{"id":2495,"date":"2015-04-28T12:58:07","date_gmt":"2015-04-28T15:58:07","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2495"},"modified":"2015-04-28T12:58:07","modified_gmt":"2015-04-28T15:58:07","slug":"por-que-nao-abrir-o-mercado-brasileiro-de-servicos-de-engenharia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2495","title":{"rendered":"Por que n\u00e3o abrir o mercado brasileiro de servi\u00e7os de engenharia?"},"content":{"rendered":"
A “Opera\u00e7\u00e3o Lava Jato” da Pol\u00edcia Federal revelou a exist\u00eancia de uma poss\u00edvel organiza\u00e7\u00e3o criminosa envolvendo empreiteiras e empresas estatais na presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os de infraestrutura no pa\u00eds. Esse epis\u00f3dio abre importante oportunidade de aperfei\u00e7oamento institucional e de ganhos econ\u00f4micos para o pa\u00eds. Ela mostra \u00a0que o controle do mercado de servi\u00e7os de engenharia e projetos por grandes empresas nacionais \u00e9 nocivo ao pa\u00eds. A crise torna politicamente fact\u00edvel a abertura desse mercado \u00e0 participa\u00e7\u00e3o de empresas estrangeiras. Passa a ser politicamente vi\u00e1vel a ado\u00e7\u00e3o de medidas como: o fim da exig\u00eancia de conte\u00fado local em obras nacionais, o fim da prefer\u00eancia a empresas brasileiras em licita\u00e7\u00f5es p\u00fablicas ou a abertura do mercado de trabalho para engenheiros estrangeiros.<\/p>\n
H\u00e1 quatro raz\u00f5es para a abertura do mercado de servi\u00e7os de engenharia: efetivo funcionamento da Justi\u00e7a; desincentivo \u00e0 cria\u00e7\u00e3o de organiza\u00e7\u00e3o criminosa ou de cart\u00e9is; aumento da produtividade da economia; e atra\u00e7\u00e3o de m\u00e3o de obra especializada escassa no pa\u00eds. Esses pontos s\u00e3o descritos a seguir.<\/p>\n
Efetivo funcionamento da Justi\u00e7a<\/strong>. O controle do mercado de projetos e servi\u00e7os de engenharia e arquitetura por algumas poucas grandes empreiteiras nacionais restringe a possibilidade de que sejam efetivamente punidas judicialmente, caso se envolvam com corrup\u00e7\u00e3o ou ilegalidades. Cria-se uma situa\u00e7\u00e3o em que essas empresas tornam-se \u201cmuito grandes para serem punidas\u201d. Logo ap\u00f3s \u00e0 revela\u00e7\u00e3o das dimens\u00f5es do esc\u00e2ndalo, autoridades como o Vice-Presidente da Rep\u00fablica, o Presidente do Tribunal de Contas da Uni\u00e3o e o Ministro da Controladoria Geral da Uni\u00e3o, por exemplo, se pronunciarem a favor da \u201cmodula\u00e7\u00e3o\u201d da puni\u00e7\u00e3o das empresas para evitar a declara\u00e7\u00e3o de sua inidoneidade. Temia-se que, impedidas de contratar obras p\u00fablicas, n\u00e3o haveria outras empresas no mercado para realizar tais obras, com o consequente atraso nos investimentos em infraestrutura1<\/sup>.<\/p>\n A restri\u00e7\u00e3o \u00e0 puni\u00e7\u00e3o, nesses termos, \u00e9 uma evidente amea\u00e7a ao Estado de Direito e \u00e0 igualdade de todos perante a lei. Cria-se incentivo \u00e0 pr\u00e1tica de il\u00edcitos pela sinaliza\u00e7\u00e3o de que n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel punir infratores. Para que se evite tal constrangimento, \u00e9 preciso quebrar o dom\u00ednio de grandes empreiteiras nacionais no mercado de obras p\u00fablicas. A abertura para empresas estrangeiras \u00e9 uma solu\u00e7\u00e3o natural para que a Justi\u00e7a n\u00e3o seja constrangida no cumprimento de suas fun\u00e7\u00f5es. Realizada em conjunto com outros aprimoramentos institucionais (tais como maior controle dos financiamentos de campanha por fornecedores do setor p\u00fablico, agiliza\u00e7\u00e3o da justi\u00e7a, melhor regula\u00e7\u00e3o da concess\u00e3o de servi\u00e7os p\u00fablicos, etc.) a abertura ajudaria a conter o peso econ\u00f4mico e pol\u00edtico das empreiteiras nacionais. Nesse novo cen\u00e1rio, se tornadas inid\u00f4neas, elas n\u00e3o amea\u00e7ariam os investimentos do pa\u00eds, pois sempre restaria ao Estado a op\u00e7\u00e3o de contratar empresas internacionais.<\/p>\n Restri\u00e7\u00e3o \u00e0 cria\u00e7\u00e3o de organiza\u00e7\u00f5es criminosas e cartel<\/strong>. Um mercado fechado \u00e0 entrada de estrangeiros facilita a cria\u00e7\u00e3o de organiza\u00e7\u00f5es criminosas e cartel, resultando em sobrepre\u00e7o e despreocupa\u00e7\u00e3o com a qualidade dos servi\u00e7os prestados. A abertura do mercado dificultaria as pr\u00e1ticas ilegais por tr\u00eas motivos. Em primeiro lugar, aumentaria o n\u00famero de empresas que precisariam chegar a acordo em torno do procedimento il\u00edcito, o que dificultaria o conluio e diminuiria o ganho esperado de cada empresa (o bolo teria que ser dividido por um maior n\u00famero de participantes). Em segundo lugar, colocaria no mercado brasileiro empresas e executivos novos e pertencentes a distintas culturas empresariais; mais uma vez dificultando a forma\u00e7\u00e3o de acordos, pelo menos enquanto as empresas estrangeiras n\u00e3o se aculturam e estruturam seus la\u00e7os pol\u00edticos e econ\u00f4micos. Em terceiro lugar, as empresas estrangeiras est\u00e3o sujeitas \u00e0 puni\u00e7\u00e3o imposta pelos judici\u00e1rios de seus pa\u00edses de origem, quase sempre mais eficientes e duros que o brasileiro (com exce\u00e7\u00e3o de alguns pa\u00edses da \u00c1sia), o que preveniria comportamento anticoncorrencial por parte das empresas estrangeiras atuantes no pa\u00eds.<\/p>\n Aumento da produtividade da economia<\/strong>. O Brasil entrou em um ciclo de baixo crescimento econ\u00f4mico porque v\u00e1rios fatores que, no passado, impulsionaram o crescimento est\u00e3o perdendo for\u00e7a:<\/p>\n Frente a esse quadro, a principal forma de acelerar o crescimento do pa\u00eds \u00e9 atrav\u00e9s do aumento da produtividade da economia. Ou seja, fazer com que os nossos restritos estoques de capital e de m\u00e3o de obra sejam capazes de produzir mais e melhores bens e servi\u00e7os.<\/p>\n Um dos fatores de baixa produtividade da economia brasileira \u00e9 a nossa infraestrutura limitada e de baixa qualidade. Estradas esburacadas aumentam o custo de frete e o \u00edndice de perda de produtos durante o transporte. Portos congestionados e sem calado para receber grandes embarca\u00e7\u00f5es restringem a agilidade na circula\u00e7\u00e3o de insumos e produtos. Aeroportos com restri\u00e7\u00f5es em suas malhas de voo e atrasos por falta de equipamentos para navega\u00e7\u00e3o durante mau tempo dificultam a circula\u00e7\u00e3o de executivos e t\u00e9cnicos especializados. De modo geral, em infraestrutura gastamos pouco e gastamos mal.2<\/sup><\/p>\n O Brasil tem hist\u00f3rico de dificuldades para expandir a quantidade e qualidade de sua infraestrutura. H\u00e1 reconhecida incapacidade para identificar claramente os gargalos de infraestrutura, definir os melhores projetos para solucionar tais gargalos, elencar prioridades na defini\u00e7\u00e3o de projetos, produzir projetos de boa qualidade, e executar as obras dentro do prazo cumprindo o or\u00e7amento do projeto3<\/sup>.<\/p>\n Uma leitura dos recentes relat\u00f3rios do TCU sobre as contas do governo \u00e9 bastante ilustrativa; em especial as se\u00e7\u00f5es que avaliam os investimentos do Programa de Acelera\u00e7\u00e3o do Crescimento (PAC). Na edi\u00e7\u00e3o de 2011 l\u00ea-se, por exemplo, que a Usina Hidrel\u00e9trica de Belo Monte estava com sua previs\u00e3o de conclus\u00e3o atrasada em tr\u00eas anos. A Termonuclear Angra III estava atrasada em dois anos. No segmento de transportes o atraso m\u00e9dio era de 1,2 ano. Dezessete obras dos grupos Petrobras e Eletrobras tinham or\u00e7amentos estourados em mais de 100% do or\u00e7amento inicial4<\/sup>.<\/p>\n Na edi\u00e7\u00e3o de 2012, o relat\u00f3rio de contas de governo destaca o atraso nas obras de transposi\u00e7\u00e3o do Rio S\u00e3o Francisco, com o primeiro trecho postergado de 2010 para 2014 e o segundo trecho passando de 2012 para 2015. A obra, que em 2007 tinha or\u00e7amento de R$ 4,8 bilh\u00f5es, pulou para R$ 8,2 bilh\u00f5es em 20125<\/sup>.<\/p>\n Um projeto de Trem de Alta Velocidade (TAV) entre Rio e S\u00e3o Paulo surgiu no ano de 2008 com um or\u00e7amento estimado em R$ 34 bilh\u00f5es. N\u00e3o obstante a impon\u00eancia dos valores envolvidos (com ind\u00edcios de subestimativas), os projetos e modelagem de concess\u00e3o apresentavam falhas e inconsist\u00eancias. Em consequ\u00eancia, n\u00e3o houve empresas interessadas no neg\u00f3cio, e o TAV parece ter sido arquivado, embora ainda conste como projeto do PAC.6<\/sup> Os torcedores da Copa do Mundo de 2014 sentaram-se em est\u00e1dios cujo custo de constru\u00e7\u00e3o chegou, em alguns casos, a duplicar em rela\u00e7\u00e3o aos projetos originais (ver mais sobre esse ponto em outro post neste blog<\/a>).<\/p>\n A abertura do mercado brasileiro de servi\u00e7os de projeto e engenharia ajudaria a minorar esses problemas. N\u00e3o apenas pelo aumento na quantidade de empresas capazes de realizar obras, como tamb\u00e9m pela entrada de novas tecnologias, e pela agrega\u00e7\u00e3o de valor decorrente de maior capacidade de planejamento e execu\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Suprimento de m\u00e3o de obra especializada.<\/strong> Uma das principais restri\u00e7\u00f5es apresentadas pelo mercado de trabalho brasileiro \u00e9 a escassez de m\u00e3o de obra especializada. As empresas t\u00eam grande dificuldade em preencher vagas que exigem forma\u00e7\u00e3o de n\u00edvel superior em engenharia, geologia, arquitetura, qu\u00edmica e outras profiss\u00f5es do ramo de servi\u00e7os de engenharia, arquitetura e projetos7<\/sup>. A abertura do mercado brasileiro n\u00e3o traria apenas firmas, mas tamb\u00e9m profissionais estrangeiros qualificados, contratados e treinados nas matrizes das empresas, para preencher essa lacuna.<\/p>\n Ressalte-se a oportunidade que tem o Brasil de tirar proveito de um grande contingente de profissionais qualificados que, em fun\u00e7\u00e3o da crise econ\u00f4mica europeia, encontra-se sem perspectiva profissional em seus pa\u00edses de origem. Pessoas cuja forma\u00e7\u00e3o foi custeada por outros pa\u00edses poderiam colocar sua capacidade de trabalho a nossa disposi\u00e7\u00e3o. A tradicional fuga de c\u00e9rebros, em que cientistas e t\u00e9cnicos formados \u00e0 custa do contribuinte brasileiro transferem-se para universidades e empresas estrangeiras, pode agora ser revertida em favor do Brasil.<\/p>\n H\u00e1, portanto, boas e fortes raz\u00f5es para a abertura do mercado brasileiro a empresas de engenharia e projetos estrangeiras, ainda que, sozinha, essa provid\u00eancia n\u00e3o represente condi\u00e7\u00e3o suficiente para melhorar a qualidade, custo e honestidade dos processos produtivos do setor.<\/p>\n Outras reformas se imp\u00f5em<\/strong><\/p>\n Embora seja condi\u00e7\u00e3o necess\u00e1ria para darmos um salto institucional, a abertura do mercado de servi\u00e7os de projeto, engenharia e arquitetura, isoladamente, n\u00e3o \u00e9 suficiente para alcan\u00e7armos tal melhoria. \u00c9 preciso aprimorar outros aspectos legais e regulat\u00f3rios. Restri\u00e7\u00f5es ao financiamento de campanha por empresas que t\u00eam grandes contratos com o setor p\u00fablico \u00e9 certamente um ponto central para se cortar o alinhamento de interesses entre pol\u00edticos e fornecedores do governo. Note-se que n\u00e3o se est\u00e1 aqui falando em \u201cfinanciamento de campanha exclusivamente p\u00fablico\u201d, como propugnado por muitos. Trata-se apenas de restringir, na legisla\u00e7\u00e3o, o evidente conflito de interesse que existe em contribuir para campanhas e, ao mesmo tempo, ser fornecedor do setor p\u00fablico.<\/p>\n Outro aspecto central \u00e9 a regula\u00e7\u00e3o dos processos de concess\u00e3o de obras p\u00fablicas. No passado recente o Governo Federal priorizou a modicidade tarif\u00e1ria no desenho de leil\u00f5es de concess\u00e3o. Acabou, com isso, atraindo algumas empresas que aceitavam cobrar tarifas baixas, mesmo sabendo que tal remunera\u00e7\u00e3o n\u00e3o permitiria manter a qualidade dos servi\u00e7os e os investimentos definidos no contrato de concess\u00e3o. Possivelmente essas empresas objetivavam, posteriormente, pressionar o governo para obter aditivos contratuais. Houve empresas estrangeiras que se comportaram desse modo, sendo o caso da espanhola OHL o exemplo cl\u00e1ssico: obteve contratos de concess\u00e3o de rodovias com ped\u00e1gios a R$ 1,00. Deu motivo para o Governo comemorar o aparente sucesso de um leil\u00e3o vantajoso para o usu\u00e1rio das rodovias. Na pr\u00e1tica, a empresa falhou em cumprir o contrato e deixou o pa\u00eds depois de tomar empr\u00e9stimos bilion\u00e1rios no BNDES e de passar alguns anos coletando ped\u00e1gio sem oferecer o servi\u00e7o no padr\u00e3o contratado (j\u00e1 tratamos sobre isso neste blog<\/a>) 8<\/sup>.<\/p>\n Certamente as empresas internacionais que entrarem no Brasil ir\u00e3o, com o tempo, aprender as brechas deixadas pela legisla\u00e7\u00e3o, pela regula\u00e7\u00e3o e pelas falhas de fiscaliza\u00e7\u00e3o para incrementar seus ganhos. Da\u00ed a import\u00e2ncia de se fazer progressos institucionais. O aumento da autonomia decis\u00f3ria e da qualidade t\u00e9cnica das ag\u00eancias reguladoras \u00e9 um ponto fundamental nesse processo.<\/p>\n Por fim, h\u00e1 que se investir na melhoria da capacidade de planejamento do Estado, para evitar que obras desnecess\u00e1rias ou n\u00e3o priorit\u00e1rias sejam realizadas, relegando-se as urgentes ao segundo plano; bem como para que os projetos tenham qualidade e cumpram suas finalidades com efici\u00eancia. N\u00e3o obstante a necessidade de todas essas reformas \u00e9 preciso, tamb\u00e9m, aumentar a concorr\u00eancia no mercado de projetos e obras de\u00a0 engenharia. Em textos futuros falaremos sobre algumas das barreiras \u00e0 entrada que existem nesse mercado.<\/p>\n ___________<\/p>\n 1<\/sup> Ver, na imprensa, por exemplo: http:\/\/veja.abril.com.br\/multimidia\/video\/inidoneidade-ou-nao-as-gigantes-empreiteiras-da-lava-jato-eis-a-questao\/<\/a> e http:\/\/brasil.elpais.com\/brasil\/2014\/11\/24\/politica\/1416836274_165235.html<\/a><\/p>\n 2<\/sup> Ver, a esse respeito, por exemplo: Frischtak (2013), Mesquita, Volpe e Blyde (2008), Pag\u00e9s (2010).<\/p>\n 3<\/sup> Sobre esse ponto ver Rajaram et al (2008) e Banco Mundial (2009).<\/p>\n 4<\/sup> TCU (2011, p. 178-186).<\/p>\n 5<\/sup> TCU (2012, p. 466-67)<\/p>\n 6<\/sup> Sobre as inconsist\u00eancias do TAV ver Mendes (2010) e Mendes (2011).<\/p>\n 7<\/sup> Ver Funda\u00e7\u00e3o Dom Cabral (2013).<\/p>\n 8<\/sup> Velloso et al (2012) tratam essa quest\u00e3o em detalhes do ponto de vista te\u00f3rico e pr\u00e1tico.<\/p>\n <\/p>\n Download:<\/strong><\/p>\n\n