{"id":2380,"date":"2015-02-02T08:48:10","date_gmt":"2015-02-02T11:48:10","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2380"},"modified":"2015-08-17T15:36:45","modified_gmt":"2015-08-17T18:36:45","slug":"qual-e-o-valor-juridico-das-metas-fiscais-o-caso-da-ldo-2014","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2380","title":{"rendered":"Qual \u00e9 o valor jur\u00eddico das metas fiscais? O caso da LDO 2014"},"content":{"rendered":"
1. Introdu\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n A Lei de Responsabilidade Fiscal exige que as Leis de Diretrizes Or\u00e7ament\u00e1rias contenham um anexo com uma s\u00e9rie de metas de natureza fiscal para os tr\u00eas anos subsequentes.<\/p>\n No final de 2014, a constata\u00e7\u00e3o de que a meta de resultado prim\u00e1rio n\u00e3o seria cumprida gerou grande controv\u00e9rsia no meio pol\u00edtico e na sociedade quanto \u00e0 caracteriza\u00e7\u00e3o ou n\u00e3o de crime de responsabilidade da Presidente de Rep\u00fablica na hip\u00f3tese de descumprimento da meta. Isso levou o Poder Executivo a propor e o Congresso Nacional a aprovar a Lei n\u00ba 13.053, 15 de dezembro de 2014, que altera a LDO 2014, para eliminar o limite de abatimento da meta de super\u00e1vit prim\u00e1rio originalmente previsto.<\/p>\n A LDO 2014 (Lei n\u00ba 12.919, de 24 de dezembro de 2013) fixara a meta de super\u00e1vit prim\u00e1rio em R$ 116,07 bilh\u00f5es, admitindo um abatimento de at\u00e9 R$ 67 bilh\u00f5es para despesas relacionadas ao Programa de Acelera\u00e7\u00e3o do Crescimento (PAC) e a desonera\u00e7\u00f5es de tributos. A Lei 13.053 limita-se a suprimir a refer\u00eancia aos R$ 67 bilh\u00f5es, permitindo o abatimento de despesas sem limite de valor.<\/p>\n Segundo a justifica\u00e7\u00e3o do projeto que resultou na Lei, a medida seria necess\u00e1ria em virtude de a economia brasileira ter crescido em 2014 em ritmo inferior ao previsto no in\u00edcio de 2013, quando foi elaborado o projeto da LDO 2014, o que teria afetado as receitas previstas.\u00a0Transcorrido o ano de 2014, constatou-se que n\u00e3o houve super\u00e1vit, mas d\u00e9ficit prim\u00e1rio de R$ 17,24 bilh\u00f5es.<\/p>\n Um adequado esclarecimento do tema n\u00e3o pode prescindir de uma an\u00e1lise jur\u00eddica das metas macroecon\u00f4micas constantes das LDOs.<\/p>\n 2. As finan\u00e7as p\u00fablicas na Constitui\u00e7\u00e3o Federal<\/strong><\/p>\n A lei de diretrizes or\u00e7ament\u00e1rias (LDO) foi institu\u00edda pela Constitui\u00e7\u00e3o de 1988 e comp\u00f5e, ao lado do plano plurianual (PPA) e da lei or\u00e7ament\u00e1ria anual (LOA), o sistema or\u00e7ament\u00e1rio. A estrutura\u00e7\u00e3o do sistema or\u00e7ament\u00e1rio obedece a uma hierarquia e a um calend\u00e1rio. A LOA deve ser compat\u00edvel com a LDO, que deve ser compat\u00edvel com o PPA. O PPA deve ser aprovado no 1\u00ba ano de mandato e tem prazo de vig\u00eancia de quatro anos; a LDO deve ser aprovada no primeiro semestre de cada ano, para orientar a elabora\u00e7\u00e3o do or\u00e7amento relativo ao ano subsequente. Para assegurar que esse calend\u00e1rio seja cumprido, a Constitui\u00e7\u00e3o pro\u00edbe a interrup\u00e7\u00e3o da sess\u00e3o legislativa para o recesso de meio de ano enquanto a LDO n\u00e3o for aprovada (art. 57, \u00a7 2\u00ba).<\/p>\n Segundo a Carta Magna, \u201ca lei de diretrizes or\u00e7ament\u00e1rias compreender\u00e1 as metas e prioridades da administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica federal<\/em>, incluindo as despesas de capital para o exerc\u00edcio financeiro subsequente, orientar\u00e1 a elabora\u00e7\u00e3o da lei or\u00e7ament\u00e1ria anual<\/em>, dispor\u00e1 sobre as altera\u00e7\u00f5es na legisla\u00e7\u00e3o tribut\u00e1ria e estabelecer\u00e1 a pol\u00edtica de aplica\u00e7\u00e3o das ag\u00eancias financeiras oficiais de fomento\u201d (art. 165, \u00a7 2\u00ba). A lei or\u00e7ament\u00e1ria, por sua vez, \u201cn\u00e3o conter\u00e1 dispositivo estranho \u00e0 previs\u00e3o da receita<\/em> e \u00e0 fixa\u00e7\u00e3o da despesa<\/em>\u201d (\u00a7 8\u00ba).<\/p>\n A disciplina das finan\u00e7as p\u00fablicas foi reservada a lei complementar (art. 163, I), que dever\u00e1 \u201cdispor sobre o exerc\u00edcio financeiro, a vig\u00eancia, os prazos, a elabora\u00e7\u00e3o e a organiza\u00e7\u00e3o do plano plurianual, da lei de diretrizes or\u00e7ament\u00e1rias e da lei or\u00e7ament\u00e1ria anual\u201d e \u201cestabelecer normas de gest\u00e3o financeira e patrimonial da administra\u00e7\u00e3o direta e indireta bem como condi\u00e7\u00f5es para a institui\u00e7\u00e3o e funcionamento de fundos\u201d (art. 165, \u00a7 9\u00ba).<\/p>\n Os atos do Presidente da Rep\u00fablica que atentem contra a lei or\u00e7ament\u00e1ria s\u00e3o considerados crimes de responsabilidade (art. 85, VI), dispositivo regulamentado pelo art. 10 da Lei n\u00ba 1.079, de 10 de abril de 1960, (que define os crimes de responsabilidade), alterada pela Lei n\u00ba 10.028, de 2000.<\/p>\n 3. A institui\u00e7\u00e3o das metas fiscais pela Lei de Responsabilidade Fiscal<\/strong><\/p>\n Em atendimento \u00e0 determina\u00e7\u00e3o constitucional, foi editada a Lei Complementar n\u00ba 101, de 4 de maio de 2000, que \u201cestabelece normas de finan\u00e7as p\u00fablicas voltadas para a responsabilidade na gest\u00e3o fiscal\u201d, conhecida como \u201cLei de Responsabilidade Fiscal (LRF)\u201d. Em conjunto com a Lei n\u00ba 4.320, de 17 de mar\u00e7o de 1964, que \u201cestatui normas gerais de direito financeiro\u201d, recepcionada como lei complementar, a LRF cont\u00e9m a disciplina b\u00e1sica das finan\u00e7as p\u00fablicas.<\/p>\n As metas fiscais comp\u00f5em o conte\u00fado obrigat\u00f3rio da LDO determinado pela LRF:<\/p>\n \u201cIntegrar\u00e1 o projeto de lei de diretrizes or\u00e7ament\u00e1rias Anexo de Metas Fiscais<\/strong>, em que ser\u00e3o estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas<\/em>, despesas<\/em>, resultados nominal e prim\u00e1rio<\/em> e montante da d\u00edvida p\u00fablica<\/em>, para o exerc\u00edcio a que se referirem e para os dois seguintes<\/em>\u201d (art. 4\u00ba, \u00a7 1\u00ba).<\/p>\n \u201cO Anexo conter\u00e1, ainda:<\/p>\n I – avalia\u00e7\u00e3o do cumprimento das metas relativas ao ano anterior;<\/p>\n II – demonstrativo das metas anuais, instru\u00eddo com mem\u00f3ria e<\/em> metodologia de c\u00e1lculo<\/em><\/strong> que justifiquem os resultados pretendidos, comparando-as com as fixadas nos tr\u00eas exerc\u00edcios anteriores, e evidenciando a consist\u00eancia delas com as premissas e os objetivos da pol\u00edtica econ\u00f4mica nacional<\/em><\/strong>; (…)\u201d (art. 4\u00ba, \u00a7 2\u00ba)<\/p><\/blockquote>\n A metodologia de elabora\u00e7\u00e3o dos anexos da LDO consta do Manual de Demonstrativos Fiscais, em 6\u00aa edi\u00e7\u00e3o, aprovado pela Portaria n\u00ba 553, de 22 de dezembro de 2014, da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) do Minist\u00e9rio da Fazenda (MF), que \u00e9 o \u00f3rg\u00e3o central do Sistema de Contabilidade Federal, institu\u00eddo pela Lei n\u00ba 10.180, de 6 de fevereiro de 2001.<\/p>\n N\u00e3o integram a LDO, mas devem compor a mensagem do Executivo que encaminhe seu projeto os \u201cobjetivos das pol\u00edticas monet\u00e1ria, credit\u00edcia e cambial, bem como os par\u00e2metros e as proje\u00e7\u00f5es para seus principais agregados e vari\u00e1veis, a ainda as metas de infla\u00e7\u00e3o para o exerc\u00edcio subsequente\u201d (art. 4\u00ba, \u00a7 4\u00ba).<\/p>\n O projeto de lei or\u00e7ament\u00e1ria, por sua vez, deve conter anexo com \u201cdemonstrativo da compatibilidade da programa\u00e7\u00e3o dos or\u00e7amentos com os objetivos e metas<\/em>\u201d da LDO (art. 5\u00ba, I).<\/p>\n Ao exigir que a LDO contenha um Anexo de Metas Fiscais, a LRF pretende induzir os entes p\u00fablicos a adotarem um planejamento financeiro de longo prazo, a ser apresentado e monitorado perante a opini\u00e3o p\u00fablica e o Congresso Nacional. T\u00e3o importante quando as metas em si, \u00e9 a sua fundamenta\u00e7\u00e3o, que deve avaliar o cumprimento das metas no ano anterior e apresentar mem\u00f3ria de c\u00e1lculo que evidencie sua consist\u00eancia com os objetivos da pol\u00edtica econ\u00f4mica nacional.<\/p>\n Na se\u00e7\u00e3o denominada \u201cDa Execu\u00e7\u00e3o Or\u00e7ament\u00e1ria e do Cumprimento das Metas<\/em>\u201d, a LRF determina ao Poder Executivo que demonstre e avalie<\/em> quadrimestralmente<\/em> perante o Congresso Nacional o cumprimento das metas fiscais (art. 9\u00ba, \u00a7 4\u00ba). Al\u00e9m disso, determina a fiscaliza\u00e7\u00e3o do atingimento das metas fiscais pelos sistemas de controle interno<\/em> de cada Poder e pelo Poder Legislativo, diretamente ou com o aux\u00edlio do Tribunal de Contas (art. 59, I), que dever\u00e1 emitir um alerta sempre que constatar a possibilidade de insufici\u00eancia da receita que coloque em risco o cumprimento das metas (\u00a7 1\u00ba, I).<\/p>\n A vincula\u00e7\u00e3o entre as metas fiscais e a gest\u00e3o financeira do dia-a-dia \u00e9 feita por dois mecanismos.<\/p>\n Preventivamente, exige-se a demonstra\u00e7\u00e3o de compatibilidade com as metas<\/em> fiscais como condi\u00e7\u00e3o de validade dos atos que importem em ren\u00fancia de receita<\/em> (art. 14, I); cria\u00e7\u00e3o, expans\u00e3o ou aperfei\u00e7oamento de a\u00e7\u00e3o governamental que acarrete aumento da despesa<\/em> (art. 16, \u00a7 1\u00ba, II); ou cria\u00e7\u00e3o ou aumento de despesa obrigat\u00f3ria de car\u00e1ter continuado<\/em> (art. 17, \u00a7 2\u00ba).<\/p>\n Na hip\u00f3tese de se constatar ao final de um bimestre que a receita poder\u00e1 \u201cn\u00e3o comportar o cumprimento das metas de resultado prim\u00e1rio ou nominal\u201d deve ser promovida a \u201climita\u00e7\u00e3o de empenho e movimenta\u00e7\u00e3o financeira<\/em> (contingenciamento), segundo os crit\u00e9rios fixados pela lei de diretrizes or\u00e7ament\u00e1rias\u201d (art. 9\u00ba, caput).<\/p>\n Na sequ\u00eancia da LRF, editou-se a Lei n\u00ba 10.028, de 19 de outubro de 2000, que tipificou diversos crimes comuns e de responsabilidade e infra\u00e7\u00f5es administrativas contra as finan\u00e7as p\u00fablicas. Foi tipificada como infra\u00e7\u00e3o administrativa<\/strong> contra as leis de finan\u00e7as p\u00fablicas \u201cpropor lei de diretrizes or\u00e7ament\u00e1rias anual que n\u00e3o contenha as metas fiscais na forma da lei<\/em><\/strong>\u201d, a ser processada e julgada pelo Tribunal de Contas e punida com \u201cmulta de trinta por cento dos vencimentos anuais do agente que lhe der causa\u201d (art. 5\u00ba, II).<\/p>\n 4. As metas como instrumento de responsabilidade fiscal<\/strong><\/p>\n As metas fiscais t\u00eam uma estreita rela\u00e7\u00e3o com o conceito de responsabilidade fiscal, que \u00e9 o valor maior perseguido pela LRF:<\/p>\n \u201cA responsabilidade na gest\u00e3o fiscal pressup\u00f5e a a\u00e7\u00e3o planejada<\/em> e transparente<\/em>, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equil\u00edbrio das contas p\u00fablicas<\/em><\/strong>, mediante o cumprimento de metas<\/strong><\/em> de resultados entre receitas e despesas e a obedi\u00eancia a limites e condi\u00e7\u00f5es<\/em> no que tange a ren\u00fancia de receita, gera\u00e7\u00e3o de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, d\u00edvidas consolidada e mobili\u00e1ria, opera\u00e7\u00f5es de cr\u00e9dito, inclusive por antecipa\u00e7\u00e3o de receita, concess\u00e3o de garantia e inscri\u00e7\u00e3o em Restos a Pagar\u201d (art. 1\u00ba, \u00a7 1\u00ba, da LRF).<\/p><\/blockquote>\n O objetivo \u00faltimo da responsabilidade fiscal \u00e9 alcan\u00e7ar o \u201cequil\u00edbrio das contas p\u00fablicas\u201d, por meio da preven\u00e7\u00e3o de riscos e da corre\u00e7\u00e3o de desvios.<\/p>\n A LRF estabelece dois instrumentos paralelos de promo\u00e7\u00e3o da responsabilidade fiscal: os limites e as metas. Os limites s\u00e3o par\u00e2metros estruturais, que n\u00e3o devem ser desrespeitados em nenhuma hip\u00f3tese. Sua viola\u00e7\u00e3o indica comprometimento direto da responsabilidade fiscal. As metas, em contraposi\u00e7\u00e3o, apontam n\u00edveis \u00f3timos a serem perseguidos de acordo com a conjuntura. Seu n\u00e3o cumprimento sinaliza um risco de comprometimento da responsabilidade fiscal, a ser considerado na execu\u00e7\u00e3o do or\u00e7amento vigente e na elabora\u00e7\u00e3o da lei or\u00e7ament\u00e1ria para o ano subsequente. Por serem conjunturais, as metas s\u00e3o revistas anualmente e constam da LDO, enquanto os limites s\u00e3o fixados diretamente pela LRF ou por leis ordin\u00e1rias e resolu\u00e7\u00f5es do Senado Federal, que vigoram por prazo indeterminado.<\/p>\n A LRF prev\u00ea limites para despesa total com pessoal (art. 19); d\u00edvidas consolidada e mobili\u00e1ria (art. 30); opera\u00e7\u00f5es de cr\u00e9dito (art. 32) e concess\u00e3o de garantias (art. 40).<\/p>\n No que diz respeito ao endividamento, a Constitui\u00e7\u00e3o prev\u00ea a exist\u00eancia de limites para os montantes da d\u00edvida consolidada de todos os entes federados (art. 52, VI), para a d\u00edvida dos entes subnacionais (art. 52, IX) e para a d\u00edvida federal (art. 48, XIV), estipula\u00e7\u00e3o reiterada pela LRF (art. 30, I e II). A Resolu\u00e7\u00e3o n\u00ba 40, de 2001, do Senado Federal estabeleceu os limites de 200% da receita corrente l\u00edquida para o Distrito Federal e os Estados e de 120% para os munic\u00edpios, a serem gradualmente atingidos ao longo dos quinze anos subsequentes. Complementarmente, a Resolu\u00e7\u00e3o n\u00ba 43, de 2001, estabeleceu outras restri\u00e7\u00f5es adicionais ao endividamento subnacional.<\/p>\n Para a d\u00edvida federal, no entanto, ainda n\u00e3o foram fixados limites. A mat\u00e9ria \u00e9 objeto do Projeto de Resolu\u00e7\u00e3o do Senado n\u00ba 84, de 2007, e do Projeto de Lei n\u00ba 3.431, de 2000, que tramita no Senado Federal como Projeto de Lei da C\u00e2mara n\u00ba 54, de 2009. Na aus\u00eancia de limites para o endividamento federal o sistema de metas torna-se ainda mais relevante, pois ele passa a ser o \u00fanico mecanismo de controle da responsabilidade fiscal da Uni\u00e3o.<\/p>\n H\u00e1 diversos indicadores de equil\u00edbrio fiscal adotados internacionalmente. Os principais procuram avaliar a capacidade do ente p\u00fablico de pagar sua d\u00edvida. A rela\u00e7\u00e3o d\u00edvida\/PIB<\/em> \u00e9 o \u00edndice que vem sendo adotado pelo Poder Executivo na defini\u00e7\u00e3o das metas fiscais. Quanto maior for esse indicador, maior ser\u00e1 o risco de n\u00e3o pagamento incorrido pelos investidores nos t\u00edtulos p\u00fablicos e consequentemente maior ser\u00e1 a taxa de juros que ter\u00e1 que ser oferecida. A taxa de juros dos t\u00edtulos p\u00fablicos, por sua vez, influencia a taxa de juros cobrada pelos bancos nos empr\u00e9stimos para o setor privado. Quanto menor for a rela\u00e7\u00e3o d\u00edvida\/PIB, portanto, menor ser\u00e1 a taxa de juros da economia e maior ser\u00e1 o investimento privado, que \u00e9 o principal fator de crescimento da economia. \u00c9 fundamental, portanto, que o Pa\u00eds tenha sempre uma meta de rela\u00e7\u00e3o d\u00edvida\/PIB de longo prazo, que deve orientar a fixa\u00e7\u00e3o das metas anuais de super\u00e1vit prim\u00e1rio.<\/p>\n O n\u00edvel desejado de rela\u00e7\u00e3o d\u00edvida\/PIB pode ser considerado um dos \u201cobjetivos da pol\u00edtica econ\u00f4mica nacional\u201d a que se refere a LRF. Embora n\u00e3o seja fixado pela LDO, ele deve constar da mem\u00f3ria de c\u00e1lculo das metas fiscais, que integra o anexo da lei.<\/p>\n No sistema de metas adotado pela LRF, meta de \u201cmontante da d\u00edvida p\u00fablica<\/em>\u201d corresponde ao valor absoluto da d\u00edvida a ser perseguido a cada ano, que deve indicar uma trajet\u00f3ria tendente a alcan\u00e7ar a rela\u00e7\u00e3o d\u00edvida\/PIB desejada.<\/p>\n A meta de resultado prim\u00e1rio, por sua vez, representa os recursos a serem reservados para o pagamento da d\u00edvida. Segundo o Manual de Demonstrativos Fiscais da STN,<\/p>\n \u201cO resultado prim\u00e1rio representa a diferen\u00e7a entre as receitas e as despesas prim\u00e1rias (n\u00e3o financeiras). Sua apura\u00e7\u00e3o fornece uma melhor avalia\u00e7\u00e3o do impacto da pol\u00edtica fiscal em execu\u00e7\u00e3o pelo ente da Federa\u00e7\u00e3o. Super\u00e1vits prim\u00e1rios, que s\u00e3o direcionados para o pagamento de servi\u00e7os da d\u00edvida, contribuem para a redu\u00e7\u00e3o do estoque total da d\u00edvida l\u00edquida<\/em>. Em contrapartida, d\u00e9ficits prim\u00e1rios indicam a parcela do aumento da d\u00edvida, resultante do financiamento de gastos n\u00e3o financeiros que ultrapassam as receitas n\u00e3o financeiras.\u201d (p. 218)<\/p><\/blockquote>\n A mem\u00f3ria de c\u00e1lculo da meta de resultado prim\u00e1rio deve indicar, portanto, o patamar de endividamento que se pretende alcan\u00e7ar e em que prazo. Esse patamar, por sua vez, deve ser compat\u00edvel como a capacidade de pagamento do Pa\u00eds, que \u00e9 medida pelo tamanho do PIB.<\/p>\n 5. As metas fiscais na LDO 2014<\/strong><\/p>\n Apesar de a LRF exigir que as metas fiscais constem do Anexo respectivo da LDO, criou-se ao longo dos anos a praxe de se repetir no texto da lei a meta de super\u00e1vit prim\u00e1rio. No caso da LDO 2014, o art. 2\u00ba estabeleceu as metas de R$ 116,072 bilh\u00f5es para o resultado prim\u00e1rio e de R$ 167,36 bilh\u00f5es para o resultado do setor p\u00fablico consolidado n\u00e3o financeiro. O art. 3\u00ba autorizou o j\u00e1 citado abatimento da meta de super\u00e1vit em at\u00e9 R$ 67 bilh\u00f5es. O Anexo IV apresenta, sob a forma de tabela, as metas de receita prim\u00e1ria, despesa prim\u00e1ria, resultado prim\u00e1rio, resultado nominal e d\u00edvida l\u00edquida para os anos de 2014 a 2016.<\/p>\n H\u00e1, no entanto, uma contradi\u00e7\u00e3o interna ao texto original da LDO, uma vez que, subtraindo-se o abatimento autorizado, ter-se-ia como meta de super\u00e1vit propriamente dita o valor de R$ 49,072 bilh\u00f5es. Apesar disso, a meta constante do Anexo \u00e9 de R$ 116, 072 bilh\u00f5es, revelando desconsidera\u00e7\u00e3o, portanto, do abatimento.<\/p>\n A mem\u00f3ria de c\u00e1lculo constante do Anexo indica que a meta de super\u00e1vit para o setor p\u00fablico consolidado n\u00e3o financeiro (que abrange Uni\u00e3o e entes subnacionais), de R$ 167,36 bilh\u00f5es, corresponde a 3,1% do PIB, percentual a ser mantido nos dois anos subsequentes, o que permitiria alcan\u00e7ar uma rela\u00e7\u00e3o d\u00edvida\/PIB de 26,4% ao final de 2016, e permitiria gerar \u201cd\u00e9ficit pr\u00f3ximo a zero no resultado nominal de 2016\u201d. Isso significa que o objetivo maior buscado pelo governo seria o de estabilizar a rela\u00e7\u00e3o d\u00edvida\/PIB em 26,4% no ano de 2016<\/em>.<\/p>\n Percebe-se, no entanto, que essa fundamenta\u00e7\u00e3o \u00e9 insatisfat\u00f3ria, pois n\u00e3o levou em considera\u00e7\u00e3o o abatimento de R$ 67 bilh\u00f5es, que resultaria em uma meta de R$ 100,36 bilh\u00f5es, correspondente a 1,86 % do PIB. Nesse patamar de super\u00e1vit, n\u00e3o se alcan\u00e7aria o citado d\u00e9ficit zero em 2016. Al\u00e9m disso, o \u201cresultado do setor p\u00fablico consolidado n\u00e3o financeiro\u201d n\u00e3o integra o Anexo da lei; apenas o resultado prim\u00e1rio do governo federal.<\/p>\n Al\u00e9m dessas inconsist\u00eancias, \u00e9 preciso registrar que a LDO 2014 foi aprovada em 24 de dezembro de 2013, quando a Constitui\u00e7\u00e3o determina o prazo de 17 de julho. O Projeto de Lei Or\u00e7ament\u00e1ria para 2014, foi apresentado em 29 de agosto de 2013, antes, portanto, da lei que deveria orientar a sua elabora\u00e7\u00e3o. O or\u00e7amento para 2014, que deveria ter sido aprovado at\u00e9 31 de dezembro de 2013, veio a ser aprovado em 20 de janeiro de 2014, por meio da Lei n\u00ba 12.952. Tais atrasos tornaram-se rotineiros nos \u00faltimos anos e revelam a fragilidade institucional ainda presente na gest\u00e3o financeira do Pa\u00eds.<\/p>\n 6. A altera\u00e7\u00e3o da meta de resultado prim\u00e1rio da LDO 2014<\/strong><\/p>\n Se a LDO 2014 j\u00e1 apresentava as impropriedades citadas, a Lei 13.053, de 2014, conseguiu torn\u00e1-la ainda pior, descumprindo praticamente todas as exig\u00eancias do Anexo de Metas Fiscais constantes da LRF. Ao eliminar o limite de abatimento da meta, na pr\u00e1tica ela deixa de fixar qualquer meta de resultado prim\u00e1rio.<\/p>\n Esse fato \u00e9 agravado pela n\u00e3o altera\u00e7\u00e3o do Anexo de Metas Fiscais, que permanece com os n\u00fameros da LDO original. O m\u00ednimo que se poderia esperar de uma altera\u00e7\u00e3o dessa natureza seria uma revis\u00e3o global do Anexo, contemplando novos valores para as metas de receita, despesa, resultados prim\u00e1rio e nominal e d\u00edvida l\u00edquida. Essa revis\u00e3o certamente teria que abarcar tamb\u00e9m os valores previstos para 2015 e 2016, que se sup\u00f5e tenham sido afetados pelos mesmos fatos que justificariam a altera\u00e7\u00e3o da meta de super\u00e1vit prim\u00e1rio para 2014.<\/p>\n O desrespeito pela LRF e pela cidadania \u00e9 evidenciado, ainda, pela aus\u00eancia de qualquer mem\u00f3ria de c\u00e1lculo que fundamente a altera\u00e7\u00e3o realizada e esclare\u00e7a quais s\u00e3o os atuais \u201cobjetivos da pol\u00edtica econ\u00f4mica nacional\u201d.<\/em> Mais precisamente, fica a quest\u00e3o: qual \u00e9 o novo objetivo da pol\u00edtica fiscal da Uni\u00e3o, em substitui\u00e7\u00e3o ao de estabiliza\u00e7\u00e3o do endividamento em 26,4 % do PIB no ano de 2016, que consta da LDO original?<\/p>\n 7. Consequ\u00eancias jur\u00eddicas do descumprimento das metas fiscais<\/strong><\/p>\n As metas fiscais n\u00e3o s\u00e3o regras jur\u00eddicas propriamente ditas, a serem cumpridas em quaisquer circunst\u00e2ncias. S\u00e3o par\u00e2metros de planejamento e transpar\u00eancia, a serem observados na elabora\u00e7\u00e3o da lei or\u00e7ament\u00e1ria anual e na execu\u00e7\u00e3o or\u00e7ament\u00e1ria.<\/p>\n Esse entendimento fica evidenciado quando a LRF determina que o Anexo da LDO contenha avalia\u00e7\u00e3o <\/em>do cumprimento das metas relativas ao ano anterior e a demonstra\u00e7\u00e3o<\/em> e avalia\u00e7\u00e3o<\/em> do cumprimento das metas de cada quadrimestre perante o Congresso Nacional. Se seu cumprimento deve ser avaliado, presume-se aceit\u00e1vel que a meta n\u00e3o seja alcan\u00e7ada.<\/p>\n Tanto \u00e9 assim que nem a Constitui\u00e7\u00e3o (art. 85, VI) nem a Lei 10.028 tipificaram como crime comum ou de responsabilidade o descumprimento das metas fiscais da LDO. Todos os crimes dizem respeito exclusivamente \u00e0 viola\u00e7\u00e3o da lei or\u00e7ament\u00e1ria.<\/p>\n Outro n\u00e3o pode ser o racioc\u00ednio quando se considera a natureza das metas a serem fixadas: \u201creceitas, despesas, resultados nominal e prim\u00e1rio e montante da d\u00edvida p\u00fablica\u201d. Desses itens, apenas as despesas est\u00e3o sob o controle do poder p\u00fablico. Ainda assim, n\u00e3o se trata de um controle absoluto, pois h\u00e1 despesas obrigat\u00f3rias (art. 17 da LRF), cuja n\u00e3o realiza\u00e7\u00e3o seria ilegal. As receitas dependem da conjuntura econ\u00f4mica, que \u00e9 influenciada por fatores alheios ao controle do Estado, como o desempenho da economia mundial e intemp\u00e9ries clim\u00e1ticas. O mais adequado seria falar-se em \u201cprevis\u00e3o de receita\u201d, como faz a Constitui\u00e7\u00e3o Federal (art. 165, \u00a7 8\u00ba), em lugar de meta de receitas, como consta da LRF. Os resultados nominal e prim\u00e1rio, por sua vez, dependem das receitas e despesas e o montante da d\u00edvida p\u00fablica depende do resultado nominal.<\/p>\n O alcance das metas \u00e9 influenciado, portanto, apenas parcialmente pelo governo, n\u00e3o se podendo responsabiliz\u00e1-lo automaticamente por eventual descumprimento. O que se exige \u00e9 que o cumprimento das metas seja avaliado no Anexo de Metas Fiscais da LDO subsequente, mediante indica\u00e7\u00e3o dos fatores que impediram seu atingimento e a fixa\u00e7\u00e3o de novas metas compat\u00edveis com a nova conjuntura econ\u00f4mica. Conclui-se da\u00ed que a altera\u00e7\u00e3o da LDO 2014 era desnecess\u00e1ria, bastando ao Poder Executivo apresentar perante o Congresso Nacional os motivos que levaram ao n\u00e3o atingimento da meta de super\u00e1vit prim\u00e1rio.<\/p>\n As metas s\u00e3o indispens\u00e1veis, por outro lado, para dar racionalidade ao or\u00e7amento, vinculando-o a um planejamento fiscal de longo prazo. Elas evidenciam a an\u00e1lise que deve orientar a elabora\u00e7\u00e3o da lei or\u00e7ament\u00e1ria, que \u201cfixa a despesa\u201d (art. 165, \u00a7 8\u00ba, da Constitui\u00e7\u00e3o), ou seja, autoriza o gasto p\u00fablico. Essa \u00e9 a regra jur\u00eddica propriamente dita, cuja viola\u00e7\u00e3o caracteriza crime de responsabilidade (art. 85, VI, da Constitui\u00e7\u00e3o Federal). Na aus\u00eancia dessa vincula\u00e7\u00e3o, a d\u00edvida p\u00fablica pode sair do controle, o que comprometeria n\u00e3o apenas a credibilidade do Pa\u00eds no mercado financeiro internacional, mas principalmente a capacidade de manuten\u00e7\u00e3o dos servi\u00e7os e investimentos p\u00fablicos nos anos subsequentes.<\/p>\n A inexist\u00eancia de Anexo de Metas Fiscais na forma da LRF \u00e9 ind\u00edcio de pelo menos uma entre duas condutas inadmiss\u00edveis: ou n\u00e3o h\u00e1 planejamento fiscal ou ele existe, mas est\u00e1 sendo ocultado da opini\u00e3o p\u00fablica. No primeiro caso, viola-se o princ\u00edpio da responsabilidade fiscal; no segundo, o da publicidade da administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica.<\/p>\n \u00c9 por esse motivo que a Lei 10.028, de 2000, tipifica como infra\u00e7\u00e3o administrativa a apresenta\u00e7\u00e3o de lei de diretrizes or\u00e7ament\u00e1rias anual que n\u00e3o contenha as metas fiscais na forma da lei<\/em> (art. 5\u00ba, II). N\u00e3o basta meramente preencher uma tabela de metas com n\u00fameros quaisquer.\u00a0 \u00c9 preciso fundament\u00e1-los com todos os elementos tornados obrigat\u00f3rios pela LRF.<\/p>\n O mero encaminhamento ao Congresso Nacional do Projeto de Lei n\u00ba 36, de 2014, que resultou na Lei n\u00ba 13.053, de 2014, j\u00e1 caracterizou, portanto, a infra\u00e7\u00e3o administrativa apontada. \u00c9 importante que o TCU processe e julgue os respons\u00e1veis pela apresenta\u00e7\u00e3o do projeto e que o STF declare a inconstitucionalidade da lei, a fim de que esse triste epis\u00f3dio n\u00e3o se transforme em um precedente capaz de comprometer o sistema de responsabilidade fiscal em todas as esferas da federa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Mais grave que descumprir uma meta fiscal \u00e9 n\u00e3o ter metas ou escond\u00ea-las da sociedade, situa\u00e7\u00e3o que representa um risco n\u00e3o apenas para a estabilidade da economia, mas para a pr\u00f3pria a democracia.<\/p>\n Download:<\/strong><\/p>\n