{"id":2515,"date":"2015-05-18T09:33:19","date_gmt":"2015-05-18T12:33:19","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2515"},"modified":"2015-05-18T09:33:19","modified_gmt":"2015-05-18T12:33:19","slug":"como-decide-um-ministro-do-stf","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2515","title":{"rendered":"Como decide um Ministro do STF?"},"content":{"rendered":"
1. Introdu\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n O que influencia a decis\u00e3o de um juiz em julgamento? V\u00e1rias teorias buscam responder a quest\u00e3o e definir os determinantes do comportamento judicial. Nos Estados Unidos, uma farta literatura emp\u00edrica – de autoria de juristas, cientistas pol\u00edticos e economistas – analisa a tomada decis\u00e3o dos ju\u00edzes da Suprema Corte do pa\u00eds. As decis\u00f5es s\u00e3o determinadas pelo texto da lei? Ou os ju\u00edzes s\u00e3o orientados pela ideologia ao julgar? Que objetivos eles perseguem, e como perseguem esses objetivos? Essas s\u00e3o todas quest\u00f5es fundamentais da literatura de comportamento judicial.<\/p>\n Tr\u00eas teorias de comportamento judicial se destacam: o jur\u00eddico, o atitudinal e o estrat\u00e9gico. A primeira se relaciona com uma abordagem normativa e argumenta que o comportamento judicial est\u00e1 restringido pela lei e pelo direito. Essa restri\u00e7\u00e3o n\u00e3o existe para os \u201catitudinalistas\u201d, que sustentam que os ju\u00edzes votam de acordo com as suas prefer\u00eancias pessoais em um caso, inclusive ideol\u00f3gicas. Por seu turno, na teoria estrat\u00e9gica, um juiz vai adotar estrat\u00e9gias para chegar aos seus objetivos, dado que podem existir v\u00e1rias restri\u00e7\u00f5es ao seu comportamento. Por essa vis\u00e3o, que \u00e9 um desdobramento da teoria de escolha racional (rational choice theory<\/em>), um juiz consideraria a rea\u00e7\u00e3o de todos os agentes, dentro ou fora da Corte (ex: Poder Executivo), e adotaria uma conduta estrat\u00e9gica para atingir seus objetivos.<\/p>\n A \u00a0proxy<\/em> de ideologia mais usada nos estudos atitudinais \u00e9 o partido pol\u00edtico do Presidente que indicou o juiz. Os autores que usam essa proxy<\/em> partem do pressuposto de que um Presidente indica um juiz por afinidade ideol\u00f3gica e, por isso, o partido do Presidente se relaciona com a pr\u00f3pria ideologia do indicado.\u00a0 Exemplo eminente da for\u00e7a da teoria atitudinal \u00e9 o julgamento recente mais not\u00f3rio da Suprema Corte americana: Bush v Gore<\/em>. No controverso desdobramento do impasse na recontagem dos votos do estado da Fl\u00f3rida nas elei\u00e7\u00f5es presidenciais de 2000, a decis\u00e3o da corte foi tomada por cinco votos a quatro: os cinco votos vencedores eram de indicados por Presidentes republicanos, e os dois \u00fanicos indicados por democratas no tribunal ficaram do lado vencido.<\/p>\n 2. Literatura para o STF<\/strong><\/p>\n Jaloretto e Mueller (2011) testam empiricamente a hip\u00f3tese de as indica\u00e7\u00f5es presidenciais influenciarem as decis\u00f5es do Supremo Tribunal Federal do Brasil, concluindo que n\u00e3o h\u00e1 evid\u00eancia emp\u00edrica de que as decis\u00f5es do STF sejam influenciadas pelo m\u00e9todo de escolha de seus ministros.\u00a0 Leoni e Ramos (2006) aplicam uma t\u00e9cnica de estima\u00e7\u00e3o bayesiana (ideal point estimation<\/em>) e tamb\u00e9m concluem que o Supremo \u00e9 independente, apesar de uma tend\u00eancia de apoiar cada vez mais o Executivo nos \u00faltimos anos estudados. Para eles, os ministros n\u00e3o s\u00e3o representantes dos presidentes que os indicaram. Oliveira (2008) usa uma regress\u00e3o log\u00edstica para chegar a um resultado consoante com o de Jaloretto e Mueller. O trabalho n\u00e3o encontra muita evid\u00eancia para o papel de fatores pol\u00edticos, e, ao observar um alto de grau de consenso nas vota\u00e7\u00f5es, atribui um papel fundamental nas decis\u00f5es para o \u201cprofissionalismo\u201d. A autora avalia que este resultado d\u00e1 \u201ccredibilidade e legitimidade\u201d ao Supremo Tribunal Federal.<\/p>\n \u00a03.\u00a0<\/strong>Um modelo espacial para os votos do STF<\/strong><\/p>\n De maneira a testar empiricamente a hip\u00f3tese de que o voto de um ministro se correlaciona com o Presidente que o indicou, \u00e9 oportuna a utiliza\u00e7\u00e3o de um modelo espacial de vota\u00e7\u00e3o (NOMINATE<\/em>). Este \u00e9 um m\u00e9todo de escala multidimensional (multidimensional scaling<\/em>) para projetar prefer\u00eancias em um espa\u00e7o. Cada objeto recebe uma localiza\u00e7\u00e3o (coordenada) nesse espa\u00e7o, de acordo com a similaridade que os objetos possu\u00edrem, ficando os menos semelhantes entre si mais distantes nesse espa\u00e7o. Na aplica\u00e7\u00e3o aqui proposta, os objetos s\u00e3o os ministros, as similaridades s\u00e3o observadas atrav\u00e9s de seus votos e as localiza\u00e7\u00f5es indicariam poss\u00edveis \u00a0posicionamentos ideol\u00f3gicos.<\/p>\n Atrav\u00e9s do padr\u00e3o que emerge de uma quantidade de vota\u00e7\u00f5es, o modelo concede coordenadas em um espa\u00e7o para os votantes. Essas coordenadas dependem da maneira que os votos se correlacionam. Votantes que agem de forma parecida recebem coordenadas de maneira a ficarem espacialmente pr\u00f3ximos. Da mesma forma, votantes que agem de forma diversa recebem coordenadas de maneira a ficarem espacialmente distantes.<\/p>\n Dentre as infinitas possibilidades de coordenadas para os votantes em N <\/em>dimens\u00f5es, o modelo escolher\u00e1, por um estimador de m\u00e1xima verossimilhan\u00e7a, os posicionamentos mais prov\u00e1veis, de acordo com os dados.<\/p>\n Foram estimados pontos ideais para os ministros usando os dados dos votos que eles deram nos julgamentos das 756 a\u00e7\u00f5es diretas de Inconstitucionalidade entre 2002 e 2012, abrangendo o final do governo FHC, os dois mandatos de Lula e o in\u00edcio do governo Dilma. Como a forma\u00e7\u00e3o do tribunal n\u00e3o foi uniforme entre junho de 2002 e mar\u00e7o de 2012, os pontos foram estimados para diferentes per\u00edodos, respeitando as nove composi\u00e7\u00f5es diferentes que o Supremo teve.<\/p>\n Tamb\u00e9m foram estimados pontos ideais para o Advogado-Geral da Uni\u00e3o (AGU) e para o Procurador-Geral da Rep\u00fablica (PGR). Ambos devem se posicionar em todas as a\u00e7\u00f5es diretas de inconstitucionalidade, e a compara\u00e7\u00e3o dos seus pontos estimados com os dos ministros enriquece a an\u00e1lise das teorias de comportamento judicial.<\/p>\n Apesar de o artigo 131 da Constitui\u00e7\u00e3o atribuir ao AGU a fun\u00e7\u00e3o de representar e assessorar a Uni\u00e3o, a mesma Constitui\u00e7\u00e3o lhe reserva, no artigo 103, outro papel nas ADI: o de advogado de defesa. Assim, ele \u00e9, em tese, obrigado a se manifestar em todos os processos defendendo a norma que \u00e9 alvo da a\u00e7\u00e3o. No entanto,\u00a0 desde a ADI 1616, julgada em 2001, o AGU ficou desobrigado a defender normas em processos em que a jurisprud\u00eancia do STF aponte para a inconstitucionalidade. Essa possibilidade tornou a atua\u00e7\u00e3o do Advogado-Geral da Uni\u00e3o mais interessante, porque ele passou a ter maior discricionariedade.<\/p>\n J\u00e1 o PGR deve apresentar um parecer, que pode ser tanto favor\u00e1vel quanto contr\u00e1rio \u00e0 a\u00e7\u00e3o, atuando como custos legis<\/em>, o fiscal da lei. \u00a0Tal qual acontece com a manifesta\u00e7\u00e3o do AGU, o parecer do PGR n\u00e3o vincula o voto dos ministros: eles podem seguir ou n\u00e3o seguir esse parecer.<\/p>\n Assim, \u00e9 poss\u00edvel discutir a validade das principais teorias de comportamento judicial (atitudinal, estrat\u00e9gica e jur\u00eddica) com os gr\u00e1ficos estimados, apresentados a seguir. Na apresenta\u00e7\u00e3o dos pontos ideais, os ministros est\u00e3o classificados em subgrupos, de acordo com o Presidente que os indicou, conforme legenda no canto direito superior.<\/p>\n Os eixos dos gr\u00e1ficos n\u00e3o representam necessariamente uma divis\u00e3o esquerda-direita ou liberal-conservador. Como os pontos s\u00e3o estimados de acordo com o padr\u00e3o de votos dos ministros, a interpreta\u00e7\u00e3o dos eixos depende de uma an\u00e1lise \u201csubjetiva\u201d das divis\u00f5es ocorridas nas vota\u00e7\u00f5es.<\/p>\n Figura 1 – 1\u00ba per\u00edodo: 20\/06\/2002 a 24\/06\/2003.<\/p>\n Figura 2 – 2\u00ba per\u00edodo: 25\/06\/2003 a 29\/06\/2004.<\/p>\n Figura 3 \u2013 3\u00ba per\u00edodo 30\/06\/2004 a 15\/03\/2006.<\/p>\n Figura 4 – 4\u00ba e 5\u00ba per\u00edodos: 16\/03\/2006 a 20\/06\/2006, 21\/06\/2006 a 04\/09\/2007.<\/p>\n Figura 5 – 6\u00ba per\u00edodo: 05\/09\/2007 a 22\/10\/2009.<\/p>\n Figura 6 – 7\u00ba, 8\u00ba e 9\u00ba per\u00edodos: 23\/10\/2009 a 02\/03\/2011, 03\/03\/2011 a 18\/12\/2011, 19\/12\/2011 a 08\/03\/2012.<\/p>\n Pelo modelo atitudinal, na forma que a proxy <\/em>de ideologia leva em conta o Presidente respons\u00e1vel pela indica\u00e7\u00e3o, era de se esperar que os pontos nos gr\u00e1ficos estivessem dispersos de acordo com as cores (j\u00e1 que a cor de cada ministro foi colocada de acordo com o Presidente que o indicou). N\u00e3o \u00e9 isso que acontece: pontos vermelhos (indica\u00e7\u00f5es de Lula) est\u00e3o dispersos pelos gr\u00e1ficos, e pontos de outras cores (indica\u00e7\u00f5es de outros Presidentes) tamb\u00e9m n\u00e3o se dividem dessa forma.<\/p>\n Tamb\u00e9m em rela\u00e7\u00e3o ao modelo estrat\u00e9gico \u00e9 poss\u00edvel fazer algumas considera\u00e7\u00f5es a partir dos gr\u00e1ficos. A ideia ent\u00e3o de que o Supremo n\u00e3o seria completamente independente por temer contrariar o Executivo perde for\u00e7a quando se compara a posi\u00e7\u00e3o dos ministros com a do AGU, que representaria o governo federal.<\/p>\n Por fim, como salienta a literatura de comportamento judicial, \u00e9 muito dif\u00edcil provar objetivamente que um voto \u00e9 estrat\u00e9gico ou que \u00e9 sincero (como no modelo jur\u00eddico). \u00c9 a presen\u00e7a do PGR nos gr\u00e1ficos estimados que permite discutir a validade do modelo jur\u00eddico. Se, por hip\u00f3tese, ele de fato segue o seu papel constitucional de custos legis<\/em> (\u201cfiscal da lei\u201d) e produz pareceres independentes com objetivos estritamente jur\u00eddicos, n\u00e3o perseguindo estrat\u00e9gias, a an\u00e1lise da sua localiza\u00e7\u00e3o em rela\u00e7\u00e3o aos ministros indicaria a validade do modelo para o STF.<\/p>\n N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel concluir, portanto, que algum dos tr\u00eas modelos analisados \u00e9 mais pertinente do que outro para explicar o comportamento judicial no STF. A aplica\u00e7\u00e3o do modelo de vota\u00e7\u00e3o espacial vai ao encontro de outros trabalhos emp\u00edricos para o STF: de que o voto de um ministro pouco se correlacionaria com a ideologia do Presidente que o indicou, contrariamente ao que parte da opini\u00e3o p\u00fablica pensa sobre a quest\u00e3o. Uma explica\u00e7\u00e3o plaus\u00edvel para isso \u00e9 que, a partir de sua nomea\u00e7\u00e3o, o ministro n\u00e3o depende mais do que Presidente que o indicou: n\u00e3o h\u00e1 qualquer mecanismo de recondu\u00e7\u00e3o, devido \u00e0 vitaliciedade do cargo.<\/p>\n 4. Considera\u00e7\u00f5es finais: breve an\u00e1lise do mensal\u00e3o<\/em><\/strong><\/p>\n A possibilidade deste \u201ccomportamento determin\u00edstico\u201d do Ministro de acordo com o Presidente que o indicou, conforme o caso Bush v Gore<\/em>, encontrou respaldo na atua\u00e7\u00e3o de parte dos ministros na A\u00e7\u00e3o Penal 470 (mensal\u00e3o<\/em>), conforme a Figura seguinte.<\/p>\n Figura 7 \u2013 Pontos ideais estimados – Mensal\u00e3o<\/p>\n Sem a pretens\u00e3o de analisar exaustivamente esse julgamento, as coordenadas na dimens\u00e3o horizontal (esquerda-direita) se relacionam com uma maior ou menor incid\u00eancia de votos pr\u00f3-r\u00e9u, conforme compara\u00e7\u00e3o com o ponto estimado do PGR (que em uma a\u00e7\u00e3o penal tem o papel de acusador \u2013 neste tipo de processo n\u00e3o h\u00e1 participa\u00e7\u00e3o do AGU).<\/p>\n Embora ministros indicados por Lula estejam dispersos pelo gr\u00e1fico, na verdade, a divis\u00e3o esquerda-direita do gr\u00e1fico parece opor ministros mais novos na corte (indicados depois da divulga\u00e7\u00e3o do esc\u00e2ndalo) de ministros mais antigos, \u00e0 exce\u00e7\u00e3o de Fux. Essa divis\u00e3o<\/a>, por exemplo, seria consoante com o modelo atitudinal, conforme a percep\u00e7\u00e3o da opini\u00e3o p\u00fablica, dando ensejo \u00e0 altera\u00e7\u00e3o no processo de escolha dos ministros.<\/p>\n <\/p>\n Este texto \u00e9 baseado no paper <\/em>\u00a0\u201cHow Judges Think in the Brazilian Supreme Court: Estimating ideal points and identifying dimensions<\/a>\u201d e na disserta\u00e7\u00e3o<\/em> \u201cComo Decidem os Ministros do STF: Pontos Ideais e Dimens\u00f5es de Prefer\u00eancias<\/a>\u201d.<\/p>\n <\/p>\n Leituras recomendadas:<\/strong><\/p>\n Teorias de comportamento judicial:<\/strong><\/p>\n EPSTEIN, L.; KNIGHT, J., The Choices Justices Make<\/em>. Washington: CQ Press, 1998. 186 p.<\/p>\n EPSTEIN, L.; KNIGHT, J.; MARTIN, A. The Supreme Court as a Strategic National Policymaker. Emory Law Journal<\/em>, v. 50, p. 583-612, 2001.<\/p>\n POSNER, R How judges think<\/em>. Cambrige: Harvard University Press, 2008. 400 p. <\/p>\n Modelo espacial de vota\u00e7\u00e3o (NOMINATE<\/em>):<\/strong><\/p>\n EVERSON, P.; VALLELY, R.; WISEMAN, J. NOMINATE and American Political History: A Primer. VoteView Working Paper<\/em>, 2009.<\/p>\n POOLE, K.; ROSENTHAL, H. A Spatial Model for Legislative Roll Call Analysis. GSIA Working Paper<\/em> #5-83-84, 1983.<\/p>\n <\/p>\n Literatura emp\u00edrica para o STF:<\/strong><\/p>\n JALORETTO, M.; MUELLER, B. O Procedimento de Escolha dos Ministros do Supremo Tribunal Federal \u2013 Uma An\u00e1lise Emp\u00edrica. Economic Analysis of Law Review<\/em>, v. 2, p. 170-187, 2011.<\/p>\n LANNES, O.; DESPOSATO, S.; INGRAM, M. Judicial Behavior in Civil Law Systems: Changing Patterns on the Brazilian\u00a0Supremo Tribunal Federal. In: CICLO 2012 DO PROGRAMA DE SEMIN\u00c1RIOS CIEF-CERME-LAPCIPP-MESP, 2, Bras\u00edlia, 14. nov 2012.<\/p>\n LEONI, E.; RAMOS, A. Judicial Preferences and Judicial Independence in New Democracies: the Case of the Brazilian Supreme Court<\/em>. Dispon\u00edvel em: http:\/\/eduardoleoni.com\/workingpapers\/<\/a>>. Acesso em: 14 out. 2012.<\/p>\n RIBEIRO, R. Pol\u00edtica e Economia na Jurisdi\u00e7\u00e3o Constitucional Abstrata (1999-2004). Revista Direito GV<\/em>, v. 8, p. 87-108, 2012.<\/p>\n Download:<\/strong><\/p>\n<\/a><\/p>\n
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\nSEGAL, J.; SPAETH, H. The Supreme Court and the Attitudinal Model<\/em>. New York: Cambridge University Press, 1992.<\/p>\n