{"id":2362,"date":"2014-12-19T10:38:15","date_gmt":"2014-12-19T13:38:15","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2362"},"modified":"2014-12-19T10:38:15","modified_gmt":"2014-12-19T13:38:15","slug":"como-nossos-impostos-afetam-o-meio-ambiente","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2362","title":{"rendered":"Como nossos impostos afetam o meio ambiente?"},"content":{"rendered":"

1. Introdu\u00e7\u00e3o.<\/strong><\/p>\n

Na teoria econ\u00f4mica, a rela\u00e7\u00e3o entre impostos e meio ambiente come\u00e7ou a ser analisada desde o trabalho seminal de 1920 do economista ingl\u00eas Arthur Pigou1<\/sup>. De l\u00e1 para c\u00e1, muito foi estudado em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 mat\u00e9ria e muitos pa\u00edses passaram a adotar \u201ctributos ambientais\u201d2<\/sup>. Neste texto, fazemos uma introdu\u00e7\u00e3o<\/em> sobre a quest\u00e3o, pela \u00f3tica da teoria econ\u00f4mica do meio ambiente. Em primeiro lugar, discute-se a superioridade do imposto como mecanismo de defesa do meio ambiente em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s pol\u00edticas de comando e controle, como concebida na teoria. Em seguida, \u00e9 apresentada a \u201chip\u00f3tese do duplo dividendo\u201d, a possibilidade de uma reforma tribut\u00e1ria ambiental trazer tamb\u00e9m ganhos econ\u00f4micos, al\u00e9m dos ganhos ambientais. Ainda, detalha-se a vis\u00e3o da economia pol\u00edtica do tributo ambiental, debatendo a impopularidade, entre diversos stakeholders<\/em>, do imposto como instrumento de preserva\u00e7\u00e3o ambiental. Por fim, s\u00e3o apresentados exemplos na legisla\u00e7\u00e3o tribut\u00e1ria que se harmonizam (ou n\u00e3o) com a sustentabilidade, como a redu\u00e7\u00e3o do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para autom\u00f3veis e a proposta da Cide-Carbono.<\/p>\n

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2. Por que usar impostos?<\/strong><\/p>\n

Um tributo ambiental tem motiva\u00e7\u00e3o extrafiscal, ou seja, n\u00e3o objetiva o aumento da arrecada\u00e7\u00e3o. O que se pretende \u00e9 estabelecer incentivos (e desincentivos) para que a produ\u00e7\u00e3o de bens e servi\u00e7os seja sustent\u00e1vel.<\/p>\n

Na teoria econ\u00f4mica, o imposto \u201cpigouviano\u201d \u00e9 concebido como um imposto capaz de corrigir uma externalidade. Por sua vez, de maneira simplificada, a externalidade \u00e9 o impacto de uma atividade em terceiros que n\u00e3o decidem sobre ela. Um exemplo b\u00e1sico de uma externalidade, negativa, \u00e9 a polui\u00e7\u00e3o gerada por uma f\u00e1brica.<\/p>\n

Neste exemplo, a produ\u00e7\u00e3o da f\u00e1brica imp\u00f5e custos a terceiros (externalidade) sob a forma de polui\u00e7\u00e3o. O imposto seria capaz de \u201cinternalizar\u201d a externalidade: isto \u00e9, fazer com que o pr\u00f3prio gerador da polui\u00e7\u00e3o pagasse o custo da polui\u00e7\u00e3o. Cabe observar que a motiva\u00e7\u00e3o do imposto n\u00e3o seria de criar um \u00a0novo custo, mas apenas de transferir um custo j\u00e1 existente \u2015 que estaria sendo pago por terceiros (ex: sociedade) \u2015 a quem de fato seria respons\u00e1vel por ele (o poluidor).<\/p>\n

No jarg\u00e3o da \u00e1rea, o ponto de equil\u00edbrio da produ\u00e7\u00e3o deixaria de ser o \u00f3timo privado (poluir tanto quanto necess\u00e1rio para maximizar o lucro privado) para ser o \u00f3timo social (reduzir a produ\u00e7\u00e3o para poluir menos): com o imposto, o n\u00edvel de produ\u00e7\u00e3o seria eficiente do ponto de vista da sociedade, e n\u00e3o, como antes, apenas do ponto de vista do produtor.<\/p>\n

Como instrumento da pol\u00edtica ambiental, o imposto se op\u00f5e \u00e0s medidas de comando e controle (normas e puni\u00e7\u00e3o para seu descumprimento). Exemplos dessas medidas incluem o estabelecimento, por uma prefeitura, de limites m\u00e1ximos de emiss\u00e3o de mon\u00f3xido de carbono e hidrocarbonetos nos ve\u00edculos, ou a determina\u00e7\u00e3o de uma percentagem de cada propriedade que deve ser preservada variando em diferentes biomas (Reserva Legal). No caso simples aqui tratado, de polui\u00e7\u00e3o de f\u00e1bricas, visando reduzir o impacto ambiental, uma norma poderia ser baixada limitando a produ\u00e7\u00e3o de todas as f\u00e1bricas a certa quantidade.<\/p>\n

Na teoria, a superioridade do imposto em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s normas se daria por sua flexibilidade, j\u00e1 que as normas ignoram diferen\u00e7as de custos entre as empresas. Assim, o imposto seria mais eficiente, ao minimizar a \u201cperda de peso morto\u201d (deadweight loss<\/em>) \u2013 que pode ser entendida como o valor da produ\u00e7\u00e3o perdida. O tributo ambiental permitiria que os custos ambientais e os custos econ\u00f4micos fossem compatibilizados. Outra vantagem seria induzir a inova\u00e7\u00e3o tecnol\u00f3gica pelos produtores, na tentativa de minimizar o impacto ambiental.<\/p>\n

Entretanto, a superioridade do imposto como instrumento de pol\u00edtica ambiental \u00e9 contestada. Mesmo economistas reconhecem que a superioridade desse instrumento se d\u00e1 apenas sob condi\u00e7\u00f5es espec\u00edficas3<\/sup>. As principais cr\u00edticas focam nas dificuldades de implementa\u00e7\u00e3o pr\u00e1tica (por exemplo, de um imposto sobre a polui\u00e7\u00e3o), considerando o imposto pigouviano uma \u201cobsess\u00e3o\u201d te\u00f3rica.<\/p>\n

O tributo ambiental tamb\u00e9m \u00e9 criticado pela aus\u00eancia de estigma que concede \u00e0s condutas poluidoras4<\/sup>, com base na cren\u00e7a de que a preserva\u00e7\u00e3o do meio ambiente n\u00e3o deveria ser \u201cmercantilizada\u201d, devendo ser um valor em si. Tamb\u00e9m h\u00e1 preocupa\u00e7\u00f5es ligadas \u00e0 desigualdade, j\u00e1 que empresas maiores poderiam produzir e poluir mais pagando mais impostos, enquanto a produ\u00e7\u00e3o de empresas menores ficaria comprometida.<\/p>\n

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3. Ganhos econ\u00f4micos, al\u00e9m de ganhos ambientais?<\/strong><\/p>\n

Mais recentemente, os economistas t\u00eam discutido a chamada \u201chip\u00f3tese do duplo dividendo\u201d5<\/sup>. Considerando o pressuposto de que o imposto \u00e9 o melhor instrumento para preserva\u00e7\u00e3o ambiental, alguns especialistas defendem que uma reforma tribut\u00e1ria ambiental traria n\u00e3o apenas ganhos ambientais (\u201cdividendo verde\u201d), mas tamb\u00e9m ganhos econ\u00f4micos (\u201cdividendo azul\u201d).<\/p>\n

A efici\u00eancia do tributo ambiental e o chamado dividendo azul ocorreriam porque o aumento da arrecada\u00e7\u00e3o proveniente dos tributos ambientais permitiria a redu\u00e7\u00e3o ou elimina\u00e7\u00e3o de outros impostos distorcivos associados com a perda de peso morto, aumentando a efici\u00eancia da produ\u00e7\u00e3o na economia como um todo.<\/p>\n

A hip\u00f3tese do duplo dividendo \u00e9 controversa, e existe em tr\u00eas formas diferentes (weak double dividend, strong double dividend, employment double dividend<\/em>), com diferentes graus de aceita\u00e7\u00e3o6<\/sup>.<\/p>\n

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4. Economia Pol\u00edtica<\/strong><\/p>\n

Apesar do reconhecimento na teoria da superioridade do imposto como instrumento de pol\u00edtica ambiental em v\u00e1rios casos, o que se observa na pr\u00e1tica \u00e9 uma popularidade muito maior das pol\u00edticas de comando e controle.<\/p>\n

Dietz e Vollebergh (1999)7<\/sup> avaliam que as pol\u00edticas de comando e controle s\u00e3o preferidas pelos poluidores, ambientalistas, pol\u00edticos e burocratas.<\/p>\n

O pr\u00eamio Nobel James Buchanan, em trabalho de 19758<\/sup>, demonstra que as normas podem causar um aumento de custo menor para os poluidores do que os tributos, motivo pelo qual eles teriam maior resist\u00eancia aos impostos ambientais.<\/p>\n

Paradoxalmente, tamb\u00e9m grupos ambientalistas teriam prefer\u00eancias por pol\u00edticas de comando e controle em rela\u00e7\u00e3o a pol\u00edticas de mercado como instrumentos de preserva\u00e7\u00e3o do meio ambiente, com base em \u201cvalores morais\u201d. Para esses grupos, as pol\u00edticas de mercado, como o imposto ambiental, poderiam dar legitimidade \u00e0 pr\u00e1tica poluidora, enquanto a penalidade sinalizaria melhor a rejei\u00e7\u00e3o da sociedade\u00a0 e estigmatizaria a polui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

J\u00e1 a classe pol\u00edtica consideraria que as medidas de comando e controle teriam maior apelo junto ao eleitorado. Para um pol\u00edtico, uma norma seria mais oportuna para reproduzir a imagem de defensor do meio ambiente do que a cria\u00e7\u00e3o de um imposto.<\/p>\n

Por seu turno, a burocracia teria nas normas maior possibilidade de exercer influ\u00eancia e possuir poder e prest\u00edgio. Juntas, as prefer\u00eancias de poluidores, ambientalistas, pol\u00edticos e burocratas ajudariam a explicar a popularidade maior dos instrumentos de comando e controle em rela\u00e7\u00e3o aos de mercado, como o imposto.<\/p>\n

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5. Pol\u00edtica tribut\u00e1ria e sustentabilidade no Brasil<\/strong><\/p>\n

Ainda que a aplicabilidade do imposto ambiental idealizado na teoria n\u00e3o seja consensual, a teoria econ\u00f4mica mostra como a tributa\u00e7\u00e3o pode estimular comportamentos desej\u00e1veis e desestimular os indesej\u00e1veis. Alguns exemplos s\u00e3o pertinentes para visualizar como isso pode acontecer.<\/p>\n

Em anos recentes, no Brasil, com o objetivo de aquecer a economia e conter a infla\u00e7\u00e3o, o governo federal reduziu as al\u00edquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para autom\u00f3veis e zerou as al\u00edquotas da Contribui\u00e7\u00e3o de Interven\u00e7\u00e3o no Dom\u00ednio Econ\u00f4mico (Cide-Combust\u00edveis) incidente sobre as opera\u00e7\u00f5es realizadas com combust\u00edveis9<\/sup>.<\/p>\n

Assim, o tratamento tribut\u00e1rio diferenciado acabou por elevar o consumo de combust\u00edveis f\u00f3sseis, prejudicando a qualidade do ar e a mobilidade urbana nas cidades brasileiras. Tamb\u00e9m prejudicou um setor importante para a economia verde, o do etanol, que passou a ter custo pouco competitivo para o consumidor final, comparado \u00e0 gasolina.<\/p>\n

Em termos de boas pr\u00e1ticas que harmonizam pol\u00edtica tribut\u00e1ria e sustentabilidade, h\u00e1 casos inovadores em n\u00edvel estadual e municipal. O Estado do Par\u00e1, por meio da Lei Estadual n\u00ba 7.638, de 12 de julho de 2012<\/a>, e do Decreto n\u00ba 775, de 26 de junho de 2013<\/a>, entrou no rol dos estados que utilizam o \u201cICMS Verde\u201d, com crit\u00e9rios sofisticados para a distribui\u00e7\u00e3o dos recursos do Imposto sobre Circula\u00e7\u00e3o de Mercadorias e Servi\u00e7os (ICMS) entre os munic\u00edpios.<\/p>\n

O recebimento dos recursos varia, por munic\u00edpio, de acordo com a redu\u00e7\u00e3o ocorrida no desmatamento e porcentagem de \u00e1rea ocupada por unidades de conserva\u00e7\u00e3o, terras ind\u00edgenas e terras quilombolas \u2015 entre outros crit\u00e9rios. Dessa forma, o ICMS Verde reduz os ganhos econ\u00f4micos do desmatamento, incentivando a preserva\u00e7\u00e3o ambiental.<\/p>\n

Em n\u00edvel municipal, a cidade de Guarulhos, uma das maiores do interior do Brasil, criou em 2010 o IPTU-Verde, concedendo descontos no Imposto sobre Propriedade Predial Territorial Urbana (IPTU) para condom\u00ednios que, entre outras pr\u00e1ticas, participem da coleta seleta de lixo, tenham materiais sustent\u00e1veis em sua constru\u00e7\u00e3o ou reusem \u00e1gua da chuva.<\/p>\n

No mundo, dezenas de pa\u00edses implementaram um tributo sobre carbono (carbon tax<\/em>). Esse tipo de imposto j\u00e1 existe em v\u00e1rios pa\u00edses europeus, no Jap\u00e3o e em estados do Canad\u00e1 e dos Estados Unidos, al\u00e9m de em pa\u00edses emergentes como \u00cdndia, \u00c1frica do Sul, M\u00e9xico, Costa Rica e Chile. Appy et. al (2014) prop\u00f5e usar o car\u00e1ter extrafiscal da Cide e criar a Cide-Carbono no Brasil, incidindo sobre combust\u00edveis f\u00f3sseis e abate tardio de bovinos10<\/sup>.<\/p>\n

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1<\/sup> PIGOU, A. The Economics of Welfare<\/em>. Londres: Macmillan, 1920.<\/p>\n

2<\/sup> Neste artigo usamos \u201cimposto\u201d e \u201ctributo\u201d como sin\u00f4nimos, cientes da distin\u00e7\u00e3o dos termos no Direito Tribut\u00e1rio.<\/p>\n

3<\/sup> HELFAND, G. Standards versus Taxes in Pollution Control.\u00a0 In: van den Bergh, J. (Org.). Handbook of Environmental and Resource Economics<\/em>. Northampton: Edward Elgar, 1999.<\/p>\n

4<\/sup> KELMAN, S. What Price Incentives? Economists and the Environment<\/em>. Boston: Auburn House Publishing Company, 1981.<\/p>\n

5<\/sup> \u00a0FULLERTON, D. Environmental levies and distortionary taxation: Comment. American Economic Review<\/em>, v. 87, pp. 245-51, 1997.<\/p>\n

6<\/sup> MOOIJ, R. The double dividend of an environmental tax reform. In: van den Bergh, J. (Org.). Handbook of Environmental and Resource Economics<\/em>. Northampton: Edward Elgar, 1999.<\/p>\n

7<\/sup> DIETZ, F.; VOLLEBERGH, H. Explaining instrument choice in environmental policies. In: van den Bergh, J. (Org.). Handbook of Environmental and Resource Economics<\/em>. Northampton: Edward Elgar, 1999.<\/p>\n

8<\/sup> BUCHANAN, J.; TULLOCK, G. \u2018Polluters\u2019 profits and political response: direct controls versus taxes. American Economic Review<\/em>, v. 65, pp. 139-47, 1975.<\/p>\n

9<\/sup> Conforme, atualmente, o Decreto n\u00ba 8.279, de 30 de junho de 2014, e o Decreto n\u00ba 7.764, de 22 de junho de 2012.<\/p>\n

10<\/sup> APPY, B.; TOLEDO, C.; MICCOLIS, A.; MARSON, R.; GOMES, V. Cide-Carbono: mais florestas, menos gases estufas. In: LIMA, A.; MOUTINHO, P. (Org.). Pol\u00edtica Tribut\u00e1ria Brasileira e sua \u201cPegada\u201d Clim\u00e1tica: por uma transi\u00e7\u00e3o rumo \u00e0 sustentabilidade<\/em>. Instituto de Pesquisa Ambiental da Amaz\u00f4nia (IPAM): Bras\u00edlia, 2014.<\/p>\n

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