u201cnova\u201d pol\u00edtica consistia em forte interven\u00e7\u00e3o governamental na economia visando estimular o investimento privado e o consumo. A ideia b\u00e1sica era de que, havendo mais consumo, as empresas se interessariam em investir e produzir mais. Ao mesmo tempo, se os investimentos fossem incentivados e subsidiados, o ciclo se fecharia, com as empresas ampliando investimentos e produ\u00e7\u00e3o. A taxa de crescimento se aceleraria. N\u00e3o seria preciso se preocupar com equil\u00edbrio fiscal, pois o crescimento decorrente da pol\u00edtica de est\u00edmulos faria a receita p\u00fablica crescer e fechar as contas do governo.<\/p>\n

Tamb\u00e9m fazia parte do card\u00e1pio a redu\u00e7\u00e3o da taxa de juros b\u00e1sica da economia. Considerada pelos gestores da pol\u00edtica econ\u00f4mica como instrumento ineficiente de controle da infla\u00e7\u00e3o, ela precisaria ser reduzida para diminuir os custos financeiros das empresas e dos consumidores. A queda dos juros no mercado internacional, em fun\u00e7\u00e3o da crise financeira de 2008, parecia uma oportunidade e tanto para baixar as taxas dom\u00e9sticas.<\/p>\n

Outro pressuposto da Nova Matriz era de que o governo sabia melhor do que as empresas quais seriam os bons investimentos para o pa\u00eds. Partia-se do pressuposto de que era preciso proteger e subsidiar as empresas nacionais, para que novos setores produtivos, escolhidos pelo governo, florescessem no pa\u00eds e\/ou se tornassem multinacionais de sucesso. Com isso, deixar\u00edamos de ser um simples exportador de commodities<\/em> e agregar\u00edamos valor \u00e0 produ\u00e7\u00e3o nacional.<\/p>\n

Essa pol\u00edtica estava baseada em diagn\u00f3sticos errados. Sua pressuposi\u00e7\u00e3o b\u00e1sica era de que o aumento do consumo das fam\u00edlias e do governo desencadearia imediato aumento dos investimentos e, consequentemente, do crescimento econ\u00f4mico. Por\u00e9m, entre o aumento do consumo e a amplia\u00e7\u00e3o da capacidade produtiva h\u00e1 grandes obst\u00e1culos: o pa\u00eds tem s\u00e9rios problemas de infraestrutura; o custo do trabalho subiu muito desde o in\u00edcio do s\u00e9culo (aumento do sal\u00e1rio m\u00ednimo e redu\u00e7\u00e3o da oferta de trabalho decorrente de mudan\u00e7a na composi\u00e7\u00e3o et\u00e1ria da popula\u00e7\u00e3o); os trabalhadores t\u00eam baixa qualifica\u00e7\u00e3o; fornecedores n\u00e3o conseguem ofertar insumos de qualidade e no prazo demandado (em fun\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica de prote\u00e7\u00e3o e exig\u00eancia de conte\u00fado local); a justi\u00e7a \u00e9 lenta e o cumprimento dos contratos sistematicamente desrespeitado; h\u00e1 um excesso de burocracia para se abrir e gerir uma empresa; as regras trabalhistas s\u00e3o r\u00edgidas; as regras tribut\u00e1rias complexas e requerem alto custo para serem cumpridas. Ou seja, produzir no Brasil \u00e9 caro, arriscado e n\u00e3o resulta em produtos de qualidade.<\/p>\n

Ademais, h\u00e1 uma inconsist\u00eancia entre aumentar o d\u00e9ficit p\u00fablico e aumentar o investimento privado ao mesmo tempo. Ambos s\u00e3o financiados pela poupan\u00e7a agregada da economia. Se o d\u00e9ficit p\u00fablico aumenta, o seu financiamento (a venda de t\u00edtulos pelo Tesouro) vai absorver uma parcela maior da poupan\u00e7a dispon\u00edvel, sobrando menos recursos para financiar o investimento privado.<\/p>\n

\u00c9 verdade que podemos recorrer \u00e0 poupan\u00e7a externa. Mas a entrada de capital externo acaba gerando um excesso de d\u00f3lares na economia, valorizando o real. Quando o c\u00e2mbio se valoriza, a ind\u00fastria nacional fica menos competitiva em rela\u00e7\u00e3o aos produtos importados. O aumento do consumo, em vez de estimular mais produ\u00e7\u00e3o dom\u00e9stica, vai estimular mais importa\u00e7\u00f5es. E foi o que ocorreu. Apesar de todo discurso de incentivo ao investimento da ind\u00fastria nacional, essa teve a sua participa\u00e7\u00e3o no PIB sistematicamente encolhida nos \u00faltimos anos. Em 2010 ela estava na faixa de 15% do PIB, chegando a apenas 11% em 2014.<\/p>\n

N\u00e3o bastasse isso, \u00e9 preciso reconhecer que, entre o aumento do consumo e a amplia\u00e7\u00e3o da produ\u00e7\u00e3o, existe um hiato de tempo, no qual as empresas precisam constatar que o consumo subiu, acreditar que isso \u00e9 permanente, tomar a decis\u00e3o de investir e, finalmente, construir e come\u00e7ar a operar as novas unidades produtivas.<\/p>\n

Por todos os motivos acima, apesar dos est\u00edmulos e desonera\u00e7\u00f5es fiscais, a ind\u00fastria n\u00e3o conseguiu suprir a expans\u00e3o do consumo. Os ganhos de renda, advindos da expans\u00e3o fiscal e da bonan\u00e7a no com\u00e9rcio exterior, levaram ao aumento do consumo de bens importados, dada a incapacidade da ind\u00fastria em prover bens com pre\u00e7o e qualidade capazes de concorrer com os produtores internacionais. Viajar a Miami, para comprar pela metade do pre\u00e7o, virou esporte nacional.<\/p>\n

Ao mesmo tempo, os ganhos de renda elevaram o consumo de servi\u00e7os (constru\u00e7\u00e3o e reforma, servi\u00e7os pessoais, refei\u00e7\u00f5es fora de casa). Como esses servi\u00e7os n\u00e3o podem ser importados, os produtores nacionais n\u00e3o enfrentam concorr\u00eancia externa, e o aumento de demanda elevou seus pre\u00e7os. Isso teve impacto sobre a infla\u00e7\u00e3o e sobre a competitividade da ind\u00fastria: a absor\u00e7\u00e3o de m\u00e3o de obra pelo setor de servi\u00e7os aumentou os sal\u00e1rios de equil\u00edbrio em toda a economia, reduzindo a margem de lucro da ind\u00fastria. Aumentou, tamb\u00e9m, o custo de outros servi\u00e7os consumidos pela ind\u00fastria, como alugueis, log\u00edstica, consultoria e fretes. \u00a0Ainda que houvesse incentivo fiscal ao investimento, a menor margem de lucro e a baixa efici\u00eancia n\u00e3o permitiam \u00e0 ind\u00fastria vislumbrar oportunidades de neg\u00f3cios. Ademais, o cr\u00e9dito barato n\u00e3o era para todos, mas apenas para os escolhidos do Governo.<\/p>\n

A redu\u00e7\u00e3o da taxa Selic \u201cna marra\u201d levou ao descontrole da infla\u00e7\u00e3o. Ficou evidente mais um erro de diagn\u00f3stico: uma pol\u00edtica monet\u00e1ria prudente tem sim efeito sobre a taxa de infla\u00e7\u00e3o. A atua\u00e7\u00e3o sobre os juros n\u00e3o se fez apenas via taxa b\u00e1sica. Houve determina\u00e7\u00e3o pol\u00edtica para que os bancos p\u00fablicos reduzissem os juros cobrados em suas opera\u00e7\u00f5es de cr\u00e9dito e expandissem os seus empr\u00e9stimos. A ideia era de que isso acirraria a concorr\u00eancia com os bancos privados e os induziria a reduzir os juros de seus financiamentos. Na pr\u00e1tica, os bancos privados n\u00e3o entraram nessa disputa. A carteira de cr\u00e9dito de institui\u00e7\u00f5es p\u00fablicas, como Caixa Econ\u00f4mica e Banco do Brasil, se expandiu e perdeu qualidade (aumento do risco de inadimpl\u00eancia). O custo dessa maior inadimpl\u00eancia j\u00e1 aparece nas perdas provisionadas por esses bancos e, cedo ou tarde, virar\u00e1 gasto p\u00fablico, quando o Tesouro for chamado a fazer um aumento de capital para compensar as perdas. Criou-se um \u201cesqueleto fiscal\u201d a ser pago no futuro. Como, ali\u00e1s, j\u00e1 aconteceu em diversos momentos da hist\u00f3ria do pa\u00eds.<\/p>\n

O subs\u00eddio ao cr\u00e9dito teve sua express\u00e3o m\u00e1xima nos empr\u00e9stimos subsidiados do Tesouro Nacional ao BNDES, em montante que atingiu inacredit\u00e1veis 10% do PIB. A ideia, mais uma vez, era conceder cr\u00e9dito subsidiado a empresas e estimular o investimento. Ocorre que, para emprestar ao BNDES, o Tesouro tem que tomar emprestado dos poupadores nacionais. Afinal, o Tesouro \u00e9 deficit\u00e1rio e n\u00e3o tem dinheiro sobrando para emprestar a ningu\u00e9m. Ao tomar dinheiro em mercado, o Tesouro tirou a oportunidade de que aquele dinheiro fosse emprestado por outros bancos a outros tomadores. Ou seja, os cr\u00e9ditos criados via BNDES n\u00e3o eram cr\u00e9ditos novos dentro da economia. Eram simples realoca\u00e7\u00f5es da poupan\u00e7a privada, em que o Governo decidiu, via BNDES, escolher quem receberia os cr\u00e9ditos, na suposi\u00e7\u00e3o de que o Governo tem mais capacidade que o mercado para alocar o cr\u00e9dito de forma eficiente.<\/p>\n

H\u00e1 pelo menos dois problemas nessa pol\u00edtica. Primeiro, o cr\u00e9dito n\u00e3o \u00e9 concedido aos melhores projetos (aqueles que t\u00eam mais chance de sucesso e de gerar crescimento econ\u00f4mico), mas sim aos projetos que t\u00eam maior conex\u00e3o pol\u00edtica. Segundo, o subs\u00eddio embutido no cr\u00e9dito aumenta o d\u00e9ficit p\u00fablico e, com isso, a press\u00e3o do Tesouro para se financiar no mercado, reduzindo a poupan\u00e7a dispon\u00edvel para financiar outros investimentos. A taxa de juros (pre\u00e7o da poupan\u00e7a dispon\u00edvel) sobe, prejudicando a viabilidade de todos os outros projetos que n\u00e3o t\u00eam acesso a juros subsidiados.<\/p>\n

Efeito similar tiveram as diversas medidas de prote\u00e7\u00e3o das empresas nacionais. A cadeia produtiva de \u00f3leo e g\u00e1s, por exemplo, foi submetida a crescentes exig\u00eancias de compra de insumos fabricados internamente. Houve grandes est\u00edmulos para a instala\u00e7\u00e3o de estaleiros em territ\u00f3rio nacional. Isso se traduziu em insumos mais caros, de pior qualidade e entregues fora do prazo. E tudo isso bancado por mais subs\u00eddios p\u00fablicos. Tamb\u00e9m da\u00ed decorrem baixa produtividade e redu\u00e7\u00e3o da capacidade de crescimento.<\/p>\n

Sempre que o Governo tenta proteger um dos elos da cadeia produtiva (por exemplo, a ind\u00fastria naval), ele desprotege o elo seguinte (produ\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo), pelo simples fato de que obrigar\u00e1 esse setor a comprar insumos mais caros e piores. N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel proteger todos os setores da economia nacional ao mesmo tempo. A menos que importemos o modelo econ\u00f4mico da Cor\u00e9ia do Norte.<\/p>\n

Numa demonstra\u00e7\u00e3o de que o controle fiscal era secund\u00e1rio e que o importante era estimular a empresa nacional, a Lei de Licita\u00e7\u00f5es foi alterada, para permitir aos \u00f3rg\u00e3os p\u00fablicos pagar at\u00e9 25% a mais nas licita\u00e7\u00f5es, quando o ofertante fosse empresa nacional. A aquisi\u00e7\u00e3o de medicamentos pelo SUS deixou de ter como objetivo \u00fanico atender as necessidades dos pacientes. Acoplou-se a ela uma pol\u00edtica industrial de produ\u00e7\u00e3o de medicamentos nacionais, mantida a base de fortes subs\u00eddios p\u00fablicos, que, obviamente, consumiam recursos que poderiam ir para o atendimento final dos pacientes. Aguardemos para ver os resultados em termos da expans\u00e3o da tecnologia e da capacidade nacional para produzir medicamentos…<\/p>\n

N\u00e3o menos problem\u00e1tica foi tentativa de induzir a Vale (empresa privada, mas com grande participa\u00e7\u00e3o de entidades estatais) a investir no beneficiamento de min\u00e9rio (atividade de baixo retorno e excesso de produ\u00e7\u00e3o internacional) em vez de se concentrar na mais lucrativa atividade de explora\u00e7\u00e3o e exporta\u00e7\u00e3o de min\u00e9rio. A Petrobras fez uma s\u00e9rie de maus neg\u00f3cios, desde compra de refinaria a pre\u00e7o superfaturado at\u00e9 constru\u00e7\u00e3o de refinarias sem viabilidade econ\u00f4mica. Tudo a t\u00edtulo de migrar da explora\u00e7\u00e3o de recursos naturais para atividades supostamente mais sofisticadas.<\/p>\n

No conjunto de interfer\u00eancias equivocadas no processo produtivo merece destaque a mudan\u00e7a do marco regulat\u00f3rio do petr\u00f3leo. A t\u00edtulo de extrair maiores rendas de petr\u00f3leo para o governo, e reduzir o lucro das petroleiras, foi proposta a mudan\u00e7a do regime de concess\u00e3o (que vinha funcionando bem) para o regime de partilha (ver mais sobre esse t\u00f3pico aqui<\/a>). Aproveitou-se para estabelecer uma reserva de mercado para a Petrobr\u00e1s, que seria a operadora \u00fanica dos campos e s\u00f3cia obrigat\u00f3ria, com pelo menos 30% do capital em cada campo.<\/p>\n

A discuss\u00e3o do novo marco regulat\u00f3rio paralisou o setor. Foram quatro anos sem novas licita\u00e7\u00f5es para explora\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo. Bilh\u00f5es de reais de investimentos deixaram de ser feitos, em um per\u00edodo em que o pre\u00e7o do barril superava os US$ 100 e, portanto, as petroleiras estavam dispostas a dar lances elevados pelas concess\u00f5es. Agora, com o petr\u00f3leo a US$ 50, o interesse por investir nos campos (de alto custo) do pr\u00e9-sal ca\u00edram bastante. Enquanto o Brasil gastava quatro anos discutindo as regras do pr\u00e9-sal, o desregulamentado mercado dos Estados Unidos viu florescer o \u00f3leo de xisto<\/em>, tornando-se o maior produtor de petr\u00f3leo do mundo.<\/p>\n

Ademais, a reserva de mercado concedida \u00e0 Petrobr\u00e1s se tornou um veneno para a empresa. Endividada, em fun\u00e7\u00e3o de in\u00fameros investimentos equivocados, interfer\u00eancia governamental e m\u00e1 governan\u00e7a decorrente de corrup\u00e7\u00e3o, a empresa n\u00e3o tem capital para participar com 30% de todo o capital da explora\u00e7\u00e3o do pr\u00e9-sal. Por conta disso, atrasa-se ainda mais o cronograma de investimentos do setor, freando o crescimento econ\u00f4mico.<\/p>\n

Ainda no setor de combust\u00edveis, destaca-se o congelamento do pre\u00e7o da gasolina. A medida teve por objetivo controlar, \u201cna marra\u201d, a expans\u00e3o da infla\u00e7\u00e3o, ap\u00f3s o equ\u00edvoco em se tentar controlar, \u201cna marra\u201d, a taxa de juros fixada pelo Banco Central. Ou seja, lan\u00e7ou-se m\u00e3o de uma medida errada (o controle de pre\u00e7os), para corrigir outra medida errada (o controle dos juros). Os efeitos n\u00e3o se compensaram: somaram-se a amplificaram seus efeitos negativos sobre a economia. Como diz o velho ditado: um erro n\u00e3o justifica o outro.<\/p>\n

De fato, a interven\u00e7\u00e3o teve diversos efeitos negativos. Em primeiro lugar, arruinou as finan\u00e7as da Petrobras, que foi obrigada a importar gasolina a um pre\u00e7o mais alto do que vendia no mercado interno (o que tamb\u00e9m prejudicou o balan\u00e7o de pagamentos). Em segundo lugar, inviabilizou todo o setor de produ\u00e7\u00e3o de etanol, que ficou menos competitivo em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 gasolina, levando usinas \u00e0 fal\u00eancia. Em terceiro lugar, criou uma infla\u00e7\u00e3o reprimida, que os agentes econ\u00f4micos sabiam que iria aparecer (como de fato apareceu) em 2015, no momento em que se permitisse um reajuste corretivo dos pre\u00e7os: as expectativas inflacion\u00e1rias ficaram mais r\u00edgidas, exigindo pol\u00edtica monet\u00e1ria mais restritiva.<\/p>\n

A express\u00e3o mais evidente do fracasso do novo marco regulat\u00f3rio do petr\u00f3leo foi o leil\u00e3o do megacampo de Libra, em 2013. Com reservas estimadas entre 8 e 12 bilh\u00f5es de barris, o maior campo j\u00e1 licitado no Brasil e um dos maiores do mundo obteve o interesse de apenas um cons\u00f3rcio, que o arrematou pelo pre\u00e7o m\u00ednimo. O que gerou esse resultado p\u00edfio foram as regras de explora\u00e7\u00e3o, que espantaram os potenciais investidores.<\/p>\n

No setor el\u00e9trico, a interven\u00e7\u00e3o do governo n\u00e3o foi mais feliz. \u00c0s v\u00e9speras de um per\u00edodo seco, com os reservat\u00f3rios das hidrel\u00e9tricas em n\u00edvel cr\u00edtico, foi decretada uma redu\u00e7\u00e3o de tarifas de energia. Estimulou-se o consumo quando se sabia que a oferta n\u00e3o daria conta de maior demanda. O risco de racionamento elevou-se e s\u00f3 n\u00e3o se concretizou porque a economia entrou em recess\u00e3o e o consumo caiu. Mas n\u00e3o escapamos de uma corre\u00e7\u00e3o de pre\u00e7os que, em poucos meses, aumentou em 50% a tarifa de energia.<\/p>\n

O desarranjo no setor el\u00e9trico foi al\u00e9m do problema das tarifas. Uma medida provis\u00f3ria (MP 579) buscou induzir as geradoras de energia a dar desconto no valor da energia produzida. Para tanto, prometia a renova\u00e7\u00e3o antecipada das concess\u00f5es que estavam para vencer nos pr\u00f3ximos anos. As geradoras ligadas \u00e0 Eletrobr\u00e1s foram induzidas a aceitar o acordo e tiveram perdas de receitas (criando mais \u201cesqueleto fiscal\u201d a ser transferido para o Tesouro no futuro). Outras importantes geradoras n\u00e3o aceitaram o acordo. O seu suprimento de energia deixou de ser vendido em contratos de longo prazo, a crise de abastecimento se agravou e os pre\u00e7os explodiram. Para quem desejava reduzir o custo da energia, o governo conseguiu um belo resultado, por\u00e9m com o sinal trocado!<\/p>\n

A t\u00e3o necess\u00e1ria recupera\u00e7\u00e3o da infraestrutura n\u00e3o escapou do equivocado pressuposto de que o governo conhece e pode mais que as empresas e o mercado. Ao mesmo tempo em que ofereceu ao setor privado a oportunidade de construir e administrar concess\u00f5es de estradas e aeroportos, o governo decidiu tabelar o lucro m\u00e1ximo que essas empresa poderiam obter. A ideia era fornecer infraestrutura barata para que os usu\u00e1rios pudessem deslocar sua produ\u00e7\u00e3o a baixo custo e as fam\u00edlias n\u00e3o fossem oneradas pelos custos de ped\u00e1gio. Ocorre que esse tabelamento de lucros atraiu empresas de baixa qualidade para a gest\u00e3o das estradas, inviabilizou a concess\u00e3o de outras tantas rodovias e diminuiu a concorr\u00eancia nas concess\u00f5es aeroportu\u00e1rias.<\/p>\n

Ainda no setor aeroportu\u00e1rio, a insist\u00eancia em manter forte interven\u00e7\u00e3o governamental, por meio da participa\u00e7\u00e3o da Infraero como s\u00f3cia de todos os cons\u00f3rcios, reduziu a agilidade dos cons\u00f3rcios administradores e onerou o er\u00e1rio, uma vez que a Infraero tem que participar com 49% (sua participa\u00e7\u00e3o no neg\u00f3cio) de todo o custo de investimento na reformula\u00e7\u00e3o e amplia\u00e7\u00e3o dos aeroportos.<\/p>\n

Outra conta que foi jogada para o contribuinte, no \u00e2mbito das concess\u00f5es, foi o subs\u00eddio credit\u00edcio dado nos financiamentos aos cons\u00f3rcios vencedores. Para que a tarifa aos usu\u00e1rios n\u00e3o fosse elevada, dava-se cr\u00e9dito barato aos concession\u00e1rios. Ou seja, a conta que o usu\u00e1rio dos servi\u00e7os (eletricidade, rodovias e aeroportos) n\u00e3o pagava, era repassada ao contribuinte. Mais despesa p\u00fablica em um pa\u00eds com as contas estressadas.<\/p>\n

N\u00e3o menos desastrada foi a pol\u00edtica de desonera\u00e7\u00e3o da m\u00e3o de obra. Com o intuito de reduzir os custos das empresas, substituiu-se a base de c\u00e1lculo da contribui\u00e7\u00e3o para a previd\u00eancia social. Em vez de se calcular a tributa\u00e7\u00e3o com base na remunera\u00e7\u00e3o de cada empregado, passou-se a calcul\u00e1-la com base no faturamento das empresas. O resultado imediato foi a indu\u00e7\u00e3o de contrata\u00e7\u00e3o de mais m\u00e3o de obra, pois agora a inclus\u00e3o de mais empregados na firma n\u00e3o aumentava o custo de contribui\u00e7\u00e3o previdenci\u00e1ria. Para um mesmo n\u00edvel de faturamento, n\u00e3o importava se a empresa tinha 10 ou 100 funcion\u00e1rios, a contribui\u00e7\u00e3o seria a mesma. Mas isso foi feito em um momento em que o pa\u00eds estava em pleno emprego. Estimular a contrata\u00e7\u00e3o em uma situa\u00e7\u00e3o como essa significa induzir aumentos de sal\u00e1rios, pois a demanda por m\u00e3o de obra cresce e a oferta de m\u00e3o de obra n\u00e3o acompanha, pois h\u00e1 poucos desempregados buscando coloca\u00e7\u00e3o. Em vez de reduzir custo das empresas, a medida representou aumento salarial: mais uma estocada na capacidade competitiva das empresas frente aos concorrentes externos, que tamb\u00e9m gerou perdas substanciais de arrecada\u00e7\u00e3o tribut\u00e1ria. \u00a0\u00a0(em outro artigo h\u00e1 mais detalhes sobre isso<\/a>).<\/p>\n

A falsa sensa\u00e7\u00e3o de que o Brasil estava engrenando um longo per\u00edodo de crescimento (criada pela renda extra vinda de fora, sob a forma de altos pre\u00e7os e alta demanda por commodities<\/em> e pelo dinheiro barato circulando no mercado financeiro internacional) levou a grande relaxamento da pol\u00edtica fiscal. Um pa\u00eds que, como vimos, permaneceu por \u00a0d\u00e9cadas na corda bamba do d\u00e9ficit, equilibrando-se \u00e0 base de aumento de carga tribut\u00e1ria e cortes de investimentos, de repente descobriu-se sem restri\u00e7\u00f5es fiscais. Na educa\u00e7\u00e3o, por exemplo, os gastos federais aumentaram de R$ 14 bilh\u00f5es em 2004 para R$ 94 bilh\u00f5es em 2014: um crescimento real de 294%! (mais sobre esses n\u00fameros aqui<\/a>)<\/p>\n

Como um cont\u00e1gio da baixa responsabilidade fiscal, o Governo Federal passou a estimular os estados e munic\u00edpios a se endividar. Estes aproveitaram a oportunidade para expandir suas folhas de pagamento.<\/p>\n

Em suma, houve uma primeira guinada de pol\u00edtica econ\u00f4mica em 2005-2006, motivada pelo Mensal\u00e3o e custeada pelo boom<\/em> de commodities<\/em>. Em seguida estabeleceu-se uma pol\u00edtica de expans\u00e3o fiscal com o pretexto de se fazer pol\u00edtica antic\u00edclica, posteriormente transformada em \u201cNova Matriz Econ\u00f4mica\u201d. Tal \u201cmatriz\u201d, al\u00e9m de aprofundar a lassid\u00e3o fiscal, introduziu novos elementos que prejudicariam o bom funcionamento da economia e sua capacidade de crescimento: escolha pelo governo dos setores a serem estimulados, prote\u00e7\u00e3o a empresas nacionais ineficientes, interfer\u00eancia na estrat\u00e9gia de investimento das grandes empresas, congelamento de pre\u00e7os de insumos b\u00e1sicos (energia el\u00e9trica e gasolina), relaxamento da pol\u00edtica monet\u00e1ria, paralisia das licita\u00e7\u00f5es de campos de petr\u00f3leo, eleva\u00e7\u00e3o do risco de racionamento de energia el\u00e9trica e aumento do risco regulat\u00f3rio (a hiperatividade do governo, interferindo em v\u00e1rios mercados, tornava as empresas receosas de investir).<\/p>\n

Esses efeitos negativos, contudo, n\u00e3o foram sentidos de imediato. O aumento da renda real, o baixo desemprego, a expans\u00e3o do consumo ajudada pelo cr\u00e9dito barato, as estat\u00edsticas de redu\u00e7\u00e3o da pobreza e da desigualdade, tudo isso fazia a popula\u00e7\u00e3o crer que seu n\u00edvel de vida havia mudado definitivamente para melhor.<\/p>\n

Como uma cigarra feliz, o Governo Federal estimulou os brasileiros a consumir com vontade toda a renda extra que veio dos ganhos do boom<\/em> de commodities<\/em> e do cr\u00e9dito barato vindo do exterior. Imposs\u00edvel n\u00e3o chamar a Nova Matriz Econ\u00f4mica pelo seu nome verdadeiro: \u201cpopulismo\u201d.<\/p>\n

Em 2013 a mar\u00e9 baixou e os problemas come\u00e7aram a aparecer<\/strong><\/p>\n

Em 2013 o ritmo de crescimento da economia chinesa come\u00e7ou a diminuir. Os mercados de commodities<\/em> esfriaram. A atividade econ\u00f4mica no Brasil sentiu o baque e os problemas acumulados com os erros da nova matriz, somados \u00e0 nossa hist\u00f3rica fragilidade fiscal e aos demais problemas estruturais, passaram a cobrar seu pre\u00e7o: o n\u00edvel de endividamento dos consumidores brecou a expans\u00e3o do consumo; a escalada da infla\u00e7\u00e3o corroeu a renda; acabou o dinheiro que estava bancando o crescimento\u00a0 insustent\u00e1vel dos gastos prim\u00e1rios; os subs\u00eddios credit\u00edcios dados pelo Tesouro elevaram a d\u00edvida bruta e o seu custo; a queda do pre\u00e7o do petr\u00f3leo somou-se aos esc\u00e2ndalos de corrup\u00e7\u00e3o e ao previs\u00edvel fracasso dos produtores nacionais de equipamentos de explora\u00e7\u00e3o, colocando a Petrobras na berlinda; as expectativas se deterioraram; as desonera\u00e7\u00f5es fiscais ajudaram a derrubar a receita p\u00fablica e ampliaram o d\u00e9ficit.<\/p>\n

O governo passou a maquiar as contas para esconder o d\u00e9ficit, deteriorando ainda mais a confian\u00e7a e as expectativas dos agentes econ\u00f4micos em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 consist\u00eancia da pol\u00edtica econ\u00f4mica. O gr\u00e1fico abaixo mostra como o resultado prim\u00e1rio despencou em 2014. Isso sinaliza para um r\u00e1pido crescimento da d\u00edvida p\u00fablica e descontrole da infla\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 2 \u2013 Resultado Prim\u00e1rio do Governo Federal<\/strong><\/p>\n

\"img_2585_2\"<\/a><\/p>\n

O Banco Central, que perdeu credibilidade ao baixar os juros e deixar a infla\u00e7\u00e3o escapar da meta, est\u00e1 se defrontando com taxas na casa de 10% ao ano. Para recobrar a credibilidade e fazer as pessoas acreditarem que pretende trazer a infla\u00e7\u00e3o de volta para a meta de 4,5% ao ano, ele precisa \u201ccomprar credibilidade\u201d, e o faz com uma eleva\u00e7\u00e3o de juros bem mais forte do que a que seria necess\u00e1ria caso os agentes econ\u00f4micos n\u00e3o tivessem perdido a f\u00e9 nas inten\u00e7\u00f5es da Autoridade Monet\u00e1ria. A recess\u00e3o necess\u00e1ria para colocar os pre\u00e7os nos eixos ter\u00e1 que ser maior.<\/p>\n

Diversos programas p\u00fablicos est\u00e3o sendo reduzidos ou extintos pela simples falta de dinheiro. Vedetes da propaganda oficial, como Fies, Pronatec, Minha Casa Minha Vida, Minha Casa Melhor e Ci\u00eancia sem Fronteira est\u00e3o encolhendo. Mas os desafios fiscais n\u00e3o param. A eleva\u00e7\u00e3o da infla\u00e7\u00e3o far\u00e1 com que os reajustes futuros do sal\u00e1rio m\u00ednimo, corrigidos pelos \u00edndices passados mais o crescimento real do PIB, sejam altos, realimentando os gastos p\u00fablicos e a press\u00e3o sobre as empresas.<\/p>\n

Apesar da evidente crise fiscal, sucessivos aumentos de gastos presentes e futuros t\u00eam sido aprovados, com destaque para a meta de se gastar 10% do PIB na \u00e1rea de educa\u00e7\u00e3o, a fixa\u00e7\u00e3o de um piso para o gasto em sa\u00fade equivalente a 15% da receita corrente l\u00edquida da Uni\u00e3o, a obrigatoriedade de execu\u00e7\u00e3o das emendas parlamentares ao or\u00e7amento, a substitui\u00e7\u00e3o do fator previdenci\u00e1rio por crit\u00e9rios mais frouxos de acesso a aposentadorias.<\/p>\n

A sociedade brasileira e as lideran\u00e7as pol\u00edticas parecem ter se acostumado com os anos recentes, em que a receita p\u00fablica crescia a 7% ao ano, e n\u00e3o conseguem se adaptar \u00e0 nova realidade, em que a receita est\u00e1 caindo em termos reais.<\/p>\n

As ag\u00eancias de avalia\u00e7\u00e3o de risco j\u00e1 sinalizaram o iminente rebaixamento da nota de cr\u00e9dito do pa\u00eds. Esse rebaixamento iminente j\u00e1 est\u00e1 expresso nas elevadas taxas de juros cobrados de empresas e governos brasileiros que buscam cr\u00e9dito no exterior. Quando consumado, o rebaixamento fechar\u00e1 o acesso do pa\u00eds a recursos de fundos de investimento internacionais, cujos estatutos pro\u00edbem investimentos em pa\u00edses sem qualifica\u00e7\u00e3o de cr\u00e9dito. A tend\u00eancia ser\u00e1 a desvaloriza\u00e7\u00e3o adicional do real, mais press\u00e3o inflacion\u00e1ria e maior dificuldade para equilibrar o balan\u00e7o de pagamentos.<\/p>\n

S\u00f3 n\u00e3o vamos para uma crise cl\u00e1ssica, de falta de liquidez para pagar nossos compromissos externos, porque acumulamos mais de US$ 350 bilh\u00f5es em reservas internacionais. Entretanto, o uso extensivo de swaps <\/em>cambiais est\u00e1 aumentando a exposi\u00e7\u00e3o do governo ao risco cambial, bem como o custo de manuten\u00e7\u00e3o das reservas. Em um cen\u00e1rio de stress<\/em>, o Banco Central pode ser obrigado a vender parte substancial das reservas, aproximando-nos de uma cl\u00e1ssica crise de balan\u00e7o de pagamentos.<\/p>\n

Como toda pol\u00edtica populista, a \u201cnova matriz\u201d era inconsistente e termina em crise. Tivemos a oportunidade de usar o per\u00edodo do boom<\/em> de commodities<\/em> para fazer reformas fiscais e regulat\u00f3rias que removeriam fragilidades e entraves ao crescimento da economia. Preferimos a f\u00f3rmula f\u00e1cil de torrar a renda extra pela via do gasto p\u00fablico em pol\u00edticas question\u00e1veis ou de efici\u00eancia n\u00e3o comprovada, al\u00e9m de multiplicar o cr\u00e9dito subsidiado.<\/p>\n

Temos problemas estruturais, que v\u00eam de longe e precedem a pol\u00edtica econ\u00f4mica dos \u00faltimos oito anos. Mas esta, sem d\u00favida, agravou em muito os fundamentos da economia brasileira.<\/p>\n

Feita essa longa digress\u00e3o, estamos em condi\u00e7\u00f5es de discutir indaga\u00e7\u00f5es que frequentemente surgem nesse momento de crise e de mudan\u00e7a de rota da pol\u00edtica econ\u00f4mica. No pr\u00f3ximo post ser\u00e1 apresentado um F.A.Q. da crise.<\/p>\n

 <\/p>\n

O autor agradece os coment\u00e1rios de Alexandre Rocha, Paulo Springer de Freitas e Pedro Fernando Nery, isentando-os de responsabilidade por erros eventualmente contidos no texto.<\/em><\/p>\n

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