{"id":2527,"date":"2015-05-25T10:13:42","date_gmt":"2015-05-25T13:13:42","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2527"},"modified":"2015-05-25T10:13:42","modified_gmt":"2015-05-25T13:13:42","slug":"quem-tem-medo-da-terceirizacao","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2527","title":{"rendered":"Quem tem medo da terceiriza\u00e7\u00e3o?"},"content":{"rendered":"

Para avaliar os impactos econ\u00f4micos da regulamenta\u00e7\u00e3o da terceiriza\u00e7\u00e3o, partiremos das cr\u00edticas que s\u00e3o feitas ao projeto que ora tramita no Congresso, e as analisaremos ponto a ponto, verificando sua consist\u00eancia.<\/p>\n

Um resumo dessas cr\u00edticas pode ser assim expresso:<\/p>\n

\u201cA terceiriza\u00e7\u00e3o vai \u2018precarizar\u2019 as rela\u00e7\u00f5es de trabalho. Por \u2018precariza\u00e7\u00e3o\u2019 entende-se: redu\u00e7\u00e3o dos direitos dos trabalhadores (f\u00e9rias, d\u00e9cimo terceiro, assist\u00eancia m\u00e9dica, etc) e redu\u00e7\u00e3o da remunera\u00e7\u00e3o (trabalhadores terceirizados tendem a receber remunera\u00e7\u00e3o inferior \u00e0 dos trabalhadores diretamente contratados). As empresas, sempre interessadas em reduzir custos, v\u00e3o terceirizar o m\u00e1ximo poss\u00edvel as suas atividades. Por isso, a gera\u00e7\u00e3o de empregos dentro das empresas ser\u00e1 reduzida. Haver\u00e1, ainda, redu\u00e7\u00e3o da seguran\u00e7a dos trabalhadores. Afinal, n\u00e3o sendo a contratante final do trabalhador, a empresa que terceirizar o servi\u00e7o n\u00e3o se preocupar\u00e1 com as condi\u00e7\u00f5es de seguran\u00e7a oferecidas. Tamb\u00e9m haver\u00e1 redu\u00e7\u00e3o na qualidade do servi\u00e7o prestado e na seguran\u00e7a oferecida aos consumidores. Tome-se como exemplo o caso dos bancos. Se forem terceirizadas fun\u00e7\u00f5es chave, como as de gerente de banco e de analista de cr\u00e9dito, as informa\u00e7\u00f5es cadastrais dos correntistas passam a ficar vulner\u00e1veis. H\u00e1, por fim, o risco de perda de poder de negocia\u00e7\u00e3o dos trabalhadores: a terceiriza\u00e7\u00e3o aumentar\u00e1 a divis\u00e3o do trabalho e a especializa\u00e7\u00e3o dos trabalhadores que, contratados de diversas firmas diferentes, n\u00e3o pertencer\u00e3o a um sindicato unificado. O resultado seria a perda de poder de barganha sindical, com reflexo negativo na remunera\u00e7\u00e3o do trabalho e correspondente aumento da participa\u00e7\u00e3o dos lucros na renda nacional. Se estendida ao servi\u00e7o p\u00fablico, a terceiriza\u00e7\u00e3o ser\u00e1 uma amea\u00e7a ao instituto do concurso p\u00fablico e um incentivo \u00e0 distribui\u00e7\u00e3o demag\u00f3gica e clientelista de empregos p\u00fablicos\u201d.<\/p><\/blockquote>\n

Qu\u00e3o pr\u00f3xima da realidade estaria essa avalia\u00e7\u00e3o? Como veremos, est\u00e1 bem distante!<\/p>\n

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    \n
  1. Aprovada a lei, n\u00e3o haver\u00e1 uma corrida pela terceiriza\u00e7\u00e3o do m\u00e1ximo poss\u00edvel de atividades das empresas<\/strong><\/li>\n<\/ol>\n

    \u00c9 preciso, considerar, em primeiro lugar, os motivos pelos quais uma empresa toma a decis\u00e3o de terceirizar uma atividade. Trata-se de decidir entre \u201cfazer internamente\u201d ou \u201ccomprar fora\u201d. Em analogia com as decis\u00f5es tomadas no \u00e2mbito de nossas casas, \u00e9 algo similar a decidir entre contratar uma cozinheira ou preferir fazer as refei\u00e7\u00f5es cotidianas em restaurantes self-service<\/em>. Diversas considera\u00e7\u00f5es s\u00e3o feitas para que se fa\u00e7a a escolha entre \u201cfazer internamente\u201d ou \u201ccomprar fora\u201d. Al\u00e9m da compara\u00e7\u00e3o entre o custo de contratar a cozinheira (sal\u00e1rios, impostos, direitos trabalhistas, etc.) e o custo da conta do restaurante, h\u00e1 outras considera\u00e7\u00f5es relevantes: qual a qualidade da comida de cada uma das op\u00e7\u00f5es; qu\u00e3o interessado eu estou em ter um card\u00e1pio preparado exatamente como eu gosto (em contraposi\u00e7\u00e3o aos pratos padronizados do restaurante); quais os hor\u00e1rios em que pretendo fazer a refei\u00e7\u00e3o (supondo que o restaurante n\u00e3o est\u00e1 sempre aberto e que posso negociar com a cozinheira os hor\u00e1rios em que ela trabalhar\u00e1); quais s\u00e3o as diferentes op\u00e7\u00f5es de pre\u00e7o e qualidade oferecidas pelos restaurantes das redondezas; quais os transtornos que terei se a cozinheira decidir deixar o emprego; quanto tempo e energia gastarei treinando e supervisionando o trabalho da cozinheira,\u00a0 etc.<\/p>\n

    A escolha entre a cozinheira e o restaurante n\u00e3o \u00e9 \u00f3bvia. Dizer que as empresas correr\u00e3o em dire\u00e7\u00e3o \u00e0 terceiriza\u00e7\u00e3o \u00e9 o mesmo que dizer que todas as fam\u00edlias preferir\u00e3o o self-service a ter uma cozinheira em casa. O fato de que milhares de lares do pa\u00eds t\u00eam empregadas dom\u00e9sticas que preparam as refei\u00e7\u00f5es di\u00e1rias ilustra isso.<\/p>\n

    Ap\u00f3s aprovada a regulamenta\u00e7\u00e3o da terceiriza\u00e7\u00e3o, n\u00e3o necessariamente as empresas desencadear\u00e3o intenso processo de terceiriza\u00e7\u00e3o, buscando reduzir custos. Deve-se lembrar, em primeiro lugar, que, embora as empresas sempre busquem reduzir custos (pois \u00e9 da ess\u00eancia do capitalismo), o mercado impede que esses custos caiam arbitrariamente. N\u00e3o \u00e9 por menos que firmas pagam sal\u00e1rios acima daqueles determinados em lei. Se, para reduzir custos, bastasse a empresa desejar faz\u00ea-lo, todos ganhariam sal\u00e1rio m\u00ednimo (ou o m\u00ednimo da categoria). N\u00e3o \u00e9 isso que ocorre simplesmente porque, se oferecer sal\u00e1rios incompat\u00edveis com o mercado, a firma n\u00e3o conseguiria contratar a m\u00e3o de obra na quantidade e com a qualifica\u00e7\u00e3o de que necessita.<\/p>\n

    Voltando \u00e0 an\u00e1lise da terceiriza\u00e7\u00e3o, h\u00e1 outros aspectos a serem considerados, al\u00e9m dos custos de produ\u00e7\u00e3o. As empresas buscam decis\u00f5es racionais, que permitam a sua sobreviv\u00eancia e competitividade em um mercado concorrencial. N\u00e3o raciocinam apenas na dimens\u00e3o de redu\u00e7\u00e3o de custos de produ\u00e7\u00e3o. Precisam, tamb\u00e9m, cuidar da qualidade do produto, da preserva\u00e7\u00e3o de suas informa\u00e7\u00f5es estrat\u00e9gicas, dos incentivos para que os trabalhadores e fornecedores se esforcem o m\u00e1ximo poss\u00edvel, de se protegerem de uma posi\u00e7\u00e3o de fragilidade nas negocia\u00e7\u00f5es com fornecedores e consumidores, de evitarem a multiplica\u00e7\u00e3o de tarefas e a perda da especializa\u00e7\u00e3o em seu neg\u00f3cio principal.<\/p>\n

    Tome-se o exemplo dos bancos, acima citado. \u00c9 muito prov\u00e1vel que as fun\u00e7\u00f5es de gerente e de analista de cr\u00e9dito n\u00e3o venham a ser terceirizadas. Esses profissionais lidam com informa\u00e7\u00f5es estrat\u00e9gicas para os bancos. Eles precisam pertencer \u00e0 organiza\u00e7\u00e3o, estando vinculados a um c\u00f3digo de \u00e9tica e a um padr\u00e3o de presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os (que pressup\u00f5e investimento pr\u00e9vio da empresa em treinamento). Logo, a empresa preferir\u00e1 \u201cfazer internamente\u201d esses servi\u00e7os em vez de \u201ccompr\u00e1-los fora\u201d.<\/p>\n

    Outro exemplo interessante foi apresentado por Vin\u00edcius Carrasco, em artigo publicado na revista Exame1<\/sup>. Suponha uma empresa que explora min\u00e9rio em uma localidade isolada do territ\u00f3rio nacional. N\u00e3o h\u00e1 portos por perto. Ela deve decidir se constr\u00f3i o pr\u00f3prio porto (fazer internamente) ou se transporta suas mercadorias atrav\u00e9s de um porto constru\u00eddo e administrado por terceiros (comprar fora). Muito provavelmente a empresa optar\u00e1 por construir o pr\u00f3prio porto, por uma raz\u00e3o simples. Se ficar dependente de um porto gerido por outra empresa, essa empresa portu\u00e1ria poder\u00e1 impor tarifas de transporte muito altas, pois n\u00e3o h\u00e1 outras op\u00e7\u00f5es de transporte para a mineradora, tendo em vista estar situada em local isolado no territ\u00f3rio nacional. Por outro lado, dificilmente haver\u00e1 empresa interessada em construir e gerir o porto. Afinal, haver\u00e1 somente um comprador para aquele servi\u00e7o (a empresa de minera\u00e7\u00e3o) que, por isso, pode tentar pressionar para baixo o valor do frete. Haveria, portanto, nesse exemplo, dificuldade em prover o servi\u00e7o de transporte de forma terceirizada.<\/p>\n

    Caso a minera\u00e7\u00e3o ocorresse em local pr\u00f3ximo a instala\u00e7\u00f5es portu\u00e1rias j\u00e1 existentes, havendo diversas possibilidades de escoamento, por diferentes portos, a firma de minera\u00e7\u00e3o teria a op\u00e7\u00e3o de terceirizar o transporte. Nesse caso, a terceiriza\u00e7\u00e3o\u00a0 n\u00e3o a colocaria em uma posi\u00e7\u00e3o fragilizada no mercado e, ao mesmo tempo, a permitiria se concentrar na sua fun\u00e7\u00e3o principal, que \u00e9 a extra\u00e7\u00e3o de min\u00e9rio.<\/p>\n

    Fica, ent\u00e3o, estabelecido o primeiro ponto: a regulamenta\u00e7\u00e3o da terceiriza\u00e7\u00e3o n\u00e3o desencadear\u00e1 um intenso processo de terceiriza\u00e7\u00e3o em busca de redu\u00e7\u00e3o de custos de produ\u00e7\u00e3o. As empresas dependem de outros fatores na decis\u00e3o entre \u201cfazer internamente\u201d ou \u201ccomprar fora\u201d.<\/p>\n

     <\/p>\n

      \n
    1. Quando houver terceiriza\u00e7\u00e3o, ela ajudar\u00e1 a aumentar a produtividade da economia, o que \u00e9 bom para todos, ainda que possa ser ruim para algumas categorias profissionais.<\/strong><\/li>\n<\/ol>\n

      Em diversos casos em que a terceiriza\u00e7\u00e3o vier a ser adotada, ela poder\u00e1 reduzir os custos de produ\u00e7\u00e3o, elevar a qualidade dos produtos e, sobretudo, aumentar a produtividade da economia (o que significa produzir mais bens e servi\u00e7os com uma mesma quantidade de trabalhadores, m\u00e1quinas e insumos). Isso aumenta a produ\u00e7\u00e3o e a renda do pa\u00eds, gerando mais empregos para todos. O custo disso, no entanto, pode ser a ocorr\u00eancia de perdas para algumas categorias profissionais.<\/p>\n

      Tomemos como exemplo um marceneiro que trabalhe fazendo esquadrias de madeira para janelas e portais em uma empresa que constr\u00f3i pr\u00e9dios de apartamentos. Sendo esta uma atividade fim no \u00e2mbito da empresa, a construtora n\u00e3o tem autoriza\u00e7\u00e3o legal para terceirizar o servi\u00e7o de marceneiro.<\/p>\n

      Por isso, esse marceneiro tende a ficar ocioso em v\u00e1rios momentos da jornada de trabalho. Nem sempre est\u00e1 na hora de instalar as portas e janelas, e nem sempre a construtora tem obras suficientes para que esse profissional esteja em plena atividade. Isso significa que, nesses momentos de inatividade, ele representar\u00e1 um custo para a empresa sem, ao mesmo tempo, gerar produ\u00e7\u00e3o. Diversas outras modalidades profissionais dentro do processo produtivo da empresa passar\u00e3o por esses momentos de ociosidade. Esse custo ser\u00e1 incorporado ao pre\u00e7o do apartamento, que por isso custar\u00e1\u00a0 mais caro. Menos pessoas ter\u00e3o condi\u00e7\u00f5es de comprar o apartamento, devido ao pre\u00e7o alto.<\/p>\n

      Uma vez permitida a terceiriza\u00e7\u00e3o, a empresa tender\u00e1 a demitir o marceneiro e terceirizar a fun\u00e7\u00e3o. Esse profissional, que tinha um emprego fixo e uma rotina tranquila, com v\u00e1rios per\u00edodos de ociosidade, provavelmente se transformar\u00e1 em um aut\u00f4nomo, e prestar\u00e1 servi\u00e7os a diversas empresas de constru\u00e7\u00e3o. Acabar\u00e3o seus per\u00edodos de \u00f3cio, e ele ter\u00e1 que ir de uma obra para outra, buscando servi\u00e7o onde houver demanda.<\/p>\n

      Em um primeiro momento, a qualidade de vida desse marceneiro pode cair, pois passar\u00e1 a ter uma vida menos previs\u00edvel, mudando de locais de trabalho com frequ\u00eancia, o que implica ter de se adaptar a novas rotas para o trabalho (com o risco de ter de ir trabalhar em locais mais distantes), novos colegas de profiss\u00e3o, etc. Por outro lado, sua renda tender\u00e1 a aumentar, pois a ociosidade que vivenciava no antigo emprego certamente era refletida em um sal\u00e1rio mais baixo. J\u00e1 para a sociedade como um todo, h\u00e1 uma melhora inequ\u00edvoca: as empresas operar\u00e3o com menor custo; os apartamentos custar\u00e3o mais barato e ser\u00e3o mais acess\u00edveis; a economia do pa\u00eds estar\u00e1 empregando os seus recursos produtivos (trabalho, insumos e capital) de forma mais eficiente e, portanto, gerando mais bens e servi\u00e7os (sendo, pois, mais produtiva).<\/p>\n

      E n\u00e3o h\u00e1 nada que implique perda de qualidade na produ\u00e7\u00e3o. Pelo contr\u00e1rio. A possibilidade de terceiriza\u00e7\u00e3o de diversas atividades que comp\u00f5em o processo produtivo de um pr\u00e9dio de apartamentos induzir\u00e1 a cria\u00e7\u00e3o de empresas especializadas em cada aspecto desse processo. O nosso marceneiro, que em um primeiro momento perdeu o emprego fixo e virou aut\u00f4nomo pode, em breve, ser contratado por uma empresa especializada em fornecer os servi\u00e7os de marcenaria para construtoras. Recuperar\u00e1 o seu emprego e, provavelmente, ganhar\u00e1 mais, pois ser\u00e1 mais produtivo na nova fun\u00e7\u00e3o. N\u00e3o s\u00f3 porque n\u00e3o ter\u00e1 mais per\u00edodos de ociosidade, como tamb\u00e9m porque estar\u00e1 dentro de uma organiza\u00e7\u00e3o especializada na produ\u00e7\u00e3o de portas e janelas. Como se sabe, a especializa\u00e7\u00e3o \u00e9 a chave para o progresso tecnol\u00f3gico. Em breve essa empresa estar\u00e1 criando m\u00e9todos mais modernos de produ\u00e7\u00e3o e instala\u00e7\u00e3o de janelas e portas, estar\u00e1 experimentando novos materiais na confec\u00e7\u00e3o de seus produtos, otimizar\u00e1 a distribui\u00e7\u00e3o do material e profissionais entre as obras (possivelmente terceirizando o servi\u00e7o de transportes para uma empresa especializada), etc.<\/p>\n

      Embora as empresas possam demitir alguns trabalhadores, substituindo-os por terceirizados, o n\u00edvel total de emprego da economia n\u00e3o diminuir\u00e1. Pelo contr\u00e1rio. \u00c0 medida que as empresas se tornem mais eficientes, em decorr\u00eancia da terceiriza\u00e7\u00e3o, elas expandir\u00e3o suas atividades, a economia crescer\u00e1 e mais emprego ser\u00e1 gerado em fun\u00e7\u00e3o dessa expans\u00e3o.<\/p>\n

      \u00c9 verdade que o nosso marceneiro passar\u00e1 por momentos de inseguran\u00e7a. Ningu\u00e9m gosta de perder um emprego fixo e um sal\u00e1rio certo ao final do m\u00eas. Por\u00e9m, se a op\u00e7\u00e3o da sociedade brasileira for a de dar seguran\u00e7a ao marceneiro e aos demais profissionais que, no curto prazo, venham a ter sua estabilidade amea\u00e7ada pela terceiriza\u00e7\u00e3o, o nosso destino ser\u00e1 a estagna\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica. Imagine se, com o advento da ilumina\u00e7\u00e3o el\u00e9trica, tivesse sido lan\u00e7ada uma legisla\u00e7\u00e3o vedando as instala\u00e7\u00f5es de postes el\u00e9tricos, com vistas a preservar a seguran\u00e7a do emprego do acendedor de lampi\u00f5es!<\/p>\n

      Chega-se, ent\u00e3o, a um segundo conjunto de conclus\u00f5es: a curto prazo haver\u00e1, de fato, maior inseguran\u00e7a para algumas categorias de trabalhadores cujas atividades venham a ser terceirizadas, mas isso corresponder\u00e1 a ganhos para a sociedade e a um rearranjo do mercado de trabalho que, no m\u00e9dio e longo prazo, poder\u00e3o beneficiar at\u00e9 mesmo aqueles adversamente afetados em um primeiro momento.<\/p>\n

       <\/p>\n

        \n
      1. Haver\u00e1 \u201cprecariza\u00e7\u00e3o\u201d das rela\u00e7\u00f5es de trabalho? <\/strong><\/li>\n<\/ol>\n

        Analisemos, agora, as diversas dimens\u00f5es daquilo que tem sido chamado de \u201cprecariza\u00e7\u00e3o\u201d das rela\u00e7\u00f5es de trabalho. A primeira dimens\u00e3o j\u00e1 foi tratada na se\u00e7\u00e3o anterior. Diversas categorias de trabalhadores perder\u00e3o o conforto do emprego fixo em uma determinada empresa, tendendo a se tornar empregados de empresas que prestam servi\u00e7os terceirizados a outras empresas.<\/p>\n

        Ainda que isso tire esses trabalhadores da zona de conforto do emprego fixo ao qual est\u00e3o acostumados, induzindo-os ao esfor\u00e7o adicional de buscar servi\u00e7o como trabalhador aut\u00f4nomo ou a se encaixar em outra firma especializada em presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7o terceirizado, n\u00e3o se pode dizer que esse trabalhador vai perder direitos legais.<\/p>\n

        O projeto em an\u00e1lise estende para os trabalhadores em regime terceirizado todas as garantias e vantagens dadas aos empregados das empresas contratantes dos servi\u00e7os terceirizados. Tamb\u00e9m cont\u00e9m mecanismos que impedem as empresas de demitir seus empregados para, em seguida, contrat\u00e1-los como terceirizados.<\/p>\n

        Tampouco \u00e9 verdade que trabalhadores terceirizados recebem menos que os empregados diretamente pelas empresas. \u00c9 importante aqui comentar sobre as conclus\u00f5es de um estudo elaborado pela CUT intitulado \u201cTerceiriza\u00e7\u00e3o e Desenvolvimento: uma conta que n\u00e3o fecha\u201d e que se transformou nos debates e nas redes sociais em uma b\u00edblia dos que criticam a terceiriza\u00e7\u00e3o. A Tabela 2 desse Estudo mostra que os trabalhadores em setores tipicamente terceirizados recebem 24,7% a menos do que aqueles que trabalham em setores tipicamente contratantes, trabalham 3 horas a mais por semana e possuem tempo m\u00e9dio de emprego 3,1 anos menor. Esses n\u00fameros seriam a prova cabal que a terceiriza\u00e7\u00e3o precariza o trabalho. Trata-se, entretanto, de uma interpreta\u00e7\u00e3o absolutamente equivocada dos dados.<\/p>\n

        O que ocorre atualmente \u00e9 que as \u00e1reas em que se permite a terceiriza\u00e7\u00e3o s\u00e3o aquelas que empregam trabalhadores de menor qualifica\u00e7\u00e3o (vigil\u00e2ncia e limpeza, por exemplo). N\u00e3o faz sentido comparar a remunera\u00e7\u00e3o desse tipo de profissional, com a de empregados de outros setores de empresas que fazem tarefas mais sofisticadas (marketing, vendas, etc.). S\u00e3o profissionais diferentes, com n\u00edvel de escolaridade diferente. O que determina a remunera\u00e7\u00e3o de cada um deles n\u00e3o \u00e9 o tipo de contrato de trabalho (terceirizado ou direto), e sim suas qualifica\u00e7\u00f5es e o tipo de trabalho que exercem.<\/p>\n

        \u00c9 preciso lembrar, ainda, que a autoriza\u00e7\u00e3o para a terceiriza\u00e7\u00e3o de toda e qualquer atividade dentro de uma empresa levar\u00e1 \u00e0 forma\u00e7\u00e3o de empresas especializadas na provis\u00e3o dos diversos aspectos do processo produtivo. Isso mudar\u00e1 completamente o perfil das empresas de terceiriza\u00e7\u00e3o hoje visto no pa\u00eds. As que hoje existem, concentradas nas \u00e1reas em que \u00e9 permitida a terceiriza\u00e7\u00e3o, lidam com grandes contingentes de trabalhadores pouco qualificados e, portanto, pouco remunerados.<\/p>\n

        A tend\u00eancia \u00e9 que surjam empresas de provis\u00e3o de servi\u00e7os terceirizados de alta qualifica\u00e7\u00e3o. E n\u00e3o haver\u00e1 raz\u00f5es \u00f3bvias para se acreditar que a remunera\u00e7\u00e3o oferecida por elas venha a ser inferior ao que pagam as empresas diretamente contratantes.<\/p>\n

        Note-se, a esse respeito, que o pa\u00eds est\u00e1 encerrando o seu per\u00edodo de transi\u00e7\u00e3o demogr\u00e1fica, o que significa dizer que a popula\u00e7\u00e3o em idade de trabalhar est\u00e1 encolhendo, e os indiv\u00edduos da terceira idade tornando-se mais numerosos. Em decorr\u00eancia, a quantidade de pessoas ofertando trabalho diminuir\u00e1. Pela lei da oferta e da demanda, as remunera\u00e7\u00f5es no mercado de trabalho tendem a subir.<\/p>\n

        No que diz respeito \u00e0 burla no pagamento e concess\u00e3o de direitos trabalhistas, de fato existe, no atual quadro de empresas de terceiriza\u00e7\u00e3o de trabalho de baixa qualifica\u00e7\u00e3o, abusos e empresas mal-intencionadas, que se aproveitam do baixo grau de informa\u00e7\u00e3o de seus empregados para burlar a lei e lhes negar direitos trabalhistas. A nova legisla\u00e7\u00e3o, contudo, cria mecanismos para coibir tais abusos. H\u00e1, por exemplo, o mecanismo em que a empresa contratante ret\u00e9m parte do pagamento \u00e0 contratada para garantir o pagamento dos direitos trabalhistas dos empregados terceirizados. Al\u00e9m disso, caso se omita nesse processo de reten\u00e7\u00e3o de recursos e de fiscaliza\u00e7\u00e3o dos direitos trabalhistas dos terceirizados, a contratante passa a ser co-respons\u00e1vel pelas irregularidades, sendo obrigada a arcar com os custos de indeniza\u00e7\u00e3o dos trabalhadores.<\/p>\n

        Racioc\u00ednio similar pode ser feito em rela\u00e7\u00e3o aos procedimentos de seguran\u00e7a no trabalho. N\u00e3o h\u00e1 qualquer raz\u00e3o para que uma empresa contratante seja menos cuidadosa na prote\u00e7\u00e3o de um terceirizado do que o \u00e9 em rela\u00e7\u00e3o ao um contratado direto. Isso porque a Justi\u00e7a do Trabalho brasileira \u00e9 reconhecidamente enviesada a favor dos trabalhadores. H\u00e1, portanto, grande probabilidade de que uma empresa contratante seja condenada a pagar indeniza\u00e7\u00e3o a um terceirizado que venha a se acidentar durante a presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os.<\/p>\n

        A terceiriza\u00e7\u00e3o pode mesmo contribuir para aumentar a seguran\u00e7a do trabalho, ao reduzir os custos de prover essa seguran\u00e7a. Uma vez que cada empresa se especializar\u00e1 em um conjunto menor de atividades, ser\u00e1 mais f\u00e1cil implantar procedimentos de seguran\u00e7a adequados para aquele tipo de atividade. Ao mesmo tempo, os cursos de preven\u00e7\u00e3o de acidentes, ao serem focados em atividades espec\u00edficos, tornar-se-\u00e3o mais eficazes e mais baratos.<\/p>\n

         <\/p>\n

          \n
        1. O enfraquecimento dos sindicatos e a perda de poder de barganha dos trabalhadores<\/strong><\/li>\n<\/ol>\n

          Se h\u00e1 perdedores certos com a regulamenta\u00e7\u00e3o da terceiriza\u00e7\u00e3o, estes s\u00e3o os sindicatos de trabalhadores nos moldes hoje organizados. \u00c0 medida que a terceiriza\u00e7\u00e3o permitir\u00e1 ampla especializa\u00e7\u00e3o das empresas, cada uma se concentrando em um aspecto espec\u00edfico do processo de produ\u00e7\u00e3o, os trabalhadores ser\u00e3o igualmente fragmentados em diversas empresas. Ainda que trabalhem no mesmo espa\u00e7o f\u00edsico, n\u00e3o ser\u00e3o os mesmos trabalhadores atuando sempre nos mesmos lugares.<\/p>\n

          Da\u00ed decorrem diversas dificuldades para os sindicatos. Em primeiro lugar, tendem a surgir profiss\u00f5es mais especializadas e, consequentemente, um sindicato amplo se repartiria em diversos sindicatos espec\u00edficos. Em vez de um sindicato geral dos metal\u00fargicos, haveria v\u00e1rios sindicatos dos trabalhadores em empresas de pe\u00e7as espec\u00edficas que comp\u00f5em os diversos processos produtivos dentro da metalurgia. Em segundo lugar, a mobilidade e rotatividade da m\u00e3o de obra nos locais de trabalho dificultariam a organiza\u00e7\u00e3o da a\u00e7\u00e3o sindical.<\/p>\n

          Toda a renda e poder pol\u00edtico auferidos pelos dirigentes sindicais fica amea\u00e7ada. Da\u00ed a forte rea\u00e7\u00e3o \u00e0 inova\u00e7\u00e3o legislativa.<\/p>\n

          O enfraquecimento dos sindicatos atuais n\u00e3o significa, contudo, o enfraquecimento da classe trabalhadora e do seu poder de barganha. Al\u00e9m do fato de que outros sindicatos surgir\u00e3o, desafiando a hegemonia dos atuais; h\u00e1 a realidade inconteste de que outras profiss\u00f5es e vagas de trabalho surgir\u00e3o. O aumento de produtividade viabilizado pela terceiriza\u00e7\u00e3o far\u00e1 com que o poder da lei da oferta e da demanda por trabalho beneficie os trabalhadores muito mais do que conquistas sindicais. Uma economia mais produtiva pagar\u00e1 mais a empregados que geram mais valor agregado para as empresas.<\/p>\n

          Em suma: a estrutura sindical hoje existente certamente perder\u00e1, o que n\u00e3o significa que os trabalhadores em geral ser\u00e3o prejudicados; nem que a terceiriza\u00e7\u00e3o sancionar\u00e1 uma concentra\u00e7\u00e3o de renda em favor do capital e em preju\u00edzo do trabalho.<\/p>\n

           <\/p>\n

          Haver\u00e1 precariza\u00e7\u00e3o dos servi\u00e7os p\u00fablicos, com desestrutura\u00e7\u00e3o dos concursos p\u00fablicos e politiza\u00e7\u00e3o nas contrata\u00e7\u00f5es nos cargos p\u00fablicos?<\/strong><\/p>\n

          A esse respeito \u00e9 preciso dizer, em primeiro lugar, que a vers\u00e3o do projeto aprovada na C\u00e2mara dos Deputados estipula que as regras ali inscritas n\u00e3o se aplicam \u00e0 terceiriza\u00e7\u00e3o no \u00e2mbito da administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica. O que na realidade \u00e9 uma pena, pois o projeto ajudaria a resolver v\u00e1rios problemas hoje existentes nas terceiriza\u00e7\u00f5es no setor p\u00fablico, como argumentado adiante.<\/p>\n

          Se o Senado vier a alterar esse dispositivo, permitindo que as regras valham para a administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica, haver\u00e1 mais ganhos do que perdas para o pa\u00eds.<\/p>\n

          Supondo que isso ocorra, como ficariam os concursos p\u00fablicos? N\u00e3o haveria uma generalizada terceiriza\u00e7\u00e3o de fun\u00e7\u00f5es, com a contrata\u00e7\u00e3o de apadrinhados pol\u00edticos, em detrimento do m\u00e9rito dos concursos?<\/p>\n

          Esse, de fato, \u00e9 um problema. Se as empresas s\u00e3o for\u00e7adas a tomar decis\u00f5es racionais para se manter vivas no mercado competitivo, o mesmo n\u00e3o \u00e9 v\u00e1lido para os \u00f3rg\u00e3os p\u00fablicos. Estes n\u00e3o enfrentam nada similar a uma concorr\u00eancia de mercado, n\u00e3o est\u00e3o sob o risco de fal\u00eancia e, sobretudo, os seus dirigentes est\u00e3o apenas de passagem, n\u00e3o tendo compromisso com a qualidade dos servi\u00e7os prestados no longo prazo. Muitas vezes o interesse eleitoral de curto prazo induz a a\u00e7\u00f5es nocivas ao interesse p\u00fablico no \u00e2mbito da administra\u00e7\u00e3o governamental.<\/p>\n

          Seria necess\u00e1rio, por isso, uma regula\u00e7\u00e3o espec\u00edfica para a terceiriza\u00e7\u00e3o no \u00e2mbito da administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica. Tal regulamenta\u00e7\u00e3o substituiria os limites que o mercado imp\u00f5e \u00e0s empresas privadas.<\/p>\n

          Por outro lado, v\u00e1rios ganhos poderiam ser obtidos na presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os terceirizados no \u00e2mbito da administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica. Novas formas de gest\u00e3o hospitalar e de escolas poderiam melhorar a qualidade do servi\u00e7o prestado, criando-se, no \u00e2mbito da administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica, um ambiente de concorr\u00eancia e inova\u00e7\u00e3o entre prestadores e modos de gest\u00e3o. Nem sempre a contrata\u00e7\u00e3o por concurso p\u00fablico, associada \u00e0 estabilidade no emprego, \u00e9 a melhor forma de se ter m\u00e3o de obra motivada e disposta a prestar bom servi\u00e7o p\u00fablico. O espa\u00e7o para terceiriza\u00e7\u00e3o poderia abrir espa\u00e7o para inova\u00e7\u00f5es importantes.<\/p>\n

          Ademais, a administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica sofre bastante com problemas nos servi\u00e7os atualmente terceirizados em fun\u00e7\u00e3o da inexist\u00eancia de mecanismos que est\u00e3o sendo propostos no projeto em discuss\u00e3o. Por exemplo, \u00e9 comum que prestadoras de servi\u00e7o abandonem os contratos pr\u00f3ximo ao final de sua vig\u00eancia, deixando empregados sem pagamento. Tamb\u00e9m comum \u00e9 o n\u00e3o recolhimento de contribui\u00e7\u00f5es \u00e0 previd\u00eancia, FGTS e outras. Quando isso ocorre, a administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica torna-se imediatamente respons\u00e1vel por assumir tais encargos, em fun\u00e7\u00e3o de uma s\u00famula editada pela Justi\u00e7a do Trabalho. Por isso, os incentivos da legisla\u00e7\u00e3o atual s\u00e3o para que as empresas ajam com des\u00eddia, pois sabem que os seus empregados n\u00e3o ir\u00e3o \u00e0 Justi\u00e7a contra elas, visto que os direitos ser\u00e3o imediatamente pagos pelo poder p\u00fablico.<\/p>\n

          A proposta em discuss\u00e3o cria v\u00e1rios mecanismos de dep\u00f3sitos pr\u00e9vios e de reten\u00e7\u00e3o de verbas que minoram esse incentivo incorreto. Ademais, deixa mais claros os limites da corresponsabilidade do contratante.<\/p>\n

          Assim, um eventual regramento em separado para a terceiriza\u00e7\u00e3o na administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica deve aproveitar os mecanismos preventivos que venham a ser aprovados para o setor privado.<\/p>\n

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          1<\/sup> Vin\u00edcius Carrasco. \u201cTerceiriza\u00e7\u00e3o e Natureza da Firma\u201d. Exame.com. Publicado em 12\/05\/2015.<\/p>\n

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