{"id":2384,"date":"2015-02-09T07:31:41","date_gmt":"2015-02-09T10:31:41","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2384"},"modified":"2015-02-09T07:31:41","modified_gmt":"2015-02-09T10:31:41","slug":"caesb-saneamento-basico-preco-de-luxo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2384","title":{"rendered":"CAESB: saneamento b\u00e1sico, pre\u00e7o de luxo"},"content":{"rendered":"

Na revis\u00e3o anual das tarifas de \u00e1gua e esgoto do Distrito Federal para 2015, que acaba de autorizar, a Ag\u00eancia Reguladora de \u00c1gua, Energia e Saneamento B\u00e1sico do DF\u2013 ADASA \u2013 n\u00e3o deixou por menos: 16,2%, quase 10 pontos percentuais acima da infla\u00e7\u00e3o. Enquanto isso, a SABESP, concession\u00e1ria de S\u00e3o Paulo, foi autorizada a reajustar suas tarifas em 6,5%, \u00edndice compat\u00edvel com a infla\u00e7\u00e3o do per\u00edodo de refer\u00eancia.<\/p>\n

Conceder aumentos muito acima da infla\u00e7\u00e3o para esses servi\u00e7os tem sido a pr\u00e1tica da ADASA. Com isso, a ag\u00eancia tem chancelado o descontrole operacional e financeiro que caracteriza a gest\u00e3o da Companhia de Saneamento do DF (CAESB) nos \u00faltimos anos. Exatamente o oposto do que deveria fazer: cobrar efici\u00eancia na gest\u00e3o da concession\u00e1ria p\u00fablica, em obedi\u00eancia ao seu mandato de defender os interesses dos consumidores e preservar a viabilidade financeira da presta\u00e7\u00e3o dos servi\u00e7os.<\/p>\n

A observa\u00e7\u00e3o de alguns poucos indicadores de desempenho da CAESB \u00e9 suficiente para demonstrar que a empresa vem dissipando os generosos aumentos recebidos ao longo do \u00faltimo quinqu\u00eanio, com vis\u00edvel queda na sua capacidade de gera\u00e7\u00e3o de caixa livre.<\/p>\n

Os dados do Gr\u00e1fico 1 mostram que a folha de pagamentos da empresa vem crescendo a taxas significativamente maiores que as da receita operacional \u2013 que \u00e9 a soma de todas as contas de consumidores ao longo do ano. Mesmo contando com um crescimento exuberante de 55% no faturamento no per\u00edodo, a CAESB n\u00e3o conseguiu manter est\u00e1vel a rela\u00e7\u00e3o entre o faturamento e a folha. A despesa com pessoal mais que dobrou \u2013 um aumento de 105%, frente a uma infla\u00e7\u00e3o de 25,2% (IPCA anual julho a junho \u2013 base 2009). Isso significa que a folha teve um crescimento real de 63,6%.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 1.<\/strong><\/p>\n

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O forte aumento real do faturamento da CAESB n\u00e3o se deu somente pela eleva\u00e7\u00e3o de tarifas unit\u00e1rias (por m3<\/sup> c\u00fabico de \u00e1gua e esgoto) e pela expans\u00e3o do volume de servi\u00e7os prestados. Parcela representativa do aumento da tarifa m\u00e9dia \u00e9 decorrente da extin\u00e7\u00e3o, na pr\u00e1tica, da categoria \u201cresidencial popular\u201d, como se v\u00ea no Gr\u00e1fico 2. Os consumidores \u201cresidenciais normais\u201d, que, em 2010, representavam 50,2% dos consumidores, agora representam 94,0%! O percentual de consumidores \u201cresidenciais populares\u201d caiu de 44,4% para 0,1%. Isso quer dizer que apenas 1 em cada 1000 consumidores do DF \u00e9 ainda enquadrado nessa categoria, quando em 2010 a propor\u00e7\u00e3o era de 444 para mil.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 2.<\/strong><\/p>\n

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O aumento de pre\u00e7os ao consumidor causado por essa reclassifica\u00e7\u00e3o \u00e9 significativo: 33,7%. Para exemplificar, 1.000 litros de \u00e1gua na tarifa\u00e7\u00e3o inicial da CAESB para as \u201cresid\u00eancias populares\u201d custariam hoje R$1,66 \u2013 caso o segmento n\u00e3o tivesse sido extinto; j\u00e1 para os consumidores \u201cresidenciais normais\u201d a tarifa \u00e9 de R$ 2,20. Como se v\u00ea, al\u00e9m de avan\u00e7ar nos pre\u00e7os bem acima da infla\u00e7\u00e3o, a pol\u00edtica de pre\u00e7os do saneamento no DF \u00e9 ainda mais abusiva contra os mais pobres.<\/p>\n

Os subs\u00eddios nos sistemas de saneamento b\u00e1sico no Brasil s\u00e3o cruzados. Consumidores de maior poder aquisitivo pagam mais caro, porque n\u00edveis maiores de consumo t\u00eam tarifas unit\u00e1rias maiores. Duas vari\u00e1veis determinam o grau de subs\u00eddio: o n\u00edvel do consumo (quanto menor o consumo, menor o pre\u00e7o unit\u00e1rio) e a classifica\u00e7\u00e3o s\u00f3cio-econ\u00f4mica. O subs\u00eddio por volume de consumo \u00e9 bastante eficaz, no sentido em que \u00e9 autorregul\u00e1vel. Se o consumidor passa a consumir mais, sua tarifa m\u00e9dia sobe, sem necessidade de qualquer controle burocr\u00e1tico, pois faixas de consumo mais elevadas t\u00eam tarifa mais alta. Se houve redu\u00e7\u00e3o dos benefici\u00e1rios do subs\u00eddio pelo crit\u00e9rio s\u00f3cio-econ\u00f4mico, deveria ter havido queda concomitante nas tarifas mais altas, mantendo fixa a tarifa m\u00e9dia.<\/p>\n

Voltando ao Gr\u00e1fico 1, a tarifa m\u00e9dia faturada pela CAESB cresceu 40% no per\u00edodo de 2009 a 2013 – saindo de R$ 2,80 (por mil litros de \u00e1gua e esgoto) para R$ 3,89 – frente a uma infla\u00e7\u00e3o de 25,2%.<\/p>\n

A disparada das tarifas unit\u00e1rias explica a forte eleva\u00e7\u00e3o do faturamento real da CAESB (descontada a infla\u00e7\u00e3o) de 23,8%, enquanto a produ\u00e7\u00e3o cresceu menos da metade desse percentual: apenas 11,7%: saiu de 308 milh\u00f5es de m3<\/sup>, em 2009, para 344 milh\u00f5es de m3<\/sup>, em 2013, como mostra o Gr\u00e1fico 3.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 3.<\/strong><\/p>\n

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Outra tend\u00eancia preocupante vista no Gr\u00e1fico 1 \u00e9 a compress\u00e3o dos gastos com insumos de terceiros, que tiveram crescimento de 17,6% entre 2009 e 2013, inferior ao \u00edndice de infla\u00e7\u00e3o do per\u00edodo (de 25,2%). Isso pode ser um ind\u00edcio de poss\u00edvel canibaliza\u00e7\u00e3o da rede e dos equipamentos da empresa, embora sempre exista a possibilidade de que essa redu\u00e7\u00e3o de custos esteja relacionada a ganhos de efici\u00eancia. Ao mesmo tempo, mostra a despropor\u00e7\u00e3o entre o aumento da folha de pagamento e os demais custos de opera\u00e7\u00e3o. A t\u00edtulo de compara\u00e7\u00e3o, a Sabesp gerou, em 2013, receita bruta de aproximadamente R$ 12,9 bilh\u00f5es e gastou com pessoal 1,6 bilh\u00e3o, uma percentagem de 12,4%. J\u00e1 a CAESB faturou R$1,3 bilh\u00e3o e despendeu R$ 556 milh\u00f5es com folha de pagamento, uma propor\u00e7\u00e3o de 42%, o equivalente a 3,5 vezes o gasto relativo com pessoal da SABESP.<\/p>\n

Existem outras anomalias flagrantes. O Gr\u00e1fico 4 demonstra que o lucro l\u00edquido vem sendo erodido. A eros\u00e3o do lucro e o encolhimento dos gastos com terceiros s\u00e3o ind\u00edcios de que a empresa talvez se torne incapaz de manter e expandir sua rede nos n\u00edveis requeridos pelo consumo de uma popula\u00e7\u00e3o crescente. Tamb\u00e9m grave e an\u00f4mala \u00e9 a tend\u00eancia de crescimento da parcela do lucro distribu\u00edda aos empregados, em detrimento do acionista majorit\u00e1rio \u2013 o GDF. Em 2011 se deu o caso mais alarmante dessa pr\u00e1tica perdul\u00e1ria: apesar da queda expressiva no lucro, os empregados amealharam participa\u00e7\u00e3o de R$ 9,5 milh\u00f5es, mais do que o dobro do que restou ao acionista controlador, meros R$ 4 milh\u00f5es. Em 2012, com aumento no lucro, a participa\u00e7\u00e3o dos empregados foi de R$ 37,6 milh\u00f5es, ou 70% do que foi destinado ao GDF. No caso da SABESP, a participa\u00e7\u00e3o no lucro dos empregados, em 2013, foi de R$ 68,5 milh\u00f5es, diante de um lucro l\u00edquido de R$ 1,9 bilh\u00f5es, uma propor\u00e7\u00e3o de 3,6%.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 4.<\/strong><\/p>\n

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Diante da atual crise h\u00eddrica de S\u00e3o Paulo, poder-se-ia argumentar que, apesar dos bons indicadores financeiros, a Sabesp n\u00e3o \u00e9 um exemplo a ser seguido. Em rela\u00e7\u00e3o a essa cr\u00edtica, h\u00e1 duas r\u00e9plicas poss\u00edveis. A primeira \u00e9 que a situa\u00e7\u00e3o no Distrito Federal \u00e9 confort\u00e1vel somente em fun\u00e7\u00e3o de investimentos pesados feitos antes de 2009 e de uma hidrologia mais favor\u00e1vel que vem atingindo a regi\u00e3o. De acordo com o Sistema Nacional de Informa\u00e7\u00f5es sobre Saneamento, no quadri\u00eanio 2010-2013, a Sabesp investiu R$ 9,6 bilh\u00f5es, ante R$ 600 milh\u00f5es da Caesb. Como propor\u00e7\u00e3o do faturamento, esses gastos correspondem a 26% e 13%, respectivamente. Assim, a crise h\u00eddrica de S\u00e3o Paulo se deve, muito provavelmente, a alguma falha de planejamento da estatal, mas n\u00e3o a insufici\u00eancia de investimento. Pelo n\u00edvel dos investimentos da CAESB, se a situa\u00e7\u00e3o hidrol\u00f3gica fosse igual, talvez os efeitos sobre o Distrito Federal fossem piores.<\/p>\n

Em resumo, o que se v\u00ea na CAESB \u00e9 a subordina\u00e7\u00e3o do interesse p\u00fablico \u00e0s demandas salariais das corpora\u00e7\u00f5es \u2013 em preju\u00edzo da efici\u00eancia do servi\u00e7o e dos consumidores e contribuintes, especialmente os mais pobres. O mesmo padr\u00e3o de captura que levou a administra\u00e7\u00e3o direta do Distrito Federal \u00e0 fal\u00eancia. \u00c9 preocupante que esse modus operandi <\/em>venha contando com a prestimosa complac\u00eancia da ag\u00eancia reguladora, que, assim, parece ter perdido a no\u00e7\u00e3o de sua finalidade.<\/p>\n

\u00c9 preciso que a ADASA explique seus crit\u00e9rios de tarifa\u00e7\u00e3o. De outro modo, o saneamento b\u00e1sico no DF acabar\u00e1 se tornando artigo de luxo.<\/p>\n

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